ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Desigualdades nas Necessidades em Saúde entre os Municípios do Estado de Minas Gerais: uma Abordagem Empírica no Auxílio às Políticas Públicas

Inequalities in Health Needs among the cities of the state of Minas Gerais: An Empirical Approach as an aid for Public Policies

Sílvio Ferreira Junior

Docente e Pesquisador em Ciência e Tecnologia da Fundação João Pinheiro

Doutorado em Economia Aplicada / Universidade Federal de Viçosa.

http://lattes.cnpq.br/7789533222493903

http://orcid.org/0000-0002-7515-005X

silvio.junior@fjp.mg.gov.br

 

Murilo Cássio Xavier Fahel

Docente e Pesquisador da Fundação João Pinheiro

Doutorado em Sociologia e Política / Universidade Federal de Minas Gerais

http://lattes.cnpq.br/8223101141977871

http://orcid.org/000-0003-3889-5017

murilo.fahel@fjp.mg.gov.br

 

Cláudia Júlia Guimarães Horta

Docente e Pesquisadora em Ciência e Tecnologia da Fundação João Pinheiro

Doutorado em Demografia / Universidade Federal de Minas Gerais

http://lattes.cnpq.br/0316177233279799

http://orcid.org/0000-0002-3360-8202

claudia.horta@fjp.mg.gov.br

 

Juliana Souki Diniz                                                                    

Pesquisadora em Saúde e Tecnologia da Fundação Ezequiel Dias

Doutoranda em Medicamentos e Assistência Farmacêutica / Universidade Federal de Minas Gerais

http://lattes.cnpq.br/3203415506687277

http://orcid.org/0000-0003-1981-6440

juliana.souki@funed.mg.gov.br

 

Resumo: No intuito de contribuir no auxílio à elaboração de políticas públicas pró-equitativas no estado de Minas Gerais, a presente pesquisa objetivou identificar as desigualdades nas necessidades em saúde entre os seus municípios. Como modelo analítico, utilizou-se da análise estatística multivariada, especificamente a análise fatorial, que permitiu obter os índices municipais de necessidades em saúde. A análise permitiu constatar que as variáveis socioeconômicas e epidemiológicas consideradas no estudo não são independentes e se interagem de forma imbricada na determinação do quadro geral de necessidades em saúde dos municípios, corroborando a literatura sobre os determinantes sociais da saúde, referenciada nesta pesquisa. Os índices de necessidades evidenciam existência de expressivas desigualdades entre os municípios mineiros, mesmo entre aqueles pertencentes à mesma região de saúde. No entanto, as desigualdades são mais expressivas em desfavor das regiões Norte, Nordeste e Jequitinhonha, sendo estas as únicas regiões que apresentam necessidades acima da média do estado.

Palavras-chave: Necessidades e Demandas de Serviços de Daúde, Desigualdades em Saúde, Saúde Pública, Políticas Públicas de Saúde.

 

Abstract: In order to provide assistance to the development of equitable public policies in the state of Minas Gerais, the present study aimed to identify inequalities in health needs among its cities. As an analytical model, it was used the multivariate statistical analysis, specifically the factor analysis, which leaded us to the municipal health needs index. The analysis allowed us to establish that the socioeconomic and epidemiological variables considered in this study are not independent and interact closely tied in determining the general framework of the cities health needs, supporting the literature on the social determinants of health referred to in this research. The indices of needs show the existence of significant inequalities among the cities and towns in Minas Gerais, even among those belonging to the same health zone. However, inequalities are more significant in disfavor to the North, Northeast and Jequitinhonha areas, these being the only areas with needs above the average in the state.

Keywords: Need and Demand for Health Care, Health Inequalities, Public health, Public Health Policies.

 

Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br

Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br



Introdução

As ações e serviços do sistema público de saúde no Brasil estão organizados na forma de redes integradas, tendo como núcleo gerenciador a atenção primária, esta considerada a porta de entrada preferencial do cidadão no sistema e cuja gestão é de responsabilidade municipal. Essas ações e serviços devem estar organizados de forma a responderem às necessidades em saúde da população de maneira a promover sua resolubilidade (Conselho Nacional de Secretários de Saúde [CONASS], 2011; Mendes, 2010; Mendonça, Vasconcellos, & Viana, 2008; Organização Pan-Americana da Saúde [OPAS], 2011; Starfield, 2002).

Depreende-se que os serviços de saúde, quando organizados com foco nas necessidades, tendem a ser mais eficientes, no sentido de apresentar maior capacidade de escutar e atender às carências em saúde dos diferentes grupos populacionais. Ao mesmo tempo, a organização do sistema de saúde baseado na dialética da satisfação das necessidades expressa o ponto de vista da proteção universal da saúde, sob o pressuposto do bem-estar social. Por conseguinte, qualquer política pública de saúde pautada no princípio da equidade requer que maior atenção deva ser dada às localidades que apresentem as maiores necessidades em saúde (Ministério da Saúde [MS], 2006c; Hino, Ciosak, Fonseca, & Egry, 2009; Mendes, 2011; Porto, 2002; Starfield, 2002).

Inseridas no processo de municipalização, o Ministério da Saúde passou a estabelecer, desde meados dos anos 90, as normas para programação dos serviços da atenção primária, garantindo aos municípios o aporte crescente de recursos, condicionado ao atendimento de pré-requisitos, responsabilidades e prerrogativas (Ugá & Marques, 2005; Ugá, Piola, Porto, &Vianna, 2003).  Concomitantemente, passou a adotar medidas gradativas de recuperação do papel da esfera estadual como coordenadora nos processos de negociação e cooperação junto aos seus municípios, sendo ela a corresponsável pelas ações promotoras do fortalecimento da atenção primária nos municípios e pela organização dos sistemas microrregionais de saúde, no que tange aos serviços de maior densidade tecnológica. 2

Em linhas gerais, as determinações ministeriais ressaltam a responsabilidade dos estados brasileiros em apoiar tecnicamente e financeiramente os municípios na gestão dos seus serviços de saúde, tendo como princípio basilar a redução das iniquidades em seu território. Ao mesmo tempo, as normativas recomendam a utilização de indicadores que permitam detectar as heterogeneidades regionais, em suas diversas dimensões, como forma de subsidiar as políticas de saúde em seu território (Ministério da Saúde [MS], 1997, 2001, 2002, 2003, 2006a, 2006b, 2006d, 2010, 2011).

Nesse contexto, indicadores de necessidades em saúde se destacam como importantes instrumentos de planejamento e gestão, por permitir detectar as disparidades regionais, a intensidade dessas, as prioridades dos investimentos, e possibilitando a avaliação de políticas e programas anteriormente implementados ou mesmo orientando a elaboração de novos programas de promoção à saúde.

No intuito de auxiliar a elaboração de políticas públicas no estado de Minas Gerais, a presente pesquisa objetivou identificar as desigualdades nas necessidades em saúde entre os seus municípios, utilizando-se de índices municipais calculados a partir da construção de um indicador composto, que sintetiza o conjunto dos aspectos socioeconômicos e epidemiológicos relacionados às condições de saúde da população.

Conforme esperado, a análise permitiu constatar que as variáveis socioeconômicas e epidemiológicas selecionadas neste estudo não são independentes e se interagem de forma imbricada na determinação do quadro geral de desigualdades nas necessidades em saúde entre os municípios e regiões do estado, corroborando a literatura sobre os determinantes sociais da saúde, referenciada nesta pesquisa.

Além de fomentar a literatura concernente, os resultados deste estudo poderão servir como informação auxiliar aos principais instrumentos de pactuação e de gestão no âmbito estadual: Comissão Intergestores Bipartite - CIB, Programação Pactuada e Integrada - PPI, Plano Diretor de Regionalização - PDR e Plano Diretor de Investimento - PDI.

Dentre as razões para a escolha do estado de Minas Gerais estão sua expressiva dimensão geográfica, sua grande quantidade de municípios (853 municípios), bem como suas significativas heterogeneidades geográficas, que reproduzem, em grande medida, as características percebidas no Brasil como um todo. Ademais, esta pesquisa poderá servir de referência para realização de estudos semelhantes que possam testar a metodologia adotada neste estudo para outros estados da federação.

Este artigo está dividido em 5 partes. Após essa seção introdutória, seção seguinte apresenta breve fundamentação teórica envolvendo os conceitos de iniquidades em saúde, determinantes sociais da saúde e necessidades em saúde. A seção referente aos procedimentos metodológicos está dividida em 3 tópicos que se dedicam, respectivamente, à revisão da literatura empírica recente, à descrição do modelo analítico adotado neste artigo, e aos critérios para seleção das variáveis utilizadas neste estudo. As duas últimas seções apresentam os resultados e as conclusões e considerações finais, respectivamente.

 

Fundamentos teóricos

Iniquidades em saúde, determinantes sociais e necessidades e saúde

Em 1948, no ano de sua criação, a Organização Mundial da Saúde, formalizou o conceito de saúde como sendo um estado de completo desenvolvimento físico, mental e bem-estar social, em contraposição à simples ausência de doença ou enfermidade. Essa abordagem representou o marco da evolução de uma nova concepção de saúde que vai além de um enfoque biológico, centrado na doença, passando a fomentar as crescentes discussões em torno dos determinantes sociais da saúde (Souza, Silva, & Silva. 2013). 3

Ao mesmo tempo, nas últimas décadas, tem crescido o entendimento de que a saúde é importante não apenas como condição básica de cidadania e elemento estruturante do estado de bem-estar social, mas também por se tratar de uma dimensão importante do desenvolvimento de um país. Ao se reconhecer as relações recíprocas entre as dimensões ambientais, sociais, e econômicas e seus reflexos no nível de desenvolvimento de uma sociedade, é possível conceber a política de saúde pública como um dos elementos estratégicos na trajetória do desenvolvimento (Araújo, 1975; Gadelha & Costa, 2012; Banco Mundial, 1993).

