ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

A Influência dos Mecanismos de Fomento no Processo de Internacionalização da Economia Criativa no Brasil: o caso da APEX no setor de arquitetura

The Influence of Fomentation Mechanisms in the Internationalization of Creative Industries in Brazil: the case of APEX in the architectural industry

Caio Giusti Bianchi

Doutorando em Administração, Gerente da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), Brasil,

caio.bianchi@espm.br,

http://lattes.cnpq.br/2996831868295176

Júlio César Bastos de Figueiredo

Doutorado em Física Nuclear, Professor Titular da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), Brasil,

jfigueiredo@espm.br,

http://lattes.cnpq.br/0259183104678819

Resumo: O objetivo do trabalho é compreender de que forma os instrumentos de fomento, em particular o projeto Built by Brazil, criado pela APEX, podem aumentar a eficácia do processo de internacionalização das empresas de arquitetura do setor da economia criativa no Brasil. A fim de alcançar tal objetivo, a pesquisa é embasada nas áreas de Modos de Entrada, Economia Criativa e Ambiente Institucional, com uso de metodologia qualitativa baseada em estudo de casos múltiplos e análise de conteúdo das entrevistas realizadas. É possível destacar três principais conclusões da pesquisa: 1) há maior incidência do modo contratual como modo de entrada dos escritórios em mercados externos; 2) há certa insuficiência, na visão dos escritórios, de ações da APEX para fomentar a internacionalização; e 3) existem aspectos que ilustram o potencial da atual gestão do projeto Built by Brazil na potencialização do processo de internacionalização destes escritórios.

Palavras-chave: Gestão Internacional; Economia Criativa; Internacionalização de Empresas; Arquitetura.

Abstract: The objective of this research is to understand how fomentation mechanisms, particularly the project Built by Brazil promoted by APEX can improve the effectiveness of the process of internationalization of architecture companies within the creative economy industry in Brazil. In order to achieve such objective, the research is grounded in the areas of Entry Mode, Creative Economy and Institutional Environment approached through a qualitative methodology with multiple case studies, triangulation of data collection and content analysis of interviews. It is possible to highlight three main research findings: 1) a higher incidence of contract as companies’ entry mode in foreign markets; 2) the insufficiency of actions by APEX in order to promote companies’ internationalization; and 3) aspects that illustrate the potential of the current management of the project Built by Brazil to enhance the companies’ internationalization process.

Keywords: International Business; Creative Economy; Internationalization; Architecture

Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br

Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br

 


1. Introdução

A economia criativa está há poucos anos em pauta nos debates econômicos, com sua concepção na década de 1990 na Austrália e posteriormente desenvolvida na Inglaterra (Blythe, 2001). Desde a intensificação da globalização e das mudanças tecnológicas, a economia criativa representa a personalização dos serviços e a influência da criatividade na criação de produtos e serviços customizados com alto valor agregado que têm ganhado espaço no mercado mundial (Bendassolli, Wood, Kirschbaum, & Pina e Cunha, 2008).

As mudanças nos padrões produtivos têm sido cada vez mais rápidas, com as atenções voltadas para a influência da economia criativa (Bendassolli et al., 2008). Ainda em fase de reconhecimento, setores como arquitetura, publicidade e audiovisual desempenham um papel importante no desenvolvimento da economia mundial, inclusive na situação econômica brasileira (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, 2008).

Apesar de a economia criativa ter mais força nos países desenvolvidos, sua participação nos países em desenvolvimento também é relevante, como no Brasil entre 2006 e 2011, gerando de R$ 381,3 bilhões para R$ 735 bilhões, o que representa 16,4% e 18% do PIB brasileiro, respectivamente (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, 2008, p. 4; 2012, p. 7). Especificamente no setor criativo de arquitetura, é possível destacar crescimento de 28,85% nas exportações, saltando de US$ 1.586 em 2002 para US$ 5.595 milhões em 2008, enquanto as importações passaram de US$ 902 para US$ 2.918 milhões, totalizando crescimento de 23,47%. Tais valores posicionam o Brasil como o quarto maior exportador de serviços de arquitetura no mundo, posterior à Alemanha, Países Baixos e Canadá, respectivamente (United Nations Conference on Trade and Development, 2010, p. 327-330).

Dada tal relevância, a APEX (Agência Brasileira de Promoção a Exportação e Investimentos) é parte do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e possui sua atuação voltada para a qualificação de setores econômicos brasileiros para a exportação, especificamente na sua profissionalização e posicionamento internacional. Em meio aos 81 setores beneficiados pela APEX, existem projetos voltados exclusivamente para indústrias criativas, como setores de arquitetura, design, audiovisual e artes plásticas (Agência Brasileira de Promoção a Exportação e Investimentos, 2013).

Tendo em vista a contemporaneidade da área, identificou-se a ausência de estudos que investigam a internacionalização dos negócios da economia criativa com foco nas instituições domésticas de fomento. Especificamente, estudos que relacionem as condições institucionais do país com a criação de negócios criativos, análise da sua eficácia e da sua competitividade global (Bianchi & Rossi, 2013).

A fim de suprir tal lacuna teórica, este estudo tem como objetivo compreender de que forma os instrumentos de fomento, em particular o projeto Built by Brazil, provido pela APEX, influenciaram o processo de internacionalização das empresas de arquitetura do setor da economia criativa no Brasil. Para atingi-lo, são apresentadas duas questões a serem analisadas:

Questão 1: “Há um padrão na estratégia de internacionalização dos escritórios de arquitetura, principalmente nas suas motivações e modos de entrada em mercados internacionais?”

Questão 2: “A APEX, especificamente no projeto Built by Brazil, é capaz de oferecer instrumentos de fomento eficazes no processo de internacionalização da arquitetura no Brasil?”

A justificativa do estudo, além da lacuna teórica, se dá em três pontos: 1) a importância do setor de arquitetura para o desenvolvimento de negócios no Brasil; 2) o pioneirismo da APEX em criar projetos voltados para a economia criativa; e 3) a importância do setor de arquitetura como um dos mais desenvolvidos e promissores das indústrias criativas ao redor do mundo.

Metodologicamente, uma pesquisa qualitativa com estudo de casos múltiplos foi realizada. Além da análise documental, foram realizadas dez entrevistas com escritórios de arquitetura e os órgãos responsáveis pelo projeto. As entrevistas foram guiadas a partir de categorias dedutivas, categorias indutivas emergiram e mapas conceituais foram consolidados a partir do discurso dos entrevistados. O confronto dos mapas elaborados com a literatura abordada permitiu uma análise crítica tanto da eficácia do projeto Built by Brazil, como das estratégias de internacionalização dos escritórios de arquitetura.

