ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE
O papel da educação na transformação das relações de trabalho na Economia Solidária: Contribuições a partir da organização coletivista Cecocesola
The role of education in the transformation of labor relations within the Solidarity Economy: Contributions from the collectivist organization Cecocesola
Daniel Calbino Pinheiro
Professor Adjunto I da Universidade Federal de São João del Rei
Doutor em Administração / Universidade Federal de Minas Gerais
http://lattes.cnpq.br/4784709340714266
Ana Carolina Guerra
Professora Adjunta II da Universidade Federal de Alfenas
Doutora em Administração / Universidade Federal de Minas Gerais
http://lattes.cnpq.br/2437934753818244
Dimitri Augusto da Cunha Toledo
Professor Adjunto I da Universidade Federal de Alfenas
Doutor em Administração / Universidade Federal de Minas Gerais
http://lattes.cnpq.br/7979147625438914
Resumo: O avanço das iniciativas coletivistas de trabalho tem alcançado amplo destaque nas últimas décadas, o que justifica a importância de discussões que contribuam com seus processos organizacionais. É neste sentido que o presente trabalho, de natureza teórico-empírica, teve por objetivo trazer aportes para fomentar a discussão da educação na cultura do trabalho da economia solidária. Para tanto, realizou-se uma revisão da literatura, bem como recorreu-se a uma pesquisa participante em uma organização coletivista da Venezuela, com o intuito de elucidar exemplos empíricos que possam aprofundar na fundamentação de práticas formativas da cultura do trabalho nos empreendimentos solidários.
Palavras-chave: Educação, Cultura do trabalho, Economia Solidária, Venezuela, organizações solidárias.
Abstract: The advance of collectivist work initiatives has achieved wide prominence over the las decades, which explains the importance of discussions that contribute to their organizational processes. Thus, this theoretical and empirical work aims to bring contributions to encourage the discussion on education in the culture of work within the solidarity economy. To this end, it was carried out a literature review and a participatory research in a collectivist organization in Venezuela was used, in order to elucidate empirical examples that might deepen the foundation of training practices of the work culture within solidarity enterprises.
Keywords: Education, work culture, Solidarity Economy, Venezuela, solidarity organizations.
Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br
Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br
1. Introdução
Apesar de não nos faltarem críticas sobre o caráter dual da escola tradicional, cujo intuito é atender aos interesses da reprodução do capital, pouco se tem avançado em projetos de formação humana que ultrapassem os muros do mercado de trabalho[1] (Tiriba, 2007; 2009; 2012; Tiriba & Fischer, 2013). Especificamente no contexto da Economia Solidária, cujas experiências contêm elementos essenciais do trabalho cooperativo, a procura de uma práxis que contemple a unidade entre os objetivos econômicos e os objetivos sociais é uma das chaves da educação dos trabalhadores associados na produção (Singer, 2005; Tiriba, 2007, 2012; Gadotti, 2009; Adriano, 2010; Adans, 2014).
Enquanto pressuposto histórico do movimento cooperativista, a educação é um dos princípios universais, que corresponde a uma necessidade social e educativa de fortalecer a cultura da cooperação e de oferecer condições de qualificação profissional a seus associados (Coraggio, 2002; Ribeiro, 2004, Singer, 2005, Leite, 2010, Gattai & Bernandes, 2013). No entanto, discutir a educação na cultura do trabalho da economia solidária não se trata apenas de pensar em uma relação entre educação e trabalho, vista sob a ótica da produção e do consumo, onde há ênfase nas competências e habilidades para os processos produtivos. Considera-se, enquanto pressuposto, ser transpassada por uma dimensão sociopolítica, com prioridade nas experiências coletivas e de solidariedade no âmbito de um projeto social mais democrático (Cruz, 2002; Singer, 2005; Santos; Deluiz, 2009; Mascarenhas; 2010; Tafuri, 2014).
A discussão do processo educativo neste contexto envolve também a transformação de uma nova cultura do trabalho e de relações sociais de produção, cuja transição do trabalho assalariado para o associativo pressupõe uma mudança na valoração das relações simbólicas dos trabalhadores. Trata-se de uma reeducação para comportamentos sociais, culturais, políticos e econômicos compatíveis com a ética de solidariedade, na construção de uma nova racionalidade sócio-político-econômica (Umbelino, 2000, Ribeiro, 2004; Kruppa, 2005; Gadotti, 2009; Tiriba & Fischer, 2013; Adans, 2014). Essa construção é importante, uma vez que muitos dos trabalhadores dos empreendimentos econômicos solidários, por vezes, tendem a reproduzir os valores e comportamentos próprios de organizações heterogestionárias anteriormente ocupadas por eles. Insere-se, aqui, a relevância dos pormenores dos processos educacionais presentes na economia solidária.
É neste sentido que o presente trabalho, de natureza teórico-empírica, tem por objetivo central contribuir para o fomento de referenciais condizentes com a educação na cultura do trabalho da economia solidária, por meio de dois percursos metodológicos. O primeiro busca elaborar uma revisão da literatura, com o intuito de ilustrar contribuições para a discussão da educação e da cultura do trabalho nas organizações solidárias. O segundo percurso pretende, por meio de uma pesquisa participante, estudar como objeto empírico a Central de Cooperativas do Estado de Lara (Cecosesola), na Venezuela.
A justificativa para a escolha desta organização ocorre por observar que a entidade apresenta um modo de gestão diferenciado, constituído há mais de 44 anos e com resultados econômicos expressivos. A organização tem mais de 20.000 associados vinculados, em 50 cooperativas e associações. Entre elas estão a maior cooperativa de funerárias do Estado, seis centros de saúde, um hospital, uma rede comunitária de produção e distribuição e um sistema financeiro próprio. A entidade registra mais de 3.000 reuniões por ano, cuja gestão não apresenta divisões departamentais, cargos hierárquicos, e nem trabalhadores assalariados. Da mesma forma, adota um flexível sistema de tomadas de decisões coletivas, que se baseiam em reuniões diárias, bem como um amplo processo de rotatividade de funções operacionais e administrativas, que possibilita a inserção de todos os cooperados nas diversas instâncias da organização.
A Cecosesola também se destaca enquanto estudo empírico, tanto pelas percepções obtidas ao se realizar uma pesquisa participante na organização, quanto pela crítica positiva de autores em diversas áreas do saber na literatura, como Luiz Razeto, Humberto Maturana, Bernard Kliksberg, John Holloway e Myron Rogers. Esses autores, apesar de partirem de pressupostos diferentes sobre o modo de visualizar a sociedade, destinaram artigos e livros à citação da organização como um exemplo exitoso, seja nos aspectos econômicos gerados, seja nos processos formativos desenvolvidos[2].
Deste modo, enquanto questão norteadora do trabalho empírico, propõe-se a compreender: De que maneira os processos formativos da organização Cecosesola contribuíram para uma nova cultura do trabalho? Que elementos teóricos e práticos indicativos em seus processos educacionais possibilitaram a construção de uma organização tida como exitosa no campo das organizações solidárias?