Tal percepção é particularmente útil na compreensão das desigualdades em saúde, estas que podem ser classificadas em duas modalidades, conforme Whitehead (1992, 2000): (a) as desigualdades inevitáveis, que são as diferenças provocadas por determinantes biológicos, comportamentos individuais e de grupos que podem promover ou prejudicar a saúde de seus membros; (b) as desigualdades injustas, que referem-se a comportamentos desfavoráveis à saúde onde a escolha é restrita: limitações de trabalho e de renda, restrições de acesso aos serviços de saúde e demais fatores epidemiológicos e socioeconômicos.

Essa classificação remete ao conceito de equidade, definido por Rawls (1971) como sendo a “desigualdade justa”, ou seja, o tratamento desigual é justo quando é benéfico aos grupos populacionais mais carentes. Por sua vez, Whitehead (1992) ressalta que a equidade pode ser entendida como a superação de desigualdades evitáveis e consideradas injustas, implicando que necessidades distintas sejam atendidas por ações diferenciadas. Nessa mesma linha, a Organização Pan-Americana da Saúde define que equidade em atenção à saúde implica em que grupos distintos recebam atenção diferenciada, na proporção das suas necessidades (OPAS,1998).

Conforme as proposições de Whitehead (1992, 2000) e Bambas & Casas (2001), configuram-se situações de iniquidades aquelas em que as diferenças na distribuição e alocação de recursos e serviços apresentam as seguintes características: (a) são injustas, por não contemplarem prioritariamente os grupos populacionais mais necessitados; (b) são evitáveis e podem ser alteradas; (c) não refletem livre escolha dos usuários ou beneficiários; (d) são imputáveis a um determinado agente.

Percebe-se que a ideia central por trás do conceito de equidade é que as desigualdades entre os distintos grupos populacionais não são produzidas de forma natural, mas reforçadas pelo modo de organização e de produção da sociedade, de maneira que as iniquidades em saúde estão diretamente relacionadas com determinantes sociais.

A literatura no campo da saúde coletiva procura compreender os determinantes sociais da saúde (DSS) como sendo aqueles relacionados aos padrões de desenvolvimento, tais quais: distribuição de renda, grau de pobreza, condições de trabalho, de alimentação e nutrição, saneamento, lazer, padrão de crescimento econômico, entre outros fatores que afetam as condições de saúde da população (Buss & Pellegrini, 2007; Nunes, Santos, Barata, & Vianna, 2001; Paim, 1997; Whitehead, 1992, 2000; Organização Mundial de Saúde [OMS], 2005).

Paim (1997) afirma que o perfil epidemiológico é um dos componentes que condicionam a situação de saúde de uma população, estando determinado pela estrutura de produção (inserção no processo de trabalho e condições ocupacionais) e pela estrutura de consumo (modo de vida). Tais estruturas, associadas à renda auferida no mercado de trabalho e à forma como são distribuídos e acessados os bens coletivos, traçam os estilos de vida e afetam as condições de saúde da população em geral.

Da mesma forma, Nunes et al. (2001) afirmam que o perfil epidemiológico não deve ser considerado de forma fragmentada, mas contextualizado a partir da percepção do espaço social e das relações sociais em sua totalidade, perfazendo o amplo conjunto de determinantes do estado de saúde. Suas condicionantes incluem aspectos como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais, sendo todos eles os fatores que expressam a organização social e econômica de uma sociedade. Nessa mesma vertente, autores como Hino et al. (2009) e Paim (2006) compartilham o entendimento de que muito além das necessidades médicas, as necessidades em saúde dizem respeito às carências ou vulnerabilidades que refletem modos de vida e identidades, expressos no que é necessário para se ter saúde e que envolve condições necessárias para o gozo da vida.

Conforme Buss and Pellegrini (2007), o principal desafio dos estudos sobre os determinantes sociais de saúde consiste em estabelecer uma hierarquia de determinações entre os fatores mais gerais de natureza social, econômica, política e as mediações através das quais esses fatores incidem sobre a situação de saúde de grupos e pessoas, tendo em vista que a relação entre os diferentes determinantes não é uma simples relação direta de causa-efeito. Nessa cadeia de mediações, é importante que se faça clara distinção entre os fatores que são importantes para explicar as diferenças no estado de saúde entre grupos ou entre populações diversas - condições econômicas, sociais e ambientais que afetam as condições de vida - e os fatores que explicam diferenças no estado de saúde entre indivíduos - sexo, idade, fatores hereditários, estilos de vida (Whitehead, 1992, 2000).

Whitehead (2000) estabelece os seguintes aspectos para a compreensão das dife­renças em saúde ente grupos ou populações: (1) as diferenças biológicas; (2) a adoção de hábitos, costumes e práticas saudáveis; (3) o fato de certos grupos perceberem e adotarem alguns hábitos considerados saudáveis, e, posteriormente, esses hábitos poderem ser adotados pelos demais grupos; (4) a adoção de hábitos e comportamentos prejudiciais à saúde de­vido à restrição de alternativas; (5) exposição a riscos no ambiente de trabalho; (6) acesso inadequado aos serviços essenciais de saúde e a outros serviços públicos; (7) a tendência dos problemas de saúde causarem efeitos mais severos nos indivíduos de classes sociais desfavorecidas.

O modelo de Dahlgren e Whitehead, representado na Figura 1, procura delinear as interações entre as condições de saúde da população e seus determinantes sociais. Este modelo dispõe os determinantes sociais de saúde em diferentes camadas, partindo de uma camada mais próxima dos determinantes individuais até uma camada distal, onde se situam os macrodeterminantes (Buss & Pellegrini, 2007).

Conforme exposto na Figura 1, os indivíduos estão na camada central do modelo (primeiro nível), com suas características individuais de idade, sexo e fatores genéticos que, evidentemente, exercem influência sobre seu potencial e suas condições de saúde. Na camada imediatamente externa (segundo nível) estão elencados o comportamento e os estilos de vida individuais. Esta camada está situada no limiar entre os fatores individuais e os DSS, uma vez que os comportamentos, muitas vezes entendidos apenas como reflexo do livre arbítrio individual, em grande medida, estão diretamente influenciados pelas condições sociais.

 


 

 

Figura 1. Determinantes sociais da saúde no modelo de Dahlgren e Whitehead.

Fonte: Adaptado de Buss, P. M., & Pellegrini, A. Filho (2007). A saúde e seus determinantes. Revista de Saúde Coletiva, 17(1), 77-93.


Nas duas camadas seguintes estão os determinantes sociais propriamente ditos, sendo que a mais interna (terceiro nível) representa a influência das redes comunitárias e da solidariedade social (coesão social) e a mais externa (quarto nível) representa as condições de vida e trabalho. O terceiro nível destaca a influência das redes comunitárias e de apoio, cuja maior ou menor riqueza expressa o nível de coesão social tido como de fundamental importância para a saúde da população como um todo. Por sua vez, o quarto nível inclui os fatores relacionados a condições de vida e de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços essenciais, como saúde e educação, indicando que as pessoas em desvantagem social correm um risco diferenciado, criado por condições habitacionais mais humildes, exposição a condições mais perigosas ou estressantes de trabalho e menor acesso aos serviços. Por fim, na última camada (quinto nível) são apresentados os macrodeterminantes relacionados às condições econômicas, culturais e ambientais, e que possuem forte influência sobre as demais camadas.

Conforme Buss e Pellegrini (2007), o modelo de Dahlgren e Whitehead contribui para a compreensão da amplitude dos determinantes sociais da saúde, não tendo o propósito de explicar com detalhes as relações e mediações entre os diversos níveis, tampouco explicar a gênese das iniquidades. Contudo, Whitehead (2000) ressalta que a interação e a sobreposição dos diversos fatores mencionados podem produzir diferenças de saúde ainda maiores. Sendo que os fatores correspondentes às camadas mais externas são os mais significativos para a determinação das iniquidades, enquanto que as camadas mais internas, especialmente, os fatores biológicos são os menos decisivos.

Depreende-se que quanto pior as condicionantes da saúde de uma população, maiores serão suas carências e necessidades em saúde. Em termos ideais, o conceito de necessidades pode ser entendido como a distância existente entre o estado de saúde observado para um determinado grupo populacional e um estado ótimo de saúde definido normativamente (Pampalon et al., 1996; Whitehead, 1992). Alinhada à literatura dos determinantes sociais da saúde, esse conceito se refere às desigualdades que podem ser alteradas por políticas públicas setoriais, excluindo as disparidades que dependam de fatores individuais e de estilos de vida ou de condições socioeconômicas mais amplas.

Na prática, contudo, a mensuração dessas necessidades acaba por envolver uma medida relativa. Ou seja, é possível se fazer uma estimativa do grau das necessidades em saúde da população de uma determinada localidade a partir da distância entre o nível das condições de saúde da população desta localidade e o nível médio observado para o conjunto de todas as demais localidades em análise.

Nas seções seguintes serão abordadas a discussão empírica referente às formas de estimação das necessidades em saúde entre localidades distintas, bem como a proposta metodológica da presente pesquisa, tendo por base a fundamentação teórica aqui referenciada.

