ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

O Efeito Flypaper no Financiamento da Educação Fundamental dos Municípios Paraibanos

The Effect Flypaper in the Funding of Fundamental Education of Municipalities in Paraiba

Josedilton Alves Diniz

Professor da UFPB e Auditor de Contas Pública TCE-PB

Doutor em Contabilidade e Controladoria/USP

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josedilton@gmail.com

 

Rômulo Henriques de Lima

Pós-graduando em Gestão Pública Municipal - UFPB

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romulohenriques@hotmail.com

 

Vinícius Gomes Martins

Professor Adjunto do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Doutor em Ciências Contábeis, Programa Multiinstitucional (UnB/UFPB/UFRN)

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orcid.org/0000-0001-7401-9570

viniciuscontabeis@hotmail.com

 

Resumo: O objetivo deste artigo é investigar a relação entre o sistema de transferência da educação e a eficiência nos serviços de educação básica dos municípios paraibanos, usando como background o flypaper effect. Para isso, foram utilizados modelos de dados em painel de uma amostra de 208 dos 223 municípios no período de 2009 a 2011. Foram coletados juntos ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba – TCE/PB – dados referentes às receitas originárias de transferências intergovernamentais, receitas próprias e o índice de eficiência. Os resultados apontam que os municípios que têm, relativamente, receitas próprias maiores são municípios mais eficientes, e os municípios que recebem mais recursos do que enviam para o FUNDEB são menos eficientes. Esses resultados estão em consonância com a literatura sobre o federalismo, que prevê a aplicações de recursos de forma ineficiente devido ao efeito flypaper nas transferências não condicionais e sem contrapartida.

Palavras-chave: Efeito Flypaper; Transferências Governamentais; Eficiência.

 

Abstract: This study aims to investigate the relationship between the system of education transfer and the efficiency of basic education services in the cities of the State of Paraíba. In order to do that, panel data models of a sample from 208 of the 223 municipalities from 2009 to 2011 were used. Data on the revenue from intergovernmental transfers, the state’s own revenues, and the index of efficiency were collected from the Tribunal de Contas do Estado da Paraíba – TCE/PB (Court of Accounts). The results show that the municipalities that have relatively higher revenues are more efficient and that the municipalities that receive more resources than they send are less efficient. These results are consistent with the literature on federalism, which foresees the inefficient application of funds due to the flypaper effect on non-conditional and unrequited transfers.

Keywords: Flypaper Effect; Governmental Transfers; Efficiency.

Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br

Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br


1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de um país está relacionado a diversos aspectos; entre eles ressalta-se a educação de seus cidadãos. Nesse sentido, o presente tema é objeto de muitos debates no âmbito das políticas e dos governos. A educação representa para a sociedade um pilar e reflete uma visão da capacidade de se reduzirem as disparidades sociais e transformar socialmente as pessoas.

Do ponto de vista econômico, o nível de educação repercute na renda dos indivíduos e, quando positivamente, proporciona crescimento da renda per capita, conforme sublinham os resultados alcançados por Barros e Mendonça (1997) e Salvato, Ferreira e Duarte (2010), que analisaram a relação entre renda e nível educacional. Torna-se então evidente a imensa responsabilidade do Estado em ofertar e garantir a qualidade sob todos os aspectos e todas as especificidades relacionadas à educação, os quais devem ser universais e focalizados.

No Brasil, as políticas de educação estão vinculadas ao pacto federativo, que define quem é responsável pela prestação de serviços e quem os financia. Há a percepção de um gap fiscal, no sentido que um ente arrecada os impostos e outro é responsável pela execução dos serviços. Para solucionar o gap, o pacto federativo equaliza esse desequilíbrio mediante os repasses de transferências intergovernamentais, principalmente dos governos com insuficiência de arrecadação tributária para abarcar seus gastos.

As transferências podem ser condicionais e incondicionais: a diferença está no fato de a primeira apresentar finalidade específica, sinalizada pelo governo cedente, e a segunda não ter seu gasto direcionado para um setor específico. Um exemplo de transferências condicionais é o FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –, no qual as transferências estão vinculadas para financiar a educação e o atendimento de políticas específicas estabelecidas pelo governo central.

As transferências condicionais têm a característica de retirar do gestor a autonomia na forma de aplicação dos gastos, enquanto as transferências incondicionais têm uma característica de expandir significativamente os gastos públicos, em vez de reduzir tributos e proporcionar aumento na renda do contribuinte. Esse efeito é conhecido na literatura como flypaper: “o dinheiro gruda onde bate”, ou seja, as transferências intergovernamentais ao entrar nos governos locais ficam lá, em vez de ser distribuídos sob a forma de pagamentos de impostos mais baixos. Esse fenômeno gera um comportamento perdulário do gasto público, que poderá influenciar sua eficiência econômica.

A questão chave apontada na literatura teórica e empírica das finanças públicas é como transferências intergovernamentais podem influenciar o nível da despesa pública dos governos recebedor. As pesquisas têm mostrado que as transferências do governo federal estimulam gastos mais elevados dos governos locais. Um aspecto que tem atraído atenção na literatura do flypaper é a questão se as mudanças observadas nos gastos estarem associadas a mudanças análogas no nível real dos bens ou serviços públicos ou se aumentos nos gastos levam (pelo menos até certo ponto) a um desperdício de recursos (Leibenstein, 1966; Silkman & Yoyng, 1982; Kalb, 2010).

Outro aspecto relevante do flypaper é que os cidadãos dos municípios são suscetíveis a uma percepção equivocada da verdadeira carga tributária devido à ilusão fiscal. Na verdade, supõe-se que uma maior quantidade de transferências intergovernamentais leva a uma subestimação da verdadeira carga tributária por parte dos cidadãos e, portanto, a uma maior demanda da produção pública. Usando essa estrutura, é possível perceber como um maior grau de redistribuição (ou seja, um aumento na quantidade de transferências para o governo local) afeta a eficiência técnica na prestação de bens e serviços públicos. Assim, um maior grau de redistribuição tem um impacto negativo sobre a eficiência técnica dos governos locais beneficiárias das transferências.

