ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

A Formação do Sistema Previdenciário Brasileiro: 90 anos de História

Formation of the Brazilian Social Security System: 90 years of History

Lara Lúcia da Silva

Mestrado em Administração, Técnico administrativo Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Patos de Minas (MG), Brasil,

laraluciads@gmail.com;

http://lattes.cnpq.br/6439991320895578

Thiago de Melo Teixeira da Costa

Doutorado em Economia Aplicada, Professor Adjunto da Universidade Federal de Viçosa, Brasil,

thiagocosta@ufv.br,

http://lattes.cnpq.br/3856349103878126

RESUMO: O trabalho objetivou traçar a evolução da Previdência Social brasileira nos 90 anos de história, para identificar obstáculos e entraves em seu percurso para a efetivação dos direitos sociais e entender quais fatores contribuíram para a formação da atual situação financeira. Optou por dividir os 90 anos que marcam o cenário previdenciário em cinco momentos distintos, conforme suas peculiaridades, baseando-se em estudos como os de Malloy (1979), Oliveira e Teixeira (1989), Vianna (1998) e Santos (2009), em que foram analisadas as questões financeiras e políticas e a influência dos modelos da administração pública na formação das políticas previdenciárias. Percebeu-se que as políticas previdenciárias têm se caracterizado por um papel pouco redistributivo, baixa legitimidade democrática das coalizões dos trabalhadores, falta de uma autonomia burocrática e profissionalização das classes sociais e a pequena capacidade de mobilização, dificultando a condução de políticas previdenciárias voltadas para atender as necessidades de bem-estar social da população.

Palavras Chaves: Previdência Social, Evolução Histórica, Políticas Previdenciárias.

ASBTRACT: The objective of this article was to trace the evolution of the Brazilian Social Security Program in its 90 years of history, aiming to identify possible obstacles and barriers in its path to the fulfillment of social rights and to understand which factors contributed to form the current financial situation of the social-security system. We chose to divide the 90 years that marked the social insurance scenario into five distinguished moments according to their peculiarities, based on studies such as those of Malloy (1979), Oliveira and Teixeira (1989), Vianna (1998) and Santos (2009), in which the aspects related to the financial and political issues as well as the influence of public administration models in the formation of the welfare policies were analyzed. We noticed that the social insurance policies have been characterized by having a somewhat small redistributive role, a low democratic legitimacy of workers coalitions, a lack of bureaucratic autonomy and of professionalization of social classes, and low mobilization ability, hindering the management of social-security policies aimed to meet the social-welfare requirements of the population.

Keywords: Social Security, Historical Evolution, Social-Security Policies

Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br

Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br


Introdução

No Brasil, a ideia de seguro social surgiu no final do século XX, onde os trabalhadores de uma empresa, sem a participação direta do poder público, sentiram a necessidade de criar fundos de auxílios, a fim de garantir a subsistência quando impossibilitados de trabalhar (BATICH, 2004). As primeiras iniciativas de benefícios previdenciários nasceram na Alemanha, em 1883, durante o Governo do Chanceler Otto Von Bismarck, em resposta às greves e pressões dos trabalhadores. O modelo bismarckiano é um sistema de seguros sociais no qual o montante das prestações é proporcional à contribuição efetuada; os recursos são provenientes da contribuição direta de empregados e empregadores, baseada na folha de salários (HUBER, 1965); em relação à gestão, cada benefício é organizado em Caixas geridas pelo Estado, com participação dos contribuintes, ou seja, empregadores e empregados (BOSCHETTI, 2003), com o objetivo de ajudar a reduzir a pobreza, fornecer a segurança e a continuidade da renda e reduzir a desigualdade entre as famílias (ALBER, 1989).

A Previdência Social instaurada no Brasil apoiou-se no princípio político alemão, definido pela expressão Sozialstaat (Estado Social) e, por isso, apresentou algumas semelhanças com o modelo bismarckiano, tais como o sistema de repartição, o financiamento tripartite e a necessidade de contribuição prévia para a concessão de benefícios, formando as bases da atual estrutura previdenciária. Tanto no Brasil quanto na Alemanha, o que se percebe é que a expansão das políticas ligadas ao seguro social ocorreu em um contexto marcado por intensas mudanças sociais que acompanharam a modernização da sociedade, as demandas impostas pelo aumento dos riscos e situações de emergência, a exigência por direitos sociais, a necessidade de regular os movimentos reivindicatórios, o enfraquecimento de instituições tradicionais de assistência como a família e a igreja e a insuficiência do mercado em prover o bem-estar social.

Além disso, verifica-se que as políticas previdenciárias surgiram em um contexto marcado pelo início da industrialização e urbanização, em que as demandas por melhores condições de vida foram aumentando e expandindo a necessidade de proteção social por parte do Estado, como forma de dispersar a ameaça dos movimentos operários à ordem social do país.  A partir de então, a proteção pública se ampliava à medida que aumentava a necessidade dos trabalhadores por melhores condições de vida, demandando uma grande quantidade de recursos públicos para o investimento em áreas sociais, redefinindo o papel liberal que o Estado desempenhava no antigo sistema. Portanto, a Previdência Social brasileira emerge devido aos efeitos negativos que o processo de produção capitalista ocasionava, sendo necessário socializar os custos da força de trabalho, a fim de promover melhores condições de vida para a classe trabalhadora.

O surgimento da Previdência Social no Brasil data de 1923, ano em que foi promulgada a Lei Eloy Chaves, considerada a primeira lei a regular o sistema previdenciário brasileiro. Até então, as primeiras iniciativas de caráter assistencial e beneficente de proteção social eram realizadas por instituições ligadas à religião, como as Santas Casas de Misericórdias, que não contavam com a participação de entidades públicas.

Alguns estudos como os de Malloy (1979), Santos (1979), Oliveira e Teixeira (1989), Azeredo (1993) e Santos (2009) trazem aspectos relacionados com a evolução histórica do sistema de proteção social no Brasil, com destaque para as áreas da saúde, da assistência social e da previdência social, com foco para as questões políticas (Malloy, 1979; Azeredo, 1993) financeiras e orçamentárias (Oliveira & Teixeira, 1989; Santos, 2009).

O objetivo do trabalho consistiu em traçar a evolução da Previdência Social brasileira nos 90 anos de história, com o intuito de identificar possíveis obstáculos e entraves em seu percurso para a efetivação dos direitos sociais, bem como entender quais fatores ao longo destes anos contribuíram para a construção da atual situação financeira do sistema previdenciário brasileiro. Por meio de uma análise bibliográfica, utilizou-se uma abordagem historiográfica, reconstituindo o desenvolvimento da Previdência Social brasileira, a fim de compreender os fatores que acarretaram o seu surgimento, expansão e crise, permitindo identificar principais atores e condicionantes desta formação. Segundo Pimentel (2001), o estudo baseado em documentos, sejam revisões bibliográficas ou pesquisas historiográficas, conseguem extrair deles toda a análise, organizando-os e interpretando-os segundo os objetivos da investigação proposta.

A fim de facilitar o entendimento acerca das diferentes fases da formação da Previdência Social brasileira, os 90 anos que marcam o cenário previdenciário foram divididos em cinco momentos distintos, de acordo com os estudos de Malloy (1979), Oliveira e Teixeira (1989), Vianna (1998) e Santos (2009), em que foram analisados os aspectos relacionados com as questões financeiras e políticas, bem como a influência dos modelos da administração pública na formação das políticas previdenciárias.

O primeiro período (1923 a 1930) marcou o início do sistema previdenciário brasileiro, com a promulgação da Lei Eloy Chaves e a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), apresentando, por um lado, uma expansão da cobertura dos benefícios, e do outro, uma intensa fragmentação das classes sociais.

O segundo período (1931 a 1945) caracterizou-se por políticas de cunho contencionista e de restrição orçamentária, com a unificação das CAPs em grandes Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs).

O terceiro período (1946 a 1963) ficou conhecido como o período da redemocratização, sendo marcado por forte elevação das despesas e a passagem do sistema de capitalização para o de repartição. Além disso, houve um intenso debate sobre como a Previdência Social deveria ser encarada, como sendo um seguro social oriundo da visão neoliberal ou como seguridade social, com reflexos da nova ordem social que se instaurava no mundo pós-guerra, onde o Estado seria responsável por manter o bem-estar social e promover a política de Welfare Sate no país.

O quarto período (1964 a 1988) é visto por Draibe (1990) como sendo a era da consolidação institucional e da reestruturação conservadora, em que a ditadura militar investe em políticas de cunho social como forma de legitimar o poder, aumenta a cobertura dos benefícios, mas provoca desigualdades e grande estratificação social, já que não conseguia atender a toda população.

O quinto e último período (1988 a 2013) é visto como uma fase em que o país promove uma reconstrução política, social e econômica, de bases progressistas, com o inicio da Nova República e a promulgação da Constituição Federal em 1988. Neste período inicia-se também uma onda de reformas administrativas na Previdência Social (1998, 2003, 2005) que acaba alterando as regras instauradas na Constituição Federal, com a finalidade de equilibrar as finanças e minimizar a crise fiscal que o Estado havia enfrentado nos últimos anos.

 

Evolução Histórica da Previdência Social no Brasil e suas implicações no contexto atual

Pré-1923: Os antecedentes da Previdência Social

O marco legal do surgimento da Previdência Social no Brasil data de 1923 e, de acordo com Oliveira e Teixeira (1989), autores como Donnangelo (1975) e Braga (1978) e, mais recentemente Silva (2010), desconsideram as medidas adotadas antes dos anos 1920 no contexto previdenciário, pelo fato de que elas teriam pouca importância quantitativa, uma vez que abrangiam uma parcela pouco significativa dos assalariados e também devido à ausência do Estado nestas instituições, que passou a ter papel ativo apenas em 1923 com a criação das CAPs.