Em termos estruturais, o trabalho encontra-se composto por quatro seções, além desta introdução. Na segunda seção, o referencial teórico, se dissertará sobre uma crítica à visão neutra e a-histórica do conceito de educação tradicional e também sobre as especificidades da educação no contexto das organizações de economia solidária. Na seção seguinte, serão contemplados os procedimentos metodológicos utilizados durante a pesquisa participante. A quarta seção apresentará os dados obtidos e sua análise, abordando as relações das práticas organizacionais da Cecocesola com seus processos formativos e com a cultura do trabalho. Por fim, na quinta seção, são apresentadas as considerações finais, indicando as contribuições para a discussão das organizações de economia solidária.
2. Educação tradicional: Uma crítica à visão neutra e formal
De um modo geral, parece predominar ainda no senso comum, e mesmo no discurso de algumas instituições sociais, a concepção de que a educação é um processo neutro e formal, e de que para o desenvolvimento econômico, social e político de uma organização ou nação, se faz necessário mais educação. Tal pressuposto tradicional, no entanto, não considera os aspectos históricos e sociais que perpassam a sua construção (Calbino, 2013).
Em contraponto, Freire (2006, p.9) vem desconstruir o sentido desta neutralidade, questionando: “Como falar de neutralidade educacional em uma sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona?”. O autor ainda enfatiza que tanto no processo educativo quanto no ato político, uma das questões fundamentais é ter em vista que ambas as situações sempre giram a favor “de quem” e “do quê” e, consequentemente, “contra quem” e “contra o que se faz” a educação.
Gutierrez (1988) e Gadotti (2006) defendem que o discurso da neutralidade educacional visa a despolitizar a ação formativa, pois não é senão uma manifestação da forte carga política e da imposição ideológica das classes dirigentes, por intermédio, por exemplo, do aparelho escolar. Os autores afirmam que se busca a “despolitização” afastando a escola dos problemas sociais, como se fosse possível educar fechando-se em um invernadouro, a salvo da realidade social.
Na mesma consonância, Ribeiro (2004) e Silva (2007) ressaltam que a escola tradicional, inclusive, funciona como mecanismo de reprodução de classes sociais e, tal qual a sociedade capitalista produz a desigualdade social, ela reproduz as desigualdades escolares. “A escola e o saber por ela transmitido constituem partes de um todo social definido, o que influencia a maneira como a escola trata seus alunos” (Silva, 2007, p.7).
Não é por menos, que Harper et al (1986) e Tiriba (1999) afirmam que a própria escola inculca valores, como o individualismo, sem que as pessoas se apercebam, pois se proíbe os alunos de interagirem e privilegia o esforço, o trabalho e os sucessos individuais em detrimento do trabalho em equipe, da valorização da ajuda mútua e da solidariedade.
Ribeiro (2004) ainda complementa que o modelo tradicional de escola centra o trabalho pedagógico na formação do indivíduo possessivo e competitivo, que reproduz a separação entre quem pensa e quem faz, e se sustenta sobre uma organização fragmentada do conhecimento, dificultando compreender a educação nas relações com a produção/reprodução da sociedade.
Em similaridade ao pressuposto tradicional da neutralidade, outro ponto a ser repensado é a crença de que a educação envolve um processo formal, restrito ao ambiente escolar. Em contrapartida, Galvão e Cifuentes (2001), Ribeiro (2004), Silva (2007), Leite (2010) e Tafuri (2014) ressaltam que a educação não se limita à instituição formal que é a escola, pois os conhecimentos são também edificados no interior de práticas sociais não escolares, por meio da possibilidade de refletir criticamente sobre sua própria condição de pertencimento no mundo. Da mesma forma, em qualquer espaço onde se desenvolva relações sociais, há trocas de saberes, o que implica em seu processo formativo.
A exemplo, Harper et al. (1986, p. 32) ressaltam que, antigamente, como hoje em algumas áreas chamadas “mais atrasadas”, existiam sociedades sem escola: “Na sociedade africana pré-colonial, educar-se era viver a vida do dia a dia da comunidade, como plantar, escutar dos mais velhos as histórias da tradição oral e participar das cerimônias coletivas”. Ou seja, naquele contexto não havia professores, e todo adulto ensinava. Aprendia-se a partir da própria experiência e da experiência dos outros.
Na mesma perspectiva, Brandão (1981) define que em tribos nas quais ocorrem processos sociais de aprendizagem, como os andamaneses, os maori, os apaches ou os xavantes, não existe nenhuma situação propriamente escolar de transferência do saber tribal, que vai do fabrico do arco e flecha à recitação das rezas sagradas aos deuses da tribo. Nestes ambientes, segundo o autor, a sabedoria acumulada do grupo social não “dá aulas” e os alunos, que são todos os que aprendem, “não aprendem na escola”. Tudo o que se sabe, aos poucos se adquire por viver muitas e diferentes situações de trocas entre pessoas, com o corpo e com a consciência. As pessoas convivem umas com as outras e o saber flui pelos atos de quem “sabe e faz” para quem “não sabe e aprende”. Mesmo quando os adultos encorajam e guiam os momentos e situações de aprender de crianças e adolescentes, são raros os tempos especialmente reservados para o ato de ensinar.
Com base nestes pressupostos, pode-se depreender que a educação ocorre quando surgem formas sociais de condução e controle da atividade de ensinar e aprender. Entretanto, no momento em que a educação se sujeita à criação de situações próprias para o seu exercício, produz os métodos, estabelece suas regras e tempo, e constitui executores especializados, passa a ser um ensino formal (Brandão, 1981).
É no mesmo sentido que se pode formular o conceito do próprio trabalho como um princípio educativo, por ser uma fonte de produção e apropriação de conhecimentos e saberes (Singer; 2005; Silva, 2007). Porém, embora o processo do trabalho seja, em si, educativo na Economia Mercantil, ao se configurar como trabalho alienado, tem contribuído para a desarticulação e desapropriação dos saberes da experiência e, por conseguinte, para a desqualificação do trabalhador (Tiriba, 2009; 2013).
Kruppa (2005) e Mascarenhas (2010) ressaltam que a educação na órbita do capital forma indivíduos subordinados e com qualificação necessária apenas para a sua reprodução. A capacitação dos homens, vistos como “mão de obra”, é concebida para serem eficientes na produtividade do trabalho, porém “incompetentes” para outras funções. Silva (2007) sustenta que os trabalhadores buscam se encaixar no melhor perfil para a venda de sua força de trabalho à classe empresarial, que tem como objetivo a acumulação do capital. O processo educativo, no entanto, não pretende desenvolver a consciência política dos trabalhadores. É uma educação que visa à reprodução dos trabalhadores enquanto classe assalariada, pois para a classe empresarial atingir seu objetivo de acumulação do capital, são necessários a existência e manutenção da classe trabalhadora.
Não é por menos que os estudos de Vieitez e Dal Ri (2001), Corragio (2002), Cruz (2002), Barreto e Paes de Paula (2009) apontam que grande parte dos trabalhadores que iniciam suas atividades nas organizações de economia solidária reproduz os valores e comportamentos de hierarquia, da divisão do trabalho, da cultura da subordinação, da dependência, da competição, do individualismo. Por isto que se torna relevante discutir as especificidades do processo educacional na economia solidária, quando Tiriba (1999) vem falar também na necessidade de se fazer uma deseducação dos valores tradicionais.
