ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE
Terceirização e Precarização do Trabalho na Política Pública de Assistência Social
Outsourcing and Precarization of Labor in the Public Policy of Social Assistance
Maria Erica Ribeiro Pereira
Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade / Universidade Estadual do Ceará
Professora / Universidade Estadual do Ceará
http://lattes.cnpq.br/7149021513719309
Mônica Mota Tassigny
Doutorado em Educação / Universidade Federal do Ceará. Doutorado / Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris)
Professora / Universidade de Fortaleza
http://lattes.cnpq.br/4109325305631925
Fabiana Pinto de Almeida Bizarria
Doutoranda em Administração / Universidade de Fortaleza
Psicóloga / Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
http://lattes.cnpq.br/0008637422329772
Resumo: A Constituição Federal de 1988 elevou a Assistência Social (AS) à condição de política pública. Os anos seguintes revelam avanços legais significativos que a referendam como direito e ampliam discussões em torno do seu processo de trabalho. Esta pesquisa busca analisar a gestão do trabalho na AS, no que tange à terceirização. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica e documental, com base em leitura qualitativa e inspiração no materialismo histórico. Observou-se que a AS possui um conjunto de normas (NOB/RH/SUAS, de 2006; Tipificação Nacional de Serviços, de 2009; Lei 12.435/2011; NOB/SUAS, de 2012) que institui parâmetros de profissionalização, capacitação, desprecarização dos vínculos, com foco especial no fim da terceirização, e condições dignas de trabalho em seu âmbito, representando os meios e instrumentos da gestão do trabalho. Contudo, as condições materiais e institucionais indicam dissonância entre os elementos legais e a realidade dos laboradores, os quais convivem com a persistência da precarização do trabalho e dos trabalhadores. A precarização ligada à terceirização está acoplada ao aprofundamento de estruturas improvisadas e insuficientes; rotatividade, superexploração dos terceirizados, o que compromete a qualidade dos serviços oferecidos aos usuários, à medida que a terceirização coloca os direitos mediados por duas instituições distintas, em uma mistura idiossincrática entre o público e o privado, podendo descaracterizá-la como espaço de direito. Destarte, constata-se um paradoxo na política: a tentativa de garantir direitos aos usuários, mediados por trabalhadores precarizados.
Palavras-Chave: Assistência Social. Trabalho. Terceirização. Precarização.
Abstract: The Federal Constitution of 1988 elevated Social Assistance (SA) to the condition of public policy. The following years revealed significant legal advances that refer it as a right and broaden the discussions around its working process. This research seeks to analyze the work management in the SA, concerning the outsourcing. For that, a bibliographical and documentary research was done, based on qualitative reading and inspired by historical materialism. It was observed that the SA has a set of norms (NOB / RH / SUAS, of 2006, National Typification of Services, of 2009, Law 12.435 / 2011, NOB / SUAS, of 2012) that establishes parameters of professionalization, improvement of connections, with a special focus on the end of outsourcing, and decent working conditions in its scope, representing the means and instruments for work management. However, the material and institutional conditions indicate a dissonance between the legal elements and the reality of the workers, who live with the precariousness of work and the workers. The precariousness linked to outsourcing is coupled with the deepening of improvised and insufficient structures; turnover, overexploitation of outsourcers, which compromises the quality of services offered to users, as outsourcing the rights mediated by two distinct institutions in an idiosyncratic mix of public and the private, and can deprive it as a space of law. Thus, there is a paradox in politics: the attempt to guarantee rights for the users, through deteriorated working conditions..
Keywords: Social assistance. Job. Outsourcing. Precariousness.
Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br
Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br
Introdução
A terceirização surgiu como uma das estratégias de exploração da força de trabalho, no âmbito público e privado. Tratá-la no campo das políticas sociais públicas é uma necessidade, para que se possa compreender suas configurações no âmbito dos equipamentos estatais da Assistência Social brasileira. Esta tem galgado avanços significativos nas últimas décadas, fruto de um processo, cujos marcos são o seu reconhecimento como política pública de seguridade social na Constituição Federal de 1988, e sua regulamentação, em 1993, por meio da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS).