Pelo que se depreende, a forma como se processa o sistema de transferências intergovernamentais pode provocar, segundo afirmam Varela e Fávero (2010), comportamentos e resultados indesejáveis ao bem-estar social. Nesse sentido, a literatura sobre o federalismo prevê que as transferências não-condicionais e sem contrapartida provocam gasto público com desperdício ou ineficientes, conforme se verifica no construto teórico do flypaper effect (Bird & Smart, 2002; Shah, 2007; Gamkhar & Shah, 2007).

O presente trabalho tem como objetivo investigar a relação entre o sistema de transferência da educação e a eficiência nos serviços de educação básica dos municípios paraibanos sob a perspectiva do flypaper effect. Para fins dessa pesquisa, eficiência é a relação entre os recursos investidos na educação básica e os resultados obtidos pelos alunos na Prova Brasil. Para tal, foram coletados, juntos ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE/PB), dados referentes às receitas originárias de transferências intergovernamentais e receitas próprias e o índice de eficiência.

Como forma de antecipar os resultados, bem como direcionar a abordagem da pesquisa, levantaram-se as seguintes hipóteses com base na teoria do flypaper effect:

H1: municípios que têm mais receitas próprias são mais eficientes.

H2: municípios que recebem mais recursos do que contribuem para a formação do FUNDEB são menos eficientes.

No intuito de alcançar os objetivos propostos no presente trabalho, utilizam-se os escores de eficiência dos serviços de educação em função das transferências de recursos governamentais, calculados pelo TCE/PB.

A pesquisa está dividida em quatro partes além desta introdução: a próxima se refere aos aspectos teóricos, com respeito às finanças públicas; na terceira, compreende-se a metodologia utilizada; na quarta, os resultados das análises são expostos; na quinta seção, colocam-se as principais considerações e sugestões de novos trabalhos.

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Transferências intergovernamentais

As transferências intergovernamentais representam os repasses de recursos financeiros entre os níveis de governo pertencentes a um sistema descentralizado[i], que, segundo Rodden (2005), admite a possibilidade de facilitar a competição de tributos entre governos, conduzindo cada vez mais para um setor público de menor tamanho.

Tal processo, conforme Oates (1999), passa pela observação de que, em governos locais, os gestores estão mais próximos da população local. Assim, é possível identificar melhor os bens demandados da comunidade, o que gera vantagens que escoam em maiores ganhos de bem-estar social. Isso seria mais dispendioso para o governo central, haja vista a dificuldade na identificação das respectivas demandas. No entanto, o evento da descentralização pode promover cada vez mais a necessidade de utilização da ferramenta pertinente às transferências intergovernamentais, nas formas desenhadas pela administração pública de caráter descentralizada, seja de governo central para os estados e municípios, seja dos estados para os municípios correspondentes.

No caso do Brasil, um exemplo é a competência tributária do governo estadual em arrecadar o expressivo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), os quais serão posteriormente repassados aos municípios de acordo com a legislação que trata da divisão. Já a competência de arrecadação do governo federal está no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e no Imposto de Renda (IR), e aos municípios fica restrita a arrecadação de tributos, o que não permite equiparar as suas necessidades.

Uma das implicações das transferências entre níveis de governos é o desejo de corrigir provável desequilíbrio entre oferta e demanda de serviços públicos nos estados e municípios, a fim de se manterem os padrões mínimos de qualidade do serviço ofertado.

Como emprega Rezende (2007), o papel das transferências intergovernamentais é de promover o equilíbrio entre as responsabilidades de cada nível de governo e os recursos percebidos para alcançar resultados pertinentes aos objetivos propostos pelo governo central, numa perspectiva de alcançar maior nível de satisfação nacional.

Varsano (1996) considera que o Brasil, em seus níveis de governo, enfrenta um grande problema para atingir esse grau razoável de equilíbrio entre a autonomia financeira e política, com coordenação e sistematização fiscal, e que as transferências de recursos entre as esferas são capazes de subsidiar outros níveis de governo, ou ainda, subgoverno. Assim, as transferências permitem o alcance de diversos objetivos que são veiculados para suportar a manutenção do Sistema Federativo de Estado (Gomes, 2010).

Segundo Prado (2006), os determinantes básicos que permitiram o surgimento de várias formas de transferências verticais (ou seja, de governo para subgoverno) foram fundamentados diante do ensejo de se alcançar a eficácia tributária, necessidade de equalização horizontal com vistas às disparidades alusivas à prestação de serviços públicos e à escolha dos programas nacionais de prestação de serviços pelo governo central.

No caso do Brasil, que é contemplado com uma vasta dimensão territorial de diferentes regiões (sendo algumas consideradas potencializadas em termos de arrecadação tributária e outras relativamente dependentes das transferências entre níveis de governo para dar condições de manter um nivelamento quanto ao bem-estar da sociedade), o sistema de transferências permite alcançar resultados favoráveis para muitos estados e municípios, sobretudo os mais carentes em termos econômicos.

Prado (2006) ainda ressalta, sobre o entendimento para a ocorrência das transferências intergovernamentais, que, em virtude de características comuns apresentadas pelas federações e do fato de que nem todo nível de governo arrecada o suficiente para arcar com as responsabilidades, os governos superiores arrecadam mais recursos relativos aos seus gastos, ao contrário dos subgovernos, que arrecadam menos e não permitem tal equilíbrio quanto às despesas.

Embora as transferências representem meio para os governos tentarem resolver ou minimizar problemas relativos aos desequilíbrios orçamentários dos subgovernos, elas podem convergir para situações indesejadas por algum subgoverno. De acordo com Cóssio e Carvalho (2001), as transferências estão sujeitas a custos, com possibilidade de subvaloração dos bens públicos locais, e podem exceder a referida demanda.

Supondo que a oferta em excesso de um serviço público atraia pessoas de outros locais em que o mesmo serviço não supre a respectiva demanda, é possível o deslocamento dos interessados pelo serviço, provocando um desequilíbrio, em desacordo com os objetivos propostos das transferências de recursos entre os níveis de governo.