Com o desenvolvimento metodológico, o estudo apresenta duas contribuições: 1) a contribuição acadêmica ao agregar à literatura uma explicação dos principais conceitos sobre economia criativa e sua relação com o conceito de internacionalização; e 2) a contribuição gerencial ao apresentar pontos de alavancagem gerencial para escritórios de arquitetura que se vejam envolvidos com projetos de fomento.

 

2. Fundamentos Teóricos

Três teorias foram utilizadas para o desenvolvimento teórico da pesquisa: 1) a de economia criativa – contexto de mercado onde a indústria de arquitetura se encontra e que define suas peculiaridades; 2) a de modos de entrada – descrevendo as possibilidades de estratégias utilizadas pelos escritórios de arquitetura para a internacionalização; e 3) o ambiente institucional – contexto institucional em que indústria de arquitetura se encontra, com foco nas instituições coercitivas.

 

2.1. Economia Criativa

A criatividade é a capacidade inata do ser humano de criar ideias e maneiras de pensar que sejam diferentes das já existentes. Independente da origem da criatividade humana, seu desenvolvimento está se tornando cada vez mais essencial em um mundo crescentemente globalizado e com mais fácil acesso ao conhecimento. A maneira pela qual é possível transportar a criatividade individual para a esfera econômica encontra-se na combinação de capacidade criativa com capacidade técnica, ou seja, o uso da criatividade para geração de produtos e serviços inovadores combinado com o conhecimento técnico de empreendedorismo para materialização e monetização da ideia (Prime Minister's Science Engineering and Innovation Council [PMSEIC], 2005; Caves, 2003).

É com base nesse aspecto que o termo Economia Criativa foi criado na Austrália e desenvolvido na Inglaterra na década de 1990. A economia criativa abrange empresas que possuem seu capital na criatividade, habilidade e talento, e que são capazes de explorar a propriedade intelectual como motriz de criação de riqueza e trabalho. O impacto dos seus bens e serviços em setores correlatos e suas influências como agentes de mudanças sociais, políticas e educacionais são aspectos a serem considerados na economia criativa (Blythe, 2001).

A economia criativa então, é a fatia da economia que abrange indústrias criativas em segmentos específicos. No tocante aos segmentos, a categorização inicial da economia criativa é dividida em seis pilares: 1) produção e publicação literária e mídia impressa; 2) arquitetura, artes visuais e design; 3) propaganda, design gráfico e marketing; 4) filme, televisão e softwares de entretenimento; 5) artes performáticas; e 6) composição e produção musical (PMSEIC, 2005).

O que rege a aglomeração de empresas no setor de economia criativa é a combinação de criatividade individual, capital intelectual e agregação de valor em produtos ou serviços personalizados. Não somente nos aspectos internos à organização, os setores que estão inseridos na economia criativa são compostos por muitas empresas de pequeno porte e poucas de grande porte. Outra característica da economia criativa é a sua força de trabalho, que tende a ser jovem, autônoma e dona de negócios próprios. Os traços comuns da economia criativa não se limitam ao tamanho da empresa ou à faixa etária, e sim a um estilo de vida alternativo ao padrão da sociedade, à procura de independência e qualidade de vida elevada (Nicolaci-da-Costa, 2011).

Outra característica da economia criativa que possui destaque nas pesquisas é a importância dos três Ts de Florida (2003). O autor afirma que a chave para o entendimento da formação econômica baseada na criatividade está na abordagem do Talento, Tecnologia e Tolerância. O Talento se refere às competências da força de trabalho da economia, abordando a escolaridade da população e a infraestrutura para tal. A Tecnologia se refere à inovação de bens e serviços de uma economia, relacionada com a infraestrutura tecnológica e de proteção a patentes. O terceiro e último “T” de Florida (2003), se refere à característica cultural da sociedade, como a tolerância à diversidade étnica, racial, de gênero e de orientação sexual de uma região, possibilitando assim a troca de experiências e competências entre indivíduos.

Scott (1997) afirma que o século XXI é palco de uma transformação nos padrões produtivos mundiais onde os aspectos culturais, criativos e econômicos estão cada vez mais relevantes. Ainda no mesmo argumento, Newbigin, Rosselló e Wright (2010) destacam que as indústrias criativas possuem sua origem a partir do momento em que as indústrias tradicionais passaram a englobar suas atividades industriais com funções modernas e potencializadas pela tecnologia.

Tendo em vista tal aspecto, não é possível padronizar as indústrias criativas em um único grupo, pois tanto sua origem como seus resultados variam de acordo com os indivíduos e empresas envolvidos. Ainda de acordo com Scott (1997), as indústrias criativas podem ser divididas em três tipos: tradicionais, de serviços e híbridas.

As indústrias criativas focam na transformação de matérias primas físicas em produtos tangíveis, fazendo uso da criatividade no momento de planejamento e design (como indústrias de moda e joalheria). Já indústrias criativas de serviços não se atêm a aspectos tangíveis, e sim envolvem o uso da criatividade para produção de serviços personalizados (como turismo e propaganda). Por outro lado, as indústrias criativas híbridas utilizam aspectos tangíveis para comercialização do serviço, porém, o uso da criatividade para sua produção e viabilização é essencial (como nas indústrias de música e cinema) (Scott, 1997).

 

2.2. Internacionalização de Serviços

Coviello e Martin (1999) afirmam que a internacionalização de serviços é abrangente e envolve desde empresas de hard services até empresas de soft services (Erramilli, 1990), impossibilitando assim a aplicação direta de uma teoria de internacionalização de empresas. Ademais, Johanson e Vahlne (1990) destacam que as teorias de internacionalização não são aplicáveis a empresas de serviços, sendo necessária uma análise contextual da organização para observar se há coerência na aplicação de uma teoria de internacionalização de empresas em uma empresa de serviços.

Os modos de entrada em mercados internacionais são divididos em três categorias, de acordo com o nível de envolvimento e controle entre a empresa e o mercado alvo. O modo de entrada mais simples e que envolve menos riscos é por exportação, enquanto o modo contratual envolve maior comprometimento da empresa. Já o modo de exportação por investimento envolve, além de mais riscos e comprometimento, maior participação do capital da empresa (Peng, 2008). Há divergências na literatura em relação à classificação dos modos de entrada, motivo pelo qual a classificação utilizada no estudo é baseada nos estudos de Peng (2008), Root (1994) e Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010). A Figura 1 representa tal classificação:

 


Figura 1 – Modos de Entrada

Fonte: Adaptado de Peng (2008); Root (1994) e Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010).


A internacionalização via exportação é o modo de entrada mais simples em um mercado internacional. A exportação é utilizada principalmente em empresas de pequeno porte, onde o produto final é produzido fora do país de destino e posteriormente enviado a ele. Uma empresa que exporta seus produtos possui vantagens de baixo investimento e baixos riscos, porém mantém baixo controle dos seus produtos no mercado alvo. A exportação pode ser realizada de maneira direta, indireta ou por cooperativa. (Root, 1994).