Entretanto, no final do século XVIII surgem algumas tentativas de criar instituições de natureza previdenciária no Brasil, quando em 23 de setembro de 1795 nasce o “Plano de Beneficência dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha”. Em 1827, é criado o Meio Soldo do Exército. Em 1835, cria-se o Montepio Geral da Economia, programa de amparo ao socorro dos funcionários do Ministério da Economia (MONGERAL, 1835), abrangendo todos os funcionários do Estado (Pereira, Niyama, Sallaberry, 2013). Neste período, o Brasil vivenciava o seu período Regencial, em que houve uma unidade territorial e a discussão sobre o grau de autonomia das províncias e a necessidade de centralizar o poder. A população estava descontente com o poder central e, por isso, as tensões sociais ganhavam cada vez mais espaço e o governo se preocupava em manter a ordem política e preservar seus interesses.

O ano de 1889 foi importante para a configuração da história do Brasil, pois os ideais republicanos tomaram espaço e as insatisfações dos militares culminaram na proclamação da República, com um compromisso de modernizar o país e superar os entraves para o desenvolvimento econômico. No entanto, os anos posteriores foram marcados por insatisfações no campo social e constantes revoltas por melhores condições de vida.

Nos primeiros anos da República Velha, que vai de 1889 a 1919, foram adotadas medidas que favoreciam algumas categorias de funcionários públicos como os do Ministério da Fazenda, da Guerra e os operários do Arsenal da Marinha da Capital. Além disso, os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil foram beneficiados com a aposentadoria, sendo, posteriormente, estendida aos demais funcionários das estradas de ferro da República (Oliveira & Teixeira, 1989). Antes mesmo da institucionalização do sistema previdenciário, já se percebe o que Malloy (1979), Draibe (1990) e Medeiros (2001) identificam como uma característica marcante da Previdência Brasileira, que consiste no favorecimento de funcionários ligados ao governo como uma forma de clientelismo e corporativismo presentes em um modelo marcado por práticas patrimonialistas. Este sistema repercutirá, um século depois, na Constituição Federal de 1988, com medidas que, segundo Oliveira e Beltrão (2001), trouxeram um impacto financeiro negativo para as receitas da Previdência Social.

Em 1888, conforme evidencia Cardoso Júnior e Jaccoud (2005), surgiu a primeira legislação específica sobre Direito Previdenciário. No entanto, só em 1891 é que a Constituição faz referência à Previdência, no que se refere à aposentadoria em favor dos funcionários públicos, dispondo no artigo 75 que “a aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da nação” (Martins, 2004 apud Silva, 2010 p. 4).[1] 

O período da República Velha foi marcado, por um lado, por uma atitude liberal do Estado diante das questões trabalhistas e sociais e, por outro, pelos movimentos operários sindicais que assumiam dimensão importante na sociedade, se posicionado de maneira cada vez mais intensa contra essas políticas. Dessa forma, os princípios do liberalismo econômico, com uma política estatal não intervencionista, caracterizaram os primórdios da proteção social no Brasil e, por isso, durante quase todo o período da Primeira República a questão social foi considerada um problema para a classe política.

No início do século XX, o Brasil se vê diante de uma nova realidade econômica e social, onde o avanço da economia cafeeira abre espaço para o surgimento dos primeiros polos industriais, formando além de um setor moderno de economia, uma classe operária no país. Além disso, durante a Primeira Guerra Mundial, houve uma expansão da indústria brasileira, resultado do declínio do comércio internacional e da intensa necessidade de substituição das importações, aumentando, assim, o número de trabalhadores sindicalizados e fortalecendo o movimento operário. É a partir daí, principalmente nos anos compreendidos entre 1917 a 1919, que surgem as manifestações dos trabalhadores, culminando em greves contra a postura liberal do governo e a favor de uma legislação trabalhista. Assim, enquanto o processo de industrialização se acelerava, o movimento operário procurava obter alguma proteção no trabalho que levasse à criação de uma legislação social no país.

Cardoso Júnior e Jaccoud (2005) lembram que a formação da legislação trabalhista brasileira aparece concomitantemente à formação e à institucionalização da Previdência Social, uma vez que, até 1923, não havia uma legislação destinada às questões trabalhistas e sociais. Para estes autores, todas as regulamentações ajudaram a transformar o status da questão social no país, sendo necessário, neste momento, saber como regular o mundo do trabalho, associando ao assalariamento as garantias no campo da proteção social. É neste contexto que se formam as bases para a atuação do Estado social que, nas palavras de Huber (1965), surge como um Estado da idade industrial moderna, que tenta superar o conflito entre Estado tradicional e a sociedade  industrial, vale dizer, sociedade de classes por meio da integração social.

Oliveira e Teixeira (1989) destacam que, diante de tais protestos, a estabilidade econômica e social ficou ameaçada, aumentando a pressão sobre a necessidade de intervenção do Estado nas questões sociais. Os autores complementam ainda que o fim da postura liberal e a formação de uma legislação trabalhista não ocorrem em virtude de uma visão “paternalista” por parte das classes dominantes, mas sim como resultado da pressão dos trabalhadores que ameaçavam o plano econômico e político do governo. Vianna (1998) explica esse contexto ao evidenciar que a força política e organizacional dos trabalhadores, expressa por meio de greves e reivindicações, induz a expansão da proteção social, mas que gera, em contrapartida, um maior controle do Estado sobre os trabalhadores.

 

1923-1930: A criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões

O período que vai de 1923 a 1930 é considerado como sendo o primeiro da história da Previdência Brasileira, iniciado com a promulgação da Lei Eloy Chaves, em 24 de janeiro de 1923, pelo então Presidente da República Arthur Bernardes, cujo governo foi marcado por uma instabilidade política, devido ao movimento tenentista e por uma repressão aos movimentos reivindicatórios dos operários. Na visão de Malloy (1979), a Lei Eloy Chaves lançou a base jurídica e conceitual sobre a qual o sistema de Previdência Social seria construído, estabelecendo o seguro social como um meio para lidar com as reivindicações sociais que emergiam e ameaçavam a estabilidade do país. Esta fase foi também a primeira intervenção por parte do Estado no sistema de proteção social brasileiro, com a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs). Porém, apesar de o governo ter criado as CAPs, elas tinham natureza civil e privada, não havendo intervenção estatal direta no que diz respeito à sua administração e financiamento. Para Costa (2005), a primeira lei na área da Previdência Social não a instituiu como uma entidade pública, sob a responsabilidade do Estado. Isso só viria a ocorrer na década de 1930, depois que houve o colapso da economia cafeeira, influenciando o surgimento de uma nova conjuntura por meio da adoção do planejamento estatal.

As Caixas eram administradas por comissões compostas pelos representantes das empresas e dos empregados. Azeredo (1993) aponta que a forma com que as CAPs foram organizadas representa a primeira manifestação de que o sistema previdenciário brasileiro estava fundado sob as bases de um modelo privatista, com a vinculação por empresa, autonomia em relação ao poder público e com um regime de capitalização que reforçava o caráter mais liberal e independente do Estado.

Até então, a presença do poder público só existia na forma de um controle à distância por meio do Conselho Nacional do Trabalho (CNT) e de agências externas que, por meio dos contratos, exerciam atividade corretiva. No entanto, não se pode deixar de considerar que, apesar dessa inovação dos contratos, o modelo patrimonialista sempre esteve presente no sistema previdenciário brasileiro, já que, conforme afirma Medeiros (2001), a Previdência Social contribuiu para a criação de divisões na classe trabalhadora e incentivou entre os trabalhadores uma mentalidade particularista e dependente do clientelismo do Estado. É por esses e outros fatores que Malloy (1979) destaca que o desenvolvimento do seguro social no Brasil esteve diretamente ligado à reafirmação do domínio de um Estado patrimonial.

Em relação ao financiamento das Caixas, esse era feito pelos empregados (3% dos vencimentos), pelas empresas (1% da renda bruta) e pelos consumidores (1,5% sobre o consumo dos serviços da empresa, cobrado através dos impostos sobre os preços, sendo recolhidos pela própria empresa e depositados na conta bancária de sua respectiva caixa, Oliveira e Teixeira (1989)) e recursos menores como entrada para admissão nas Caixas, multas, donativos, dentre outros. Essas contribuições eram depositadas na conta de aposentadoria e pensões da própria empresa. Isto demonstra que, tanto a parte administrativa quanto a financeira do sistema eram realizadas entre as empresas e as caixas, não havendo participação efetiva por parte do Estado na esfera previdenciária.

Oliveira e Teixeira (1989) citam como características deste período uma amplitude no plano de atribuições das instituições e prodigalidade nas despesas. Em virtude desta concessão ampla de benefícios, houve aumento do número de aposentadorias concedidas aos trabalhadores, representando o início de um problema financeiro entre despesas e receitas que se agravaria anos depois. A Tabela 1 traz a evolução da receita, das despesas com aposentadorias e pensões, do saldo e reservas da Previdência Social Brasileira de 1923 até 1930 em relação à receita total.


 

Tabela 1 - Evolução das Receitas, Despesas, Saldos e Reservas (1923-1930)  por associado ativo - Valores corrigidos pelo IGP-DI 02/1944,  de Cruzeiros 1976 para Reais 2015).