A prática da mobilidade de população entre os municípios é menos intensa em regiões que apresentam menor grau de desenvolvimento, fato justificado pela insuficiência de recursos dos contribuintes que buscam maior oferta de bens e serviços públicos, mas são barrados por sua incapacidade financeira de locomoção. Esse é um motivo pelo qual o governo tende expandir os gastos orçamentários, em razão das dificuldades dos contribuintes, fato que permite reduzir as restrições do governo quanto à alocação dos gastos (Cóssio & Carvalho, 2001).

 É nesse contexto que o sistema de transferência requer um planejamento que permita as correções e que promova o bem-estar social. Com efeito, esse sistema apresenta várias características (ou classificações), no intuito de cumprir determinadas funções básicas, ou seja, as transferências podem ser classificadas em condicionais ou incondicionais, com contrapartida ou sem e, ainda, limitadas ou ilimitadas.

As transferências condicionais são aquelas em que os recursos são de uso condicional, para área previamente designada, e as incondicionais ocorrem quando a aplicação do recurso não está vinculada a uma finalidade específica, o que pode implicar uma maior autonomia do governo receptor quanto aos gastos realizados por meio dos referidos recursos recebidos.

As transferências com contrapartida correspondem aos recursos que são transferidos de forma proporcional aos gastos efetuados pelo governo receptor, numa determinada área incentivada pelo governo central, e as transferências sem contrapartida não apresentam exigência aos governos que as recebem. As transferências limitadas são caracterizadas por balizar a quantidade de recursos, e as ilimitadas não prescrevem teto. 

Diante da classificação das transferências, pode-se admitir uma preferência por parte dos concessores, relativamente às transferências com contrapartida e limitadas. Isso em virtude das prioridades consideradas pelo nível de governo concessor, com a finalidade de se atingirem objetivos específicos, devido ao interesse do governo receptor de alocar os supostos recursos no setor ou área definida pelo governo central por meio da respectiva transferência de recurso. Embora a preferência dos subgovernos esteja direcionada para as transferências que lhes permitam maior grau de autonomia quanto à alocação no orçamento, as que são condicionadas admitem suavizar a pressão orçamentária, supondo que o governo iria investir de toda e qualquer forma na respectiva área apontada pelo governo cedente, referente às transferências com propósitos previamente instituídos.

 

2.2 O efeito flypaper nas transferências intergovernamentais

Em um sistema federativo com enormes dimensões territoriais, como o Brasil, há uma tendência a sério desequilíbrio fiscal, dado pela diferença entre as receitas e gastos dos diferentes níveis de governo. Considerando que a maior concentração de fontes de receitas está sob a responsabilidade e o domínio do governo central, enquanto que a fragmentação de demanda referente aos bens e serviços públicos locais é de encargo dos governos subnacionais, estes necessitam de recursos suficientes que atendam às preferências, de modo a apresentar um ajuste entre a receita adquirida e a despesa, em seu nível de governo.

Assim, o sistema de transferência fundamentado na teoria normativa do federalismo fiscal se apresenta com o objetivo de fazer as correções frente aos problemas destacados pelas competências dos governos, de forma a equalizar a oferta de bens e serviços públicos, garantindo o equilíbrio orçamentário em toda a nação.

Embora as transferências intergovernamentais permitam efeitos positivos, verifica-se também um efeito distorcido no comportamento fiscal das unidades de governos receptoras dos recursos. As transferências, especificamente aquelas em que não há condicionamento para os respectivos recursos percebidos pelo subgoverno e as que requerem contrapartida de recursos por parte do receptor, permitem um comportamento expansivo das despesas do subgoverno, de forma que não proporcionam aumento na renda do contribuinte.

Esse efeito é conhecido na literatura como efeito flypaper, por representar a ideia de que as transferências entre níveis de governo tendem a ficar no próprio setor público do governo local, que se mostra como receptor dos recursos transferidos. Esse evento provoca expansão dos gastos públicos, contrapondo a ideia de proporcionar aumento na renda privada dos contribuintes, o que seria admitido pela redução de impostos (Gramlich, 1977; Fisher, 1982; Wyckoff, 1988).

A literatura aponta duas explicações possíveis para ocorrência do efeito flypaper: a ilusão fiscal (Strumpf, 1998) e o poder de barganha (Wyckoff, 1988). O primeiro efeito fundamenta-se na assimetria da informação, ou seja, o eleitor mediano[ii] não consegue separar do total dos gastos públicos quais foram os recursos próprios e qual o montante de recursos advindos de transferências fiscais. Essa dificuldade possibilita esconder o verdadeiro custo dos bens e serviços públicos providos aos cidadãos. Aproveitando-se dessa desinformação do eleitor, o gestor mal-intencionado poderá executar despesas de forma excessiva ou desviar parte dos recursos em benefício próprio.

O segundo fundamento, do poder de barganha, consiste no duelo entre o contribuinte e o gestor público. Quando há um aumento na renda e, por conseguinte, um incremento nas receitas próprias, o contribuinte exerce o direito de exigir do gestor que os recursos sejam gastos de forma adequada. O gestor, por sua vez, com a preocupação de evitar a mobilidade do contribuinte para outra jurisdição, deverá ser mais moderado na execução orçamentária. Por outro lado, quando há um aumento nas receitas provenientes de transferências, o eleitor não demonstra a ameaça da mobilidade, uma vez que ele não leva consigo a parcela das transferências, motivo pelo qual gera um relaxamento na eficiência do gasto público (Mendes, 2004).

O efeito flypaper compara o impacto de mudanças na renda privada da população atinente aos gastos do governo no mesmo local dos residentes e o efeito de mudanças nas transferências fiscais sobre os próprios gastos. Em lugares onde os eleitores não acompanham os gastos do governo de forma expressiva, acende oportunidade para que os gastos do governo não tenham efeitos positivos sobre a renda privada. Tal ocorrência implica o surgimento do efeito flypaper, cuja gravidade, segundo Strumpf (1998) pode ser enxergada por meio de um índice que represente o quanto os eleitores acompanham as despesas do governo.