3. Especificidades da educação e da cultura do trabalho nas organizações de economia solidária
No sentido teórico, a economia solidária é um conceito que encerra a ideia de uma forma de organização social em que os sujeitos têm autonomia e autodeterminação na gestão do trabalho e nas demais instâncias das relações sociais. Tem como pressupostos a propriedade comum e a posse dos meios de produção da vida social e, por conseguinte, o controle coletivo e soberano das relações que os grupos sociais estabelecem entre si no processo de produção da existência humana (Coraggio, 2002; Singer; 2005; 2008; Tiriba, 2009; 2012; Gadotti, 2009; Razeto, 2010).
Nessa acepção, a economia solidária tem o ideário de contrapor as relações de produção da Economia Mercantil, o que aponta para outra cultura do trabalho, uma em que as relações sociais e a educação estejam fundadas na solidariedade e em uma democracia direta[3] (Singer; 2005; Ribeiro, 2004; França Filho & Laville, 2004; França Filho, 2008). Pode-se, assim, justificar a importância de se educar para a economia solidária, o que significa promover autonomia e a inteligência coletiva dos trabalhadores, e também a necessidade de um tempo de aprendizado que promova a transformação da heteronomia para a autonomia, da heterogestão para a autogestão (Paes de Paula et al., 2011; Adriano, 2010).
No entanto, a cultura competitiva do mercado convencional é avessa à ideia da economia solidária em diversos aspectos: preconiza a competição ao invés da solidariedade; o individualismo em detrimento do trabalho coletivo; e inculca a ideia de que os trabalhadores da produção não têm potencialidade para gerenciar a própria empresa. Adriano (2010) ressalta que durante o processo de recuperação das empresas por parte dos trabalhadores, ou mesmo da constituição de associações e cooperativas populares, os resíduos culturais herdados da organização hierárquica passam a constituir uma carga que requer um processo de desconstrução de uma determinada concepção e a construção de uma nova visão e prática. Singer (2005), Santos e Deluiz (2009) exemplificam esta transição, apontando que há uma inversão completa de situação quando alguém deixa de ser assalariado e torna-se cooperado.
Enquanto assalariado, suas escolhas são extremamente limitadas, reduzidas quase sempre a ficar ou deixar o emprego. A evolução do salário, promoções ou rebaixamentos, oportunidades de qualificação profissional e muitas outras decisões que afetam sua vida de trabalho são tomadas por superiores, por razões que ele muitas vezes desconhece. Mas, quando se torna cooperado, passa a ser membro de um coletivo, encarregado de tomar tais decisões.
Na empresa solidária, diferenciais de retirada mensal, divisão de responsabilidades, escolha de gestores e outras decisões que podem alterar a posição de cada um no coletivo, em tese, são tomadas em conjunto. Cada trabalhador é responsável por si, mas também pelos demais. Ainda, a fronteira que separa a vida pessoal e íntima de cada um de seu envolvimento profissional é tênue, na medida em que a solução de problemas pessoais depende de decisões tomadas pelo coletivo de sócios.
Neste sentido, a questão da mudança cultural é algo que recebe bastante destaque quando se fala em educação para a economia solidária, visto que os trabalhadores carregam uma herança cultural de empregado, do trabalho mensal, heterogerido, e que são envolvidos pela complexidade do duplo papel de sócio-trabalhador, onde necessitam abandonar a cultura da subordinação, e combinar a posse individual com a coletiva, rompendo com os padrões educativos ocorridos na família, na escola e nas relações sociais (Galvão & Cifuentes, 2001; Silva, 2007; Adriano, 2010; Adans, 2014).
Desta forma, as práticas e experiências existentes no campo da Economia Solidária envolvem uma mudança cultural que a formação pode estabelecer (Cruz, 2002; Coraggio, 2002). Singer (2005, p.8) ressalta que a prática da economia solidária exige que as pessoas que foram educadas no capitalismo sejam reeducadas:
Essa reeducação tem de ser coletiva, pois ela deve ser de todos os que efetuam em conjunto a transição, do modo competitivo ao cooperativo de produção e distribuição. Representa um desafio pedagógico, pois se trata de passar a cada membro do grupo outra visão de como a economia de mercado pode funcionar e do relacionamento cooperativo entre sócios. E o aprendizado dá-se com a prática, pois o comportamento econômico solidário só existe quando é recíproco. Trata-se de uma grande variedade de práticas de ajuda mútua e de tomadas coletivas de decisão cuja vivência é indispensável para que os agentes possam aprender o que desses se espera e o que devem esperar dos outros.
É neste sentido, que em termos de proposições conceituais para se pensar a educação, Tiriba (2007) sustenta a importância de um processo educativo que busque como ponto de partida a ação-reflexão-ação e a sistematização do cotidiano do trabalho e da vida, e como ponto de chegada o alcance de novos valores e práticas que permitam transformar permanentemente as relações de convivência na comunidade onde a organização se localiza.
Já Alaniz (2003), Novaes (2009) e Gadotti (2009) sustentam que nos marcos da economia solidária, a formação necessita ser pensada tendo em vista a superação da divisão do trabalho capitalista, a democratização do poder de decisão e o acesso à totalidade do conhecimento que circula na organização. Práticas como esta permitem o desenvolvimento intelectual dos trabalhadores e desconstroem os valores da educação tradicional (Alaniz, 2003).
Em similaridade, Adriano (2010) enfatiza que ruptura com um padrão cultural baseado na relação assalariada passa pelo envolvimento generalizado dos cooperados com o todo da produção. É importante que os cooperados tenham uma visão integrada da empresa e conhecimento de seus processos, compreendendo como se dá o processo do faturamento, sobras e retiradas, e conhecendo os clientes, fornecedores e as características do mercado no qual a organização está inserida.
Gattai e Bernandes (2013, p.11) enfatizam também a importância da retomada dos fatos históricos no processo de aprendizado, ressaltando que tal reflexão pode considerar, como ponto de partida, que o processo socioeducativo é capaz de trazer à consciência dos indivíduos os valores culturais dominantes:
Os indivíduos devem ser estimulados a entender tais valores como frutos de uma história nacional e a questioná-los. O processo estimula as pessoas a se posicionarem com uma postura mais crítica e que se sobreponha à realidade histórica, criando novas realidades.
Para os autores, de uma forma geral, as pessoas não sabem que podem mudar o rumo de suas vidas, principalmente por meio da participação em espaços públicos para discutir, propor, criar projetos que tornem a vida da comunidade melhor. Tal postura tem suas raízes na história, que, durante três séculos, apoiou-se na escravidão, o que gerou valores relacionados à submissão, ao medo da autoridade, ao medo da repressão, à docilidade nas relações e outros valores característicos de uma sociedade escravocrata.