 


Anos

Receita Total

   Aposentadorias    

Pensões       Saldo            Reservas   

 

 

Pensões

Serviço Médico-Hospitalar

Outras

Saldo

Fundo de Garantia (Reservas)

1923

3.920,25

 

115,31

5,76

3.430,22

3.430,22

 

1924

3.943,13

 

551,51

36,77

2.812,72

5.000,42

 

1925

3.001,86

 

669,94

64,42

1.752,15

5.256,46

 

1926

2.494,01

 

676,67

67,66

1.285,67

5.133,00

 

1927

2.434,34

 

694,38

87,79

1.197,22

5.515,18

 

1928

2.328,64

 

566,84

72,78

1.394,13

4.324,09

 

1929

2.511,62

 

799,48

105,86

1.274,06

5.384,65

 

1930

2.488,94

 

1.068,4

150,37

961,55

6.769,65

 

Fonte: Adaptado de Oliveira e Teixeira (1989)


Pela análise da Tabela 1, percebe-se que as políticas benevolentes da época fizeram com que os custos com aposentadorias e pensões se elevassem até 1930 a quase 65% da receita, sendo que, até meados de 1929, tanto os saldos, como as reservas apresentavam queda significativa ao longo dos anos. Santos (2009) evidencia o caráter financeiramente insustentável deste período que, aliado ao pequeno número de segurados e a pouca capacidade financeira, agravava a situação.

 É importante destacar que neste período houve a chamada política do café com leite em que os presidentes eleitos eram oriundos ou da elite paulista produtora de café ou da elite pecuarista mineira. Essa política foi facilitada pela formação de uma economia dependente da exportação de produtos agrícolas como o café. No contexto mundial, a crise norte-americana ocorrida em 1929 pela quebra das Bolsas de Valores fez com que um dos seus maiores mercados, no caso os Estados Unidos, diminuíssem drasticamente as compras, afetando diretamente a economia brasileira. Essa crise agravou a hegemonia do poder da oligarquia cafeeira, além do desaquecimento da economia, colocando os operários em situações cada vez mais precárias, aumentando as revoltas e as manifestações. Foi neste momento que Getúlio Vargas assumiu o poder, instaurando uma nova fase nas políticas previdenciárias.

 

Os anos de 1931-1945: Período contencionista da Previdência Social

Em virtude do modelo de expansão de despesas caracterizado pelo período de criação das CAPs (1923-1930) e aumento do número de beneficiários, o novo período que se segue é marcado por um modelo de contenção de despesas e restrição orçamentária. Os gastos por segurado com pensões e aposentadorias, a partir de 1930, começaram a declinar e, por outro lado, o saldo e as reservas aumentam a cada ano, atingindo seu ápice em 1939, representando 70,8% e 9,5% da receita, respectivamente.

Este período foi marcado por uma política menos pródiga e menos benevolente, sendo mais restritiva e, principalmente, mais preocupada com a acumulação de reservas financeiras do que com a prestação de serviços. Após a instabilidade evidenciada durante a Grande Depressão, provocada pela crise de 1929 e pela Segunda Guerra Mundial, que afetou a economia e a política brasileira, a previdência passou a integrar a estratégia do Estado, a fim de impulsionar a acumulação capitalista no sistema interestatal em torno da produção e do consumo (Costa[2] , 2005). E, para se acumular as reservas, os benefícios dos trabalhadores sofriam reduções em prol de uma política contencionista, conforme demonstram os dados da Tabela 2.

 

Tabela 2: Evolução do Valor Real Anual Médio das Aposentadorias e Pensões na Previdência Social Brasileira (1931-1945) - Valores corrigidos pelo IGP-DI 02/1944,  de Cruzeiros 1976 para Reais 2015).

 

APOSENTADORIAS

PENSÕES

 Anos

Valor

Valor

1931

18.442,37

3.415,19

1932

17.187,88

3.966,55

1933

17.583,67

3.694,88

1934

17.083,96

3.993,56

1935

16.394,81

4.043,56

1936

13.756,31

2.860,87

1937

12.926,63

2.628,03

1938

11.989,35

2.784,38

1939

11.122,65

2.323,05

1940

10.223,60

2.377,65

1941

8.619,56

1.872,56

1942

7.305,95

1.718,70

1943

6.648,43

1.826,23

1944

5.744,86

1.536,55

1945

5.871,26

2.124,27

Fonte: Adaptado Oliveira e Teixeira (1989)

 

Como se observa, o valor médio dos benefícios da aposentadoria e das pensões no período de 1931 a 1945 teve uma redução considerável, passando de R$ 18.442,37 em 1931 para R$ 6.648,43 em 1945, no caso das aposentadorias, e R$ 3.415,19 em 1931 para R$ 1.826,23 em 1945, no caso das pensões. Este período foi marcado por uma política menos pródiga e menos benevolente, sendo mais restritiva e, principalmente, mais preocupada com a acumulação de reservas financeiras do que com a prestação de serviços.

A partir de 1933, surge uma nova forma de organizar a Previdência, por meio da aglutinação das CAPs, formando os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que englobavam grandes grupos profissionais. Este período foi marcado por um corporativismo burocrático que, para Costa (2005), norteou a formação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), fundindo as CAPs e fortalecendo a parte administrativa e financeira do sistema.

Neste período, houve ainda a incorporação no sistema político de um setor considerável das classes médias urbanas, baseado na consolidação da participação da classe média (Malloy, 1979; Bresser Pereira, 2008). Neste modelo, diferentemente do modelo patrimonialista, o poder emana das normas, das instituições formais, e não do perfil carismático ou da tradição, mas que acabou refletindo os interesses dos que estavam no poder em detrimento dos interesses públicos (Bresser Pereira, 2008). Neste contexto, a ligação da burocracia com as políticas sociais se dá, segundo Esping Andersen (1991, p.92), na medida em que o Estado do Bem Estar Social é “possibilitado também pelo surgimento da burocracia moderna como forma de organização racional, universalista e eficiente”. A burocracia é entendida como sendo um meio de administrar bens coletivos, mas é também um centro de poder em si e, por isso, tenderá a promover o próprio crescimento. Na perspectiva de Secchi (2009), a preocupação com a eficiência é central no modelo burocrático, que impõe a alocação racional dos recursos, que na teoria weberiana é traduzida em uma preocupação especial com a alocação racional das pessoas dentro da estrutura organizacional. De acordo com Bresser Pereira (1996), o aparecimento da administração pública burocrática em 1930, surgiu pela necessidade de se desenvolver um tipo de administração que partisse não apenas da clara distinção entre o público e o privado, mas também da separação entre o político e o administrador público.

Medeiros (2001) mostra que tanto as disfunções da burocracia como a falta de autonomia acabaram reduzindo a capacidade redistributiva do Welfare State no Brasil, já que os funcionários públicos constituíam um grupo comprometido com o governo, sendo, então, resistentes à promoção de gastos sociais em detrimento dos interesses corporativos. Além disso, outro fator que se observa, conforme Oertzen (1982), é que o Estado do bem-estar, com sua sobrecarga burocrática, oferece retornos previdenciários decrescentes, uma vez que parece existir mais em proveito dos protetores do que dos seus protegidos. No contexto brasileiro, isso se evidencia nos casos de corrupção que começaram, a partir da década de 1970, a ameaçar o equilíbrio financeiro do sistema previdenciário (Oliveira & Teixeira, 1989). Para Medeiros (2001), o caráter redistributivo das políticas sociais depende das características da burocracia, uma vez que, onde o sistema burocrático dependa de autonomia em relação ao governo, há maior chance de que programas sociais que interessam apenas à classe dominante sejam efetivados. Assim, conforme Benevides (2011), o sistema de proteção social que teve início em 1930, no Brasil, baseado na mediação entre o capital e o trabalho, configurou-se como uma política voltada para os trabalhadores urbanos e uma resistência por parte do governo às coalizões políticas e ao aumento dos gastos sociais.

Ainda neste contexto e em relação aos IAPs, o primeiro a ser criado foi o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), em 1933 e, posteriormente, surgiram institutos de outras categorias como o IAP dos bancários em 1934, o IAP dos Servidores do Estado (IAPSE) em 1938 e, em 1940, cria-se o Instituto dos transportes e cargas (IAPTEC) e dos comerciários (IAPC). Mais uma vez, verificam-se privilégios obtidos pelos funcionários públicos que, através de seu instituto (IAPSE), poderiam se beneficiar de funções de assistência médica, da Previdência e também da Assistência Social, apesar do caráter restritivo apresentado pelos outros institutos.

Outra característica dos Institutos era que eles eram regidos pelo sistema de capitalização, criado em 1931, evidenciando a preocupação com a acumulação de capital. Uma das estratégias utilizadas pela Previdência para aumentar a acumulação de reservas foi o programa habitacional, criado não como um serviço oferecido pela Previdência aos beneficiários, mas sim como uma forma de aplicação de capital por parte dos institutos. A adesão a este programa era voluntária e o pagamento ou o empréstimo das casas estavam relacionados às contribuições regulares dos segurados.

Além disso, surge também o termo “contribuição tripartite paritária”, com a equiparação das contribuições das empresas, dos empregados e do Estado, que vigora até meados de 1960. Malloy (1979) demonstra que esta forma corporativista das relações de trabalho, característica do modelo burocrático, contribuiu para expandir o poder funcional do Estado e para regulamentar e formalizar o poder de elites administrativas. Neste modelo, a contribuição das empresas e do Estado não poderia ser inferior à dos empregados. Assim, a substituição de um percentual fixo de contribuição por parte das empresas para um valor variável que se equiparasse com o dos segurados teve consequências que beneficiariam os empregadores, já que este valor era influenciado por fatores externos.

Para Malloy (1979), o princípio da contribuição tripartite teve um efeito negativo sobre a distribuição global da renda no país. A participação do Estado por meio da quota da Previdência foi baseada em impostos que incidiam pesadamente sobre os grupos de baixa renda que, ou tinham seus salários diminuídos ou pagavam mais caro pelos produtos consumidos.