A internacionalização por contrato representa uma associação de longo prazo não patrimonial entre uma empresa doméstica e uma empresa no mercado alvo. Não somente focada nos bens, a internacionalização por contrato também envolve transferência de tecnologia e capacidade humana entre a empresa doméstica e o parceiro internacional. Os três tipos de internacionalização por contrato são o licenciamento, franquia e aliança/parceria (Tanure & Duarte, 2006).

Por fim, o modo de entrada via investimento é o nível mais alto de comprometimento de uma empresa no momento de internacionalização, pois envolve a construção de propriedades privadas, como plantas de manufatura, escritórios ou outras unidades de produção no mercado externo. O investimento direto pode ser realizado por meio de propriedade exclusiva ou joint ventures (Garrido, Vieira, Slongo & Larentis, 2013).

 

2.3. Ambiente Institucional

As instituições exercem papel de norteadoras das decisões empresariais, onde o tomador de decisões é capaz de identificar os limites da legitimidade das suas ações, reduzindo assim a incerteza de uma decisão estratégica. As empresas, por outro lado, interagem com as fronteiras impostas pelas instituições a partir do momento que fazem uso das mesmas para buscar seus interesses de uma maneira legítima e racional. Segundo Scott (1995), os limites para uma decisão estratégica de uma empresa são definidos por três fatores: 1) conveniência nas instituições coercitivas; 2) compromisso social nas instituições normativas; e 3) valores dados como certos (taken-for-granted basis) nas instituições cognitivas.

Chamando a atenção para questões até então não levantadas, a abordagem de Ambiente Institucional agrega fatores relevantes das visões baseadas na indústria e em recursos, além de abordar o que é criticado nas mesmas: a falta de foco no papel das instituições na gestão estratégica empresarial. Apesar das divergências no tocante à abordagem e definições, há um ponto de convergência entre os principais autores do ambiente institucional: as instituições devem ser consideradas na análise dos processos de tomada de decisão (Narayanan & Fahey, 2005; Priem & Butler, 2001).

Apesar das instituições coercitivas (materializada como o governo) serem mais facilmente observadas, Peng, Sunny, Brian e Hao (2009) propõem que, a partir do momento que tais instituições forem insuficientes para reduzir a incerteza da tomada de decisões, as instituições normativas (normas sociais) e cognitivas (cultura) passam a ter um papel relevante na condução das empresas em um dado contexto. O autor também afirma que, apesar dessa visão ser mais utilizada em economias emergentes, nem todas as economias desenvolvidas possuem instituições formais que sejam capazes de saturar o contexto institucional.

Além da afirmação de Scott (1995) em relação aos três tipos de instituições e seus diferentes impactos na estratégia empresarial, Meyer e Rowan (1977) apresentam o conceito de isomorfismo. Os autores afirmam que as instituições e empresas inseridas em um mesmo contexto tendem a ser interdependentes e isomórficas entre si. Tal isomorfismo, de acordo com DiMaggio e Powell (1991), se dá por meio de três mecanismos: 1) coercitivo, oriundo de diferentes pressões realizadas por instituições, organizações e ambiente; 2) mimético, oriundo da incerteza identificada pelas organizações que tendem a imitar pares no mesmo contexto para minimizá-la; e 3) normativo, oriundo da profissionalização e da metodologia de trabalho isomórficos entre organizações em um mesmo contexto.

Tendo em vista o escopo do estudo, as instituições coercitivas se mostram mais relevantes para compreender o fenômeno estudado. Apesar de o governo ser a instituição coercitiva mais claramente observada na realidade, suas ramificações também podem ser consideradas instituições com mesmas características, como é o caso de instituições de fomento.

 

3. Contextualização do Caso APEX

No ambiente institucional brasileiro, o artigo tem foco em analisar o projeto da APEX nomeado Built by Brazil. O projeto tem por objetivo fomentar a internacionalização do setor de arquitetura e é resultado de uma parceria da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX) e a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA). O projeto foi selecionado como objeto de pesquisa por ser um dos principais da APEX e um esforço institucional de destaque por conta do alto investimento em uma indústria criativa específica e consolidada.

A APEX é parte do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, foi fundada em 2003 e oferece serviços para qualificação da exportação, promoção comercial, posicionamento no mercado e apoio à internacionalização de empresas, com objetivo de fomentar a competitividade de empresas brasileiras por meio da internacionalização dos negócios e atração de investimentos estrangeiros diretos.

A APEX apoia mais de 13 mil empresas brasileiras, totalizando 81 setores da economia de produtos e serviços de médio e alto valor agregado. Em 2011, as organizações apoiadas pela APEX correspondiam a 15,46% do valor total exportado pelo Brasil para mais de 200 mercados. A agência é dividida em seis grupos de ação: agronegócios, alimentos e bebidas, casa e construção, economia criativa e serviços, máquinas e equipamentos, moda e tecnologia e saúde (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, 2013).

Outro agente relevante no estudo é a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA). Fundada em 1973, é uma associação de classe que tem por objetivo contribuir para a evolução da arquitetura e sua valorização no desenvolvimento urbano e melhoria da qualidade da construção civil do Brasil. A associação conta com mais de 300 escritórios parceiros e oferece apoio na participação de feiras, encontros e viagens de atualização profissional para seus filiados. A associação também promove diversos cursos, publicações, um informativo com tiragem mensal de 20 mil exemplares e eventos que consolidam a integração entre a indústria, os associados e as construtoras (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura, 2013).

O projeto Built by Brazil, coordenado pela APEX, é resultado de uma parceria entre um agente financiador, a APEX, e um agente de interlocução e viabilização, a AsBEA. O projeto foi criado em 2010 com o objetivo de construir um ambiente em que haja o desenvolvimento da cultura exportadora de escritórios de arquitetura, tanto pelo incentivo da presença de profissionais brasileiros no ambiente externo, como pelo fortalecimento da imagem da arquitetura brasileira ao redor do mundo. De acordo com informações oficiais do projeto, há quatro ações de trabalho que são desenvolvidas: promoção comercial, imagem, articulação institucional e de inteligência de mercado (Built by Brazil, 2013).

4. Procedimentos Metodológicos

A metodologia utilizada foi o estudo de casos múltiplos porque, considerando o objetivo da pesquisa, a análise a partir do ponto de vista apenas dos escritórios causaria um viés. Tendo isso em mente, os colaboradores responsáveis pelo projeto Built by Brazil da APEX também foram considerados na análise, especificamente a gestora do projeto na AsBEA e o gerente executivo do projeto na APEX.