 

Procedimentos metodológicos

Estudos empíricos recentes aplicados à realidade brasileira

A maior parte dos países que possuem sistemas públicos de serviços de saúde tem como princípio a organização da oferta e do financiamento dos serviços de tal forma que promova a garantia de acesso equitativo às populações das diferentes localidades. Essa preocupação tem fomentado proposições metodologias de alocação de recursos que considerem critérios de equidade. No Brasil, o debate sobre a equidade no acesso aos serviços de saúde e na alocação de recursos ganhou maior relevância a partir da metodologia elaborada por Porto et al. (2001), na qual é proposto critério equitativo para distribuição de recursos na modalidade de custeio dos serviços hospitalares e ambulatoriais.

A metodologia pioneira de Porto et al. (2001) inclui análise estatística multivariada, especificamente a análise fatorial, que passou a ser largamente referenciada em estudos posteriores, dentre os quais os apontados nesta seção. A análise fatorial é também utilizada no presente estudo e suas características operacionais estão apresentadas na seção seguinte a esta.

Inicialmente, Porto et al. (2001) testaram a metodologia inglesa para o caso brasileiro, conhecida como Resource Allocation Working Party (RAWP) e concluíram pela sua inadequação à realidade do país. Em seguida, propuseram um método alternativo para o Brasil que incluía, em sua primeira etapa, a criação de um fator multivariado de necessidades de saúde entre as distintas unidades geográficas. Foram utilizados dados epidemiológicos e socioeconômicos dos anos de 1996 e 1998 e as unidades geográficas incluíram as capitais dos 26 estados, o Distrito Federal, os municípios com mais de duzentos mil habitantes e as áreas geográficas correspondentes ao conjunto dos demais municípios para cada unidade federativa, totalizando 134 unidades geográficas. 4

Em resumo, o indicador de necessidades de saúde de Porto et al. (2001) consistiu em aplicar a técnica estatística da análise fatorial a um conjunto de variáveis epidemiológicas e socioeconômicas, o que permitiu dimensionar as desigualdades relativas entre as distintas localidades. As doze variáveis do modelo incluíam a “taxa de analfabetismo”, a “proporção de população rural”, a “densidade domiciliar” e ainda outros nove indicadores de mortalidade, dentre eles a “proporção de óbitos infantis por causas mal definidas”, a “proporção de óbitos infantis por diarreia ou desnutrição” e a taxa de mortalidade de pessoas de 1 a 64 anos. 5

Ferreira, Porto e Ugá (2010a) propuseram metodologia auxiliar para alocação de recursos na modalidade de investimentos, tendo como foco os 92 municípios do estado do Rio de Janeiro e utilizando de dados censitários de 2000. Como primeira etapa, a metodologia incluía a criação de um estimador multivariado de necessidades de saúde nos moldes da proposta metodológica de Porto et al (2001), porém, adotando variáveis socioeconômicas e epidemiológicas coincidentes com o estudo de Porto, Viavaca, Martins, Travassos e Albuquerque (2005). Como primeira etapa do seu modelo analítico, Ferreira et al. (2010a) utilizaram das seguintes variáveis: (1) “taxa de mortalidade de menor de 5 anos”, (2) “densidade domiciliar”, (3) “proporção de domicílios urbanos com coleta de lixo”, (4) “proporção de domicílios urbanos com ligados à rede de água”, (5) “proporção de domicílios urbanos com ligados à rede de esgoto”, (6) “taxa de analfabetismo”, (7) “percentual de pessoas com renda domiciliar abaixo de ½ salário mínimo, (8) “percentual de população rural”. 6

Nos moldes semelhantes à metodologia de Porto et al. (2001), Andrade, Noronha, Moro, Machado e Fortes (2004) construíram o indicador municipal de necessidade de cuidados para os municípios do estado de Minas Gerais, utilizando de dados estatísticos e censitários do ano de 2000. O indicador composto foi obtido através da análise fatorial aplicada ao conjunto de seis variáveis: (1) “taxa de mortalidade de menor de 5 anos”, (2) “taxa de fecundidade”, (3) “proporção de domicílios urbanos com coleta de lixo”, (4) “taxa de alfabetização”, (5) “percentual de pessoas com renda domiciliar abaixo de ½ salário mínimo, (6) percentual de óbitos por causas mal definidas.

Por sua vez, Mendes, Leite, & Marques (2011) ajustaram a metodologia proposta por Porto et al. (2001), adotando as mesmas variáveis epidemiológicas e socioeconômicas utilizadas em Porto et al. (2005) e Ferreira et al. (2010b), na obtenção do seu indicador de necessidades para todos os 5.564 municípios brasileiros, utilizando dos dados censitários de 2000.

Importante mencionar que os estudos de Porto et al. (2001), Porto et al. (2003), Porto et al (2005), bem como os de Andrade et al. (2004) e de Mendes et al. (2011) têm como proposta a alocação equitativa de recursos de custeio entre as diferentes localidades, de maneira que populações prioritárias sejam beneficiadas com maiores repasses per capita. Baseiam-se no entendimento de que a distribuição igual de recursos entre localidades com mesmo índice de necessidades, apesar de necessária, não seria suficiente para promoção da equidade entre as diferentes populações. Dessa forma, as metodologias desses estudos apresentam em comum a inclusão de etapa posterior ao estágio de obtenção dos índices de necessidades de saúde, qual seja, o ajuste da base populacional das diferentes localidades, segundo seu perfil demográfico (sexo, faixa etária e respectivas utilizações esperadas dos serviços de saúde).

Por outro lado, a metodologia de Ferreira et al. (2010a) exclui a etapa de ajuste populacional pelo perfil demográfico, e inclui a proposta de ajuste por meio de um indicador multivariado de oferta de serviços de saúde. Os autores argumentam que a natureza distinta dos recursos para investimento, e a alocação equitativa de recursos dessa modalidade requer tratamento metodológico distinto.

Da revisão da literatura empírica apontada nesta seção, percebe-se que esses autores são consensuais na concepção de que um proxy de necessidades em saúde deve conter características multidimensionais envolvendo variáveis epidemiológicas e socioeconômicas. De fato, é possível perceber que independentemente da seleção e da quantidade de variáveis epidemiológicas e socioeconômicas consideradas nos respectivos estudos, as variáveis analisadas mostraram-se significativamente correlacionadas. De tal maneira que os índices de necessidades obtidos permitiram constatar existência de expressivas desigualdades entre as distintas localidades analisadas.

Tais constatações ajudam a fomentar não somente a literatura em torno das iniquidades em saúde (muito bem referenciada nos estudos empíricos citados aqui), como também corrobora a literatura concernente aos determinantes sociais da saúde (DSS) compilada neste artigo, porém ainda pouco referenciada nos estudos empíricos desta natureza.

 

O método estatístico de análise fatorial

O modelo adotado nesta pesquisa consiste na adaptação da contribuição de Porto et al. (2001), que elaboraram modelagem aplicada à realidade brasileira, tendo como objetivo propor critério equitativo de alocação de recursos de custeio entre distintas unidades geográficas do Brasil. A metodologia inclui a utilização do método estatístico de análise fatorial que tem como princípio básico reduzir a diversidade de informações - contidas num grande conjunto de variáveis originais - para um número pequeno de fatores (indicadores), estes tendo a propriedade de explicar, de forma simples e sintética, as variáveis originais.

O processo estatístico da análise fatorial usualmente se realiza através do método de componentes principais, em que a extração dos fatores (indicadores sintéticos multivariados) ocorre sob os seguintes princípios: a) as variáveis mais correlacionadas combinam-se dentro de um mesmo fator; b) as variáveis que compõem um fator são praticamente independentes das que compõem outros fatores (os fatores não são correlacionados entre si); e c) a derivação dos fatores processa-se visando maximizar a percentagem da variância total associada a cada fator consecutivo, de modo que o primeiro fator extraído sempre terá o maior poder de explicação das variáveis originais, e assim consecutivamente (Corrar, Paulo, & Dias, 2011; Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2005; Fávero, Belfiori, Silva, & Chan, 2009).

A técnica inicia-se com a padronização das variáveis originais, de modo a permitir comparação entre elas, independentemente das diferenças de escala e de unidades de medida. A solução do modelo consiste em determinar os coeficientes ou as cargas fatoriais que relacionam cada variável original (padronizada) com o(s) fator(es) comum(ns). Estas cargas desempenham a mesma função dos coeficientes de correlação. 7

Calculadas as cargas fatoriais, verificada a validade estatística do modelo e identificados os fatores relevantes, o último passo consiste em estimar os escores fatoriais por meio do método semelhante ao da regressão. O escore para cada observação é resultado da multiplicação do valor das variáveis padronizadas pelo coeficiente do escore fatorial correspondente, sendo a expressão geral para estimação do j-ésimo fator (Fj) dada por:

 

Fj = βj1.X1 + βj2.X2 + βj3.X3 + (...) + βjk.Xk                        (1)

 

em que os βji são os coeficientes dos escores fatoriais obtidos e k é o número de variáveis originais (padronizadas) consideradas no modelo.

Cabe ao pesquisador determinar o número de fatores relevantes para o estudo, tendo por base a interpretação dos resultados encontrados e os objetivos da sua pesquisa. O primeiro fator é o que apresenta o poder de explicação da variabilidade contida no conjunto de dados utilizados, enquanto que o fator seguinte tem o segundo maior poder de explicação e assim sucessivamente, até que o último fator possível de ser extraído é aquele com o menor poder de explicação. Esse poder de explicação refere-se ao eigenvalue e corresponde ao percentual da variância total do conjunto de variáveis do banco de dados que está sendo explicada pelo fator ou pelos fatores extraídos da análise. 8

Por decisão do pesquisador, quanto maior o número de fatores a serem extraídos da análise fatorial, maior será o valor do somatório dos eigenvalues e, portanto, maior será o percentual da variância total do banco de dados que estará sendo explicada pelo conjunto desses fatores. Todavia, a simples maximização dos eigenvalues não é o objetivo do pesquisador, haja visto que a grande vantagem da análise fatorial está no fato de que poucos fatores são necessários para sintetizar satisfatoriamente as informações mais relevantes embutidas nas variáveis originais. Ademais, independente da seleção e da quantidade de variáveis inseridas no modelo, o primeiro fator extraído sempre apresentará o maior poder de explicação dentre os demais.