O modelo de restrição de gastos adotado neste período permitiu a acumulação de superávits pela Previdência Social, com formação de grandes reservas financeiras, ações e imóveis. A justificativa dos governantes e técnicos atuariais para explicar a manutenção dessas medidas restritivas e a resistência à ampliação e melhoria de benefícios foi a Teoria do Seguro Social, desenvolvida por organizações internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta teoria defendida pelos liberais trazia a necessidade de garantir a renda dos trabalhadores quando privados dela, porém, esta não correspondia a uma atribuição do Estado, mas sim a uma solidariedade dos trabalhadores, com a qual o Estado devia apenas colaborar (Oliveira &  Teixeira, 1989). Esta ideia aponta que a Previdência deve funcionar como a lógica do seguro privado, ou seja, para receber os benefícios é necessária a contribuição prévia.

Apesar do caráter liberal defendido pelos teóricos do seguro social em relação ao custeio da Previdência, as questões administrativas e financeiras passaram para o controle estatal, viabilizando o projeto contencionista. Neste contexto, a tentativa de manter-se no poder depois da Segunda Guerra Mundial fez com que Getúlio Vargas apoiasse grupos políticos, dando início ao período denominado “populismo”. Na visão de Costa (2005), o interesse dos grupos populistas no desenho da instituição previdenciária passou a ser garantido, sendo, pois, contrários às reformas voltadas à universalização de benefícios.

O apelo em relação às questões sociais e trabalhistas, pauta principal de acordos internacionais, como o Tratado de Versailles, Bureau Internacional do trabalho e Carta do Atlântico, por exemplo, não foi uma questão prioritária por parte do governo de Getúlio. Oliveira e Teixeira (1989) apontam que os benefícios concedidos pelo “criador e pai da Previdência”, como Vargas ficou conhecido, corresponderam apenas 30% ou 40% do arrecadado, atuando mais uma vez no sentido restritivo, em detrimento dos direitos dos trabalhadores. Além disso, boa parte da população rural e alguns grupos urbanos marginalizados eram excluídos das políticas sociais. Vianna (1998) e Santos (1979) denominam essa exclusão como o “estatuto da cidadania”, em que apenas os membros que estavam inseridos em ocupações regulamentadas eram considerados cidadãos e tinham os seus direitos sociais garantidos, enquanto aqueles cujo trabalho a lei desconhecia, como empregados rurais, autônomos, dentre outros, eram considerados “pré-cidadãos”.

Dessa forma, a noção de que só após 1930, com o governo de Vargas, é que o Estado se tornou sensível às questões sociais foi algo que não corresponde à realidade, sendo, portanto, consequência das lutas da classe operária na reivindicação de seus direitos. Malloy (1979) enfatiza a postura de Vargas enraizada em um modelo de relações entre o estado e a sociedade chamado de “autoritarismo orgânico”, em que o Estado prevê a criação de uma sociedade harmoniosa, ao incorporar agrupamentos sociais importantes em uma estrutura controlada centralmente e dominada pela administração do aparelho do Estado. Ou seja, o Estado abre espaço para as classes sociais, mas não conta com sua participação e a impõe sob um sistema autoritário e centralizador. Para Bresser Pereira (2008), essa postura de Getúlio marca a consolidação do estamento burocrático no país ao definir, através de um processo dialético, as duas classes da sociedade, a burguesia industrial e a burocracia pública moderna. Essa peculiaridade do contexto histórico previdenciário brasileiro pode ser vista como impasse na consolidação das políticas de bem-estar, uma vez que, conforme aponta Vianna (1998), a inexistência de estruturas tripartites de decisão (governo, empregadores e trabalhadores) nos organismos responsáveis pela proteção social pode impedir o bom desempenho dos mecanismos de desenvolvimento do Estado do bem-estar social.

Todas as medidas deste período fizeram com que a Previdência se tornasse um poderoso instrumento de acumulação de riquezas nas mãos do Estado, gerando recursos que apoiariam o desenvolvimento e industrialização do país, a partir da integração da burguesia industrial em um pacto político informal e nacional desenvolvimentista, que Getúlio denominou como Pacto-Popular-Nacional (Bresser Pereira, 2008).

Por meio de decretos e dispositivos legais, marcas do período autoritário de Getúlio Vargas, permitiu-se que parte dos recursos financeiros da Previdência fosse destinada para a criação da Companhia Nacional de Álcalis, para a Companhia Hidroelétrica do São Francisco, Fábrica Nacional de Motores AS, a Estrada de Ferro Madeira Mamoré, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, para créditos na área do setor agrícola e industrial, celulose, siderurgia, álcalis, energia elétrica, ou seja, áreas estratégicas para a economia do período (Santos, 2009). Além destes investimentos, o Estado retinha os impostos pagos pelos consumidores que deveriam ser revertidos para as instituições previdenciárias, persistindo até 1960, momento em que o sistema de capitalização entrou em crise, dando margens para o modelo de repartição.

 

Período de 1946-1963: Início da redemocratização e do modelo de repartição

Com o fim do Estado Novo presidido por Getúlio Vargas, o período que se seguiu, conhecido como a redemocratização do país, foi marcado por uma forte elevação das despesas com aposentadorias, pensões e serviços médicos hospitalares, passando de 40% da receita em 1946 para 65% em 1966.

O saldo e as reservas diminuíram com o passar dos anos, aumentando, assim, os déficits orçamentários. Para Oliveira e Teixeira (1989), este contexto financeiro representou, em síntese, a falência do regime de capitalização e transformação para o regime de repartição. Isso se deu por motivos ligados não só à conjuntura econômica e financeira, mas também devido às mudanças nas regras políticas do sistema. Os gastos excessivos do período contribuíram para o fim do modelo de capitalização, vigente até a década de 1960. Santos (2009) mostra que este fato se deu tendo em vista o repasse insuficiente da parcela que cabia à União da contribuição tripartite e pela utilização indevida dos recursos da Previdência. Para o autor, o valor das contribuições recebidas pela Previdência foi insuficiente para atender as obrigações futuras, mesmo que a esperança de sobrevida fosse menor. O que comprovou o enfraquecimento do sistema foi a queda do saldo previdenciário, de 87,4% da receita, em 1923, para 16,7%, em 1966. Para os autores Oliveira e Teixeira (1989) e Santos (2009) era impossível formar um fundo de capitalização com o valor das contribuições adotadas na época, estabelecidas tanto pelos critérios políticos quanto pelo excesso na concessão de benefícios.

Assim, o contexto previdenciário brasileiro foi orientado para uma limitada participação da União na receita previdenciária, em que os recursos governamentais eram revertidos na implementação e fortalecimento da industrialização do país, representando mais uma vez o crescente poder político da burocracia pública no Brasil.

Outro fator gerador da crise foi o aumento gradativo do número de segurados no sistema, que passou de 2.762.822 no ano de 1945, para 4.442.470 em 1960. Houve também a ampliação na concessão de benefícios, tornando-se mais benevolente em relação ao período passado, marcado por intensas medidas restritivas. No entanto, Medeiros (2001) considera que, apesar do aumento da concessão de benefícios, o caráter redistributivo do Welfare State no Brasil representado pela Previdência Social foi bastante reduzido, pois além da limitação em termos dos grupos atendidos, a seguridade social baseava-se mais em um sistema de redistribuição horizontal do que vertical, isto é, as transferências se davam entre grupos da mesma classe social.

Embora tenham havido discrepâncias em relação ao recebimento dos benefícios, para Oliveira e Teixeira (1989), a soma da elevação das despesas ocorridas no período, sem correção dos desvios na arrecadação resultaria no que se denominaria “crise financeira” da Previdência Social. Ademais, o programa habitacional contribui para o aumento das despesas, uma vez que ele rompe com as características de investimento e rentabilidade e passa a ser um programa e serviço de caráter social, auxiliando os beneficiários com empréstimos para compra da casa própria.

As décadas de 1940 a 1960 são marcadas por dois tipos de debates: da Previdência moldada nos parâmetros do Seguro Social e da Seguridade Social. A ideia da Previdência se enquadrar na perspectiva do Seguro Social baseava-se no modelo alemão, lançado por Otto von Bismarck em 1888, que consistia em contribuições prévias por parte dos segurados. Já a noção de Seguridade Social trazia a área da assistência e da saúde como atribuição primária da Previdência Social. Oliveira e Teixeira (1989) destacam que os defensores do seguro social se opunham à prática da assistência médica na previdência, utilizando-se do argumento de que era preciso defender o patrimônio financeiro das instituições de Previdência, garantindo o custeio de benefícios futuros. Por sua vez, aqueles a favor da Previdência como Seguridade Social, como foi o caso dos membros do IAP dos industriários, debatiam a favor da assistência médica como forma de prevenir doenças e mortes, diminuindo, assim, os gastos com a concessão destes benefícios.

Os defensores da Seguridade Social se espelhavam nas ideias advindas da Europa, especificamente, da Inglaterra, quando William Beveridge criou, em 1942, um plano de reestruturação da Previdência Social para o seu país, que ficou conhecido como “Plano Beveridge”, correspondendo a uma mudança radical na forma de conceber os benefícios até então existentes. Na definição de Conde-Ruiz e Profeta (2003), o sistema previdenciário que funcione como um seguro social pode ser designado como Bismarckiano, enquanto que aquele que se caracteriza por funções distributivas, objetivando a redução da pobreza e da desigualdade, se qualifica como Beveridgeano.

Além do Plano Beveridge, as propostas de John Maynard Keynes¹, repercutiram no Brasil e trouxeram para o contexto da época a concepção de uma Previdência que abarcasse uma ampla política social, que fornecesse não só os benefícios pecuniários, mas também serviços na área de saúde, higiene, educação, habitação, emprego, dentre outros. Para Costa (2005), o modelo de regulação keynesiano fez com que o Estado desenvolvesse a legislação trabalhista para acompanhar os ganhos de produtividade e o sistema de seguridade social, que garantia o consumo dos trabalhadores quando afastados do mercado de trabalho.