Em vários estudos, Fisher (1982) e Strumpf (1998) alcançaram resultados que evidenciam com regularidade a ocorrência do efeito flypaper, ou seja, a sensibilidade dos gastos do governo diante as transferências, em destaque as que não apresentam condicionamento junto ao governo. Nas finanças dos municípios brasileiros, Cóssio e Carvalho (2001) constataram a existência do efeito e observaram que o fenômeno é mais intenso nas regiões com menor nível de desenvolvimento econômico em virtude da competência relativa à pequena base tributária dos municípios que constituem as regiões Norte e Nordeste.

 O termo utilizado, “flypaper” é pertinente, pois “o dinheiro gruda onde bate”. Se o aumento de recursos é derivado de transferência, ele fica no governo. Por outro lado, se o incremento desses recursos tem origem no aumento da renda do eleitor, esse acréscimo é repassado para o cidadão mediante redução de imposto. Dessa forma, de acordo com a teoria positiva do federalismo fiscal, as transferências incondicionais e sem contrapartida geram um comportamento desperdiçador aos gastos do governo receptor.

Com vistas a tais explicações, o referido trabalho analisa o evento e a relação existente entre o sistema de transferência da educação e a eficiência técnica nos serviços educacionais básicos dos municípios paraibanos. Para melhor entendimento, faz-se uma pequena exposição a seguir sobre as transferências que financiam a educação e atende políticas do setor, estabelecidas pelo governo central.

 

2.3 O FUNDEB e a lógica das transferências

Os bens e serviços relativos à educação podem ser ofertados tanto pelo setor público quanto pelo setor privado. Ao setor público, a oferta dos bens e serviços educacionais está compreendida pelas três esferas de governo: federal, estadual e municipal; os dois últimos são os principais atores responsáveis pela educação básica do Brasil, operando, porém, de forma independente, de acordo com as limitações da gestão.

Não obstante, no Brasil, a desigualdade constatada tanto em municípios quanto em esferas superiores de governo, atinente ao financiamento da educação, implica uma diferença na qualidade dos serviços prestados entre as localidades.  Há um problema causado pela incapacidade financeira dos subgovernos em equilibrar isoladamente seus gastos com os recursos próprios.

Diante disso, e com o desejo de garantir a oferta equilibrada dos bens e serviços de educação básica, os três níveis de governo se articularam para garantir financiamento dos respectivos gastos, instituindo um fundo que possibilitasse alcançar o objetivo de universalizar o atendimento da educação básica na esfera pública, e com qualidade.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB –, foi instituído pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e é regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007. Esse fundo substituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF –, que vigorou de 1998 a 2006. Nos anos seguintes, passou a vigorar o atual FUNDEB, com vigência até 2020.

O FUNDEB é formado por parte de recursos provenientes dos impostos e das transferências dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Além disso, é formado por uma parcela de recurso do governo federal, com a finalidade apenas de complementação, quando da incapacidade do alcance do valor mínimo por aluno no âmbito de cada estado, conforme prevê a legislação que trata da manutenção e do desenvolvimento do ensino. Ou seja, quando o valor por aluno não for atingido no âmbito do estado, o governo federal complementa o total para tal alcance, prezando pelo valor universal por aluno em todo país. A criação do FUNDEB representa um esforço para mobilizar recursos para educação básica.

Em cada estado, o FUNDEB é composto por 20% das receitas advindas destas fontes:

·            Fundo de Participação dos Estados;

·            Fundo de Participação dos Municípios;

·            Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços;

·            Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações;

·            Desoneração das Exportações (LC nº 87/96);

·            Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações;

·            Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores;

·            Cota-parte de 50% do Imposto Territorial Rural, devido aos municípios.

Quanto à totalidade dos recursos pertinentes ao FUNDEB, são redistribuídos exclusivamente para aplicação na área de educação, especificamente do ensino básico.

De acordo com Diniz e Corrar (2011), a instituição, tal como fundo de caráter financeiro/contábil, que concentra os recursos derivados das contribuições do Governo Federal, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios, visa à partilha entre os componentes da federação com base na quantidade de alunos matriculados na rede pública, a fim de alcançar a eficiência relativa à alocação dos respectivos recursos e superar a desigualdade dos padrões mínimos para educação. Isso representa diferentes parcelas do fundo para cada município, em detrimento aos diferentes tamanhos da população, mas permite alcançar um FUNDEB per capita com valores semelhantes entre os municípios.

Em resultados alcançados por Baião (2013), o FUNDEB se destaca como importante papel no processo de reduzir as diferenças entre a capacidade financeira dos municípios brasileiros na alocação de recursos para educação, perante a demanda de cada localidade.

De acordo com a classificação das transferências intergovernamentais, o FUNDEB apresenta características de transferências condicionais com contrapartida, ou seja, o governo receptor está condicionado a alocar os recursos percebidos do FUNDEB na área de educação, e ainda participa com emprego de parte dos recursos próprios.

Com vistas a tais informações, o montante das transferências relacionadas ao citado fundo de financiamento foi utilizado no trabalho a fim de se atingirem os objetivos propostos, conforme exposição dos procedimentos metodológicos na seção seguinte.

 

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para alcançar o objetivo definido nesta pesquisa, fez-se o uso da técnica estatística de regressão linear por Mínimos Quadrados Ordinários, com dados em painel, tendo como variável dependente o escore de eficiência e como variáveis explicativas a proporção de receitas próprias no cômputo das receitas totais e os ganhos na distribuição de recursos do FUNDEB. A seguir, é possível vislumbrar os procedimentos utilizados, desde a escolha dos dados e das fontes da coleta até o instrumento de análise de eficiência utilizado.