Por conseguinte, a condição mais importante da análise fatorial, é a de que exista uma estrutura de dependência bem definida entre as variáveis analisadas, que deve estar expressa na matriz de correlações ou de covariância dessas variáveis. Os testes de KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) e de Bartlett foram utilizados para verificar estatisticamente a existência dessa dependência. O KMO é um indicador que compara a magnitude do coeficiente de correlação observado com a magnitude do coeficiente de correlação parcial. Levando em conta que os valores deste teste variam entre 0 e 1, pequenos valores de KMO (abaixo de 0,50) podem sugerir a não adequabilidade da análise. Por sua vez, o teste de esfericidade de Bartlett serve para testar a hipótese nula de que a matriz de correlação é uma matriz identidade – rejeitando-se está hipótese, a análise fatorial pode ser considerada válida (Corrar et al., 2011; Fávero et al., 2009; Hair et al. 2005).

Uma vez que as variáveis originais do modelo são previamente padronizadas, os escores fatoriais obtidos da Equação 1 também apresentam valores relativizados. Ou seja, os índices obtidos apresentam valores negativos e positivos, dispersos em torno da média zero e desvio-padrão igual a 1. Dessa forma, para cada elemento do banco de dados do modelo, seu escore revela a distância que esse elemento se afasta do escore médio (de valor zero) do banco de dados. Valores com sinal negativo revelam escores abaixo da média, enquanto que valores com sinal positivo indicam escores acima da média. Quanto maior o valor, mais afastado da média é o escore, seja para cima (quando positivo), seja para baixo (quando negativo) da média zero.

 

Variáveis epidemiológicas e socioeconômicas selecionadas para o indicador de necessidades em saúde (INS)

A escolha de variáveis a comporem um indicador de necessidades em saúde não é um processo trivial, de maneira que vários estudos procuram elencar as características desejáveis para as variáveis que devem compor o indicador multivariado. No que tange aos critérios de seleção, a literatura empírica apontada neste artigo é consensual na concepção de que um proxy de necessidades em saúde deve conter características multidimensionais envolvendo variáveis epidemiológicas e socioeconômicas.

Dessa forma, e respeitando a fundamentação teórica referenciada neste artigo, a o processo de escolha também procurou atender a características empíricas desejáveis num indicador desta natureza, tendo em vista que a seleção das variáveis está condicionada à disponibilidade e à qualidade dos dados pretendidos.

A partir da revisão das experiências de países que implementaram políticas com base nas necessidades de cuidados da população, Rice and Smith (1999) recomendam utilizar varáveis que contenham as seguintes características: (a) represente aspectos legítimos de necessidade, retratando aspectos epidemiológicos e socioeconômicos; (b) esteja isento de algum processo de escolha política; (c) não seja vulnerável à manipulação de gestores de políticas públicas e dos provedores dos serviços de saúde.

Além dessas considerações, Andrade et al. (2004) recomendam adicionar os seguintes critérios: (a) priorizar variáveis que tenham disponibilidade nos bancos de dados oficiais e que apresentem razoável frequência de atualizações; (b) não apresente qualidade duvidosa, como nos casos em as variáveis sofrem subnotificações de casos, ou a ocorrência de outliers que são frequentes em localidades com população reduzida; (c) selecionar variáveis que se apresentem mais correlacionadas.

Tendo como base as recomendações apresentadas e as acumuladas pelos trabalhos empíricos referenciados, convém salientar que, a despeito de basicamente se utilizar o mesmo método estatístico multivariado, a relação entre as variáveis socioeconômicas e epidemiológicas não é estática no tempo, nem tampouco no espaço. Em outras palavras, a experiência empírica mostra que, a depender do tempo e do recorte territorial considerados, a matriz de correlações e as cargas fatorial obtidas pelo mesmo método estatístico podem relevar graus de associações diferentes entre as variáveis. Ainda dependendo do tempo e do espaço territorial considerados, a seleção da variedade e da quantidade de variáveis poderá ser diferentes, levando em conta a necessidade de se manter a qualidade estatística do modelo.

Contudo, não há indícios de que, a adoção de recortes temporais e geográficos distintos ou de eventuais diferenças na quantidade, a seleção da variedade e da quantidade de variáveis utilizadas possam comprometer a qualidade dos resultados obtidos nos estudos, desde que a natureza das variáveis utilizadas indique satisfatoriamente as dimensões epidemiológica e socioeconômica sugeridas pela literatura dos determinantes sociais da saúde.

Apoiado nessas recomendações, o método estatístico da análise fatorial aplicado por meio de várias rodadas de ajuste, de maneira a avaliar a qualidade estatística das diferentes combinações de variáveis, a cada rodada. Iniciando-se por um conjunto mais amplo de variáveis socioeconômicas e epidemiológicas - selecionadas a partir dos trabalhos empíricos apontados neste artigo - foi possível eleger o total de 10 variáveis utilizadas na construção da proxy de necessidades da presente pesquisa e aos quais são detalhados nos parágrafos seguintes e esquematizados na Tabela 1.

A taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos de idade (X1), é uma medida epidemiológica que fornece estimativa do nível de saúde médio da população, considerando-se que a maior parte das mortes infantis decorre de causas evitáveis, relacionadas às características socioeconômicas do meio em que estão inseridas e aos cuidados preventivos de saúde. É também uma estimativa do risco de morte dos nascidos vivos durante os cinco primeiros anos de vida, sendo influenciada pela composição da mortalidade no primeiro ano de vida (mortalidade infantil), amplificando o impacto das causas pós-neonatais a que estão expostas também as crianças entre 1 e 4 anos de idade.  (Andrade et al., 2004, RIPSA, 2008). A maior parte das mortes infantis decorre de causas evitáveis, relacionadas às características socioeconômicas do meio em que estão inseridas e às condições de acesso aos serviços de saúde, de maneira que esta é uma variável sensível às políticas sociais.

A taxa de fecundidade total (X2) mede o nível reprodutivo da mulher, um importante indicador da dinâmica demográfica de uma população. O decréscimo da taxa pode estar associado a vários fatores, tais como: urbanização crescente, redução da mortalidade infantil, melhoria do nível educacional, ampliação do uso de métodos contraceptivos, maior participação da mulher na força de trabalho e instabilidade de emprego (Andrade et al., 2004, RIPSA, 2008). Conforme Andrade et al. (2004), as taxas de fecundidade no Brasil vêm se reduzindo significativamente ao longo dos anos, mas sua distribuição em termos regionais ainda permanece bastante desigual.

A taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais de idade (X3) é utilizada como uma aproximação das condições socioeconomicas e de saúde da população. É esperado que pessoas com maior escolaridade tendam a adotar hábitos de vida mais saudáveis. Como exemplo, a condição de saúde das crianças é influenciada positivamente pela alfabetização da população adulta, sobretudo das mães. Mais ainda, nos processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas de saúde e de educação, considera-se que pessoas não alfabetizadas requerem um esforço maior de assimilação e ações focadas, onde formas especiais de abordagem devem ser implementadas nas práticas de promoção, proteção e recuperação da saúde (Andrade et al., 2004, RIPSA, 2008).

 

TABELA 1: Relação das variáveis utilizadas na construção do indicador municipal de necessidades em saúde

Variáveis Selecionadas

Definição

Fonte Primária / Ano

Trabalhos Empíricos de Referência

X1 - Tx. mortalidade menores de 5 anos

Número de óbitos de menores de cinco anos de idade, por mil nascidos vivos, na população residente (estimativa pelo método indireto).

Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil /2010

Porto et al. (2003), Andrade et al. (2004), Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

X2 - Taxa de fecundidade total

Número médio de filhos nascidos vivos, tidos por mulheres de 15 a 49 anos.

Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil / 2010

Andrade et al. (2004), Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

X3 - Taxa de analfabetismo

Percentual de pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever pelo menos um bilhete simples, no idioma que conhecem, em relação à população total residente da mesma faixa etária.

Censo demográfico – IBGE / 2010

Porto et al. (2003), Andrade et al. (2004), Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

X4 - % pessoas renda domic. até 1/2 s.m.

Percentual da população residente com renda domiciliar mensal per capita de até meio salário mínimo.

Mininstério da Saúde-DataSUS / 2010

Andrade et al. (2004), Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

X5 - % óbitos causas mal definidas

Percentual de óbitos por causas mal definidas em relação ao total de óbtidos.

Sistema de Informações sobre Mortalidade – MS / 2010

Porto et al. (2003), Andrade et al. (2004), Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

X6 - % domic. c/ rede esgoto.

Percentual dosdomicílios que dispõe de escoadouro de dejetos através de ligação do domicílio à rede coletora ou fossa séptica.

Censo demográfico – IBGE / 2010

Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

X7 - % domic. c/ rede água

Percentual de domicílios servida por rede geral de abastecimento, com ou sem canalização domiciliar.

Censo demográfico – IBGE / 2010

Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

X8 - % domic. urb. c/ lixo coletado

Percentual de domicílios nas áreas urbanas atendida, direta ou indiretamente, por serviço regular de coleta de lixo domiciliar.