De acordo com Yin (2010), o método de estudo de caso é utilizado para explorar um fenômeno específico, suas particularidades e subjetividades, pois é realizada uma análise que possibilita o detalhamento da experiência dos objetos de estudo. Por se tratar de um problema de pesquisa multifacetado, foi realizado um estudo de caso múltiplo onde, por um lado, a APEX e a AsBEA foram analisadas como agentes influenciadores e, por outro, as empresas de arquitetura que fazem parte do projeto Built by Brazil, de fomento à internacionalização da APEX.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com oito empresas de arquitetura relacionadas ao Built by Brazil, com o responsável pelo projeto para arquitetura da APEX e com a gestora do projeto da AsBEA, além da análise de documentos tanto dos escritórios como de registros governamentais. Observa-se então que há quatro fontes de dados diferentes em duas técnicas de coleta de dados, caracterizando a triangulação de dados: entrevistas com oito empresas de arquitetura, entrevista com o responsável pelo projeto Built by Brazil da APEX, entrevista com a gestora do projeto da AsBEA e documentos governamentais e empresariais (Denzin, 1970).

Para a análise de dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo latente, que possibilita a análise com alto nível de profundidade, identificando os conjuntos de palavras que se destacam para assim compreender seu sentido. O objetivo da técnica de análise de conteúdo é interpretar e reinterpretar as entrevistas para alcançar uma compreensão dos significados das frases categorizadas de uma maneira que excede uma leitura comum (Krippendorff, 1986), ou, de acordo com Neuman (1997), é a busca por padrões nos dados coletados para posterior interpretação com base na teoria utilizada e no contexto em que os casos se encontram. De acordo com as descrições dos autores, é possível afirmar que a análise de conteúdo atende as expectativas da pesquisa e contribui para o alcance do seu objetivo.

4.1. Protocolo da Pesquisa Empírica

O protocolo de pesquisa empírica foi dividido em três etapas, sendo elas: 1) seleção de dez entrevistados; 2) elaboração do roteiro de perguntas a partir das categorias dedutivas levantadas na literatura; e 3) execução da análise de conteúdo latente com suporte do software Atlas TI. A fim de manter a fidelidade aos dados empíricos, categorias indutivas emergiram durante a análise de dados, compondo então o quadro final de categorias.

Na etapa de seleção dos entrevistados é possível destacar três fases distintas: 1) seleção por meio do website do projeto; 2) seleção por meio dos cinco escritórios mais atuantes; e 3) seleção por meio do sistema interno do projeto, com acesso permitido pela gerência. Para compreender de maneira abrangente o fenômeno e englobar visões distintas sobre o mesmo, optou-se por entrevistar quatro escritórios ativos no projeto e quatro escritórios inativos.

Na primeira fase, o website do projeto foi acessado e, tendo em vista que o mesmo estava desatualizado há quatro anos, foram recuperados apenas os oito escritórios iniciais descritos no mesmo. Dos oito escritórios iniciais, quatro foram entrevistados, sendo três ativos no projeto e um inativo. Não foi possível entrevistar os outros quatro por encerramento das atividades ou impossibilidade de estabelecer comunicação.

Após as entrevistas com os quatro escritórios iniciais, na segunda fase, a gestora do Built by Brazil foi contatada para o envio da lista dos escritórios participantes mais assíduos e interessados com o projeto. Com base na lista enviada, o quarto escritório ativo foi selecionado com base em três critérios: 1) experiência em projetos internacionais; 2) tempo de participação no projeto; e 3) expressividade de mercado.

Na terceira fase, a gestora do projeto foi novamente contatada para enviar a lista completa de todos os escritórios do projeto, tanto ativos como inativos. A partir da lista completa, os escritórios inativos foram selecionados (71 escritórios) e foi realizada uma pesquisa individual dos escritórios, principalmente em seus websites e notícias na mídia. Foram utilizados três critérios para seleção das três entrevistas faltantes de escritórios inativos: 1) tempo de participação no projeto 2) experiência internacional; e 3) expressividade no mercado. O Quadro 1 resume os escritórios e instituições selecionados, suas respectivas cidades e sua situação frente o projeto.

 


Quadro 1 – Lista de Entrevistados

Empresa

Cidade

Situação

Stemmer Rodrigues Arquitetos Associados

Porto Alegre - RS

Ativo

Aflalo e Gasperini Arquitetos

São Paulo - SP

Debiagi Arquitetos Urbanistas

Porto Alegre - RS

Studio Arthur Casas

São Paulo - SP

Borelli & Merigo Arquitetura e Urbanismo

São Paulo - SP

Inativo

Athiê / Wohnrath Associados

São Paulo - SP

Cristina Maluf Arquitetura de Iluminação

Porto Alegre - RS

Edo Rocha Arquitetura e Planejamento

São Paulo - SP

AsBEA

São Paulo - SP

Instituição

APEX

Brasília - DF

 


Após a seleção dos entrevistados, foram levantadas dez categorias de análise divididas em dois blocos temáticos, utilizadas para criação do roteiro de perguntas das entrevistas. O objetivo das categorias de análise é nortear as entrevistas, fornecer uma base para criação do roteiro e permitir a análise de conteúdo. O Quadro 2 ilustra as cinco categorias de cada bloco temático e seus principais autores.

 


Quadro 2 – Categorias Dedutivas e Principais Autores

BLOCO

CATEGORIA

AUTORES

INTERNACIONALIZAÇÃO

 

Barreiras

Johanson e Vahlne (1997); Lopez e Gama (2007); Rocha (2003)

1

 

 

Motivações

Cassano, Neto, Vormittag, Nosé e Wiesel. (2007);

Coutinho, Hiratuka e Sabatini (2008); Oviatt e McDougall (1994); Rocha, Silva e Carneiro (2007)

2

 

 

Facilitadores

Websites, jornais e relatórios (http://asbea.org.br; http://builtbybrazil.com.br; entre outros)

3

 

 

Estratégia Adotada

Buckley e Casson (1998); Cyrino e Oliveira (2002); Garrido (2007)

4

 

 

Visão Empresarial

Koch (2001); Doyle e Gildengil (1977); Root (1994)

5

 

ECONOMIA CRIATIVA

 

Força de Trabalho

Florida (2002; 2003); Global Creativity Index (2011); Murteira e Branquinho (1970)

1

 

 

Inovação

Costa (2006); Albuquerque (1998); Global Creativity Index (2011)

2

 

3

Diversidade

Florida (2002); Nova Scotia (2012); Bianchi e Borini (2013)

 

Criatividade

Blythe (2001); Florida (2002; 2003)

4

 

 

Classe Criativa

Florida (2002); Hofstede (2010); Nicolaci-Da-Costa (2001)

5

 

 

As categorias e subcategorias dedutivas dispostas no Quadro 2 são oriundas da literatura abordada sobre o objeto de pesquisa. Além de tais categorias, de acordo com a pesquisa empírica, houve emergência de subcategorias indutivas na pesquisa empírica e modificações nas categorias dedutivas por congruência semântica identificada durante o processo de análise de dados. O Quadro 3 ilustra a estrutura de categorias e subcategorias resultante da análise de dados.