 

3.1 População, amostra e coleta de dados

Foram definidos, para fins de análise deste estudo, todos os municípios paraibanos que fizeram a Prova Brasil entre 2009 e 2011. A população, portanto, foi composta por 208 dos 223 municípios do estado da Paraíba, visto que nem todas as unidades municipais participaram da Prova Brasil no período. O intervalo temporal, 2009 e 2011, foi definido em função da disponibilidade de dados. Dessa forma, foi constituído um painel balanceado para fins de análise de regressão, que resultou em 416 observações.

Os dados utilizados foram coletados juntos ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba – TCE/PB. Como a pesquisa caracteriza um estudo de campo, as informações foram solicitadas diretamente junto ao gestor responsável pelo Sistema de Acompanhamento da Gestão dos Recursos da Sociedade (SAGRES), o qual forneceu variáveis relacionadas às receitas e despesas realizadas após prestação de contas por parte das prefeituras e aos índices de eficiência oriundos do sistema de Indicadores de Desempenho dos Gastos Públicos na Paraíba (IDGPB).

 

3.2 Modelo conceitual para o cálculo da eficiência

De acordo com Cohen e Franco (2004), os conceitos utilizados em avaliação de projetos sociais (e aí se incluem, segundo Varela e Fávero (2010) os serviços de educação) foram desenvolvidos pela economia e estão associados à função de produção que vincula recursos, insumos, processos e produtos. Assim, o escore de eficiência é definido a partir da conjugação de inputs, que geram vetores de bens e serviços diretamente utilizados na produção dos serviços e bens públicos, e os outputs são as unidades produzidas.

Nesse sentido, foi utilizada, para calcular a eficiência dos serviços de educação, a Análise Envoltória de Dados (DEA)[iii]. Essa técnica teve como um dos seus mentores Farrell (1957), e seu uso disseminado se deu após o trabalho de Charnes, Cooper and Rhodes (1978), que possibilitou uma série de aplicações, principalmente na avaliação de eficiência operacional das empresas, a partir da redução dos investimentos e aumentos dos resultados (Zhu, 2003).

Gradualmente, a DEA também foi adaptada ao setor público, tendo sido ao longo dessas três décadas desenvolvidas inúmeras pesquisas, ligadas principalmente à eficiência dos serviços prestados com saúde e educação.

Segundo Charnes, Cooper e Rhodes (1978), na avaliação de desempenho, o cálculo das medidas de eficiência pressupõe que a função de produção é conhecida. Contudo, como afirmam Varela e Fávero (2010), isso não acontece na prática, e ela precisa ser estimada a partir de uma amostra de dados com o uso de métodos paramétricos ou não-paramétricos, sendo este último o caso da DEA.

A construção da DEA se dá a partir da otimização de inputs e outputs, projetada para estabelecer uma medida de eficiência relativa entre diferentes unidades tomadoras de decisão (decision-making units – DMUs). Os vários modelos de DEA se baseiam na análise de eficiência DMUs com múltiplos insumos (inputs) e produtos (outputs), e partem da ideia de construir uma fronteira de eficiência, em que as DMUs mais eficientes se situem sobre a superfície da fronteira enquanto as menos eficientes se situem internamente abaixo da fronteira. Tais modelos podem assumir retornos constantes de escala, ou seja, eficiência de escala, ou retornos variáveis de escala. Além disso, podem ter orientação para a maximização de outputs ou minimização de inputs, e isso depende das quantidades sobre as quais o administrador tem maior controle: input ou output.

Cada DMU foi comparada a um conjunto de DMUs fronteiriças que utilizaram menos recursos na produção de produtos comparáveis. Com bases nas diversas pesquisas realizadas no setor de educação, utilizou-se a DEA orientada para saída e retornos variáveis de escala na definição do modelo. Possíveis economias de escala podem ser controladas pelo tamanho do município, permitindo eficiência orçamentária para que tal município seja avaliado independentemente de tais economias.

 

3.3 Modelo empírico utilizado pelo TCE/PB para cálculo da eficiência

Na presente pesquisa, não foi realizado o cálculo direto do escore de eficiência, pois esses dados já estavam disponíveis no site do TCE/PB. Fez-se apenas uso dos índices de eficiência para regredir com as variáveis explicativas do efeito flypaper, descritas adiante. Assim como forma de situar a maneira como se deu o cálculo da eficiência, descrevem-se abaixo os paramentos utilizados pelo TCE/PB, conforme descrito nas notas técnicas do IDGPB[iv].

A metodologia adotada pelo TCE/PB foi a DEA Sequencial (DEA-S). A DEA-S é utilizada para calcular os escores de eficiência quando existem informações por município e por ano (dados em painel) e reflete, pois, a evolução da eficiência de um dado município ao longo do tempo. Nessa abordagem, o município é avaliado (i) em relação a todos os demais no ano corrente (eficiência contemporânea) e (ii) em todos os anos precedentes (eficiência histórica). Nessa abordagem, compara-se um dado município não somente com as demais unidades no período atual, mas também com ele mesmo nos anos precedentes. Essa dependência temporal dos escores de eficiência se baseia na suposição de que os municípios podem sempre repetir desempenhos obtidos nos anos anteriores, excluindo, pois, a possibilidade de “retrocesso técnico” na educação.

As reduções de eficiência são, nessa metodologia, atribuídas ao gerenciamento da educação e/ou a fatores exógenos (não controláveis pela municipalidade), e não a pioras da tecnologia educacional. Uma vantagem adicional da metodologia DEA-S, segundo descrito, é o fato de que a incorporação de informações passadas torna os escores de eficiência menos sensíveis à presença de outliers do que os índices de eficiência contemporânea.

A fronteira de produção foi estimada a partir do input e dos outputs relativos aos serviços públicos referentes ao ensino fundamental (EF) prestado pelos municípios paraibanos. A função de produção foi composta de um insumo (input) e de três produtos, conforme Tabela 1.

 

Tabela 1 – Variáveis de input discricionário e de outputs do modelo de eficiência técnica

Tipo

Variável

Descrição

Fonte

Input

Despesa corrente por aluno

Total da despesa corrente pela quantidade de alunos matriculados na rede de EF municipal

TCE/PB e IDGPB

Output 1

Prova Brasil em Língua Portuguesa

Notas médias de proficiência em Língua Portuguesa

INEP

Output 2

Prova Brasil em Matemática

Notas médias de proficiência em Matemática

INEP

Output 3

Distorção idade-série

O inverso da taxa de distorção idade-série de cada município

INEP

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do trabalho, encontrados no TCE/PB.