Desde então, normatizações como NOB/RH/SUAS (2006), Tipificação Nacional de Serviços (2009), Lei 12.435/2011, NOB/SUAS (2012) indicam avanços e retrocessos e deram tônica à política que se reconfigura. Nos anos 1990, a Administração Pública brasileira aderiu aos preceitos neoliberais que marcaram profundamente as políticas sociais públicas. Destarte, focalização, seletividade, programas de transferência de renda, terceirização dos serviços para empresas e organizações sociais são o contraponto aos avanços, especialmente, nos anos 2000, quando a política busca se conectar com as requisições sociais do presente e firmar-se como uma obrigação estatal.
Para além da dicotomia (avanços legais e preceitos neoliberais), o questionamento das bases tradicionais da Assistência Social brasileira possibilitou conquistas na estrutura de sua gestão, na percepção e concepção do público usuário, na sua função em frente a outras políticas e atores sociais, além de ter priorizado a garantia de direitos mediante serviços socioassistenciais de qualidade, que tem no trabalhador da assistência o mediador privilegiado.
Tal reconhecimento enfrenta entraves à condução da gestão do trabalho em condições de qualidade, reconhecendo o trabalhador como sujeito de direitos. Essa questão é chave na área dos serviços socioassistenciais, no sentido de não colocar para atuar junto a um público em situação de risco e vulnerabilidade social laboradores que tem condições de trabalho precárias. Especificamente, trata-se de não viabilizar direitos à custa dos direitos de quem os efetiva.
A problemática levantada advém de uma realidade específica da Assistência Social, historicamente espaço do não trabalho, mas que tem bases, sobretudo, no modo de constituição do trabalho atual. Vive-se contemporaneamente a era da precarização, marcada pelo alto nível de exploração do trabalhador, uso intenso de tecnologias informacionais e de gestão, que culminam na elevação do desemprego e no subemprego. Ademais, registra-se uma tentativa de romper com a centralidade do trabalho como elemento formador da sociabilidade humana, desconstruindo a identidade do trabalhador com os seus pares, docilizando-o, adestrando-o aos ditames do regime de exploração vigente (Antunes, 2001; Alves, 2007, Harvey, 2012; Pochmann, 2008).
A terceirização, nesse contexto, pode representar uma das tecnologias de elevação da extração de mais-valia, ampliação de ganhos empresariais, redução de custos de produção com o fator trabalho e fragmentação de riscos, mediante a contratação de empresas terceirizadas para efetivar as atividades-meio da Assistência Social, ao tempo que esta se foca em sua atividade-fim, ou seja, na razão social de sua existência (Pochmann, 2012). Seu uso, em países de economia central, foi justificado pela melhoria da qualidade da atividade-fim da empresa (sua especialidade), à medida que contratava terceirizadas para a realização de atividades-meios, qualificando todo o processo produtivo (Thébaud-Mony & Druck, 2007).
Contudo, no Brasil, ela é usada especialmente para baratear os custos com a força de trabalho, desconsiderando, pois, o caráter de melhoria do processo produtivo. Em outros termos: a terceirização brasileira é usada, quase exclusivamente, para taxar os trabalhadores, porque é marcada pelos baixos salários, elevado nível de doenças no/do trabalho, elevação de horas trabalhadas e da rotatividade em relação aos não terceirizados (Pochmann, 2008; Alves, 2015).
A partir disso, questiona-se neste artigo: Quais as implicações da terceirização no âmbito da Política de Assistência Social? Para tanto, objetiva-se analisar a gestão do trabalho na Assistência Social, no que tange à terceirização.
Desde a sua regulamentação, a Assistência Social conseguiu fazer-se presente em todos os municípios brasileiros, consolidando a figura estatal na referência dessa política social pública nesses territórios. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como órgão gestor, possibilitou tais avanços, especialmente, com os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS).
Os desafios da consolidação da Assistência Social nos municípios brasileiros e que, em certa medida, permeiam o processo de aprimoramento do sistema dizem, especialmente, sobre três aspectos: a política, os usuários e o trabalhador da Assistência Social. Esse tripé, fundamental para se pensar a Assistência Social, vem sendo redefinido, firmando-se como direito e ou sujeitos de direito, respectivamente, conquanto barreiras, contradições e paradoxos resistam aos processos mais amplos para assegurar direitos dos envolvidos.