Censo demográfico – IBGE / 2010

Andrade et al. (2004), Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

X9 - Densidade domiciliar

Média de moradores por domicílio particular permanente.

Censo demográfico – IBGE / 2010

Porto et al. (2001), Porto et al. (2003), Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

X10 - % população rural

Percentual da população residente nas áreas rurais em relação à população residente total.

Censo demográfico – IBGE / 2010

Porto et al. (2003), Porto et al. (2005), Ferreira et al. (2010), Mendes et al. (2011)

 

O percentual de pessoas com renda domiciliar per capita menor que ½ salário mínimo (X4), objetiva estimar a proporção da população em situação de pobreza e, portanto, em condições de vida precárias. Andrade et al. (2004) destacam que algumas morbidades e causas de mortalidade são fortemente influenciadas pelo nível de pobreza de uma população, tais como subnutrição, doenças parasitárias e infecciosas. Em razão da baixa confiabilidade das informações sobre morbidade, sobretudo para pequenos municipios, a variável X4 pode ser considerada uma proxy satisfatória.

O percentual de óbitos por causas mal definidas (X5), é uma medida que busca refletir, em alguma extensão, o acesso aos serviços de saúde, sinalizando a disponibilidade de infra-estrutura assistencial e de condições para o diagnóstico de doenças. É uma medida sensível à melhoria nas condições sócio-econômicas e de saúde do município sendo, portanto, importante instrumento na gestão de políticas. Proporções mais elevadas de óbitos por causas mal definidas podem indicar carência de atendimento de serviços de saúde na região ou, ainda, baixa capacitação profissional para preenchimento das declarações de óbito, o que, de certa forma, indicaria baixa qualidade dos serviços.

Outra dimensão importante na abordagem das questões relacionadas aos cuidados e prevenção da saúde são aquelas referentes às características dos domicílios. No intuito de captar esse aspecto, foram selecionadas variáveis referentes a serviços de coleta de lixo, de rede de esgoto e de abastecimento de água.

O percentual de domicílios com rede de água (X6) que mede a cobertura de serviços de abastecimento adequado de água à população, por meio de rede geral de distribuição. Esse está diretamente associado a fatores ambientais. O percentual de domicílios urbanos com lixo coletado (X7) mede a cobertura populacional, residentes nas áreas urbanas, de serviços regulares de coleta domiciliar de lixo. O percentual de domicílios com rede de esgoto (X8) mede a cobertura domiciliar urbana com disposição adequada do esgoto sanitário, através de rede coletora ou fossa séptica. A baixa cobertura desses serviços, em geral, favorecem a proliferação de doenças decorrentes de contaminação ambiental. Indivíduos que vivem em condições precárias estão certamente mais expostos, por exemplo, às doenças infecto-contagiosas e, consequentemente, apresentam maiores necessidades em saúde.

A densidade domiciliar (X9) expressa o número médio de pessoas residentes por domicílio e tem o objetivo de estimar aspectos da qualidade de vida, estando também relacionados às condições ambientais e sanitárias que podem possam afetar os residentes do domicilio. Por fim, o percentual de população que vive na zona rural (X10) dimensiona a parcela da população supostamente em situação de maior vulnerabilidade social relativamente à população urbana. Referem-se aquelas pessoas que residem em áreas com menor acessibilidade aos bens públicos, serviços básicos de infraestrutura urbana, como água tratada, saneamento básico e coleta de lixo, assim como também menor cobertura de serviços sociais, tais como educação e saúde.

As 10 variáveis apresentadas na Tabela 1 compõem o banco de dados utilizados nesta pesquisa, que inclui todos os 853 municípios de Minas Gerais. O banco de dados utiliza de informações oficiais do último ano censitário (2010), sendo, portanto, os dados mais atuais disponíveis até a data de conclusão deste estudo. Essas As variáveis que compõem o banco foram linearmente combinadas por meio da análise fatorial, conforme expressa na Equação 1, permitindo a obtenção dos índices municipais de necessidades em saúde (INSi). O software utilizado foi o Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 14.0.1.

Uma vez que as variáveis originais do modelo são previamente padronizadas, os escores obtidos da Equação 1 também apresentam valores relativizados. Ou seja, os índices municipais de necessidades (os escores fatoriais extraídos do modelo) apresentam valores negativos e positivos, dispersos em torno da média zero e desvio-padrão igual a 1, de maneira que as dispersões em torno da média são mensuradas em unidades de desvio-padrão.

Dessa forma, os índices obtidos podem ser interpretados da seguinte forma: índice com valor positivo revelará a distância com que as necessidades em saúde de uma determinada localidade superam a média das necessidades observadas para todas as demais localidades, enquanto que um índice com valor negativo mostrará a intensidade como que determinada localidade apresenta necessidades abaixo da média observada para o estado.

 

Análise dos resultados

Quanto aos valores mínimos e máximos, a Tabela 2 chama a atenção para a coexistência de municípios com praticamente 100% de cobertura de serviços de esgoto, de água ou de lixo coletado (X8, X9 e X10) e municípios com menos de 50% dos seus domicílios cobertos por ao menos um desses serviços, com destaque para a rede de esgoto, no qual existe município onde apenas 0,39% dos seus domicílios estavam cobertos por esse serviço. Também chamam a atenção os valores máximos encontrados para a taxa de mortalidade de menores de 5 anos (X1), a taxa de analfabetismo (X3) e o percentual de óbitos por causas mal definidas (X5), cujos valores contrastam com os seus respectivos valores mínimos.

 

TABELA 2: Estatística descritiva das variáveis utilizadas na composição do índice municipal de necessidades em saúde para o estado de Minas Gerais

Variável

Média

Mediana

Desvio-padrão

Coef. de Variação a

Mínimo

Máximo

X1 - Tx. mortalidade menores de 5 anos

19,05

18,90

3,38

17,74

12,11

32,25

X2 - Taxa de fecundidade total

2,01

2,01

0,35

17,16

1,33

3,22

X3 - Taxa de analfabetismo

13,13

11,80

6,54

49,81

2,8

37,2

X4 - % pessoas renda domic. até 1/2 s.m.

41,73

40,75

15,52

37,19

11,45

80,1

X5 - % óbitos causas mal definidas

12,22

9,52

10,97

89,77

0

62,5

X6 - % domic. c/ rede esgoto.

59,62

64,71

25,49

42,75

0,39

98,37

X7 - % domic. c/ rede água

71,72

74,00

15,81

22,04

26,35

99,71

X8 - % domic. urb. c/ lixo coletado

95,56

98,22

6,57

6,88

45,28

100,0

X9 - Densidade domiciliar

3,27

3,23

0,27

8,26

2,69

4,60

X10 - % população rural

32,08

29,58

18,98

59,16

0

81,44

a Corresponde à razão entre o desvio-padrão e a média, com resultado multiplicado por 100. Esta estatística fornece indicativo do grau de heterogeneidade relativa, permitindo comparação direta entre as variáveis com unidades de medida diferentes.

 

A Tabela 2 apresenta a estatística descritiva das variáveis socioeconômicas e epidemiológicas que foram utilizadas no modelo de análise fatorial. A despeito dos valores das médias e medianas, destacam-se as diferenças nos graus de heterogeneidades observadas entre os municípios, no que se refere a cada uma dessas variáveis. As três variáveis municipais com as maiores dispersões relativas são, em ordem decrescente, o percentual de óbitos por causas mal definidas (X5), o percentual da população rural (X10) e a taxa de analfabetismo (X3), apresentando coeficientes de variação de 89,77%, 59,16% e 48,81%, respectivamente. Por outro lado, quando levados em conta a densidade domiciliar (X9) e o percentual de domicílios cobertos com serviços de coleta de lixo (X8), os municípios mineiros apresentam-se menos heterogêneos.

Discrepâncias semelhantes também foram evidenciadas no estudo de Ferreira et al. (2010b) realizado para os municípios do estado do Rio de Janeiro. Apesar de terem utilizado dados censitários de 2000 (último ano disponível na época da realização da pesquisa), os autores evidenciaram expressivas desigualdades socioeconômicas e epidemiológicas, em desfavor principalmente dos municípios das regiões “Noroeste Fluminense” e “Norte Fluminense”. Destaque para as variáveis “Taxa de mortalidade de menores de 5 anos”, “Densidade Domiciliar” e “Proporção da população Rural”, cujas máximas naquelas regiões atingiram patamares da ordem de 30% para essas 3 variáveis, contrastando com as mínimas em torno de 13,5%, 8% e 0%, respectivamente, nos municípios das demais regiões do estado.

A Tabela 3 apresenta a síntese dos resultados da análise fatorial utilizada na construção do indicador municipal de necessidades em saúde. No que tange à qualidade estatística dos resultados do modelo, a última linha da Tabela 3 mostra que o teste de Bartlett é significativo a 1%, rejeitando a hipótese nula de que a matriz de correlações entre as 10 variáveis originais do modelo é uma matriz identidade, o que leva a aceitar a existência de correlações significativas entre elas. Por sua vez, o teste de KMO apresentou valor de 0,852, indicando que os dados se inter-relacionam o suficiente para serem analisados mediante a análise fatorial. 9

TABELA 3: Resultados da qualidade estatística da análise fatorial utilizada na construção do indicador municipal de necessidades de saúde (INS)

Variáveis socioeconômicas

e epidemiológicas

Cargas fatoriais de F1 a

Coeficientes fatoriais de F1 b

Comunalidades

de F1 c

X1 - Tx. mortalidade menores de 5 anos

  0,779

  0,150

0,607

X2 - Taxa de fecundidade total

  0,483

  0,093

0,233

X3 - Taxa de analfabetismo

  0,863

  0,166

0,745

X4 - % pessoas renda domic. até 1/2 s.m.