 

A variável despesa corrente por aluno foi calculada levando em consideração a soma dos gastos dos exercícios financeiros de 2008 e 2009 dividido pela quantidade média de alunos para o mesmo período. Dessa forma, tinha-se o input utilizado em 2009. De modo semelhante, procedeu-se da mesma forma para o input de 2011, somaram-se as despesas correntes de 2010 e 2011 e dividiu-se o total pela quantidade de alunos média. Os valores estavam em moeda constante de 2009 e 2010.

 

3.4 A estimação dos dados em painel por Mínimos Quadrados Ordinários

Usualmente, trata-se de um número significativo de unidades, observadas repetidamente por alguns anos, isto é, o painel de dados é caracterizado por possuir observações em duas dimensões, que em geral são o tempo e o espaço. Em outras áreas são conhecidos como estudos longitudinais. Conforme Greene (2003), esse tipo de dados contém informações que possibilitam uma melhor investigação sobre a dinâmica das mudanças nas variáveis, tornando possível considerar o efeito das variáveis não observadas. Também melhoram a inferência dos parâmetros estudados, pois propiciam mais graus de liberdade e maior variabilidade na amostra em comparação com os dados em cross-section ou em séries temporais, o que refina a eficiência dos estimadores econométricos.

Resumidamente, os dados em painel podem enriquecer a análise empírica de forma que esta seria imprecisa se a pesquisa fosse restrita aos dados em corte transversal, ou até mesmo em séries temporais isoladamente.

Um modelo de regressão com dados em painel, com N observações em T períodos e K

variáveis, pode ser representado da seguinte forma:

 

            (1)

 é variável dependente,  é um vetor 1 X K contendo as variáveis explicativas, α refere-se ao parâmetro de intercepto, é um vetor K X 1 de parâmetros a serem estimados, e  são os erros aleatórios. Os sub-índices i e t denotam, respectivamente, a unidade observacional e o período de cada variável. 

Como expressa Gujarati (2006), se o modelo seguir todas as hipóteses clássicas de regressão, pode-se estimá-lo por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), obtendo assim as estimativas desejadas. As principais se referem ao erro u, que supõe homocedástico e não-correlacionado. Os dados em painel apresentam algumas implicações: Apesar da suposição sobre a variância do erro constante, ela varia de uma equação para a outra; sendo assim, existe heterocedasticidade de uma equação para a outra.

O problema de heterocedasticidade, se detectado, torna necessária a utilização do método de Mínimos Quadrados Generalizados (MQG). Caso fosse utilizado o estimador MQO, não levando em consideração a não-homocedasticidade dos distúrbios, ainda seriam não-viesadas e consistentes, mas não seriam eficientes. Dessa forma, os testes de significância das estimativas seriam enviesados se MQO fosse utilizado. O mesmo argumento é valido na presença de autocorrelação dos erros.

Outro problema que pode surgir nos dados em painel é a endogeneidade, isto é, quando a correlação entre alguma variável explicativa e o erro é diferente de zero:

 

               (2)

 

Isso inviabiliza também a utilização do MQO. São três as principais fontes de endogeneidade: omissão de variáveis no modelo (heterogeneidade não observada), erros de medição de variáveis e simultaneidade entre as variáveis. O problema mais frequente em dados em painel é a não observação direta e consequentemente a não mensuração de alguns fatores que determinam a variável dependente e que por isso não estão sendo consideradas na equação dentro das variáveis explicativas. É o que se chama de heterogeneidade não observada. O modelo de regressão nesse caso se apresenta como:

             (3)

η representa a heterogeneidade não-observada constante ao longo do tempo. Se houver correlação entre esse termo e alguma variável explicativa, uma aplicação MQO nesse caso deixará as estimativas tanto viesadas quanto inconsistentes. A solução para tentar corrigir esse caso seria considerar um novo termo em que o modelo é apresentado como:

 

 

Dessa forma, é possível utilizar o MQO, já que existe a justificativa para assumir que a correlação entre a variável explicativa e o termo residual é igual a zero, ,  Esse método com dados em painel é conhecido como Mínimos Quadrados Ordinários Agrupados.

 

3.5 Testes das hipóteses da pesquisa

O teste de hipótese se deu a partir da análise empírica desenvolvida pela estimação da equação (5) pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO). O modelo utilizado foi dado em painéis a partir de efeitos fixos, que, ao contrário do pooled, considera a heterogeneidade dos municípios que podem influenciar a variável dependente do estudo, isto é, leva em consideração as especificidades dos municípios ao longo do período de análise. Portanto, o modelo de efeitos fixos apresenta vantagens no sentido de remover o efeito não observado, considerando que os interceptos são diferentes para todas as cross-sections, evitam-se os problemas da omissão de variáveis, levando-se, portanto, a estimadores mais consistentes e eficientes. 

Definido o escore de eficiência, com base no IDGPB, o próximo passo foi a definição das proxies representativas do flypaper effect, ou seja, receitas próprias, e perdas e ganhos nas transferências do FUNDEB. Assim, a heurística do modelo é que as adicionais receitas advindas dos ganhos das transferências do FUNDEB levam a um comportamento ineficiente do gasto. Pelo que se pode observar, o modelo empírico tem um dispositivo de verificabilidade, ou seja, a contrata prova do flypaper effect é o nível de receitas próprias. Dessa forma, os municípios que possuem um maior nível de recursos próprios são mais eficientes.  O modelo pode ser representado da seguinte forma:

 

  (5)

 

            escores de eficiência do município i, no ano t+1, para os serviços de educação básica.

          participação das receitas próprias direcionadas à educação básica em relação às despesas totais da educação básica do município i, no ano t.

          variável dummy representada pelas perdas e pelos ganhos na divisão dos recursos do FUNDEB do município i, no ano t, ou seja, quantidade de recurso percebido menos a quantidade envidada para o fundo no mesmo período, em que se atribuiu 1 (um) para ganhos na divisão do FUNDEB e 0 (zero) para perdas da divisão do FUNDEB.

wit            termo de erro da regressão.