Portanto, faz-se necessário debater e colocar em evidência a gestão e os processos de trabalho dentro da política, voltando-se para romper com condições improvisadas e insuficientes, atitudes e visões acríticas, a desprofissionalização, a pouca ou má capacitação, entre outros aspectos. Trata-se, pois, de, ao reconhecer a centralidade do trabalhador da Assistência Social na garantia de direitos aos usuários dos serviços socioassistenciais, questionar os elementos conservadores persistentes no âmbito dessa política – primeiro-damismo, clientelismo, improviso, entre outros (Pereira, 2015), e, especificamente, a terceirização e a precarização.
Afirma-se isso após análise do Censo do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de 2015 que, ao trazer informações sobre os principais espaços de atendimento estatal no campo socioassistencial - CRAS, CREAS e CENTROS POP (aparelhos públicos destinados ao atendimento da população em situação de rua), apontam que, 51,5%; 46% e 55,2% de trabalhadores de CRAS, CREAS e Centros POP, respectivamente, estão em desacordo com a NOB/RH/SUAS, pois trabalham com vínculos não permanentes.
2. Caminhos Metodológicos
O ato de pesquisar mostra-se como um desafio de desvelar o real para além de sua imediaticidade do cotidiano; para tanto, requisita um caminho metodológico adequado, segundo as exigências dos objetivos escolhidos e do objeto a ser estudado para guiar esse desvelar.
Partindo desse pressuposto, define-se como método de pesquisa o materialismo histórico. Este, na concepção de Marx e Engels (2007), compreende uma determinada forma de apreender e interpretar o mundo, quando elementos sociais interligam-se ao pensar e o ao agir no curso das suas histórias. Nesse sentido, a realidade social manifesta-se na concretude das condições de existência, marcada pela luta de classes. Assim, o método dialético busca perceber as relações reais (histórias e sociais) na práxis social (relações concretas), por meio de como os seres humanos a interpretam.
Segundo Paulo Netto (2011), esse método parte de questionamentos, de um esforço de compreensão da realidade social concreta, apresentada ao sujeito-pesquisador em uma trama de relações complexa. O questionamento inicial prepara um caminho de ida, no sentido de elucidar o problema, ou seja, a questão que fomenta o pesquisador em sua jornada. À medida que se avança na compreensão do problema pesquisado, chega-se a determinações mais simples, as quais possibilitam a realização do caminho de volta, o retorno ao questionamento inicial, porém com clareza sobre a sua relação com o todo.
A natureza deste estudo é qualitativa, por se constituir uma abordagem utilizada, principalmente, quando se visa a entender um fenômeno social (Richardson, 1999). Além disso, a investigação é bibliográfica e documental (Gil, 2007). Esta é indicada no quadro 1, com a definição das bases de dados pesquisadas.
Quadro 1- Base de dados e respectivas informações coletadas
Base De Dados |
Informações |
Ano |
DIEESE |
Histórico da terceirização, possibilidades de terceirização no Ente público. |
2007 |
CUT |
Projetos sobre a terceirização. |
2009 |
CUT/DIEESE |
Números da terceirização no Brasil, condições de trabalho dos terceirizados. |
2014 |
CENSO SUAS 2009, 2014, 2015 |
A condição de trabalho na Assistência Social e número de terceirizados. |
2010, 2015 e 2016 |
Fonte: Elaboração própria (2016).
No desenvolvimento deste trabalho, durante o caminho de ida, elegeram-se categorias de estudo visando ao detalhamento do objeto em sua transitoriedade e em seu tempo histórico (quadro 2, figura 1). Para melhor apreciar a ida, considerou-se a tipologia de Minayo (1994) em relação à categorias de análise, no caso, a) as analíticas, que trazem as relações sociais fundamentais historicamente construídas e podem ser bases ao conhecimento do objeto em seus aspectos gerais. Estas trazem em si variados níveis de abstração, generalização e de aproximação; e b) as empíricas, que são construídas visando à operacionalidade do estudo, miram ao trabalho de campo ou emergem a partir deste. As categorias analíticas que balizam este estudo, com suas respectivas fontes, estão expressas no quadro 2.