Sendo todo o contexto da época favorável, os institutos previdenciários caminharam, portanto, rumo às teses da Seguridade Social. A partir de então, o sistema previdenciário passou a ser visto como questão social estratégica para o país uma vez que, como mostram Cardoso Júnior e Jaccoud (2005), fora do âmbito de cobertura das Caixas e Institutos, nenhuma outra ação no campo da prestação de serviços na área de saúde, alimentação e habitação foi desenvolvida na esfera pública até meados de 1960. No entanto, apesar de seguir esta tendência, autores como Medeiros (2001) e Boschetti (2003) afirmam que a Previdência brasileira não conseguiu atingir as diretrizes do Plano Beveridge em sua forma pura, uma vez que, conforme Oliveira e Teixeira (1989), a Previdência nunca deixou de exigir a contribuição prévia dos segurados, sendo os benefícios proporcionais às contribuições e, estas, aos salários. Com isso, o princípio da universalização das ideias de Beveridge não se concretizou no plano social brasileiro. Porém, a incorporação do seguro contra acidentes de trabalho e o Programa de Integração Social (PIS), na tentativa de vincular o trabalhador aos ganhos de produtividade advindos do crescimento da economia nacional (Cardoso Júnior & Jaccoud, 2005), podem ser consideradas inovação em termos de política social.

O contexto marcado então pelo aumento dos gastos, diminuição da parte da União destinada à Previdência somada ao enfraquecimento dos seis institutos que existiam naquela época, cedeu bases para a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que unificou os institutos, criando o Instituto Nacional da Previdência Social que, na visão de Silva (2010), foi o maior passo dado rumo à universalização da Previdência Social. Segundo Vianna (1998), a LOPS, apesar de estabelecer a uniformização dos planos de benefícios, manteve intacta a estrutura fragmentada do sistema, com um caráter excludente, principalmente em relação aos trabalhadores rurais. Além disso, mais uma vez, a criação do INPS não pode ser considerada como resultado da pressão da massa trabalhadora, mas sim dos interesses modernizantes do governo de Juscelino Kubitschek. Para Bresser Pereira (2008), mesmo com a saída de Getúlio Vargas, a política econômica do governo voltou a reproduzir o acordo nacional entre a burguesia industrial, a burocracia pública e os trabalhadores em torno da estratégia de desenvolvimento econômico de substituição de importações.

Esta fase deu início ao novo período da Previdência, caracterizado, principalmente, por intenso autoritarismo por parte do governo militar e constantes privatizações dos serviços médicos e hospitalares.

 

O período de 1964-1988: autoritarismo e criação do INPS

Este período foi marcado pela unificação dos seis Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), através do Decreto de 72, de 21 de novembro de 1966, que instituiu o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), ocorrendo a uniformização da legislação em relação às contribuições e benefícios, além da perda dos direitos dos trabalhadores de gerirem a instituição, a exclusão dos trabalhadores rurais e o aumento dos gastos com assistência médica. Nesta perspectiva, segundo Oliveira e Teixeira (1989), a unificação dos institutos e da legislação previdenciária contribuiu para aumentar o poder regulatório do estado sobre a sociedade.

O INPS integrava então o Ministério do Trabalho e Previdência Social, sendo que em 1977, foi criado o Sistema Nacional de Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social - SINPAS   (Lei nº 6439/77), composto pelo INPS, IAPAS - Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social, responsável pela arrecadação, fiscalização e cobrança das contribuições e demais recursos destinados à previdência e assistência social e o INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, formado por programas de assistência médica aos trabalhadores urbanos, dentre outros institutos.

Ademais, como a contribuição por parte da União só diminuía, o sistema de contribuição tripartite começou a ser eliminado em 1966, sendo excluído em 1970. No entanto, o fim desta contribuição por parte do Estado não representou o fim do controle da União na Previdência Social. Medeiros (2001) esclarece que a máquina estatal aumentou seu poder regulatório e criou uma cultura de desmobilização das forças políticas que foram estimuladas no governo de Getúlio Vargas. Para o autor, o modelo de Welfare State dos governos militares perdeu o caráter populista que vinha mantendo desde a época de Vargas, ao assumir uma política de caráter compensatório, com políticas de cunho assistencialista que buscavam diminuir os impactos das desigualdades provocadas pela aceleração do desenvolvimento capitalista. Bresser Pereira (2008) aponta que à medida que o desenvolvimento econômico é acompanhado pelo desenvolvimento político do país, o insulamento burocrático vai perdendo importância, pois o número de órgãos não submetidos ao clientelismo diminui e a sociedade passa a exercer um controle mais direto sobre as políticas que promovem. Este afastamento resultou em uma tentativa, em 1967, de reformar a administração pública federal brasileira, através do Decreto Lei nº 200, vista como um ensaio da administração gerencial, que se baseava no modelo americano de administração pública. Porém, ainda assim, era um contexto marcado por um sistema administrativo caracterizado por um alto grau de formalismo e discrepância entre as normas e a realidade, dando início ao acordo entre burguesia e burocracia política no qual os militares eram os protagonistas, formando o novo Pacto Burocrático Autoritário (Bresser Pereira, 2008).

Apesar da postura autoritária do regime militar, continuou a tendência de aumento da cobertura previdenciária, segundo as teses da seguridade social, abarcando as empregadas domésticas e trabalhadores autônomos no rol dos benefícios da Previdência. Essa ligação entre estado autoritário e continuidade de programas sociais é explicada por Ritter (1991), ao enfatizar que alguns elementos do estado social podem formar estados autoritários e até ditaduras fascistas, uma vez que, as políticas sociais são tidas como formas de domínio e poder por parte do Estado. Para Malloy (1979), em relação ao poder do Estado, a partir de 1964, aparece no Brasil uma espécie de sistema de “autoritarismo burocrático” caracterizado pelo “bi-frontal” corporativismo em que o estado tem buscado a incorporação controlada de grandes grupos de interesses nacionais e internacionais, grupos gerenciais e tecnocratas emergentes da classe média, e a exclusão da participação da classe trabalhadora no processo político. O regime militar deixou algumas heranças que permanecem no contexto social brasileiro, caracterizado pela concepção corporativa da organização sindical e o descrédito das instituições e da privatização do espaço público (Vianna, 1998)

Draibe (1990) entende que, no geral, este período foi caracterizado por uma política de bem-estar meritocrática-particularista-clientelista, por agir como mecanismo de estratificação social ao definir políticas específicas para grupos sociais diferentes e pela tendência em “feudalizar” áreas do organismo previdenciário, principalmente ao promover distribuição de benefícios em período eleitorais. As palavras da autora caracterizam bem o contexto da época:

Do ponto de vista da ampliação de direitos sociais e da definição de critérios de acesso e elegibilidade, é certo que tendências universalizantes foram sendo introduzidas no sistema. (...) Entretanto, tais tendências universalizantes – que, de fato, disseram respeito principalmente à ampliação das possibilidades de acesso aos subsistemas sociais – assim como a expansão massiva do sistema e a oferta de serviços sociais publicamente organizados longe estão ainda de conferir ao sistema brasileiro características do tipo “institucional-redistributivo”, tendo antes reforçado seu caráter meritocrático-particularista (Draibe, 1990, p. 12-13).

 

As políticas com tendências mais universalizantes mudaram o modo do Estado se relacionar com a sociedade, ampliando a proteção social e incluindo milhares de pessoas antes marginalizadas pelo sistema criado em 1930. Até 1963 os trabalhadores rurais eram excluídos da Previdência Social, quando em 1963 o governo editou uma lei, criando o FUNRURAL – Fundo de Assistência do Trabalhador Rural. No entanto, foi apenas a partir de 1971 que os trabalhadores rurais passaram a ter acesso a determinados benefícios, com a criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRÓ-RURAL, financiados com recursos do FUNRURAL. Com a Constituição Federal de 1988, houve avanços nos direitos previdenciários dos trabalhadores rurais, em que os agricultores familiares e assalariados rurais, homens e mulheres, passaram a integrar o RGPS, com igualdade de direitos em relação aos trabalhadores urbanos. Regulamentado através das Leis nº 8.212 (Organização e Custeio da Seguridade Social) e nº 8.213 (Plano de Benefícios da Previdência Social), ambas de 24 de julho de 1991, o novo sistema previdenciário para os trabalhadores rurais, apesar das deficiências que determinam uma exclusão, representou importante resgate de uma dívida social histórica, em que o produtor rural pessoa física não está obrigado a reter e recolher a contribuição devida pelo contribuinte individual que lhe presta serviços. Continua assim, nas palavras de Oliveira e Teixeira (1989), a função assistencial do sistema previdenciário brasileiro, porém limitado ao contingente dos trabalhadores formais que sustentam o sistema previdenciário. Neste contexto, Malloy (1979) destaca os avanços das políticas deste período, uma vez que, para ele, o programa rural marcou a primeira ruptura com os conceitos de seguro definido na Lei Eloy Chaves, tornando-se um modelo inovador ao contemplar o problema da previdência social rural.

A partir de 1974, a política adotada pelo governo, principalmente com Geisel (1974-1979), é marcada por repressão, mas também por investimentos em áreas sociais, como ocorreu com o II Plano de Desenvolvimento Nacional (PND), que amplia a distribuição de renda, com a Previdência, considerada como o melhor canal da relação entre Estado e população. Com a atenção dos governantes voltada para a Previdência, cria-se em 1974 o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), fortalecendo ainda mais o sistema. Por sua vez, este Ministério se encarrega das atribuições relativas tanto à Previdência, quanto a área de saúde, sendo que o Ministério da Saúde apresentava apenas caráter normativo e voltado para questões relativas à vigilância sanitária.