 

Para se definir a participação das receitas próprias, utilizou-se a soma das receitas dos exercícios de 2008 e 2009 para regredir com os escores de 2009, e, da mesma forma, somaram-se as receitas de 2010 às de 2011 e regrediu com os escores de eficiência de 2011. Essa metodologia foi utilizada com a finalidade de atenuar os efeitos das aplicações de recursos nos resultados alcançados pela educação, ou seja, os recursos aplicados em determinado período só terão reflexos nos resultados em períodos posteriores.

 

 

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nessa fase da pesquisa, foi realizada a análise dos dados, em duas etapas. Na etapa inicial, foram calculadas as estatísticas descritivas das variáveis da pesquisa para cada proxy utilizada no modelo, conforme evidenciado na Tabela 2.

Pelo que se observa da análise descritiva, há uma dependência muito forte, por parte dos municípios paraibanos, das transferências dos governos federal e estadual, posto que os recursos próprios dos municípios foram em média 4,89% do total das receitas, sendo o restante proveniente de transferências de outros entes governamentais.

Esse fato ocorre devido à concentração das bases tributárias no governo federal, ou seja, por conta da eficiência de arrecadação de tributos há uma concentração de arrecadação por parte dos governos superiores. Por outro lado, a prestação de serviços ocorre nos municípios por estarem mais perto da população e por terem melhor conhecimento das necessidades locais. Assim, existe um gap entre quem arrecada e quem presta os serviços à sociedade. Daí o porquê da relação tão baixa de arrecadação das bases próprias de tributação dos municípios. Pode-se, portanto, afirmar que a ausência de um sistema de transferências orientado para a correção desses desequilíbrios agrava ainda mais,as disparidades decorrentes da concentração da atividade econômica, como veremos adiante.

 

Tabela 2 – Estatísticas descritivas das variáveis

Variáveis

Média

Desvio Padrão

Min.

Máx.

Índice de eficiência

0,6688

0,1167

0,4283

1,0000

Participação da receita própria

0,0489

0,0457

0,0079

0,2805

Ganho/perdas*

0,7960

0,4034

-

1,0000

* Variável dummy: 1 para municípios que tiveram ganho e 0 para aqueles que tiveram perdas

 

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2014)

 

A variável ganho/perda representa a diferença entre os valores recebidos do FUNDEB e os valores repassados para formação do fundo. Assim, se essa diferença foi negativa (a variável assume 0), o município contribui mais do que recebeu. Com base nos dados do trabalho, pode-se afirmar que 53 municípios em 2009 e 38 municípios em 2011 perderam recursos para outras municipalidades. Essas perdas ocorreram nos pequenos municípios, que apresentavam uma quantidade de alunos relativamente menor. Verifica-se também que os municípios que apresentaram receitas proporcionalmente maiores perderam recursos devido à não existência de alunos na mesma magnitude.

Esse resultado apresenta um aspecto negativo do sistema de transferências brasileiro adotado para o FUNDEB, na medida em que se pode verificar uma geração de desigualdade, tendo em vista que os pequenos municípios repassam um volume de recursos elevado, proporcionalmente falando, para o fundo, mas não recebem em contrapartida um saldo positivo. Pelo contrário, verifica-se que há uma iniquidade, posto que as transferências incondicionais (como é o caso do Fundo de Participação dos Municípios – FPM) tentam realizar uma redistribuição mais equitativa dos recursos como forma de compensar o custo fixo de estrutura.

Por outro lado, o FUNDEB entende que aqueles municípios que não têm poucos alunos devem contribuir com aqueles que têm mais alunos. Assim, tem-se uma situação em que, por exemplo, o município de Coxixola, com pouco mais de 1.000 habitantes, repassa para o fundo cerca de 2,2 milhões e só recebe aproximadamente 520 mil, desequilibrando o sistema de recebimento de transferência daquela municipalidade.

Para se analisar o flypaper effect, fez-se uma regressão com dados em painéis com os dados dos exercícios de 2009 e 2011. Após testes de validade e consistência do modelo, a melhor estimativa foi a de dados em painéis com efeitos fixo, como dispostos a seguir.

 

Tabela 3 – Resultados da regressão dos efeitos do flypaper na eficiência da educação

Variáveis

Coeficiente

Erro Padrão Robusto*

Teste t

p-valor

Participação da Receita Própria**

0,274

0,112

2,440

0,015

Ganho/Perdas**

-0,125

0,016

-7,840

0,000

Constante

0,758

0,012

65,500

0,000

R² Ajustado

0,477

Teste F (p-valor)

0,000

 

Teste de Chow (p-valor)***

0,000

LM Breusch-Pagan (p-valor)***

0,002

 

Teste de Hausman (p-valor)***

0,019

Quantidade de Observações

416

 

* Erro padrão robusto para heterocedasticidade e autocorrelação serial de Newey-West.

** Estatísticas VIF: participações da receita própria: 1,03; ganho/perdas: 1,03.

*** Modelo de dados em painel com efeitos fixos.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2014).

 

No modelo foram utilizados, como variável dependente, os escores de eficiência e, como variáveis explicativas, participação da receita própria no montante das receitas totais e uma variável dummy para qualificar as perdas e ganhos na divisão dos recursos do FUNDEB.

Pelo que se verifica na Tabela 3, os municípios que possuem receitas próprias relativamente maiores são municípios mais eficientes. Nesse caso, como previsto pela literatura, quanto menor a dependência de recursos de transferência, maior a chance de ocorrer o gasto público com eficiência, haja vista que os gestores são mais comedidos quando estão gastando recursos advindos do próprio município.