Quadro 2 – Categorias analíticas da pesquisa e os principais autores utilizados
Categoria |
Fonte |
1 Gestão do trabalho na Assistência Social |
Raichelis (2011), Behring (2008), Yazbek (2012) |
3 Trabalho e terceirização na Assistência Social |
Pochmann (2008, 2012), Thébaud-Mony e Druck (2007), Antunes e Druck (2015), Harvey (2012); Antunes (2001), Sarat, Silveira e Morais (2008), Alves (2007, 2015), Marx (1994) e Pereira (2015). |
Fonte: Elaboração própria (2016).
Utilizam-se como categorias empíricas (figura 1) para compreender a terceirização e suas implicações no conjunto dos profissionais: a) as condições materiais e institucionais do trabalho os meios e instrumentos da gestão do trabalho.
Figura 1 - Contexto de Análise da Terceirização e da Precarização do trabalho na Política Pública de Assistência Social
Fonte: Elaboração própria (2016), com base NOB/RH/SUAS (2006), Tipificação Nacional de Serviços (2009), Lei 12.435/2011, NOB/SUAS (2012)
As categorias empíricas expressas na figura 1 foram desenvolvidas com base na leitura do Contexto de Produção de Bens e Serviços (CBPS) (Ferreira; Mendes, 2008), especificamente em relação às condições de trabalho, constituída pelos elementos estruturais presentes no lócus de produção e que caracterizam sua infraestrutura e apoio institucional. Os meios e os instrumentos são definidos em função da organização do trabalho, que é constituída pelos elementos prescritos que expressam as concepções e as práticas de gestão do trabalho presentes no lócus de produção e que balizam o seu funcionamento (Ferreira; Mendes, 2008).
Frisa-se, ainda, que esta pesquisa assume a não neutralidade, embora busque-se à objetivação no estudo (Japiassu, 1981). Nesse ponto, acredita-se que mesmo quando se orienta por métodos rigorosos, a subjetividade do pesquisador estará orientando o desenvolver do trabalho, o que não o invalida, apenas peculiariza a sua natureza (Minayo, 1994).
3. A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
O trabalho é a ontologia do ser social (Lukács; 1979). Trata-se, pois, do meio pelo qual o ser humano, ao transformar a natureza e interagir com seus pares, constroem as teias de relações sociais, em um processo dialético (Marx, 1994). Essa relação homem-natureza mediada pelo trabalho tem sua base na liberdade de escolha dos indivíduos, a qual é alienada no modelo social capitalista, quando se faz a distinção entre os que têm os meios de produção (capitalistas) e os destituídos de tais meios (trabalhadores). Destarte, a força de trabalho é colocada como mercadoria e a classe trabalhadora submetida a um processo de exploração, voltado à sua reprodução social em troca do salário, produzindo a mais-valia, a fonte de riqueza dos capitalistas (Marx, 1994).
Com o capitalismo e suas crises cíclicas, alteram-se as formas de estruturação da extração da mais-valia, dando sequência ao sistema de exploração do trabalhador (Harvey, 2012). Esta se afirma no que Alves (2007, p. 111-112) denomina precariedade e precarização do trabalho. O primeiro, uma “condição sócioestrutural que caracteriza o trabalho vivo e a força de trabalho como mercadoria”. O segundo, “um processo que possui uma irremediável dimensão histórica determinada pela luta de classes e pela correlação de forças políticas entre capital e trabalho”. Nesse caso, a precarização vem repor as formas históricas de precariedade social do trabalho referente à mercadorização da força de trabalho.
É nesse processo de reposição das formas de precariedade social que a própria classe trabalhadora vai sendo ampliada. Se antes Marx (1994) tratava do operariado industrial como componente desta, atualmente a precarização se espraia atingindo não somente os que lidam com o primeiro setor da produção ou os que estão na esfera privada, mas todos aqueles que estão destituídos dos meios de produção e vendem sua força de trabalho para viver.
Assim, hodiernamente, tem-se um conceito ampliado de classe trabalhadora. Na definição de Antunes (2001), a classe que vive do trabalho é constituída pela totalidade dos assalariados, tanto os produtivos quanto os improdutivos. São excetuados desse grupo os que vivem de juros e de especulação, os gestores do capital, os pequenos empresários, a pequena burguesia urbana e rural proprietária e detentora, mesmo em pequena escala, dos meios de produção.