Porém, apesar da criação do INPS em 1966 que unificou os institutos e padronizou as regras, os gastos com benefícios só aumentavam, já que não houve mudança nas políticas de concessão, agravando a “Crise da Previdência”. Sobre este período, Oliveira e Teixeira (1989) argumentam que, desde as origens da Previdência no Brasil, a crise vem sendo gerada, atingindo seu ápice em 1980 e atravessando os anos que se seguem.

De modo geral, fatores como ampliação da cobertura dos benefícios, crescimento da dívida com os bancos, destinação indevida dos recursos da Previdência para subsidiar projetos de desenvolvimento e industrialização, modelo de privilégios dos produtos privados de serviços de assistência médica. Os dados da Tabela 3 mostram a evolução dos gastos com a assistência médica entre 1947 e 1972 em relação às receitas e despesas totais.

 

 

Tabela 3: Evolução dos gastos com Assistência Médica (1947-1972)

ANOS

% Assistência Médica sobre Receitas de Contribuições

% Assistência Médica sobre Despesas Totais

1947

3,6

6,5

1959

18,9

13,6

1960

18,6

14,5

1961

16,0

13,2

1962

17,0

13,8

1963

19,7

15,2

1964

21,9

17,3

1965

26,0

19,1

1967

30,3

24,5

1968

27,1

18,2

1969

34,2

23,7

1970

36,9

24,4

1971

34,5

23,9

1972

32,0

24,0

Fonte: Oliveira e Teixeira (1989)

 

Pelos dados, observa-se que a assistência médica aumenta de forma gradativa ao longo dos anos, chegando, em 1940, a quase 40% das receitas de contribuições e representando quase 25% das despesas totais. Assim, nas palavras de Oliveira e Teixeira (1989), o modelo implantado na Previdência Social se torna incontrolável, tornando-o inviável e oneroso.

A fim de minimizar o problema financeiro da Previdência, a década de 1980 foi marcada por várias medidas no sentido de reverter a situação. Costa (2005) destaca que a restrição orçamentária do setor público resultou na contenção de gastos e investimentos públicos, especialmente em relação às políticas sociais. Dessa forma, o então Presidente da República João Figueiredo (1979-1985) baixou um pacote previdenciário criando a contribuição por parte dos aposentados e pensionistas de 3% a 5% do valor do benefício recebido, além dos funcionários públicos estatutários terem suas contribuições elevadas de 5% para 6% dos salários e, as empresas, em vez de contribuírem com 8% sobre a folha de salário, contribuíam com 10%. No entanto, este pacote, além de ter penalizado os aposentados e muitos trabalhadores, retrocedendo no processo democrático recém-adotado no país (Oliveira & Teixeira, 1989), não conseguiu solucionar as condições que prejudicavam o sistema previdenciário, fazendo com que a crise permanecesse e o déficit aumentasse de 1983 a 1985 em 181 bilhões de cruzeiros.

Apesar da existência do déficit, os beneficiários continuavam recebendo os seus benefícios e, portanto, a única solução era intensificar os cortes na área dos serviços médicos. Em 1981, criou-se o Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), como órgão do MPAS, com a atribuição de organizar e aperfeiçoar a assistência médica, sugerindo critérios para melhor alocação dos recursos da Previdência para área da saúde. Este órgão, por sua vez, elabora um documento em 1982, intitulado “Plano de Reorganização da Assistência à Saúde no Âmbito da Previdência Social” e que objetiva além da contenção dos gastos, aumentar a produtividade e racionalidade do sistema previdenciário e de serviços médicos, melhorar a qualidade dos serviços e a extensão da cobertura aos trabalhadores rurais em condições iguais às dos trabalhadores urbanos e que o Estado assuma o controle do sistema de saúde. Estas e outras medidas são, de fato, concretizadas e legalizadas na promulgação da Constituição Federal de 1988.

Houve, então, a transferência da responsabilidade das questões ligadas à saúde para o Ministério de Saúde, ampliando a cobertura de clientela e separando a saúde da previdência. Em 1987, foi criado o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), por meio de um convênio celebrado entre o INAMPS e os Governos Estaduais. A evolução do SUDS culminou na criação do SUS e na consagração de seus princípios e diretrizes na Constituição Federal de 1988 e em toda a legislação que regulamenta o sistema

Depois da unificação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o sistema previdenciário passou por um processo de homogeneização do seu plano de custeio e dos benefícios que, através da fusão no INPS com o IAPAS, resultou na criação do atual Instituto Nacional de Seguridade Social.

 

Período 1988-2013: Constituição Federal e as Reformas

A promulgação da Constituição de 1988 foi produto de um intenso debate político, estando de um lado os partidos de centro-esquerda e, de outro, os de centro-direita. Para Boschetti (2003), a versão promulgada foi uma combinação de proposições conversadoras do centro e de reivindicações dos trabalhadores e dos partidos de esquerda, contendo uma transição para a democracia (Vianna, 1998). Em relação à administração pública, esse período representou um retrocesso burocrático que foi, segundo Bresser Pereira (1996), resultado de forças políticas dominadas pelo clientelismo e pelo patrimonialismo, do ressentimento da velha burocracia contra a forma pela qual a administração central foi tratada no regime militar, além da desestatização que levou os constituintes a aumentarem os controles burocráticos sobre as empresas estatais que haviam ganhado autonomia com o Decreto-Lei nº 200. Sendo assim, houve um retrocesso aos moldes burocráticos, trazendo novamente um corporativismo e uma estrutura centralizada que, muitas vezes, impedem a consolidação dos princípios de igualdade e justiça voltados para o bem-estar social (BRESSER, 1996).

Porém, a Constituição apresentou alguns avanços no que se refere à democratização, em que os trabalhadores organizados se tornaram, até certo ponto, interlocutores no processo de decisão, redefinindo as relações entre Estado e Sociedade (Vianna, 1998). Silva (2004) aponta que este período foi marcado por dois embates, pois de um lado a Constituição era vista pelos segmentos progressistas da sociedade como um assistencialismo da Previdência e, por outro, na visão dos liberais, como agravante do déficit ao demandar mais aportes fiscais. Boschetti (2003) demonstra que a referência aos modelos existentes nos países da Europa onde a política do Bem Estar Social ou Welfare State estava mais consolidada teve grande influência no modelo de Seguridade Social que englobou as três políticas. Entretanto, para Vianna (1998), o desenho impresso pela Constituição foi um sistema universalista, mas muito seletivo na sua aplicação prática, uma vez que as características estruturais do sistema político brasileiro limitaram as estratégias redistributivas e universalistas. Draibe (2003), na mesma perspectiva, defende que não houve alteração dos princípios que estruturam o sistema previdenciário, pois, embora aperfeiçoado, permaneceu como um sistema público, universal e de decisão compulsória, com um regime de repartição simples, além da manutenção das regras básicas para a concessão de benefícios, bem como os regimes especiais de funcionários públicos, preservando-se o direito à integralidade e paridade das aposentadorias com os salários dos ativos.

A Seguridade Social neste período passou por reformas, como a que ocorreu em 1990, quando o Estado unificou o INPS e o IAPAS, e pela lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, criou o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). No mesmo ano criou-se o Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

No contexto que se segue, a partir da década de 1990, com a posse do Presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), houve uma abertura econômica para o comércio internacional, já que suas ideias iam de encontro com as teorias neoliberais, provocando a decadência da indústria nacional e, com isso, prejudicando o sistema previdenciário. Houve um decréscimo de 4,5% do valor da receita oriunda das contribuições previdenciárias em 1996, enquanto que os benefícios aumentaram 24% (Batich, 2004). Além disso, diferente da década de 1920 e 1930, em que a Previdência possuía um número crescente de contribuintes e tendo poucos segurados que atendiam aos requisitos para se aposentarem, na maturidade, como é o caso das décadas posteriores a 1990, há um grande número dos que atingiram as condições para se aposentarem por idade ou tempo de serviço, aumentando a quantidade dos benefícios concedidos. No campo da administração pública, as tentativas de reforma do governo Collor também foram equivocadas, uma vez que houve corte de funcionários, redução dos salários reais e diminuição do tamanho do Estado (Bresser Pereira, 2008).

O período que marcou os anos 1990[3]  caracterizou-se por parcerias entre o governo e movimentos sociais, permitindo a maior participação popular, configurando um novo período da administração pública brasileira, denominada Administração Societal (Paula, 2005) ou Governança Pública (Secchi, 2009), em que há uma busca da eficiência da máquina pública através de um governo voltado para o povo que participa das políticas adotadas pelo Poder Executivo, por meio de instrumentos criados para este fim, como os Conselhos Gestores Municipais, Orçamentos Participativos, entre outros.

Este contexto foi propício para a redução de práticas clientelistas, tão presentes nas políticas de bem-estar brasileiras, cedendo espaço para uma visão não de assistencialismo aos pobres, mas de ações públicas voltadas para os setores marginalizados da sociedade, capaz de garantir os direitos sociais básicos, mesmo que de uma maneira insuficiente. No plano econômico, os governos de Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso criaram medidas de ajuste fiscal visando a contenção da inflação e do gasto público, refletindo diretamente nas políticas sociais.