  0,917

  0,176

0,842

X5 - % óbitos causas mal definidas

  0,557

  0,107

0,310

X6 - % domic. c/ rede esgoto.

- 0,791

- 0,152

0,626

X7 - % domic. c/ rede água

- 0,646

- 0,124

0,418

X8 - % domic. urb. c/ lixo coletado

- 0,645

- 0,124

0,416

X9 - Densidade domiciliar

  0,667

  0,128

0,444

X10 - % população rural

  0,749

  0,144

0,561

Teste de Bartlett: 5.395,60 (p<1%)   //   Teste KMO: 0,852   //   Variância Explicada (engeinvalue): 52,02%

Cargas fatoriais correspondem à correlação entre o indicador obtido da análise fatorial (fator F1) e cada uma das variáveis originais do modelo. Para amostras maiores que 350, cargas fatoriais acima de 0,30 são consideradas estatisticamente significativas a 5% de significância (Hair et al., 2005).

Os coeficientes fatoriais correspondem aos pesos atribuídos a cada variável original do modelo no cálculo dos escores do fator F1.

c Para cada uma das 10 variáveis originais do modelo, a comunalidade refere-se à proporção da sua variância total que é explicada pelo fator F1 (Hair et al., 2005; Fávero et al., 2009).

 

Levando em conta a opção por extrair exclusivamente o primeiro fator (F1) da análise, a Tabela 3 mostra que este fator consegue captar a maior parte da variabilidade total do conjunto das variáveis socioeconômicas e epidemiológicas (eigenvalue igual a 52,02%) e que pode ser considerado um poder de explicação satisfatório. Por sua vez, a última coluna da Tabela 3 mostra o quanto o indicador F1 explica de cada uma das variáveis originais do modelo (comunalidades). Destacando os casos extremos, as comunalidades revelam que 84,2% da variância de X4 (percentual de pessoas com renda domiciliar de até meio salário mínimo) é explicada pelo fator extraído da análise, enquanto que este mesmo fator explica 23,3% da variável X2 (taxa de fecundidade total).

A segunda coluna da Tabela 3 mostra as correlações (cargas fatoriais) entre cada uma das variáveis originais e o fator F1 extraído do modelo. Para todas as variáveis, a correlação com o fator F1 é superior (em módulo) a 0,50, com exceção da taxa de fecundidade total (X2), no qual a correlação é de 0,483 (salienta-se que os valores das correlações podem variar entre - 1 e 1). Percebe-se que, conforme o esperado, as variáveis relacionadas ao saneamento, X6, X7, X8 (coberturas de serviços de esgoto, água, e coleta de lixo, respectivamente), apresentam-se inversamente correlacionados com o fator F1, enquanto que as demais variáveis apresentam correlação direta com este indicador multivariado. Conforme, Hair et al, (2005), para amostras acima de 350, todas as correlações superiores a 0,30 são estatisticamente significativas a 5%, o que reforça a conclusão pelo bom ajustamento das variáveis originais para com o fator F1.

Finalmente, a penúltima coluna da Tabela 3 apresenta os coeficientes da combinação linear obtida da análise fatorial, indicando o peso de cada variável original na determinação dos escores fatoriais referentes ao fator F1, na forma representada pela equação (1). Destacando os valores extremos, observa-se maior peso para a variável X4 (percentual de pessoas com renda domiciliar de até meio salário mínimo), cujo coeficiente é 0,176, e o menor peso para a X2 (taxa de fecundidade total), apresentando peso de 0,093. Vale observar que os coeficientes fatoriais apresentam relação direta com as cargas fatoriais e as respectivas comunalidades.

As informações da Tabela 3 permitem inferir que os escores fatoriais obtidos do fator F1 apresentam qualidade estatística suficiente para que possam ser utilizados como índices sintéticos das 10 variáveis originais. Dessa forma, e reiterando a fundamentação teórica adotada nesta pesquisa, escores passam a ser considerados os índices municipais de necessidades em saúde (INS). Por conseguinte, a Equação 2 representa a combinação linear obtida na modelagem de análise fatorial (dados da penúltima coluna da Tabela 3, organizados conforme a Equação 1), permitindo destacar o peso de cada variável original na determinação do valor do fator F1 e que passará a denominar o indicador municipal de necessidades em saúde:

 

INS = F1 = 0,150*Z1 + 0,093*Z2 + 0,166*Z3 + 0,176*Z4 + 0,107*Z5 - 0,152*Z6

- 0,124*Z7 - 0,124*Z8 + 0,128*Z9 + 0,144*Z10  (2)

sendo que de Z1, ..., Z10 são variáveis padronizadas das respectivas variáveis originais X1, ..., X10.

A despeito da aparente simplicidade sugerida pela Equação (2), é importante ressaltar a relação entre este indicador de necessidades em saúde e as variáveis originais consideradas neste estudo. Sintetizando todos os resultados estatísticos da análise fatorial, a equação obtida evidencia que essas variáveis socioeconômicas e epidemiológicas não são independentes e se interagem de forma imbricada na determinação do quadro geral de necessidades em saúde dos municípios mineiros, corroborando a literatura sobre os determinantes sociais da saúde.

Os resultados sugerem, por exemplo, que políticas contemplando ações simultâneas nas frentes típicas da atribuição municipal, como atenção básica à saúde, o saneamento e o ensino fundamental (frentes que afetam a maioria das variáveis consideradas no modelo), contribuiriam para redução de boa parte das necessidades em saúde do município. Todavia, a efetividade na redução dessas necessidades também está condicionada a adoção de políticas, outras que normalmente requerem ações coordenadas com as demais esferas de governo (por exemplo, nas áreas de habitação e de promoção da renda domiciliar, que repercutem nas variáveis X9 e X4, respectivamente).

Nessa mesma vertente, os resultados revelam que a oferta de serviços de saúde é uma ação coadjuvante quando se trata de uma política eficaz de promoção à saúde da população municipal. Essa evidência vai de encontro aos argumentos contidos no estudo de Ferreira et al. (2010), ao justificarem que ampliação de investimentos na atenção primária à saúde, sem o devido aumento de investimentos nas áreas da educação básica, da habitação e do saneamento, pouco contribui para a mudança do quadro de saúde da população. 10

Em que pese as diferenças quanto ao número e à variedade das variáveis escolhidas, bem como ao recorte temporal adotado, não é possível que se faça uma comparação direta entre as informações da tabela 3 com aquelas apresentadas em Andrade et al. (2004). Entretanto, estimar a correlação entre os índices municipais obtidos naquele estudo com os índices obtidos a partir da aplicação da Equação 2. Utilizando do estimador não paramétrico de correlação de Spearman, foi possível estimar uma correlação estatisticamente significativa de 93,6% entre os índices obtidos nos dois estudos.

A Tabela 4 apresenta breve estatística descritiva dos índices municipais de necessidades para o estado de Minas Gerais como um todo e para cada uma das 13 regiões de saúde existentes até a data de conclusão desta pesquisa. Convém reiterar que os índices municipais de necessidades em saúde têm média zero e desvio-padrão igual a 1. Naturalmente, sub amostras obtidas desse conjunto poderão apresentar médias diferentes de zero e desvios-padrão diferentes de 1.

 

TABELA 4: Estatística descritiva dos índices municipais de necessidades em saúde e da população municipal, separados por regiões de saúde do estado de Minas Gerais

 

Regiões de Saúde

População 2010

 

Estatística descritiva do INS

Nº hab.

%

 

Média

Mediana

Desvio Pad.

Mínimo

Máximo

 

1 - Sul

2.609.602

13,31

 

-0,66

-0,65

0,48

-1,82

0,45

 

2 - Centro Sul

723.489

3,69

 

-0,22

-1,17

0,70

-1,46

1,07

 

3 - Centro

6.097.286

31,11

 

-0,24

-0,34

0,80

-1,81

2,44

 

4 - Jequitinhonha

373.443

1,90

 

0,97

1,03

0,74

-0,46

1,95

 

5 - Oeste

1.190.853

6,08

 

-0,87

-0,91

0,45

-1,56

0,42

 

6 - Leste

1.452.563

7,41

 

0,50

0,47

0,80

-1,52

2,32

 

7 - Sudeste

1.566.672

7,99

 

-0,44

-0,58

0,63

-1,55

1,94

 

8 - Norte

1.577.300

8,05

 

1,45

1,49

0,72

-1,05

3,35

 

9 - Noroeste

652.954

3, 33

 

-0,25

-0,40

0,79

-1,49

1,59

 

10 - Leste do Sul

665.813

3,40

 

0,26

0,39

0,56

-1,47

1,43

 

11 - Nordeste

810.597

4,14

 

1,22

1,17

0,70

-0,39

3,54

 

12 - Triângulo do Sul

697.812

3,56

 

-0,84

-0,96

0,40

-0,64

0,02

 

13 - Triângulo do Norte

1.178.946

6,01

 

-0,84

-0,78

0,39

-1,83

0,00

 

Minas Gerais

19.597.330

100

 

0,00

-0,23

1,00

-1,83

3,54

 

Fonte: Elaboração própria, com base nos últimos dados censitários disponíveis (2010).

 

Iniciando-se pela análise do estado como um todo, a Tabela 4 mostra que a média do índice municipal de necessidades em saúde é de 0,00, e seu desvio-padrão é igual a 1 (última linha). O menor índice municipal observado correspondeu a 1,83 desvio-padrão abaixo da média estadual e o maior índice municipal foi de 3,54 desvio-padrão acima da média do estado. O valor da mediana (-0,23) em combinação com o valor da média revela que mais da metade dos municípios mineiros apresentavam índices de necessidades abaixo da média estadual.