Uma contribuição teórica para lidar com este traço subjetivo envolve as proposições dos estudos de Rothschild (1979), Andrade (2006) e Paes de Paula et al. (2011) nas organizações autogestionárias. Os autores apontam para a importância da criação de espaços coletivos para transformação dos valores culturais, que possibilitem o diálogo e a manifestação das emoções e da crítica coletiva. Eles ressaltam, também, a importância da análise coletiva como meio de reflexão dos processos de trabalho, dos conflitos e de alternativas para a transformação subjetiva dos sujeitos.
Outra dimensão relevante no processo educacional envolve ainda a discussão da utilização de novas técnicas de gestão condizentes com a sua realidade organizacional. Tal visão é compartilhada por diversos autores na literatura, ao enfatizarem a não neutralidade da gestão e de seus processos técnicos. Galvão e Cifuentes (2001) e Nascimento (2009) abordam a concepção de educação que tende a nortear as cooperativas autogestionárias para a formação do homem integral, do cidadão trabalhador, levando em conta a necessidade da educação escolarizada ou formal; da educação voltada ao saber técnico ou formação profissional; da educação política, voltada à sua atuação dentro e fora do ambiente de trabalho. Neste sentido, considera-se que educação formal e educação política não estão separadas, na medida em que qualquer proposta educacional traz, implicitamente, uma posição política. Da mesma forma, não é possível, nesta concepção, separar a educação humanística da educação para os negócios.
Ressalta-se, no entanto, que, apesar dos desafios lançados para se repensar os processos formativos, as condições organizacionais da economia solidária parecem favoráveis para uma nova educação, a partir do momento que este ambiente, em tese, possibilita a experiência educativa em si mesma, na medida em que propõe novas práticas sociais e um novo entendimento destas práticas, uma forma cooperativa e não competitiva de produzir e reproduzir, o que se pode chamar de uma pedagogia da produção associada (TIRIBA, 2009).
Não é por menos que Gadotti (2009, p. 35) salienta que é justamente porque a Economia Solidária é um ato pedagógico que existe a necessidade de se construir uma pedagogia da Economia Solidária. E pelo fato das pedagogias tradicionais não darem conta da riqueza desta nova realidade econômico-política, é preciso pensar instrumentos, técnicas, e princípios formativos para o avanço da educação na Economia Solidária.
4. Metodologia
A metodologia de um trabalho científico pode ser definida como o percurso do pensamento, constituindo-se por processos e métodos utilizados para alcançar o conhecimento do fenômeno investigado (Minayo, 2007). No presente trabalho, a metodologia utilizada é um recorte de uma investigação de doutorado, realizada por meio de uma pesquisa participante na organização Cecosesola, que se iniciou em Abril de 2011 e foi concluída em dezembro de 2013. Na ocasião, entre os diversos objetivos da pesquisa, buscou-se compreender de que maneira os processos formativos da organização Cecosesola contribuíram para uma nova cultura do trabalho e que elementos teóricos e práticos indicativos em seus processos educacionais possibilitaram a construção de uma organização tida como referência no campo das organizações solidárias. Deste modo, utilizou-se de uma pesquisa participante, entendida pela investigação que visa a estabelecer um processo concomitante de investigação e de ação, com a participação de pesquisadores e pesquisados, tendo, enquanto proposta, contribuir diretamente para a produção de conhecimento e resolução de problemas de interesse coletivo (Brandão, 1984).
A justificativa para a escolha do método se baseou principalmente nos pressupostos ontológicos e epistemológicos dos autores, que não só compartilham dos ideais da produção coletiva do saber, como também sustentam o argumento de que o uso de métodos participativos pode contribuir para melhor compreender a lógica de organização coletiva do trabalho e de seus processos formativos. Com base nestes pressupostos, a pesquisa foi operacionalizada por meio da inserção do pesquisador na organização, sendo incorporado como um trabalhador-associado, e participando, assim, das atividades operacionais e administrativas da organização.
Enquanto dinâmica de trabalho cotidiano, o pesquisador obteve os mesmos direitos e deveres em comparação com os cooperados que faziam parte desde a fundação da organização. Por residir em um alojamento dentro da própria cooperativa, foi possível vivenciar a todo momento a prática organizacional autogestionária, com participação efetiva em todas as instâncias da organização. Durante a pesquisa participante, vivenciar o rodízio de trabalho, a inserção e execução de atividades operacionais e administrativas, possibilitou uma maior compreensão da complexidade organizacional e dos processos educacionais da Cecosesola, principalmente por trabalhar com cooperados atuantes nas diversas instâncias e funções organizacionais.
No mesmo sentido, utilizou-se, enquanto técnicas de suporte à coleta de dados, as pesquisas documentais e bibliográficas, com o intuito de mapear informações vinculadas ao modo de educação da Cecosesola; além de entrevistas conversacionais livres com os membros da organização. A entrevista conversacional livre pode ser definida pelo surgimento das perguntas nos contextos e nos cursos naturais da interação, sem que haja uma previsão de perguntas nem de reações a elas (Mattos, 2006).
A escolha por esta técnica de entrevista ocorreu primeiramente pelo largo tempo disponível dos investigadores com um dos membros da Cecosesola. Além disso, sustenta-se que a opção de não estabelecer um roteiro pré-fixado facilitaria a própria operacionalização da dinâmica da pesquisa participante. Deste modo, os relatos apresentados sobre seus processos formativos se baseiam na síntese das percepções subjetivas do investigador, por meio do convívio na organização, dos registros de documentos e das falas[4] trazidos pelos integrantes da cooperativa.
5.1 Breve histórico da organização Cecosesola
A central de cooperativas Cecosesola, à primeira vista, chama atenção pelo seu tamanho e pela ocupação que exerce no mercado regional. Atualmente, a organização abrange cinco Estados da Venezuela, com um faturamento anual de 100 milhões de dólares, sendo líder de mercado em diversos setores em que atua. Em termos de estruturas organizacionais, observa-se a presença de 1.200 trabalhadores-sócios, os quais trabalham na organização; além de mais de vinte e sete mil associados, que não trabalham na cooperativa, mas fazem parte dos planos de saúde, sociais e bancários da organização[5].
Uma breve retomada histórica da organização aponta para o seu surgimento em 1967, na cidade de Barquisimeto (Capital do estado de Lara), com dez cooperativas que exerciam as atividades de poupança e crédito, motivadas por uma necessidade local de realizar a prestação de serviços funerários. Com o passar dos anos, a organização foi incorporando outras atividades, e no ano de 1984, conheceu uma experiência de vendas de verduras e frutas a um só preço, chamada de Ferias de Hortalizas. Com o apoio de quatro cooperativas filiadas, a organização começou a implantar a atividade por meio da compra e revenda de verduras. O desenvolvimento das feiras possibilitou agregar diversas cooperativas de produtores, que passaram não apenas a comprar e revender, mas a produzir e ofertar os produtos, constituindo cadeias produtivas do ramo alimentício.[6]
Outro fato marcante na história da organização ocorreu em 1995, pois, naquela época, motivados por problemas vinculados às dificuldades de acesso aos serviços de saúde, seus participantes optaram por criar uma cooperativa associada à Cecosesola, com um pequeno consultório médico de atendimento em pediatria e medicina geral. Com a expansão das atividades exercidas, no ano de 2009, os centros de saúde se transformaram em um hospital, que hoje conta com mais de 7.000 sócios e atende a 160.000 pacientes por ano.