Para Thébaud-Mony e Druck (2007), a terceirização é um fenômeno que remonta ao início do capitalismo, mas que se propaga nos anos 1970, com a mundialização do capital e a adoção dos parâmetros de reestruturação produtiva, sob a batuta do modelo japonês de produção. Isso faz com que a terceirização seja um fenômeno velho e, ao mesmo tempo, novo. Em outra linha, Sarat, Silveira e Morais (2008) entendem-na como um fenômeno advindo da segunda metade do século XX, como um processo ligado à necessidade de aumento da qualidade e da competividade das empresas.
A terceirização tem, segundo Carelli (2007), suas protoformas no Brasil ainda no início do século XX, quando o Código Civil de 1916 previa a contratação por meio de empreitada. Contudo, de modo explícito e direto o estatuto jurídico que inicialmente diz sobre a terceirização é o Decreto-Lei número 200, de 25 de fevereiro de 1967, aplicável a toda administração pública federal e nas suas contratações de serviços. Nesse documento, a justificativa para a adoção da terceirização se reporta ao enxugamento de quadros e à suposta capacitação do ente terceiro no desenvolvimento das atividades antes de competência da esfera estatal federal.
Os anos 1990 são propulsores da terceirização no país. Nesse momento, o Brasil se insere na divisão internacional do trabalho de modo cada vez mais especializado na produção e na exportação de bens de menor valor agregado, reduzido conteúdo tecnológico e intensivo uso da mão de obra de baixo custo (Pochmann, 2008). É o período no qual as políticas neoliberais promoveram a reestruturação do capitalismo brasileiro, com impactos no mundo do trabalho, principalmente com o crescimento do desemprego (Alves, 2014).
O contexto nacional de adoção da terceirização como estratégia de modernização da economia, qualifica o processo produtivo visando à sua entrada no contexto da globalização, o que se revelou como a principal estratégia de corte de custos do trabalho nos anos 1990. Com foco nos custos, terceirizar, representa a “contratação de trabalhadores com remuneração e condições de trabalho inferiores aos postos de trabalho anteriormente existentes” (Pochmann, 2012, p. 109). Com isso, os problemas sociais se tornaram mais graves pela desestruturação do mercado de trabalho de um lado e do avanço da polarização social do outro, bem como o estancamento da evolução da renda per capita dos trabalhadores, dadas a medidas de ajustes das finanças governamentais. Neste processo, priorizou-se o atendimento dos contratos do endividamento público–financeiro em detrimento dos compromissos sociais (Pochmann, 2008).
A terceirização no Brasil se efetiva na década de 1990, quando o país passa a implementar as determinações advindas do Consenso de Washington de 1989, as quais informavam promover a aceleração da modernização dos países de economia em desenvolvimento. Dentre as medidas adotadas, estavam à privatização, à flexibilização e redução dos gastos públicos, na tentativa de elevar a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional e na suposta promoção do desenvolvimento, por meio do afastamento do Estado da regulação social (Behring, 2008).
Nesse contexto de modernização, o neoliberalismo é o componente político constitutivo da lógica da precarização do trabalho que se impõe à reprodutibilidade capitalista e que transcende a forma de governo, impondo-se como uma política de Estado, em por isso, independentemente do governo, a dinâmica neoliberal continua se impondo. Na agenda neoliberal, ainda, “a constituição da precariedade e o processo de precarização do trabalho é reflexo da nova estatalidade política neoliberal que surge com o capitalismo global” (Alves, 2007 p.149). Mesmo que seja um Estado promotor de desigualdades, à medida que coloca os interesses do capital acima dos direitos dos demais, mantém-se pela amplitude de sua ação de ideologização.
A Reforma da Gestão Pública ou reforma gerencial do Estado viria para superar o modelo burocrático com a adoção de mecanismos de mercado. Trata-se de uma reforma administrativa acoplada a uma reforma de Estado. A primeira representa uma revisão dos mecanismos administrativos e técnicos adotados para viabilizar a intervenção pública. E a segunda descreve mudanças na estrutura, posição e forma de intervenção do Estado na sociedade, enfocando ideologias, forças políticas e legitimidade (Bresser Pereira,1997; Abul-El-Haj, 2010).
Demonstrando uma confusão no tocante ao seu entendimento do Estado e sobre os rumos a serem impressos no país a partir da adoção do neoliberalismo, em um contexto de recente aprovação de uma constituição cidadã, os reformadores defendiam a construção de um: “(...) Estado Social-Liberal: social porque continuará a proteger os direitos sociais e a promover o desenvolvimento econômico; liberal, porque o fará usando mais os controles de mercado e menos os controles administrativos” (Bresser Pereira, 1997, p. 18).