Passando para a análise de cada região de saúde, as localidades que apresentaram médias e medianas acima da média estadual foram, em ordem decrescente, as regiões Norte (8), Nordeste (11), Jequitinhonha (4), Leste (6) e Leste do Sul (10). Os valores máximos (última coluna) observados mostram que em cada uma destas regiões o município mais carente apresenta índice de necessidades que supera a média estadual em mais de 1 desvio-padrão. Destaque para a região Nordeste (11), cujo município mais carente é também aquele com o maior índice de necessidades em saúde de todo o estado (INSi = 3,54). Juntas, essas 5 regiões correspondiam a aproximadamente 25% de toda a população do estado, em 2010.

Situações extremamente opostas foram observadas para as regiões Sul (1), Oeste (5), Triângulo do Sul (12) e Triângulo do Norte (13), que apresentaram simultaneamente: (a) valores mínimos abaixo da média em mais de ½ desvio-padrão, (b) índices médios e medianos abaixo da média estadual em mais de ½ desvio-padrão, e (c) valores máximos próximos da média estadual, ou que não tenha ultrapassado essa média em mais de ½ desvio-padrão. Essas 4 regiões correspondiam a aproximadamente 28,7% de toda população do estado, em 2010.

A Figura 2 apresenta diagramas de caixa (Box-Plot) para cada uma das 13 regiões de saúde do estado, permitindo uma avaliação mais clara e concisa das desigualdades existentes entre os índices municipais de necessidades em saúde, das heterogeneidades intra-regionais e inter-regionais, bem como da existência de possíveis municípios outliers. Primeiramente, percebe-se que a figura corrobora os dados apresentados na Tabela 4, ao evidenciar que as regiões Norte (8), Nordeste (11), Jequitinhonha (4), Leste (6) e Leste do Sul (10) apresentam medianas acima do índice médio de necessidades observado para o estado, enquanto que as demais regiões apresentam índices municipais médios abaixo dessa média (índice estadual médio destacado pela linha pontilhada horizontal). 11


 

Figura 2. Diagramas de caixa (Box-Plot) para as regiões de saúde do estado de MG, destacando as diferenças entre as medianas, entre os padrões de distribuição e a existência de outliers.


Regiões de Saúde: 1 - Sul; 2-Centro Sul; 3-Centro; 4-Jequitinhonha; 5-Oeste; 6-Leste; 7-Sudeste; 8-Norte; 9-Noroeste; 10-Leste do Sul; 11-Nordeste; 12-Triângulo do Norte; 13-Triângulo do Sul.


As diferenças de amplitudes percebidas entre as distintas regiões de saúde dão uma ideia do quão dispersos e assimétricos encontram-se os índices municipais de necessidades em cada uma das regiões (diferenças nos intervalos interquartílicos, bem como entre os valores máximos e mínimos observados). Como por exemplo, as regiões Centro (3) e Leste (6) são aquelas que apresentam as distribuições mais simétricas dos seus índices municipais, ao mesmo tempo em que apresentam as maiores dispersões entre seus respectivos índices, sendo, inclusive, corroborado pelos respectivos desvios-padrão apresentados na Tabela 4. Por outro lado, as regiões do Triângulo do Norte (12) e Triângulo do Sul (13) apresentam as menores dispersões entre os seus índices municipais de necessidades, sendo que no Triangulo do Norte as dispersões são mais assimétricas em direção a valores maiores que a mediana, e no Triângulo do Sul, as dispersões são mais simétricas em torno da sua mediana.

A despeito das diferenças nas dispersões e nas medianas evidenciadas na Figura 2, é também relevante destacar a ocorrência de possíveis outliers (valores atípicos), considerados assim quando seus valores se distanciarem do 1º quartil ou do 3º quartil em mais de 1,5 intervalo interquartílico (Fávero et al., 2009). Por este critério, percebe-se que a maioria das regiões de saúde apresentam ao menos um município com índice de necessidades em valor atípico ao padrão de distribuição observado para sua região (outliers regionais).

Como exemplo, percebe-se que a região Oeste (5) tem o município de número 534 (Onça de Pitangui) como outlier superior. De outra forma, caso esse município fosse localizado na região Leste (6), por exemplo, ele não seria considerado outlier, uma vez que seu índice corresponderia ao padrão de dispersão daquela região. Como segundo exemplo, a região Nordeste (11) possui o município de número 770 (Setubinha) como seu outlier superior e o município de número 511 (Nanuque) como seu outlier inferior. Entretanto, o município de Setubinha também pode ser considerado um outlier estadual, tendo em vista que seu índice se destoa do padrão de distribuição de todas as demais regiões de saúde do estado.

No intuito de evidenciar a existência de padrão espacial nas diferenças regionais, a Figura 3 divide as regiões de saúde do estado em 3 classes, levando em conta os valores máximo e mínimo dos índices regionais de necessidades obtidos (respectivamente, +0,93 desvio-padrão e -1,48 desvio-padrão). As regiões preenchidas na cor “cinza escuro” pertencem à classe daquelas com índices de necessidades acima da média estadual, enquanto que as regiões preenchidas com as cores “cinza” e “cinza claro” apresentam necessidades abaixo da média estadual.


Figura 3. Regiões de saúde discriminadas por faixas de índices médios de necessidades em saúde.



Na Figura 3, os índices regionais foram calculados pela média dos índices municipais circunscritos em cada região, ponderados pelas respectivas populações municipais. Faixas de INS em unidades de desvio-padrão.

Esse recorte regional permite evidenciar significativas desigualdades em desfavor das regiões Norte, Nordeste e Jequitinhonha, sendo estas as únicas que apresentam necessidades acima da média geral observada para o estado (Figura 3) e levando em conta que elas compõem cerca de 14,09% da população total do estado (Tabela 4). Na situação oposta, estão as regiões Centro, Oeste, Sul, Sudeste, Triângulo do Norte e Triângulo do Sul, que compõem 68,06% da população do estado (Tabela 4) e apresentam necessidades tão pouco expressivas, a ponto de seus índices se situarem abaixo da média geral numa distância de mais de 1 desvio-padrão (Figura 3). Na situação intermediária, estão as regiões Noroeste, Leste, Leste Sul e Centro Sul, que apresentam necessidades abaixo da média estadual em menos de 1 desvio-padrão (Figura 3) e correspondem a 17,85% da população do estado (Tabela 4).

De maneira a aprofundar na análise das diferenças inter-regionais e intra-regionais, a Figura 4 apresenta a malha municipal do estado, onde os municípios mineiros estão divididos em quatro classes de faixas de índices de necessidades em saúde, levando em conta os valores máximo e mínimo observados, bem como os intervalos de 1 desvio-padrão para baixo e para cima da média geral do estado. As classes Muito Baixo e Baixo abrangem municípios com INS abaixo da média geral do ano de 2010, enquanto que as classes Alto e Muito Alto abrangem municípios com INS acima dessa média. A classe Muito Baixo abrange municípios com INS abaixo da média em mais de 1 desvio-padrão, enquanto que a classe Muito Alto abrange municípios com INS acima da média em mais de 1 desvio-padrão.


Figura 4. Índices municipais de necessidades em saúde (INS) e percentuais de municípios por classe de necessidades.


As classes “Muito Baixo” e “Baixo” abrangem municípios com INSi abaixo da média geral do estado de MG, enquanto que as classes “Alto” e “Muito Alto” abrangem municípios com INSi acima da média. A classe “Muito Baixo” abrange municípios com INSi abaixo da média em mais de 1 desvio-padrão, enquanto que a classe “Muito Alto” abrange municípios com acima da média em mais de 1 desvio-padrão. Os pontos em negrito destacam os municípios que são polos de referência microrregionais desserviços de saúde da atenção secundária (média complexidade).

Os municípios com grau muito baixo e grau baixo de necessidades correspondem, respectivamente, 16,18% e 39,27%, abrangendo pouco mais da metade (55,45%) dos municípios mineiros. Os 44,54% restantes possuem índices de necessidades acima da média para o estado, sendo que 26,49% dos munícipios estão na categoria classificada como grau Alto de necessidades e 18,05% estão na classe grau muito alto de necessidades em saúde (Figura 4).

Dentre os municípios pertencentes à classe muito alto, a grande maioria está concentrada justamente nas regiões Norte, Nordeste e Jequitinhonha, o que explica serem estas as únicas regiões com índices médios de necessidades acima da média geral do estado, conforme constatada na Figura 3. Nessas 3 regiões, somente o município de Montes Claros, na região Norte, apresenta índice de necessidades classificado como muito baixo. Por outro lado, à medida que se afasta em direção às regiões do Triângulo do Sul, Sul e Sudeste do estado, vai se tornando maior a proporção de munícipios com índices necessidade sanitária classificados como baixo e muito baixo. Contudo, em todas as regiões do estado, as diferenças entre os municípios menos necessitados e os mais necessitados superam o intervalo de 1 desvio padrão, evidenciando a existência expressivas heterogeneidades intermunicipais, mesmo naquelas regiões com menores índices médios de necessidades em saúde.