Além dessas atividades, a organização possui também um sistema de prestação de serviços de poupança e de crédito, que serve de financiamento para maquinários, construções; e de seguros, para as perdas de colheitas, enfermidades e acidentes. No mesmo ramo, a organização desenvolveu um sistema de compra e revenda de artigos de linha branca (eletroeletrônicos), marrom (móveis) e demais equipamentos de casa, com o objetivo de libertar os associados dos comerciantes que revendem os produtos com altas taxas de juros.
Outra instância da organização se trata da escola cooperativa, que tem por objetivo articular os processos formativos, bem como estruturar as diversas funções organizacionais entre os membros. Durante a pesquisa participante, um dos autores do artigo residiu na escola cooperativa, a qual cumpre também um papel de alojamento para os visitantes da organização.
Ressalta-se, contudo, que o relevante na escolha da organização, enquanto objeto empírico, é que os resultados econômicos e sociais não são frutos de um modo de gestão tradicional, que utiliza da heterogestão, sob a alegação de superioridade da eficiência econômica. Constatou-se na pesquisa participante que praticamente não há níveis hierárquicos formais, e tampouco estrutura de cargos, com presidente, tesoureiro, secretário. Além disso, a distribuição do capital ocorre por cotas de partes iguais, conforme constataram também os estudos de Richer e Alzuru (2004), Calcaño (1998), Kliksberg (2001) e Paredes (2001), ao analisarem a organização. Tais fatos apontam para a ênfase dos processos formativos na Economia Solidária em superar a divisão do trabalho capitalista, a democratização do poder de decisão e do acesso à totalidade do conhecimento que circula na organização (Alaniz, 2003). Porém, por uma restrição de espaço, não destinaremos nenhuma parte deste artigo à descrição e análise dos seus modos autogestionários, somente aos relatos de suas experiências no seu modo de educação, as quais corroboraram para a formação de outra cultura do trabalho.
5.2 Sobre os processos educacionais e as reuniões formativas da Cecosesola
Historicamente, a organização Cecosesola, desde quando foi fundada, em 1967, teve um ideal de organização solidária com o intuito de combater a lógica da economia mercantil. Isto ocorreu, porque parte dos trabalhadores-associados vieram da Alemanha e de Cuba, oriundos dos partidos comunistas e outros do próprio movimento cooperativista venezuelano, trazendo fortes influências dos ideais cooperativistas de Rochdale. No entanto, apesar de possuírem estas proposições ideológicas, suas práticas reproduziam os mesmos modelos organizacionais heterogestionários, conforme aponta o entrevistado Gustavo Salas, que foi um dos fundadores da organização:
No início, a estrutura organizacional da Cecosesola, assim como as características das reuniões eram similares a qualquer organização de caráter econômico. Nos primeiros anos nos dedicávamos fundamentalmente a administrar e em menor grau, a “dar” uma educação cooperativa. Existiam também as mesmas relações de dependência que em qualquer empresa: os trabalhadores se limitavam a cumprir, dentro do seu horário de trabalho, com as tarefas combinadas, sem participar das decisões nem tomar parte em reunião periódica nenhuma. O gerente se reportava a um conselho de administração de cinco membros, representantes das cooperativas integradas. Um conselho de Vigilância cumpria com a função de controlar fazendo às vezes, o papel de cães de guarda. Os membros do Conselho não podiam se envolver nas tomadas de decisões administrativas ou econômicas. Pela mesma razão os trabalhadores não podiam optar por cargos diretivos e nem ter voz e voto nas assembleias da Cecosesola (Trecho da entrevista conversacional livre, 2011).
Ressalta, ainda, que este modo de gestão se manteve até o ano de 1982, quando teve início um processo de modificações nas estruturas organizacionais, rompendo com o seu formato heterogestionário: “Em meados de 1982, uma pessoa que ocupava o cargo de gerente na funerária renunciou e, a partir daí, decidimos eliminar este cargo. Surgiu então a oportunidade de aprofundarmos mais em um processo de autogestão, no qual fomos compartilhando as responsabilidades, e teve início uma nova ordem, não mais imposta de cima para baixo”. Em pouco tempo, afirma, esse processo foi se espalhando para os demais cargos e as tarefas foram sendo assumidas coletivamente através do mecanismo de rotatividade, e as remunerações se igualaram. Porém, o cooperado ressalta que esta tentativa de mudança veio acompanhada de uma herança individualista e oportunista: “Inicialmente, esse processo gerava desajustes para os menos maduros, pois se convertia em oportunidade de aproveitamento, em ir trabalhando menos, saindo mais cedo para a casa e, em alguns casos, se beneficiando indevidamente dos recursos econômicos” (Trechos da entrevista conversacional livre, 2011).
É interessante observar que ao tentarem implementar um modo de gestão coletivista, depararam-se com tensões e conflitos culturais e de valores, como o oportunismo entre os indivíduos, a reprodução da ideia de que “agora, se não há chefes, o chefe sou eu”. Em estudos de Vieitez e Dal Ri (2001), Corragio (2002), Cruz (2002), Barreto e Paes de Paula (2009) vinculados aos desafios da constituição de uma gestão coletiva na Economia Solidária, estes autores apontam para relatos muitos semelhantes, indicando que nas tentativas de constituir um trabalho coletivo, emergem, na prática, diversas características das organizações tradicionais.
Tais fatos ilustram também as discussões teóricas de Singer (2005) Santos e Deluiz (2009), Adriano, (2010) e Adans (2014), de que pensar na constituição de uma organização de economia solidária envolve, fundamentalmente, um processo educacional de transformação dos valores culturais presentes nos indivíduos.
Apesar das diversas experiências acumuladas nos 48 anos de organização, que contribuíram para a criação de uma nova cultura do trabalho, um processo central de efetiva transformação dos traços culturais iniciou-se a partir de 1992, quando adotou-se, enquanto critério da organização, a ênfase em um intenso processo formativo. Por meio da criação de uma dinâmica de trabalho, cujo processo diário centrou-se em constantes reuniões coletivas de gestão e formação, as reuniões se tornaram a principal instância organizacional, e, para que dessem conta do tamanho da organização e da complexidade funcional, passaram a ocorrer diariamente. Estima-se, hoje, mais 3.000 reuniões ao ano, visto que, em um mesmo dia, ocorrem reuniões simultaneamente em praticamente todas as áreas da organização.
Constatou-se que é principalmente nas reuniões onde ocorrem as funções administrativas e formativas do coletivo. Em termos operacionais, utiliza-se de reuniões permanentes e periódicas para tratar, inclusive, de assuntos específicos. Além das reuniões e das atividades de caráter ordinário, que ocorrem sistematicamente em dias pré-estabelecidos da semana, há também uma lógica situacional, que permite que todos os membros tenham autonomia para convocar reuniões extraordinárias para lidar com as demandas que vão surgindo.