 

Quadro 3 – Categorias Dedutivas e Indutivas de Análise

 

Categoria

Subcategoria

 

Categoria

Subcategoria

BLOCO: INTERNACIONALIZAÇÃO

Barreiras

a

Tarifárias1

BLOCO: ECONOMIA CRIATIVA

Força
de
Trabalho

a

Especialização1

b

Não tarifárias2

b

Escolaridade1

Conhecimento de mercado2

c

Personalização1

c

Baixa Profissionalização3

Inovação

a

Inovação1

d

Imagem País -3

b

Patentes1

e

Experiência -3

c

Investimento P&D1

f

Risco3

Diversidade

a

Tolerância étnica1

Motivações

a

Ambiente Int/Ext1

b

Tolerância racial1

b

Tecnologia/Inovação1

c

Tolerância sexual1

c

Dirigentes1

d

Tolerância de gênero3

d

Status3

Criatividade

a

Criatividade1

Facilitadores

a

Governo1

b

Qualidade de vida1

b

AsBEA1

c

Ambiente1

c

Built by Brazil1

d

Inata3

d

Expectativa BBB3

e

Incentivada3

e

Imagem País +3

Classe
Criativa

a

Hierarquia1

f

Experiência +3

b

Autonomia1

g

Cliente3

c

Estilo de vida1

Estratégia
Adotada

a

Exportação1

d

Vertical3

b

Contratual1

e

Horizontal3

c

Investimento Direto1

Legenda:

Visão
Empresarial

a

Inocente1

1   Subcategorias dedutivas

b

Indiferença3

2 Subcategorias dedutivas mescladas por
    conta de congruência semântica

c

Estratégica2

Pragmática2

3 Subcategorias indutivas

 


5. Apresentação de Resultados

Os mapas conceituais são o produto final do procedimento de análise das entrevistas transcritas e sintetizadas, realizadas com o suporte do software Atlas TI. Nos mapas conceituais é possível observar de maneira objetiva as relações percebidas entre as categorias e também entre as subcategorias dedutivas e indutivas, ilustrando a dinâmica consolidada do discurso dos entrevistados e facilitando a interpretação das entrevistas. Foram criados dois mapas conceituais consolidados: o primeiro relacionado às categorias do bloco de internacionalização (Figura 2) e o segundo relacionado às categorias do bloco de economia criativa (Figura 3).

Nas figuras, o conteúdo das elipses são as categorias de pesquisa, enquanto dos retângulos são as subcategorias. As subcategorias com texto em itálico são indutivas, enquanto as subcategorias em negrito são as mais relevantes em cada categoria. A numeração entre parênteses em cada subcategoria é a contagem absoluta de referências na transcrição das entrevistas, sendo um dos critérios de análise – em conjunto à análise do contexto da entrevista.

A categoria “Visão Empresarial” apresentou uma concentração de foco na visão estratégica. A subcategoria "Visão Estratégica" é considerada como a mais pertinente entre todas as entrevistas, dada a sua expressão na quantidade de referências e ênfase no discurso.

A categoria “Motivações” mostrou-se equilibrada em relação a referências. A “Tecnologia” e os “Dirigentes” como motivações mostraram-se menos relevantes, enquanto a relação entre “Ambiente interno e externo” foi considerada importante. Já a aquisição de um “Status” diferenciado no mercado interno é a subcategoria mais relevante. A subcategoria indutiva “Status”, após análise de coocorrência no software de suporte, está associada à relação entre o “Ambiente interno e externo”, ou seja, um movimento no ambiente externo traz consequências diretas para o ambiente interno.

A categoria “Barreiras”, mesmo possuindo diversas subcategorias, apenas uma delas recebeu destaque. As barreiras “não tarifárias” foram recorrentes nas entrevistas realizadas, como o conhecimento de mercado, a concorrência local e a língua, como as mais descritas pelos entrevistados. Já o “risco” de internacionalizar o escritório e a “baixa profissionalização” dos mesmos também mostraram-se importantes. A subcategoria “Baixa Profissionalização” possui em sua quase totalidade coocorrência com o “Built by Brazil”, demonstrando assim que os entrevistados buscam no projeto uma solução para a mesma.

A categoria “Facilitadores” também possui um número grande de subcategorias. Além da concentração na subcategoria do “Built by Brazil” por ser o foco da pesquisa, a subcategoria “Clientes”, de acordo com análise de coocorrência, possui relação com as subcategorias de “Exportação” e “Contratual”. Já na categoria “Estratégia”, a estratégia “contratual” mostrou-se a de maior destaque entre as entrevistas, assim como a “exportação” também é considerada o melhor primeiro passo para a internacionalização do escritório.

De uma maneira geral, é possível observar que os entrevistados possuem uma visão estratégica do processo de internacionalização de escritórios, principalmente com estratégias contratuais, como parcerias com clientes estabelecidos dos escritórios. As motivações para a internacionalização são variadas, enquanto as barreiras para a mesma concentram-se nas não tarifárias, além do reconhecimento do risco do processo.

No mapa conceitual consolidado do bloco de Economia Criativa, a categoria “Classe Criativa” mostrou que o estilo de vida dos trabalhadores criativos possui relevância para a sua capacidade criativa. É possível perceber que há destaque para hierarquias horizontalizadas nos escritórios em detrimento de hierarquias verticalizadas.

De acordo com a análise de coocorrência nas entrevistas, há uma relação direta entre a hierarquia do escritório e o ambiente capaz de incentivar a criatividade dos colaboradores, ambiente este que é uma das subcategorias mais relevantes da segunda categoria, a “Criatividade”. Além de estar relacionado com a hierarquia, o “ambiente” também mostrou coocorrência com a criatividade incentivada, ou seja, um escritório que seja hierarquicamente horizontal possui um ambiente propício para o incentivo intencional da criatividade.

A categoria “Força de Trabalho” ilustra que a personalização e a especialização são relevantes para os trabalhadores criativos, havendo destaque para a sensibilidade do colaborador em compreender as necessidades do cliente e desenvolver um projeto que as atenda da melhor maneira possível, característica relevante da economia criativa.

A subcategoria de “Especialização” possui coocorrência com a categoria “Inovação”. Segundo tal coocorrência, a importância da especialização do trabalhador criativo se reflete na preocupação do escritório em investir na pesquisa e no desenvolvimento dos seus serviços oferecidos, principalmente no desenvolvimento das habilidades dos colaboradores. A inovação também é relevante, principalmente em relação ao acompanhamento contínuo com inovação em materiais e técnicas arquitetônicas.

A categoria “Diversidade” apresentou resultados não esperados. O primeiro foi a emergência da subcategoria de “tolerância de gênero”, onde foram relatadas em quatro entrevistas situações de intolerância a mulheres em cargos de poder tanto nos escritórios como no processo de construção civil. Além da intolerância de gênero, também houve incidência das intolerâncias sexual e étnica, porém de maneira menos expressiva.