Destacados com ponto em negrito estão os municípios polos de referência microrregionais de serviços de saúde de média complexidade. Percebe-se que não há diferença no padrão de heterogeneidades intermunicipais entre esse grupo de municípios e os municípios restantes, tendo em vista que os dois grupos apresentam índices municipais que se distribuem entre as quatros classes consideradas nesta pesquisa. 12

Ao observar os índices municipais de necessidades calculados por Andrade et al. (2004) constata-se que as desigualdades entre os municípios se mantêm semelhantes à configuração evidenciada nas Figuras 3 e 4, onde as necessidades são maiores nos municípios mais ao norte do estado. Reforçada com a correlação estatística de 93,6 entre os índices obtidos nos dois estudos, é possível concluir que, a despeito da diferença temporal de 10 anos, as discrepâncias regionais no quadro de saúde no estado de Minas Gerais ainda se mantêm. Entretanto, o modelo estatístico tal como foi adotado neste estudo apresenta a limitação de não permitir a comparação direta dos valores absolutos ou da média dos índices obtidos nos dois estudos. Sendo assim, os resultados do presente estudo não permitem responder a indagações tais como se haveria ocorrido uma melhora geral do quadro de necessidades no estado, apesar de se ter constatado, pela comparação entre os dois estudos, a continuidade da polaridade norte-sul.

 

Conclusões e considerações finais

No intuito de auxiliar a elaboração de políticas públicas pró-equitativas no estado de Minas Gerais, a presente pesquisa objetivou identificar as desigualdades nas necessidades em saúde entre os seus municípios. Para isso utilizou-se de índices municipais calculados a partir da construção de um indicador composto, que foi capaz de sintetizar o conjunto de variáveis socioeconômicas e epidemiológicas relacionadas às condições de saúde da população municipal e selecionadas com base na literatura sobre os determinantes sociais da saúde.

Os resultados estatísticos do método de análise fatorial fornecem indicações suficientemente satisfatórias para admitir que os escores fatoriais obtidos possam ser considerados como índices municipais de necessidades em saúde (INS). A análise permitiu constatar que as variáveis socioeconômicas e epidemiológicas consideradas no estudo não são independentes e se interagem de forma imbricada na determinação do quadro geral de necessidades em saúde dos municípios mineiros, corroborando a literatura sobre os determinantes sociais da saúde, referenciada nesta pesquisa.

Esta constatação fortalece o argumento de que a efetividade das políticas públicas de redução das necessidades em saúde da população requer ações coordenadas nas diversas frentes de ação governamental (tais quais: no aumento e na melhoria dos serviços de saúde, no saneamento e no ensino fundamental), inclusive naquelas ações que exigem a coparticipação das demais esferas de governo, de maneira a ampliar, por exemplo, a habitação e a renda média domiciliar das populações municipais. Nesse sentido, os resultados sugerem que a simples ampliação da oferta de serviços de saúde é uma ação importante, porém coadjuvante de uma política eficaz de promoção da saúde da população municipal.

A análise dos índices de necessidades em saúde obtidos evidencia a existência de expressivas desigualdades entre os municípios mineiros, mesmo entre aqueles pertencentes à a uma mesma região de saúde, sugerindo cenário de iniquidades. No entanto, as desigualdades são mais expressivas em desfavor das regiões Norte, Nordeste e Jequitinhonha, sendo estas as únicas que apresentam necessidades acima da média do estado. Na situação oposta, estão as regiões Centro, Oeste, Sul, Sudeste Triângulo do Norte e Triângulo do Sul, enquanto que na situação intermediária, estão as regiões Noroeste, Leste, Leste Sul e Centro Sul.

Convergindo com as evidências apontadas nos estudos empíricos referenciados, os resultados desta pesquisa vêm fortalecer as evidências de que independentemente da seleção e da quantidade de variáveis epidemiológicas e socioeconômicas a serem consideradas essas variáveis, pela sua natureza, revelam-se significativamente imbricadas, de tal maneira que contribuem para fomentar a literatura em torno das iniquidades em saúde mas, especialmente, para corroborar a literatura concernente aos determinantes sociais da saúde (DSS), ainda pouco referenciada nos estudos empíricos desta natureza.

 A maior dificuldade percebida no decorrer do processo de execução desta pesquisa, foi durante a fase de seleção das variáveis, haja visto que em que pese as recomendações e critérios ressaltados pelos autores apontado neste estudo, a escolha das variáveis está condicionada à disponibilidade e à qualidade dos dados pretendidos, atributos cujo alcance ainda se revelam desafiadores para países em desenvolvimento como o Brasil.

Levando em conta que variáveis socioeconômicas e epidemiológicas não apresentam natureza estática, nem no tempo, nem no espaço territorial, recomendam-se estudos que adotem essa metodologia a outros estados da federação brasileira, bem como sua replicação periódica a cada nova atualização dos dados censitários. Ademais, os diversos resultados obtidos da aplicação dessa metodologia poderão ser utilizados como instrumentos de auxílio nos processos de pactuação e de gestão no âmbito estadual, bem como nas relações federativas em âmbito nacional.

 

Notas

1 Agradecimento à Fapemig pelo auxílio financeiro concedido durante a realização desta pesquisa. Os autores agradecem os comentários e sugestões apresentados pelos pareceristas anônimos da revista, e reitera a exclusiva responsabilidade dos autores pelo conteúdo apresentado no presente artigo.

2 É consensual a classificação dos serviços de saúde em pelo menos três níveis de atenção, conforme o grau de complexidade tecnológica, o custo unitário e a escala de atendimento exigidos: (a) a atenção primária (primeiro nível de atenção), a ser ofertada em todos municípios os municípios e considerada a porta de entrada da população ao sistema de saúde; (b) a atenção secundária (segundo nível), de abrangência microrregional e tendo município(s)-polo(s) como referência; (c) a atenção terciária, de abrangência regional e apresentando seu(s) município(s)-polo(s) de referência.

3 Preâmbulo da Constituição da OMS, adotada pela Conferência Internacional de Saúde, New York, entre os dias 19 e 22/06/1946, assinado em 22/07/1946 pelos representantes de 61 Estados. Este documento entrou em vigor em 07/04/1948, motivo pelo qual o dia 7 de abril é considerado o Dia Internacional da Saúde.

4 Na Inglaterra, desde os anos 1970, foram realizadas várias tentativas de aplicação de mecanismos equitativos para a alocação dos re­cursos do Sistema Nacional de Saúde. A primeira fórmula a ser criada foi a Resource Allocation Working Party (RAWP) que garantia a distribuição dos recursos do governo central para as regiões. O indicador da mortalidade, detectado para cada área, foi escolhido como informação básica para apurar necessidades em saúde. Essa fórmula foi utilizada entre 1977 a 1990, assegurando a redistribuição dos recursos das regiões metropolitanas para as regiões mais pobres no norte do País. De 1990 para a atualidade, essa fórmula vem passando por sucessivos aprimoramentos (Carr-Hill, 1994).

5 Versão resumida da metodologia e dos resultados obtidos nesta pesquisa foi publicada por Porto et al. (2003).

6 Resultados detalhados desse indicador foram publicados por Ferreira, Porto e Ugá (2010b).

7 A padronização de uma variável quantitativa qualquer é feita calculando a razão entre o seu valor observado menos a sua média e seu desvio-padrão. Dessa forma, a padronização permite expressar, em termos de desvios-padrão, os desvios dos valores observados em relação a sua média.

8 No limite, o número de fatores que podem ser extraídos da análise corresponde ao número de variáveis do modelo. Neste caso extremos, os fatores extraídos terão capacidade de explicar 100% da variância total do conjunto de variáveis.

9 O KMO é um indicador que compara a magnitude do coeficiente de correlação simples com a magnitude do coeficiente de correlação parcial. Levando em conta que os valores deste teste variam de 0 a 1, pequenos valores de KMO (abaixo de 0,50) indicariam a não adequabilidade da análise (Corrar et al., 2011; Fávero et al., 2009).

10 Ferreira et al. (2010) desenvolvem esse argumento levando em conta uma situação comum entre boa parte dos municípios, em que a população periférica cresce a taxas proporcionalmente maiores e estão desprovidas de cobertura satisfatória de saneamento e de educação básica, dando condições para o agravamento do quadro de saúde das populações locais, mesmo na presença de cobertura de serviços de saúde. Neste quadro, argumentam os autores, mantém-se, por consequência, o viés da priorização dos serviços de caráter curativo em detrimento às ações de caráter preventivo (de menor custo).

11 O Diagrama de Caixa é forma gráfica de apresentação do “Resumo dos Cinco Números” (valor mínimo, 1º quartil, 2º quartil, 3º quartil e valor máximo), com a vantagem de visualizar o grau de (as)simetria dos valores observados para a variável de interesse. Os limites inferior e superior da caixa correspondem aos quartis inferior e superior do conjunto de dados, de modo que a distância entre eles corresponde ao intervalo interquartílico, que abarca 50% dos valores centrais dos dados. A mediana do conjunto dos dados é representada pela linha horizontal no interior da caixa. Quanto mais ao centro ela estiver, mais simétrica é a distribuição dos dados. Quanto mais próxima de um dos lados da caixa a mediana estiver, maior a assimetria naquela direção. A linha vertical que se estende abaixo do lado inferior da caixa representa a distância entre o 1º quartil e o menor valor do conjunto de dados que não seja considerado outlier. A linha vertical que se estende acima do lado superior da caixa representa a distância entre o 3º quartil e o maior valor do conjunto de dados que não seja considerado outlier. Um valor é considerado possível outlier quando se distancia do 1º quartil ou do 3º quartil em mais de 1,5 intervalo interquartílico (Corrar et al., 2011, p.24; Triola, 2008, p.98).

12 Os municípios polos são aqueles que cumprem a função de referência na prestação de serviços de saúde de média complexidade (polo microrregional) e de alta complexidade (polo macrorregional), sendo responsáveis pelo atendimento de pacientes residentes no próprio município polo, mas também pelo atendimento de pacientes vindos dos municípios vizinhos pertencentes à mesma região (microrregião ou macrorregião, conforme o caso).

 

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