No período em que um dos pesquisadores do artigo residiu na Cecosesola, o que mais chamou a atenção durante as reuniões foi seu caráter descentralizado e dinâmico. Observou-se que, se por um lado praticamente todas as questões administrativas passam pelas reuniões, por outro, em qualquer reunião que estiver ocorrendo, um tema pode ser discutido e deliberado. A exemplo disso, o processo de inserção do pesquisador ocorreu de maneira similar, em uma reunião diária que, na ocasião, só contava com a presença de 15 membros, onde se discutiu e aprovou sua participação. Nas reuniões seguintes, o pesquisador já foi apresentado para os demais associados como um dos novos trabalhadores da organização.
Outro fato relevante da lógica das reuniões é que, geralmente, não há um tempo estabelecido para o término, bem como nenhuma intenção de acelerar as tomadas de decisões. Durante a pesquisa participante, observou-se algumas reuniões cuja duração foi de mais de 12 horas, consumindo toda a jornada de trabalho de uma organização tradicional. Ao se questionar sobre uma possível perda de eficiência nas questões operacionais, observa-se nas falas dos entrevistados que a própria ideia de tempo e de objetivos é distinta: “Mais do que maximizar o tempo das reuniões, nossa preocupação centra-se em estabelecer um processo de formação cultural e de mudança de valores entre os cooperados” (Relatos da entrevista conversacional livre com a associada Corina, 2011).
Relevantes são as similaridades nas próprias análises de Kliksberg (2001) sobre como o formato das reuniões da Cecosesola servem como um intenso processo formativo:
Los valores cooperativistas de crecimiento personal, apoyo mutuo, solidaridad, frugalidad, y austeridad; de enseñar a otros, de no ser egoísta y dar lo mejor de sí para la comunidad, son temas de reflexión continua em las ocho o más horas de reuniones a las que asisten todos los trabajadores de Cecosesela a la semana. El alto número de horas dedicadas a reuniones podría verse como uma perdida em productividad, pero son el principal médio a través del cual se logra la dedicación, el entusiasmo y el compromiso de los trabajadores de la organización (Klikberg, 2001, p.5).
Para além das reuniões diárias, observou-se, também, momentos de reuniões específicas, chamadas de reuniões de análise, que parecem intensificar os laços, a identidade entre os envolvidos, bem como desconstruir os valores da cultura do trabalho tradicional. Constatou-se, durante a pesquisa participante, que estes momentos são utilizados pelos membros sempre que estes desejam expressar seus sentimentos, emoções, ou quando se gera incômodo com algum fato ou membro. Nas reuniões de análise, geralmente, realizam um estudo do comportamento das pessoas, tentando identificar e refletir sobre quais os fatores que levaram as pessoas a tomarem certas atitudes.
Durante a pesquisa participante, foi possível participar de uma reunião de análise, cujo foco foi o comportamento de uma das estrangeiras que trabalhava na cooperativa. Na reunião, discutiram a conduta da cooperada, apontando que ela não estava aceitando as críticas que recebia e que não estava trabalhando de acordo com os critérios estabelecidos pela organização. Dentre as principais críticas, sustentavam a sua não interação nas reuniões e o fato de que falava com os demais de um modo agressivo. Após expressarem as críticas, a cooperada também discorreu sobre os pontos que geravam insatisfações.
Em determinado momento das análises, um dos membros de maior idade interveio, ressaltando que as análises não têm por objetivo julgar se a pessoa está certa ou errada, mas analisar os comportamentos. Ao término das análises, a estrangeira se comprometeu a refletir e tentar mudar alguns de seus comportamentos e enfatizou que ainda se sentia mal, visto que não estava acostumada com este tipo de reunião, alegando que em seu país as pessoas não analisam ninguém publicamente. Na percepção da cooperada Corina[7] (2012), as reuniões de análise, apesar de ainda ser um ponto de tensão e desconforto para quem está sendo analisado, traz uma análise aberta, que ocorre na frente de todos, sendo isto um meio de se evitar segredos e de possibilitar a participação das pessoas nas reflexões.
Ao contrário das organizações tradicionais, que criam esses espaços para reduzir os conflitos e maximizar a produção, na Cecosesola, a percepção que se teve é de que os espaços servem, inclusive, para ir modificando alguns traços culturais, e se assemelham aos pressupostos formativos de Rothschild (1979), que ressalta a importância da criação de espaços coletivos para transformação dos valores culturais, que possibilitem o diálogo, a manifestação das emoções e da crítica coletiva. Em similaridade, os estudos de Andrade (2006) nas organizações solidárias apontam para a importância da análise coletiva como meio de reflexão dos processos de trabalho, dos conflitos e de alternativas para a transformação social.
5.3 Sobre os processos pedagógicos trabalhados no cotidiano da organização
Para além das reuniões de formação, observou-se que no cotidiano da organização há um intenso esforço, principalmente dos membros mais antigos de se realizar um processo formativo baseado na narração de histórias da organização, de reforçar os pressupostos e valores que a sustentam, e de dar ênfase ao combate aos traços da cultura tradicional.
Uma das histórias contadas nos corredores da organização e que reforça a importância de combater o oportunismo, ilustra que certa vez, em uma das feiras da organização, alguém havia encontrado uma carteira cheia de dinheiro e foi entregar no setor de achados e perdidos. Então, um senhor que estava comprando na feira, ao ouvir isso, disse: “Poxa, como alguém pode ser tão inocente de fazer isso, de entregar uma carteira cheia de dinheiro?” Porém, quando foi pagar a conta e colocou a mão no bolso, viu que tinha perdido sua carteira, e que a carteira encontrada e anunciada era a dele!
O exemplo, propagado no cotidiano da organização, corrobora o pressuposto de que a educação não se limita apenas à instituição formal (Galvão & Cifuentes, 2001, Ribeiro, 2004; Silva 2007; Leite 2010; Tafuri 2014), pois os conhecimentos são também edificados no interior de práticas sociais da organização Cecosesola, ao adotarem as trocas de saberes por meio de histórias.
Além do caso relatado acima, há uma ênfase também no esforço de atividades esportivas coletivas com o intuito de se combater traços comportamentais e emoções que legitimem formas de competição, oportunismo e individualismo:
Apesar de o esporte tender a introduzir um elemento competitivo, um tanto contraditório com o processo que tentamos aprofundar, tratamos na prática de transcender ou minimizar este aspecto, potencializando as virtudes integradoras desta atividade. Em ocasiões, com o calor do jogo, muitas vezes saímos do controle, e isto longe de ser algo negativo, converte-se através da reflexão num fato que facilita a profundidade de nossa transformação pessoal (Escrito no terceiro livro da organização, Cecosesola, 2007, p.85).
Um fato significativo que visa ao combate deste tipo de emoções ocorreu quando um dos autores participou da realização de uma colônia de férias para os filhos dos cooperados. Ao acompanhar uma das reuniões de planejamento das férias, registrou que na elaboração dos jogos e atividades esportivas, busca-se realizar principalmente dinâmicas que foquem no coletivo. Por exemplo, uma das atividades tratava de criar uma carroça e um piloto por meio de seis jovens que tinham apenas os seus corpos para realizar a função. Outra se tratava de um grupo que segurava uma pessoa nas mãos transmitindo a ideia de água, e o mesmo ia nadando até chegar a um determinado lugar.