 


 

Figura 2 – Mapa Conceitual Consolidado do Bloco Internacionalização

 

 

Figura 3 – Mapa Conceitual Consolidado do Bloco Economia Criativa


 


 

 

 

 

6. Análise e Discussão dos Resultados

A análise e discussão dos resultados foi realizada em duas etapas. Tendo em vista que a pesquisa envolveu escritórios ativos e inativos no projeto e os gerentes do mesmo, a primeira etapa da discussão é voltada para uma análise comparativa dos mapas conceituais consolidados de todas as entrevistas. Na segunda etapa, uma abordagem abrangente é realizada, discutindo os achados da pesquisa frente a teoria.

 

6.1. Análise Comparativa dos Resultados

A análise comparativa foi realizada a partir de dois aspectos: 1) diferenças na relevância de cada subcategoria para escritórios ativos e inativos; e 2) convergência ou divergência da visão dos escritórios com a visão da gerência do projeto. Com tais diferenças, é possível discutir pontos relevantes e elucidar o objetivo da pesquisa, sendo baseadas na leitura qualitativa das entrevistas e considerando aspectos subjetivos e indutivos dos discursos dos entrevistados.

 

6.1.1. Comparação no Bloco de Internacionalização

Foram encontradas quatorze diferenças entre escritórios ativos e inativos no projeto, apresentadas no Quadro 4, tendo em vista sua relevância para a compreensão do fenômeno pesquisado.

 


Quadro 4 – Comparação das Entrevistas no Bloco de Internacionalização

#

Escritório

Subcategoria

Visão Gerência

1

Ativos

Baixa Profissionalização

Convergente

2

Cliente

Divergente

3

Estratégica

Divergente

4

Exportação

Convergente

5

Imagem País -

Divergente

6

Imagem País +

Convergente

7

Não Tarifárias

Divergente

8

Risco

Divergente

9

Status

Divergente

10

Inativos

Built by Brazil

-

11

Expectativa BBB

-

12

Contratual

Convergente

13

Inocente

Convergente

14

Tarifárias

Divergente


A subcategoria “Baixa Profissionalização” mostrou-se relevante porque os escritórios ativos no projeto reconhecem que são pouco profissionalizados em alguns aspectos e que necessitam de investimento em profissionalização, como workshops. Tal investimento, segundo os escritórios, é uma das expectativas em relação ao projeto Built by Brazil, citada também pelos órgãos como uma das prioridades em curto prazo, sendo então a visão dos mesmos, convergente com a dos escritórios ativos.

A subcategoria “Visão Estratégica” pode ser considerada uma das mais relevantes para a compreensão do fenômeno pesquisado. De acordo com a análise dos discursos dos escritórios ativos, os mesmos possuem uma clara visão estratégica em relação ao posicionamento do escritório e principalmente em relação ao seu processo de internacionalização. Nos escritórios ativos a visão estratégica se manifesta em fatores como o cálculo de risco na internacionalização, a superação de barreiras e a preparação de conhecimento de mercado. Os órgãos possuem uma percepção oposta em relação à visão dos escritórios, considerando-os inocentes, subestimação que reflete nos resultados do projeto.

Em relação às subcategorias “Built by Brazil” e a “expectativa dos escritórios em relação ao projeto”, os entrevistados dos escritórios inativos não mostraram interesse em aprofundar o discurso sobre o projeto, mostrando certo desconforto e evitando perguntas ao serem questionados diretamente. Não é possível considerar uma visão divergente ou convergente em relação aos órgãos pois a subcategoria diz respeito diretamente ao projeto.

Na subcategoria “Contratual” os escritórios inativos procuram, de maneira geral, parcerias para a internacionalização do escritório em vez de exportar projetos. As parcerias, apesar de muitas vezes surgirem sem a busca pelos escritórios, são maneiras eficientes de reduzir o risco e facilitar a internacionalização, minimizando assim a necessidade das ações realizadas pelo projeto Built by Brazil. Os órgãos possuem uma visão convergente com a dos escritórios inativos e semelhante com a visão sobre exportação, onde reconhecem ser uma das estratégias usuais de internacionalização.

A subcategoria “Barreiras Tarifárias”, enfraquecida no discurso dos escritórios ativos, mostrou-se relevante para os escritórios inativos. As barreiras, representadas principalmente pela legislação, tendem a serem intransponíveis se comparadas com dificuldades com a língua ou cultura (barreiras não tarifárias). Tendo em vista o empecilho que as barreiras tarifárias mostram, foi possível observar desmotivação nos escritórios inativos a se internacionalizarem. Tal percepção não foi percebida pelos órgãos entrevistados, marcando assim o último ponto de divergência.

 

6.1.2. Comparação no Bloco de Economia Criativa

Ao analisar os dados do Quadro 5, é possível observar que os escritórios ativos possuem, de uma maneira geral, uma percepção mais próxima da economia criativa, como o levantamento bibliográfico sugere. Foram levantadas nove diferenças entre escritórios ativos e inativos, porém quatro diferenças podem ser destacadas.

 


Quadro 5 – Comparação das Entrevistas no Bloco de Economia Criativa

#

Escritório

Subcategoria

Visão Gerência

1

Ativos

Ambiente

Divergente

2

Estilo de Vida

Divergente

3

Criatividade Inata

Divergente

4

Inovação

Convergente

5

Personalização

Divergente

6

Qualidade de Vida

Divergente

7

Inativos

Escolaridade

Divergente

8

Especialização

Divergente

9

Criatividade Incentivada

Divergente

 


Na subcategoria “Criatividade Inata”, os escritórios ativos consideram que os trabalhadores criativos nascem com uma “veia criativa”, já fazendo parte do seu mindset e não havendo assim necessidade de incentivo direto. Apesar de considerarem o aspecto inato, reconhecem que duas atividades são capazes de incitar a capacidade criativa: os estudos e viagens experienciais ao redor do mundo.

Na subcategoria “Inovação” há a preocupação nos escritórios ativos de que seus trabalhadores criativos se inovem constantemente, principalmente no que diz respeito ao conhecimento de novos materiais e de novas técnicas. Os escritórios procuram incentivar tal inovação com a recepção de fornecedores ou até mesmo a seleção de colaboradores para visitas e feiras da área ao redor do mundo. A Inovação é o único aspecto da economia criativa que os órgãos entrevistados possuem uma visão convergente, o que pode ser explicado pela visão mercadológica que os mesmos possuem.

Na “Personalização”, ou seja, a capacidade do trabalhador criativo de elaborar projetos que correspondam às necessidades dos seus clientes, todos os escritórios ativos consideraram que uma das principais qualidades de um arquiteto é a sua capacidade de moldar sua criatividade e traço de acordo com os desejos e necessidades dos clientes, base do conceito de personalização. Tal aspecto não é considerado como relevante pela gerência do projeto.