Como forma de verificar a validade do modelo, a variável dummy, representada pelos ganhos e pelas perdas de recursos de cada município, revelou que as entidades que recebem mais recursos do que repassam são municípios menos eficientes. Esse fato fica evidenciado no sinal negativo do estimador.

Os resultados revelam que há problemas no pacto federativo adotado pelo Brasil. Assim verifica-se que coexiste uma forma concentrada de arrecadação das receitas públicas e uma descentralização das despesas públicas sob a responsabilidade dos municípios. Assim, o cidadão tem uma falsa ilusão de que não está pagando os impostos diretamente ao município e não teria como exigir melhores práticas. Por sua vez, conforme afirma Strumpf (1998), o gestor se aproveita dessa ilusão fiscal e não é comedido na aplicação dos recursos públicos.

Após a tabulação e a execução do modelo empírico, foi possível testar as hipóteses definidas no modelo teórico. As conclusões sobre as hipóteses foram as seguintes:

 

a) Não rejeição de H1: quanto maior o grau de receitas próprias para financiamento das políticas públicas municipais voltadas para educação, maior a eficiência na alocação de recursos.

b) Não rejeição de H2: quanto maiores os ganhos nos recursos transferidos pelo FUNDEB para financiamento da educação básica, menor a eficiência na provisão de serviços de educação do município.

 

A partir dos resultados da confrontação da mensuração da eficiência da educação com o nível de receitas próprias, foi possível confirmar a hipótese de que a estrutura das transferências condicionais definida para a educação fundamental apresenta uma relação negativa quanto à eficiência dos gastos, evidenciando a existência do flypaper effect nas finanças dos municípios paraibanos. Ou seja, as transferências relacionadas ao FUNDEB destinadas aos municípios provocam uma expansão das despesas governamentais municipais, e, conforme teoria, pressupõe-se um aumento dos gastos significativamente maior do que aquele resultante de aumentos da renda da população.

Não se quer aqui afirmar que todas as transferências intergovernamentais podem gerar resultados negativos, até porque o objetivo desta pesquisa não se propôs a isso. Por outro lado, não há argumentos para afirmar que as transferências devem ser incondicionais. Pelo contrário, pesquisas empíricas afirmam que as transferências incondicionais geram ineficiência, dentro de um escopo teórico testado e bem definido, qual seja, o flypaper effect (Strumpf, 1998). O foco da discussão apresentada, a partir dos achados desta pesquisa, é que a forma particular como se processaram as transferências para a educação fundamental brasileira afetou negativamente a eficiência.

As implicações dos resultados deste trabalho, em síntese, permitem inferir que a utilização intensiva de transferências educacionais de caráter equalizador tem custos e provoca distorções geradas no processo de decisões de gasto público com educação na esfera municipal paraibana. Com efeito, essa maior participação das transferências expande essas distorções, o que de fato caracteriza o efeito flypaper e, de forma especifica para este caso, reflete a ineficiência nos serviços de educação básica dos municípios paraibanos.

 

 

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho investigou a relação entre o sistema de transferência da educação e a eficiência nos serviços de educação básica dos municípios paraibanos. O nível de eficiência utilizado no trabalho foi expresso pelos Indicadores de Desempenho dos Gastos Públicos na Paraíba (IDGPB), oriundos dos resultados obtidos pelos alunos na Prova Brasil.

A metodologia utilizada no trabalho foi a Regressão MQO (Métodos dos Mínimos Quadrados Ordinários) com dados em painéis. Estes foram coletados juntos ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE/PB), referentes às receitas originárias de transferências intergovernamentais e receitas próprias e o índice de eficiência.

Os resultados apontam que 53 municípios em 2009 e 38 municípios em 2011 perderam recursos para outras municipalidades. Essas perdas ocorreram nos pequenos municípios que apresentavam uma quantidade de alunos relativamente menor. Verifica-se também que os municípios que têm receitas próprias maiores em relação aos outros são municípios mais eficientes, e que, apesar disso, algumas jurisdições grandes perderam recursos devido à mobilidade de alunos ou à não existência deles na mesma magnitude em que são feitas as transferências.

De forma geral, os resultados deste trabalho permitem inferir que as transferências educacionais provocam distorções geradas no processo de decisões de gasto público com educação na esfera municipal paraibana e que a maior magnitude das transferências expande essas distorções. Isso de fato caracteriza o efeito flypaper e, de forma específica para este caso, reflete a ineficiência nos serviços de educação básica dos municípios paraibanos.

A eficiência da educação tem várias faces, permeando a capacidade de gestão e as características dos alunos, professores, pais e outros. Porém, especificamente, o foco desta pesquisa foi investigar a forma como os recursos são arrecadados pelo município e qual o respectivo impacto na eficiência. Verifica-se que melhor seria se bases de arrecadação dos municípios fossem amplificadas e se os recursos advindos de outras esferas de governo fossem recursos condicionados, de forma que o gestor tivesse o foco bem definido na aplicação eficiente.   

Não obstante esses resultados, é preciso aumentar o escopo da pesquisa. Propõe-se para próximos trabalhos a utilização de novas variáveis para tal estimação, análise também para outros níveis de escolaridade, não só para mensuração da eficiência, mas para se entender de fato como uma unidade de governo receptora das transferências responde em seu nível de gastos.

 

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[i] Conforme a Teoria do Federalismo Fiscal, a descentralização consiste na detenção autônoma, de cada ente federativo, do poder decisório com respeito às ações tributárias e político-jurídicas.

[ii] Conforme Silva e Lima (2012), a Teoria do Eleitor Mediano é um dos principais instrumentos das análises de decisões coletivas, e evidencia que se os políticos desejam maximizar suas chances de serem eleitos, e se a eleição se decide com base em regra majoritária, então, sob certas circunstâncias, o agente político escolhe uma posição que reflete a mediana da distribuição das preferências dos eleitores. 

[iii] Essa metodologia, baseada em programação linear, foi desenvolvida para estabelecer uma medida de eficiência relativa entre unidades distintas, considerando sua proximidade a uma fronteira de eficiência.

[iv] Disponível em http://idgpb.tce.pb.gov.br/