Porém, durante as dinâmicas, um fato que chamou a atenção foi que alguns jovens começaram a competir para ver quem chegava mais rápido ao local determinado. Ao acompanhar tal comportamento, uma das cooperadas comentou com o grupo que os jovens estavam perdendo o foco, pois a ideia não era vencer e sim o entretenimento de realizar o esforço coletivo e cumprir as atividades. Então, informou que, após a elaboração da oficina, iriam realizar uma reunião para tratarem com eles sobre o sentido da competição.
Observou-se, também, que os reflexos do combate à competição parece se reproduzir em outros momentos da organização. Quando um dos pesquisadores jogava algumas partidas de futebol com os membros, o que mais causava estranhamento era o fato de apresentarem poucas intenções em vencer. A lógica parecia unicamente do lazer, o que inclusive gerava incômodo para os menos familiarizados, pela dificuldade de contrapor a concepção que se possuía do futebol.
Tais semelhanças envolvem as análises de Singer (2005, p.8) sobre os processos de competição nas organizações solidárias. O autor aponta que uma disputa esportiva, onde o fim é superar a si mesmo e não destruir o outro, é algo construtivo e saudável. Assim, na economia solidária “se deve privilegiar o que os une e não o que os divide, a cooperação e a parceria e não a competição e a concorrência”. O autor ainda ressalta que a economia solidária é avessa à concorrência no interior do seu próprio campo de atuação. A competição entre empreendimentos não só não constrói a economia solidária, como destrói seu alicerce e seus próprios fundamentos.
Por fim, além da dimensão da competição, do oportunismo, registra-se nos livros escritos pela organização, bem como no próprio cotidiano da organização, a ênfase em constituir o que Tiriba (2009) e Gadotti (2009) conceituam como um trabalho associado pedagógico, que ao mesmo tempo vai desconstruindo alguns pressupostos tradicionais, como as emoções que sustentam o capitalismo. Em seus escritos, relatam:
Geralmente tendemos a ver o capitalismo como algo à parte de nós, como se fosse uma coisa: o sistema capitalista personificado nos capitalistas, em donos dos meios de produção. Desde ambas as perspectivas, o capitalismo como sistema personificado, estabelecemos uma relação terciária. Falamos em terceira pessoa como se nós não estivéssemos supostamente contaminados. E mais, em alguns casos, já pelo fato de termos o discurso anticapitalista, nos decretamos limpos, o próprio homem novo. Todavia, desde outra perspectiva, poderíamos perguntar se as pessoas em que estamos sendo formadas, nas maneiras de relacionar-se que propicia a nossa cultura, não teríamos o capitalismo por dentro? (Escrito no terceiro livro da organização, Cecosesola, 2007, p.40).
Enquanto possibilidade de contraponto à lógica da Economia Mercantil, constatou-se que na organização se traz uma dimensão talvez “esquecida”, principalmente nos estudos marxistas, pois os atuais estudos visualizam o capitalismo nas estruturas sociais, nas lógicas de pensamento, mas não incluem uma análise das emoções e dos desejos também como uma das formas de reprodução e legitimação do capitalismo. Em contrapartida, na Cecosesola, os membros integram, enquanto parte do seu processo formativo, alternativas para a reflexão sobre a própria emoção nas ações dos indivíduos. Assim, trazem como reflexão a importância de considerar que as aspirações pela competição, apropriação, acumulação individualista e pelo poder são meios que tendem a legitimar a reprodução do capitalismo.
O capitalismo não é algo já posto no qual vamos mudar. O capitalismo está dentro de cada um de nossos corações e responde a nossa transformação cultural, responde e alimenta. É uma relação circular porque se move também em um meio capitalista, pelo simples fato que estamos sempre buscando riquezas, acumulação, poder, competição. Para sair desse meio hierárquico, temos que sair da cultura tradicional que exerce em nós (Escrito no terceiro livro da organização, Cecosesola, 2007, p.41).
Aponta-se que tais pressupostos se aproximam das ideias de Freire (2009) e Marcuse (1968), de que o “fracasso” das revoluções de caráter socialista ocorreu por não tratarem de pensar em uma mudança no comportamento dos indivíduos. Os autores sustentam que, se não ocorrer uma mudança em termos de valores culturais e emoções nos sujeitos, qualquer possibilidade de projeto de transformação social está fadada a reproduzir a mesma lógica de dominação anterior[8].
Em síntese, o exemplo enunciado acima traz aportes aos processos formativos, inclusive para contrapor os sistemas de dominação tradicional, pois, ainda que não recorram às teorias formais para tratarem do assunto, ao analisarem os traços característicos da atual cultura, colaboram para desnaturalizar as lógicas de Economia Mercantil. No mesmo sentido, ao abordarem as questões da interferência das emoções e utilizarem técnicas para combater sentimentos que corroboram o desejo da competição, do individualismo, trazem subsídios empíricos para sustentar um modo de gestão que lida com a subjetividade dos envolvidos, e que parece facilitar a constituição de estruturas organizacionais coletivas.
Há que se destacar a evidência de reeducação dos indivíduos dentro dos pressupostos da Economia Solidária. E essa reeducação precisa ser coletiva, construída cotidianamente nas suas práticas, e permeada por valores solidários e igualitários. Por essa razão, concorda-se com Singer (2005, p.19), que afirma que “a Economia Solidária é um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe nova prática social e um entendimento novo dessa prática”.
6. Considerações finais
O presente trabalho, de natureza teórico-empírica, realizou uma revisão da literatura acerca do tema, bem como trouxe análises de um objeto empírico por meio de uma pesquisa participante, com o intuito de contribuir para a discussão da educação na cultura do trabalho das organizações de economia solidária.
No plano teórico, o artigo buscou enfatizar a desconstrução do sentido de educação tradicional, apontando para a falácia do seu discurso a-histórico, apolítico e formal. Porém, por detrás deste discurso de neutralidade, indicou-se que a educação tradicional reproduz a ideologia da Economia Mercantil ao inculcar valores do trabalho e dos sucessos individuais em detrimento do trabalho em equipe, da valorização da ajuda mútua e da solidariedade. Da mesma forma, o modelo tradicional de educação centra o trabalho pedagógico na formação do indivíduo possessivo e competitivo, que reproduz a separação entre quem pensa e quem faz, e se sustenta sobre uma organização fragmentada do conhecimento, dificultando compreender a educação nas relações com a produção/reprodução da sociedade.
Em contraponto, discutiu-se que no contexto da Economia Solidária, cujas experiências contêm elementos essenciais do trabalho cooperativo, a procura de uma práxis que contemple a unidade entre os objetivos econômicos e os objetivos sociais é uma das chaves da educação dos trabalhadores associados na produção. Neste sentido, enfatizou-se que não se trata apenas de pensar em uma relação entre educação e trabalho vista sob a ótica da produção e do consumo. Considerou-se a necessidade de reeducação para comportamentos sociais, culturais, políticos e econômicos compatíveis com a ética de solidariedade, na construção de uma nova racionalidade sócio-político-econômica.