Em contraponto à Criatividade Inata, a subcategoria de “Criatividade Incentivada”, nos escritórios inativos, manifesta-se na crença de que a capacidade criativa dos seus colaboradores pode ser adquirida e deve ser incentivada dentro do escritório com ações diretas e motivacionais. Os entrevistados destacaram, por exemplo, ações como a avaliação semestral dos colaboradores onde o item principal é a criatividade e a realização de encontros entre equipes para discussão de projetos em andamento.

 

6.2. Discussão dos Resultados

Após a análise comparativa da diferença de visão dos escritórios e da gerência do projeto em relação às subcategorias de análise, há necessidade de uma análise contextual dos resultados da pesquisa. O Quadro 6 resume os sete principais achados da pesquisa, sendo cada um explorado na seção de maneira individual, frente à literatura abordada.


 

Quadro 6 – Resumo dos Resultados da Pesquisa

Escritórios ativos reconhecem aspectos da economia criativa

Escritórios são pouco profissionalizados

Escritórios possuem necessidades nítidas de capacitação

Há descompasso entre percepções de escritórios e órgãos

Órgãos possuem pouco conhecimento prático do setor

Escritórios possuem motivações diferentes para terem se retirado do projeto

Projeto teve ruptura na gestão

 


Os escritórios ativos possuem uma percepção mais consolidada sobre a importância da economia criativa do que os escritórios inativos. Considerando que a emergência das categorias de economia criativa foi mais relevante nos escritórios ativos, é possível considerar que o reconhecimento da economia criativa está qualitativamente relacionado à internacionalização do escritório. A afirmação é consonante com a literatura levantada, afirmando que a sensibilidade a aspectos de economia criativa é relevante para o desenvolvimento econômico das indústrias criativas e economia em geral (Florida, 2003; Scott, 1997).

Apesar do reconhecimento de aspectos da economia criativa, os escritórios são pouco profissionalizados no que tange o conhecimento sobre internacionalização e estrutura interna. É possível observar nas transcrições das entrevistas que os entrevistados comparam seus escritórios a escritórios norte-americanos e europeus, principalmente em relação à estrutura e tecnologia utilizada. A baixa profissionalização é um exemplo de necessidades dos escritórios, como a capacitação e a visita a escritórios estrangeiros.

 

Os escritórios lá acabam sendo mais desenvolvidos que a gente porque eles estão um passo a frente na tecnologia de sistema construtivo, de softwares que usam para trabalhar, os escritórios americanos têm 500, 600 pessoas, têm um departamento de engenharia e sustentabilidade dentro.

(Transcrição da entrevista com o escritório Aflalo e Gasperini)

 

O que eu vejo [no setor brasileiro] é que há falta de profissionalização, que é o grande problema, então quantos escritórios têm um plano de exportação? Talvez dois ou três no universo de 20 mil escritórios no Brasil.

(Transcrição da entrevista com a APEX)

 

Nós fizemos várias visitas da AsBEA em alguns países, visitamos escritórios referências do mundo, como um escritório alemão que tem filial na China e na Índia, por exemplo. Lá eles têm 100 profissionais na Alemanha, mais 80 na Índia e 50 na China, então quando eles vão fazer um projeto, é um projeto de 100 mil metros. A escala é tão diferente da minha que são coisas totalmente diferentes, então eu acredito que em tudo tem que ter uma escala relativamente grande para valer a pena.

(Transcrição da entrevista com o escritório Stemmer e Rodrigues)

 

A profissionalização influencia diretamente o investimento na internacionalização dos escritórios. A partir do momento que um escritório não possui confiança nem conhecimento sobre trâmites internacionais, há predominância da relutância por causa da maior percepção do risco no processo, minando assim o processo de internacionalização. A baixa profissionalização pode ser considerada uma das motivações para que a estratégia de internacionalização contratual seja priorizada, tendo em vista que há redução das incertezas no processo e maior troca de experiência entre os mercados (Tanure & Duarte, 2006).

Ainda em relação às necessidades, os órgãos afirmaram que os escritórios prejudicam os resultados do projeto por contratos não serem fechados com eficiência. Partindo do pressuposto que o Built by Brazil tem o objetivo de oferecer suporte aos escritórios brasileiros, independente dos mesmos compreenderem os trâmites ou possuírem visão estratégica, existem necessidades observadas que são alvos em potencial pelo projeto. Os dois aspectos podem não ser considerados empecilhos para os resultados, e sim marcos zero para ações do Built by Brazil. A baixa percepção das necessidades dos escritórios é um exemplo de que os órgãos possuem uma visão divergente do que os escritórios possuem. Tal visão é prejudicial para a eficácia do Built by Brazil, tendo em vista que acarreta no descompasso entre as duas partes, no desconhecimento das necessidades dos escritórios e compromete o resultado de possíveis ações realizadas.

Uma das origens da visão divergente é que tanto a AsBEA como a APEX, apesar de terem entrado na gestão há menos de um ano, enfrentam o desafio de explorar o viés prático da área de arquitetura. Com o desenvolvimento do conhecimento sobre tal viés, será possível detectar as necessidades dos escritórios e consequentemente potencializar a eficácia do projeto.

 

Os primeiros anos foram mais difíceis [para o projeto] por um desconhecimento da APEX sobre o que é arquitetura, como funciona o universo. Eu acho que a APEX começou a conseguir entender os caminhos.

(Transcrição da entrevista com o escritório Debiagi Arquitetos Associados)

 

Eu acho que a iniciativa [da APEX] é excelente, mas acho que eles têm um caminho muito grande a trilhar, então não é uma coisa simples, eu espero que a APEX faça um projeto que não seja pró-forma, que responda os questionamentos do projeto de marketing quase acadêmico.

(Transcrição da entrevista com o escritório Stemmer Rodrigues)

 

Os dois aspectos anteriores fazem parte das motivações para os escritórios inativos terem se retirado do Built by Brazil. Apesar de terem sido evasivos quando questionados sobre o tópico, foi possível identificar motivações diferentes em cada um dos quatro escritórios durante a análise das entrevistas, como particularidades financeiras e pessimismo sobre a gestão anterior do projeto.

Eu te diria que nosso movimento é muito mais dentro do nosso mercado do que fora, é aqui que nós construímos o histórico, nossa plataforma, onde sabemos atuar bem. Entendemos que nosso mercado está aqui, se surgir oportunidade de fazer algo fora, obviamente faremos, mas justificar um esforço para promover o escritório lá fora em um mercado que eu não conheço, é um esforço muito grande.

(Transcrição da entrevista com o escritório Athiê/Wonrath)

 

A gente, de um ano e pouco para cá, fez uma mudança no escritório, mudou de endereço e teve remanejo de equipe, então eu não cheguei a investir nisso [participar do projeto], eu tenho que ter uma equipe bem fixa para encarar um projeto grande no exterior. Eu não quis investir muito nisso, não é prioridade.