Entre 1988 e 2002, período compreendido entre a promulgação da Constituição e o término do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC), a relação entre o mundo do trabalho e a Previdência Social seria marcada por eventos conflitantes, como destacam Cardoso Júnior e Jaccoud (2005). Houve um avanço social com a extensão de benefícios previdenciários principalmente para os trabalhadores rurais, a ampliação do seguro-desemprego, a reativação do serviço de intermediação de mão de obra, o fortalecimento das funções de qualificação profissional e a criação de mecanismos de concessão de microcréditos produtivos, reflexo das diretrizes da Reforma do Estado e da proposta da adoção de um modelo gerencial (Bresser Pereira, 1996). A onda ideológica neoliberal refletiu no governo de FHC que começou em 1995 com um programa de reformas constitucionais visando privatizar os serviços públicos e reformar a previdência pública. Para Bresser Pereira (2008), a grande crise que o país enfrentava desde os anos 80, era uma crise do Estado – uma crise fiscal, administrativa e de sua forma de intervenção na economia – de forma que a solução não era substituir o Estado pelo mercado, mas reformar e reconstruir o Estado, a fim de promover melhorias no campo social, especialmente na Previdência Social. Em contrapartida, Ribeiro e Ribeiro (2001) já não consideram ter havido um avanço significativo no campo das políticas sociais. Para as autoras, a previdência, saúde, habitação e lazer cobriam apenas categorias profissionais específicas, através dos respectivos sindicatos. A política social mais ampla, própria de uma economia que se industrializa e se urbaniza era feita apenas de forma pontual.

Azeredo (1993) comenta sobre este período em que, após a promulgação da Constituição, ficou evidente a incapacidade do país em concretizar os avanços que se previam. Para ele, a ampliação das fontes de financiamento e diversificação das bases de contribuição não foram suficientes para custear o sistema. Além disso, o agravamento do processo recessivo, a crise fiscal da União e a reforma administrativa iniciada em 1990 que fragmentou o sistema institucional e não trouxe os resultados esperados, fizeram com o que Estado se tornasse incapaz de assumir o controle da Previdência, o que reflete nos elevados índices de corrupção, fraudes e sonegações.

Neste período, o desequilíbrio entre despesas e receitas da Previdência culminou em diversas reformas do sistema, a fim de minimizar os problemas financeiros. A primeira tentativa de reforma ocorreu em 1992 no governo de Fernando Collor, que convocou uma comissão especial para estudar o sistema previdenciário. Em 1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi aprovada a Emenda Constitucional nº 20, que permitia a elaboração de leis possibilitando mudanças para atingir, principalmente, o Regime Geral da Previdência Social, além da “desconstitucionalização” da fórmula de reajuste das aposentadorias (Giambiagi, Mendonça, Beltrão & Vagner 2004). Pacheco Filho e Winckler (2005) apontam que a Emenda Constitucional nº 20, complementada pela Lei Geral da Previdência do Setor Público, ao estabelecer regras gerais e limitantes com bases atuariais e financeiras equilibradas para o funcionamento dos regimes próprios, definiu a estrutura do sistema previdenciário brasileiro, uma vez que rompeu com os critérios contábeis vigentes no período anterior.

Consoante Boschetti (2003) e Draibe (2003), mostram que as consequências da reforma de 1998 foram mais no sentido de reduzir a amplitude dos direitos conquistados com a Constituição de 1988, diminuindo as políticas benevolentes então instauradas, reduzindo a idade mínima para concessão dos benefícios, dentre outros aspectos que acabou distanciando a Previdência Social dos moldes de proteção social do Welfare State.

Já o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) é marcado por duas reformas, uma em 2003 com a Emenda nº 41 e a outra em 2005 com Emenda nº 47. A reforma de 2003 repercutiu mais no regime próprio de previdência dos servidores e menos no regime geral. Por meio da EC nº 41, os aspectos concernentes aos regimes da Previdência foram modificados, ao criar um regime único para o setor privado e público, definição de um teto único, criação de aposentadoria complementar por meio de fundos de pensões e modificação das contribuições das empresas, que incidiam sobre o faturamento e não mais sobre a folha salarial. A EC nº 47 de 2005 foi vista como uma complementação da EC nº 41 de 2003, na tentativa de aprofundar as mudanças nos regimes próprios de previdência dos servidores públicos e estabelecer novos requisitos para a aposentadoria de servidores que ingressaram no serviço público até 1998.

Porém, no que tange a reforma no campo da administração pública, Lula se opôs à reforma porque supunha ser liberal e pelo fato de suas bases sindicais serem formadas por servidores públicos de nível médio e baixo. Bresser Pereira (2008) destaca que apesar dessa oposição, a atividade social mais bem-sucedida, o Bolsa Família, vem sendo administrada segundo critérios gerenciais e, no caso da Previdência, vem passando por reformas em que os princípios gerenciais estão sendo adotados. O novo modelo que surge, principalmente com as políticas sociais e o incentivo à participação população é chamado de Modelo Societal (Paula, 2005) ou Governança Pública (Secchi, 2009), em que os princípios básicos que o norteiam referem-se à melhoria da interação entre atores públicos e privados para a solução de problemas coletivos, instauração de uma democracia deliberativa, como os orçamentos participativos e os conselhos deliberativos. No caso da Previdência, em termos legais, existem os Conselhos de Previdência Social (CPS), com um caráter consultivo e de assessoramento, que ampliam o diálogo entre o INSS e a sociedade, permitindo que as necessidades específicas de cada localidade, no que tange às questões do debate das políticas públicas e de legislação previdenciária, sejam atendidas de modo mais eficiente (Brasil, 2009), conferindo um caráter mais participativo na formulação das políticas previdenciárias.

No entanto, apesar das três reformas da previdência, alguns problemas característicos do início da criação das CAPs e IAPs perduram até os dias atuais. Dentre eles, encontra-se a criação das Desvinculações de Receitas da União (DRU), adotada em 1994 e que aumenta a flexibilidade para que o governo use os recursos do orçamento das despesas que considerar mais importante. Outros problemas também configuram o cenário atual, tais como agravamento do desequilíbrio entre receitas e despesas com o envelhecimento populacional, aposentadorias rurais sem contribuições prévias, além da omissão de receitas ou negativas de contribuição por parte do governo e empresas (Ribeiro & Ribeiro, 2001; Santos, 2009).

Ao analisar o Fluxo de Caixa do INSS do ano de 2001 a 2014, apresentado na Tabela 4, constata-se que os valores da rubrica recebimento total, que incluem arrecadação própria e outras transferências, apresentaram, em 2001, um total de R$ 88,156 bilhões de reais e, em 2014, chegou à casa dos R$ 428,179 bilhões, ou seja, nestes 14 anos, a arrecadação da Previdência Social quase quintuplicou. Por outro lado, verifica-se que o saldo previdenciário do Regime Geral da Previdência Social, ou seja, a arrecadação líquida menos as despesas com os benefícios previdenciários apresenta déficits crescentes ao longo dos últimos anos analisados, chegando a mais de R$ 49 bilhões de reais em 2013, o que pode ser explicado, dentre outros fatores, pelo aumento do salário-mínimo do período analisado.

No entanto, o que alguns autores como Miranda (2010) e Ibrahim (2011) afirmam é que o saldo previdenciário não leva em conta todas as receitas que devem ser alocadas para a Previdência, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, deixando de contabilizar alguns recursos oriundos das contribuições sociais, gerando um suposto déficit financeiro para a Previdência. As contribuições sociais como COFINS e a CSLL compõem a maior parte da rubrica Transferências da União, destinadas às despesas com as três áreas da Seguridade Social e suprem insuficiências de custeio do INSS (MIRANDA, 2010). Quando se analisa o Saldo Operacional disponível na Tabela 4 tem se, principalmente, após o ano de 2008, valores superavitários, chegando em 2014 a um saldo de R$ 9,7 bilhões de reais. Este resultado é diferente do saldo previdenciário que contabiliza os recursos repassados pelo Estado, conforme os preceitos legais estipulados pela Constituição de 1988.

Apesar destes números, não se pode pensar que a Previdência Social brasileira está livre de problemas e que não precisa passar por reformas, principalmente em relação aos trabalhadores rurais que, em 2012, representaram quase 21% do total de beneficiários, à benevolência na concessão de benefícios, às fraudes e sonegações, além das renúncias fiscais e dos desvios crescentes e prolongados das receitas para outras atividades do Estado (Ferraro, 2010). Existe uma necessidade de reforma do modelo, o qual tem se mostrado descompromissado com a sustentabilidade financeira e atuarial, com problemas relacionados com gastos elevados com a população jovem, elevada redução de natalidade e rápido envelhecimento (Ibrahim[4] , 2011). Para o mesmo autor, a Previdência Social brasileira baseia-se em um modelo em que permite aposentadorias precoces, dificultando o equilíbrio atuarial no sistema público brasileiro e que não é levado a sério, desde fins da década de 1950.


Tabela 4: Fluxo de caixa consolidado do INSS de 2001 a 2014 em valores reais (R$ Mil)

 

Rubricas

 

2001

 

2002

 

2003

 

2004

 

2005

 

2006

 

2007

 

2008

 

2009

 

2010

 

2011

 

2012

 

2013

 

2014

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. Saldo Inicial

1.366.271

1.487.512

4.456.488

3.324.492

5.354.274

6.275.320

7.521.472

2.068.139

3.306.364

4.174.156.