Nesse sentido, era preciso delimitar as atividades da administração pública, as quais devem ser divididas entre (a) as atividades exclusivas do Estado; (b) os serviços sociais e científicos do Estado; e (c) a produção de bens e serviços para o mercado. E dentro de cada um deles suas atividades principais e as auxiliares ou de apoio. Nessa perspectiva gerencial, as atividades exclusivas devem naturalmente, permanecer dentro do Estado. Distinguindo-se, verticalmente, no topo, um núcleo estratégico, e, horizontalmente, as instituições executoras, as secretarias formuladoras de políticas públicas, as agências executivas e as agências reguladoras (Bresser-Pereira, 1997).
Da agenda neoliberal à reforma gerencial, a privatização foi justificada pela suposta incapacidade do Estado em gerir e investir em áreas para as quais o setor privado está mais preparado. As privatizações foram realizadas em duas fases: a primeira, de 1991 a 1994, promoveu a venda de empresas públicas industriais e, a segunda de 1995 a 1999, viabilizou a transferência de setores de utilidade pública e bancos públicos ao setor privado (Abul El-Haj, 2010).
Os serviços públicos e a privatização do Estado se mostram por meio dos fundos públicos ou pela gestão terceirizada das atividades de fornecimentos de bens e serviços públicos. O setor privado foi um dos grandes beneficiados pela natureza mais mercantilizada de funcionamento do Estado no Brasil. Assim, “no contexto macroeconômico de baixo crescimento da economia, com alto desemprego e a precarização dos postos de trabalho, houve rápida deterioração do tecido social.” (Pochmann, 2008, p. 192). Consequentemente, imbuídos pela justificativa da efetividade, eficácia e eficiência na gestão pública, vinculada a um padrão gerencialista, chega-se aos anos 2000 com o campo aberto para a terceirização no campo público.
Como retrato do número de pessoal na administração pública direta e indireta recorre-se ao IBGE, especificamente, a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), 2015, que verifica haver, em 2015, 6.549.551 trabalhadores. Comparando com dados de 2005 (em 2005, era 4.767 602), identifica-se um crescimento de 37,4% nesses 10 anos.
Quanto ao tipo de vínculo empregatício deste pessoal, constatou-se que 62,7% desse pessoal são estatutários, 7,9% são celetistas, 8,3% ocupam cargos comissionados, 2,5% são estagiários e 18,6% estão sem vínculos permanentes. Chega-se ao ano de 2015, com o amplo uso da terceirização pelos municípios. A contratação para execução de serviços de responsabilidade da administração pública estava presente em 85,6% (4.769) dos municípios (IBGE, 2012).
3.1. Terceirização e Direitos de Mediadores de Direitos: uma tensão permanente
As políticas sociais públicas foram as mais atingidas com o processo de reforma gerencial do Estado. A Assistência Social, nesse caso, vivenciou a precarização de suas possibilidades de ação junto ao seu público usuário, antes mesmo de se firmar como política pública. Assim, dada sua legitimação tardia em relação às demais políticas de seguridade social, os anos 1990 a reduzem a uma concepção de direito de cidadania de segunda classe.
Nos anos 2000, estruturou-se uma política “fundada em programas focalizados de transferência de renda, que inviabiliza a democratização da assistência social prevista no SUAS” (Moljo & Duriguetto, 2012, p.11), dando continuidade ao seu perfil dos anos 1990, sob nova roupagem. Ou seja, avança-se nos marcos legais, mas o cotidiano revela forte resistência à sua efetividade.
Ressalta-se que o SUAS é constituído por instituições públicas e privadas sem fins lucrativos no desenvolvimento de ações de garantia ou não de direito para a população demandante de Assistência Social. Trata-se de uma mistura que, nem sempre, favorece a garantia de direitos à população usuária e as condições de trabalho dignas para o trabalhador.
Quanto à terceirização, pode-se informar que ela é atualmente reforçada no Estado, principalmente, por meio de parcerias com organizações sociais sem fins lucrativos. Como não possuem autossuficiência para realizar tais ações em paralelo ao Estado e ao mercado, conforme apregoam seus idealizadores, restam-nas recorrer ao Estado para financiar suas ações. Desta feita, atualmente, elas disputam o fundo público, assim como as empresas privadas terceirizadas e os entes públicos.