No que se refere às contribuições empíricas do estudo, propôs-se, enquanto questões norteadoras, responder de que maneira os processos formativos da organização Cecosesola corroboraram para uma nova cultura do trabalho. Da mesma forma, buscou-se compreender quais os elementos teóricos e práticos indicativos em seus processos educacionais possibilitaram a construção de uma organização tida como referência.
Constatou-se que um processo central de efetiva transformação da organização para uma nova cultura do trabalho teve por fundamentação a adoção da ênfase em um intenso processo formativo. Por meio da criação de uma dinâmica de trabalho, cujo processo diário centrou-se em constantes reuniões coletivas, as reuniões serviam não apenas para as tomadas de decisões, como também para ir fortalecendo valores de apoio mutuo, solidariedade e cooperação entre os envolvidos, caracterizando-se assim, como uma proposta educacional que visava a promover a autonomia e o conhecimento coletivo dos trabalhadores. Além disso, a contraposição do conceito de eficiência produtiva, manifesta nas longas horas destinadas às reuniões, transcendeu a ideia de “perda de tempo”, pois se tornou o principal canal através do qual se pode desenvolver uma cultura solidária de dedicação, compromisso e solidariedade entre os associados. Isso também pode ser compreendido como a busca pela desconstrução de um tipo de educação para o trabalho historicamente construído, sendo substituído por uma nova concepção e prática do trabalho em si.
Ressalta-se, ainda, a relevância da criação de reuniões específicas, chamadas de reuniões de análise, que pareciam intensificar os laços e a identidade entre os envolvidos, bem como a desconstrução dos valores da cultura do trabalho tradicional. Tais técnicas ilustram a importância de práticas organizacionais que destinem espaços coletivos para transformação dos valores culturais, que possibilitem o diálogo, a manifestação das emoções e da crítica coletiva.
No plano das teorias pedagógicas adotadas pela organização, observou-se que em seu cotidiano ocorreu um intenso esforço, principalmente dos membros mais antigos, de se realizar um processo formativo baseado na narração de histórias da organização e de reforçar os pressupostos e valores coletivistas que a sustentam, além do esforço em dar ênfase em combater os traços da cultura tradicional. Ademais, constatou-se uma ênfase inclusive no esforço de atividades esportivas coletivas com o intuito de se combater traços comportamentais e emoções que legitimem formas de competição, oportunismo e individualismo.
Por fim, merece atenção a ênfase teórica dada à desconstrução de alguns pressupostos tradicionais, como as emoções que sustentam o capitalismo. A organização trouxe, como reflexão, a importância de considerar que as aspirações pela competição, apropriação, acumulação individualista e pelo poder, são meios que tendem a legitimar a reprodução do capitalismo, ponto este que merece investigações teóricas e empíricas no campo dos estudos organizacionais críticos.
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[1] Tiriba (2007) ao realizar um projeto de pesquisa que mapeia a produção dos trabalhos acadêmicos que discutem a educação popular e economia solidária sustenta que ainda são poucos os estudos que, de forma aprofundada, vêm tentando articular estas duas dimensões. No presente artigo, ao se realizar uma revisão atualizada da temática no banco de dissertações e teses digitais, bem como nas plataformas online como scielo e web of science até o ano de 2014, destacaram-se os seguintes estudos: Tiriba (2007, 2009, 2012, 2013), Galvão e Cifuentes (2001), Ribeiro (2004), Kruppa (2005), Singer (2005), Silva (2007), Santos e Deluiz (2009), Gadotti (2009), Novaes (2009), Adriano, (2010), Leite (2010), Mascarenhas (2010); Calbino (2013), Gattai e Bernardes (2013), Tafuri (2014) e Adans (2014).
[2] Bernard Kliksberg (2001) escreveu um trabalho citando a Cecosesola como um exemplo de organização coletivista baseada em um forte capital social. John Holloway escreveu o prefácio de um dos livros da organização, ressaltando os traços de caráter revolucionário da Cecosesola. Humberto Maturana citou a organização em palestras proferidas como um exemplo prático de organização que vivencia a biologia do amor.Luiz Razeto citou a Cecosesola como uma organização coletiva que possui o Fator C, gerando êxito sob o ponto de vista de eficiência econômica e social. Myron Rogers reproduz os valores e o modo de gestão da organização para a realização de consultorias empresarias no Reino Unido. Além desses autores, observa-se na literatura venezuelana trabalhos que apontam a Cecosesola como a maior e mais exitosa cooperativa do país (Richer & Alzuru, 2004); um exemplo de transformação cultural e social (Paredes, 2001); uma organização que consegue conciliar diversos objetivos, para além das questões econômicas (Calcaño, 1998).
[3] Para maior compreensão das semelhanças e divergências conceituais da economia solidária na literatura ver: Coraggio (2002); Lechat (2002); França Filho (2007) e Calbino (2012).
[4] Ressalta-se que os principais documentos de análise foram as atas das reuniões, o estatuto e regimento interno, bem como, a leitura de cinco livros criados pela própria Cecosesola. Da mesma forma, o registro das falas dos entrevistados se baseou na vivência com membros das diversas instâncias organizacionais as quais o pesquisador conviveu durante a investigação.
[5]Um balanço realizado no ano de 2011 por um grupo de pesquisadores de Economia Solidária da Venezuela mapeou que na Cecosesola há 50 organizações associadas, sendo 39 cooperativas e 11 organizações comunitárias. Dentre essas, 23 organizações se destinam principalmente às atividades de produção agrícola e artigos processados e 27 organizações aos diversos serviços múltiplos. Ao contrário das leis cooperativistas brasileiras, na Venezuela é permitido que uma mesma cooperativa exerça atividades de ramos diferentes.
[6] Atualmente, possuem três grandes centros comerciais (que se assemelham a supermercados), que vendem produtos das cooperativas associadas e da compra e revenda de outros distribuidores. Estima-se que seja a maior distribuidora de verduras em varejo do país e a quarta maior cliente de atacado dos produtos processados em âmbito nacional.
[7] A cooperada Corina é uma jovem de 25 anos que por ser filha de um dos cooperados fundadores da organização vivenciou toda a sua infância e juventude na organização Cecosesola.
[8]Em seu livro “Eros e Civilização”, Marcuse (1968) aponta que a causa da instituição da nova opressão é a interiorização instintiva do velho domínio. O autor se fundamenta nas teorias freudianas, e argumenta que a dominação tornou-se algo interiorizado, pois o próprio sujeito acaba por apoiar os senhores e suas instituições. Essa aceitação de uma sociedade opressiva decorre da repressão das pulsões de vida (Eros) e do temor de sua própria libertação. Em “Pedagogia do Oprimido”, Freire (2009) demonstra que o fracasso das revoluções se deve à premissa de que os oprimidos carregam dentro de si o opressor. Os oprimidos introjetam a sombra dos opressores e temem a liberdade. Destarte, seguem a pauta dos antigos opressores para manutenção da ordem vigente.