4.691.497

12.313.715

12.469.472

13.907.290

2. Recebimento Total

88.156.585

105.035.180

122.229.227

152.684.048

172.719.638

201.756.676

216.488.553

243.489.097

273.523.678

312.640.914

351.544.705

396.683.576

425.218.475

428.179.785

3. Pagamento Total

88.035.343

102.066.204

123.361.223

150.654.269

171.798.592

200.510.523

221.941.886

242.592.278

272.655.885

312.123.574

343.922.488

386.691.559

423.558.750

437.881.260

4. Saldo Previdenciário¹

-12.836.217

-16.998.979

-26.404.655

-31.985.381

-37.576.033

-42.065.104

-44.881.653

-36.206.742

-42.867.922

-42.890.176

-35.546.278

-40.824.819

-49.240.585

-48.275.570

5. Saldo Arrecad. Líquida²

-16.205.682

-21.082.591

-31.467.540

-40.153.288

-47.575.495

-54.397.728

-59.896.483

-54.670.037

-62.854.662

-66.184.429

-61.171.053

-71.399.477

-83.141.763

-83.191.389

6. Saldo Operacional³

121.241

2.968.976

-1.131.997

2.029.779

921.046

1.246.153

-5.453.333

1.238.223

867.793

517.34

7.622.217

9.992.018

1.659.724

-9.701.475

7. Saldo Final4

1.487.512

4.456.488

3.324.492

5.324.492

6.275.320

7.521.472

2.068.139

3.306.363

4.174.156

4.691.497

12.313.714

22.305.732

14.129.197

4.205.815

Fonte: Boletim Estatístico da Previdência Social (2001 a 2014)

Notas: (1) Saldo Previdenciário corresponde à Arrecadação Líquida menos os Benefícios Previdenciários. (2) Saldo Arrecadação Líquida menos total benefícios pagos. (3) O Saldo Operacional resulta das Receitas Totais menos os Pagamentos Totais. (4) O Saldo Final é a soma do Saldo inicial e o Saldo Operacional


 

Outra problemática avistada por Santos (2009) é de natureza demográfica, dado o envelhecimento da população, que, por sua vez, decorre da redução da taxa de fecundidade e do aumento da expectativa de vida. Para o autor, além do envelhecimento, a população brasileira vem apresentando declínio acentuado das taxas de crescimento, tendo uma taxa média de 3% no decênio 1960-1970, diminuindo para 1,2% no decênio 2000-2010, devendo alcançar 1% entre 2010-2020. O comportamento do mercado de trabalho também tem vinculação direta, já que é o montante das contribuições dos trabalhadores e das empresas que geram receita, o avanço da tecnologia que libera mão de obra e as privatizações que resultam em redução de quadros funcionais.

Como medida paliativa contra a crise financeira que ameaça o sistema previdenciário, o governo da Presidente Dilma Rousseff tem adotado algumas políticas, como a promulgação da Lei nᵒ 12.618 em 2012, que institui o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais efetivos, fixando o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões por parte do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), através da criação de três entidades fechadas de previdência complementar, denominadas Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público do Poder Executivo (Funpresp-Exe), do Poder Legislativo (Funpresp-Leg) e Poder Judiciário (Funpresp-Jud). Este fundo terá a função de capitalizar os recursos responsáveis pelo pagamento das aposentadorias acima do teto. O objetivo principal da Funpresp é garantir os direitos dos servidores já na ativa e definir meios para que os novos funcionários públicos mantenham os seus ganhos na ocasião da aposentadoria, evitando, assim, um estrangulamento da Previdência Social no futuro, mantendo a austeridade com as contas públicas (MPS, 2012). A estimativa é de que, a partir de 2040, o novo modelo represente uma economia anual de R$ 20 bilhões ao orçamento da União (MPS, 2012). Neste contexto, verifica-se um retorno ao sistema de capitalização como uma das formas de financiamento do sistema, já que apenas o regime de repartição tem se mostrado incapaz de promover o equilíbrio financeiro por ser mais vulnerável às mudanças que ocorrem na sociedade.

O secretário de Políticas de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, Jaime Mariz, afirma que a criação da Funpresp representa estímulo à formação de poupança interna no País, permitindo a liberação de recursos por parte do governo federal, que poderá investir em áreas que considere prioritárias (MPS, 2012). O que se observa nesta afirmação é um retorno às ideias de cunho liberal, que propaga que o Estado deve se isentar da responsabilidade da Previdência Social no que se refere à alocação de recursos para investir em áreas consideradas prioritárias e essenciais para o desenvolvimento do país.

Todas essas reformas reforçam as ideias de Costa (2005), de que a atual crise orçamentária e a tendência de reformas nos programas públicos de previdência decorrem do processo histórico e cumulativo do processo capitalista. No entanto, conforme Vianna (1998), a seguridade privada, por mais que tenha se expandido não substitui os sistemas públicos, já que sua cobertura é limitada. A complementaridade entre público e privado que se faz presente nas sociedades modernas, seja resultado de crises financeiras ou como característica do sistema político do país, concede novos papéis para as duas esferas, porém, sem reduzir a presença e a importância do Estado na promoção e regulação do bem-estar. No entanto, a tendência para sistemas privados de bem-estar tornam os programas excludentes e seletivos e, por isso, podem se constituir em soluções pouco válidas ao longo prazo (Vianna, 1998). Em outra perspectiva, Porto (2012) afirma que, para que se consiga um modelo de previdência sustentável e comprometido com os direitos sociais, seja necessário abandonar velhas crenças e quebrar paradigmas, adotando modelos privados de seguro social, como o FUNPRESP.

Essas visões antagônicas caracterizam o debate que se iniciou com a criação da Previdência Social na década de 1930 e permeia até os dias atuais, sobre a questão de qual seria o verdadeiro papel do Estado na provisão do bem-estar social por meio das políticas previdenciárias, seja através de uma intervenção mínima e apenas reguladora como nos primeiros anos de sua existência ou um papel mais ativo e interventor que caracteriza um Welfare State consolidado e estruturado característico dos países desenvolvidos.

 

Considerações Finais

A Previdência Brasileira faz parte de transformações históricas, como por exemplo, o processo de industrialização, de redemocratização, de autoritarismo e de repressão política, promulgação de uma Constituição voltada para o Estado Democrático do Direito, além das constantes reformas da administração pública, que estão ligadas ao papel pouco redistributivo das políticas sociais, com uma formação caracterizada pela baixa legitimidade democrática das coalizões dos trabalhadores, levando os governantes a investirem no bem-estar em resposta à mobilização operária ou como uma forma de controle da população. A falta de uma autonomia burocrática e de uma profissionalização das classes sociais e a pequena capacidade de mobilização foram fatores que, de certa forma, impediram que as políticas previdenciárias fossem conduzidas como forma de promoção do bem-estar geral. O Estado social brasileiro, representado pelas políticas previdenciárias, foi marcado por posturas particularistas e clientelistas, com políticas pouco voltadas para as necessidades públicas, intensificando, assim, a segmentação e a exclusão de classes sociais.

O que se percebe é que as políticas previdenciárias ao longo do tempo foram delineadas sob a lógica de uma cobertura excludente e que em cada fase, apesar da expansão dos benefícios, houve mecanismos de racionamento que tiravam do rol dos benefícios diversos segmentos sociais.

A rejeição às políticas universalistas no processo de formação do sistema previdenciário brasileiro se deu por vários motivos, conforme o contexto político e econômico se modificava. No início, os trabalhadores rurais não faziam parte do sistema para não romper com os interesses da oligarquia dominante, que viam na autonomia dos trabalhadores rurais uma ameaça ao sistema de dominação. Além disso, apenas as classes operárias eram beneficiadas, já que estas eram as únicas que ameaçavam a ordem então vigente com movimentos reivindicatórios e greves. As medidas contencionistas, constantes no período de 1930 a 1945, também serviram para excluir boa parte da população da Previdência Social. Mais tarde, na década de 1960 em diante, as políticas autoritárias, apesar de ampliarem a cobertura, não conseguiram atingir as classes excluídas e provocaram intensas desigualdades e aumento da pobreza. No período da consolidação da Constituição Federal até os anos atuais, apesar de avanços formais e propostas de políticas universalizantes, por motivos de ordem econômica e fiscal, nem todos os cidadãos são incluídos como beneficiários do sistema, migrando para programas assistenciais, já que não fazem parte do mercado formal de trabalho e nem conseguem contribuir com parte dos ganhos. Assim, no momento em que parecia que o curso das políticas previdenciárias tenderiam a um processo mais universalizante e igualitário, as reformas tomam espaço com reestruturação dos princípios alcançados com a Constituição em prol de um equilíbrio financeiro.

Quando se analisa os aspectos financeiros, verifica-se que alguns fatores que acompanharam a evolução histórica da Previdência foram decisivos para agravar a situação financeira do sistema. Dentre eles, destaca-se o descumprimento por parte dos governos e das empresas das leis orçamentárias vigentes em sua elaboração, que previam a contribuição tripartite, retenção dos recursos destinados à Previdência pela União, desvios destes recursos para outras finalidades que não as políticas sociais em prol do desenvolvimento econômico e da industrialização, perda de reservas financeiras levando ao esgotamento do modelo de capitalização, dando espaço ao regime de repartição que é vulnerável e sensível às transformações econômicas da sociedade.

Para uma estratégia bem-sucedida no âmbito previdenciário, não se faz necessária a exclusão do Estado como promotor do bem-estar e nem dos setores privados que, em parceria com o governo, podem auxiliar na construção de um sistema mais igualitário e sustentável. No entanto, deve-se tornar o sistema público mais eficiente e voltado para o atendimento da população, para que assim seja possível construir um sistema previdenciário que seja ao mesmo tempo universal, igualitário, financeiramente equilibrado e sustentável a longo prazo.

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[1] John Maynard Keynes foi um economista britânico que centrou suas preocupações na geração de níveis de demanda agregada que pudessem levar empresários a decidir oferecer o volume de empregos correspondente ao pleno emprego da força de trabalho da economia. Sua visão era apoiada nos ideais de que uma política de gastos expansionistas não é necessariamente deficitária, porque o crescimento da renda leva a um aumento da arrecadação de impostos e a um crescimento da poupança e, com ela, ao aumento da demanda por títulos, inclusive os de dívida pública, financiando-se assim de forma não inflacionária o déficit restante (Carvalho, 2008).

 


 [1]Qual a página?

 [2]Coloquei em minúsculo também pois todas as citações indiretas também estão sem caixa alta.

 [3]A década de 90?

 [4]Coloquei em minúsculo pois todas as citações indiretas estão assim (normas da revista?)