(Transcrição da entrevista com o escritório Cristina Maluf)

 

A motivação supracitada está diretamente relacionada à mudança da equipe responsável pela gestão. Apesar das consequências negativas da ruptura, é possível destacar um ponto positivo: a atual empresa terceirizada responsável pelo projeto – antes coordenado internamente na AsBEA – possui necessidade de apresentação de resultados a fim de se manter com a responsabilidade, sendo assim uma motivação para uma busca contínua por resultados.

Em suma, três aspectos podem ser destacados com os resultados da pesquisa, relacionados com cada teoria abordada no estudo. A relação entre os conceitos de cidades criativas e o desenvolvimento dos escritórios mostrou-se relevante. De acordo com a teoria, um conjunto de características das indústrias criativas, como a preocupação com a qualidade de vida, horizontalidade hierárquica e tolerância a diferenças, faz com que as empresas possuam maior desenvolvimento econômico e potencializem sua capacidade criativa (PMSEIC, 2005). Além de tais características, a interação entre a capacidade criativa e a capacidade técnica mostrou-se presente nos escritórios ativos do projeto, principalmente em relação ao investimento em cursos e viagens técnicas para ampliação do repertório cultural (Caves, 2003).

Apesar de haver uma série de estratégias de internacionalização, os escritórios tendem a abordar o modo contratual por conta da redução das incertezas e possibilidade de aprendizado com as parceiras internacionais (Tanure & Duarte, 2006). A estratégia de internacionalização por investimento direto mostrou-se a menos relevante, tendo apenas um escritório com uma filial no mercado externo. A ausência de investimento em tal estratégia pode ser justificada pelos altos investimentos e baixa profissionalização dos escritórios, considerando que haveria necessidade de concorrência direta com escritórios locais no mercado alvo (Garrido et al., 2013).

Cerne da pesquisa, a atuação de uma instituição coercitiva – materializada no projeto Built by Brazil – é relevante para o desenvolvimento de uma cultura internacional no setor de arquitetura. O projeto, ao ser sensibilizado sobre as características do setor, suas necessidades e obstáculos, possui potencial para que a crescente internacionalização dos escritórios de arquitetura. Dada tal relevância, o ambiente institucional se mostrou uma força capaz de influenciar o desenvolvimento econômico das empresas, setor e, consequentemente, economia (Scott, 1995).

 

7. Considerações Finais

A pesquisa conta com duas questões de pesquisa. A primeira questão sendo: “Há um padrão na estratégia de internacionalização dos escritórios de arquitetura, principalmente nas suas motivações e modos de entrada em mercados internacionais?

Com base nos dados, é possível afirmar que não há um padrão em relação à existência de uma estratégia de internacionalização. Por outro lado, ficou clara a tendência de escritórios buscarem inicialmente a exportação de serviços e, posteriormente, a relação contratual por meio de parceria com clientes já estabelecidos e principalmente escritórios estrangeiros. O modo de entrada contratual mostrou-se o mais incidente e relevante para os escritórios, seja buscando parcerias com escritórios estrangeiros, seja recebendo escritórios estrangeiros no Brasil.

A relevância de tal modo de entrada pode ser explicada devido ao fato de que o conhecimento do mercado estrangeiro, principalmente em questão de legislações locais e regras de arquitetura, é uma barreira relevante para a internacionalização dos escritórios. No caso do escritório brasileiro se internacionalizar por meio de exportação, o mesmo deve buscar vencer tais barreiras em um processo de compreensão da legislação local, o que faz com que sua competitividade seja reduzida frente aos concorrentes locais habituados com tais aspectos. Já os casos de exportação vistos na pesquisa versam principalmente sobre um cliente estabelecido que convidou o escritório a projetar fora do país, o que minimiza tal barreira.

A segunda questão versa sobre: “A APEX, especificamente no projeto Built by Brazil, é capaz de oferecer instrumentos de fomento eficazes no processo de internacionalização da arquitetura no Brasil?”

O projeto não oferece instrumentos de fomento para os escritórios de arquitetura brasileiros, principalmente devido ao recuo que o projeto sofreu durante a mudança de gestão.  O mesmo está no “marco zero” da elaboração de ações, elaborando estratégias para atender as necessidades dos escritórios. Apesar de tal recuo, foi possível observar que os escritórios ainda ativos no projeto se mostram otimistas, reconhecendo que a atual etapa é essencial para o futuro sucesso do projeto.

A justificativa da resposta pode ser realizada a partir de dois prismas: ações históricas e ações futuras. Ao longo dos anos da primeira gestão do projeto, foi possível detectar algumas ações elaboradas, como a rodada de negociação com investidores colombianos e a visita guiada a escritórios de Dubai. Além das duas ações, também foram decididos os países-alvo dos esforços do projeto. Apesar das ações e da decisão do país-alvo, nenhum resultado ficou claro.

Os escritórios, mesmo quando questionados, não identificaram resultados objetivos das ações previamente realizadas. Alguns escritórios e os representantes dos órgãos declararam que não há lapso temporal para observar resultados, tendo em vista que a confiança nos escritórios brasileiros está sendo construída, porém, nas oportunidades mais próximas de concretização de negócios, os escritórios brasileiros recuaram por falta de preparação.

Tendo em vista a discussão dos achados e as respostas às questões, a contribuição teórica da pesquisa refere-se ao preenchimento da lacuna teórica de pesquisas que abordam dois temas convergentes: a internacionalização de empresas e a economia criativa. Ao longo da pesquisa é possível observar a convergência de ambos os temas em todas as etapas, assim como a análise do impacto de aspectos da economia criativa no desenvolvimento internacional dos escritórios de arquitetura.

Já a contribuição gerencial da pesquisa diz respeito ao mapeamento das necessidades, estratégias, motivadores e barreiras que os escritórios entrevistados possuem no momento da internacionalização. Com o mapeamento de tais pontos é possível que um escritório seja mais consciente de todos os aspectos que envolvem a internacionalização e que assim tenha a possibilidade de otimizar seu processo de internacionalização a partir dos relatos da pesquisa.

O estudo, por outro lado, apresenta algumas limitações. A primeira limitação diz respeito ao escopo da pesquisa ter sido apenas no setor da arquitetura e apenas no projeto Built by Brazil. Com tais limitações, a abrangência dos resultados é limitada às especificidades do fenômeno, não possibilitando ampla generalização dos mesmos. Outra limitação pode ser considerada a quantidade de escritórios entrevistados devido ao tempo e às necessidades da pesquisa.

Já em relação à sugestão de pesquisas futuras, é possível replicar a metodologia aplicada na pesquisa em diferentes indústrias criativas com o objetivo de compreender suas similaridades e diferenças. Considerando tais características, há uma ampliação qualitativa da área de conhecimento para melhor compreensão do comportamento das indústrias criativas frente à internacionalização.

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