Segundo estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (2014) com gestores públicos federais, a decisão por instituir políticas públicas mediante cooperação com ONGs se dá em função da expertise das organizações, ampla rede de atuação das ONGs e capilaridade territorial, na perspectiva de ampliar a legitimidade da política pública, suprimindo a falta de quadros da burocracia para a implementação e a proximidade das demandas dos beneficiários diretos da ação.
Esses mesmos atores, ao compararem a burocracia estatal e as ONGS, compreendem que estas têm mais celeridade nos repasses e execução dos recursos públicos, mais flexibilidade comparativa, além de apresentarem mais compromisso com as políticas, dada a sua vocação existencial associada aos temas que embasam os programas governamentais, maior liberdade na gestão dos recursos e estruturas funcionais enxutas e ágeis (IPEA, 2014). Quanto à burocracia, ela ganha nos quesitos estabilidade de quadros o que dá continuidade as ações e melhores condições estruturais de desenvolvimento das ações.
Se hoje elas podem ser parceiras ou concorrentes com o governo, sua justificativa inicial era outra. Assim, “são concorrentes quando disputam os recursos federais com os governos subnacionais; são parceiras quando levam a cabo as ações, no nível local, com recursos que são repassados aos governos estaduais e municipais” (IPEA, 2014).
Segundo Bezerra e Duriguetto (2012), essas ações tomam corpo como ente paralelo ao Estado e ao mercado, constituindo o terceiro setor, que, por vezes, era confundido com a própria sociedade civil. Isso a coloca sob um duplo viés: uma tendência regressiva, que se embasa na defesa do mercado como regulador da sociedade; e uma intenção progressista, que concebe terceiro setor, travestido de sociedade civil, como espaço de interação social, numa relação simbiótica entre o público e o privado. Assim,
No campo das políticas sociais, essas organizações e suas ações ideológicas são fomentadas por ideologias que propagam uma desconfiança do Estado, tido como ineficiente e burocrático, e uma confiança na sociedade civil (leia-se terceiro setor), considerada mais democrática e próxima da população (Bezerra & Duriguetto, 2012, p. 77).
As organizações que compõem o chamado terceiro setor assumem variadas formas. Pesquisa realizada, em 2013, pela Fundação Getúlio Vargas e pela Secretaria da Presidência da República, constatou haver 303 mil Organizações da Sociedade Civil (OSCPs) em atividade no Brasil, em 2011. Consideraram-se como OCSs as associações privadas, fundações privadas, fundação ou associação estrangeiras, organização religiosa, fundação ou associação domiciliada no exterior e comunidade indígena (Brasil, 2014).
Quanto ao potencial de geração de emprego e renda dessas instituições, constata-se haver 2,1 milhões de vínculos, porém 70% das instituições não possuem nenhum vínculo de trabalho formal. Trata-se, pois, de trabalho voluntário ou não regulado. Dentre as organizações identificadas no estudo acima referenciado, 6,26% daquelas com mais de 100 vínculos empregatícios estão exercendo ações de assistência social (Brasil, 2014). Tal fato constata esses espaços como possíveis absorvedores de mão de obra, não necessariamente regulamentada e sob a proteção trabalhista exigida.
Nesse ponto, é preciso reforçar que a terceirização strictu sensu na Administração Pública brasileira é legalizada para as atividades-meios de dado órgão ou instituição. Contudo, vê-se a criação de uma série de estratégias de terceirização em sentido amplo dos serviços sociais públicos, como meio de contornar legalmente essa determinação. E, atualmente, o recurso às organizações sociais é uma das mais utilizadas.
Para as empresas, a terceirização é justificada pelas inovações organizacionais e gerenciais; concentração de esforços no que é definido como vantagem competitiva, transferindo à terceira as atividades de apoio, ou mesmo de produção; redução de custos ou transformação de custos fixos em custos variáveis; simplificação dos processos produtivos e administrativos; a empresa terceirizada sempre encontra soluções mais criativas e menos onerosas, eliminando desperdício e comodismo, característico das empresas-mães (Dieese, 2007).
Para as organizações sociais que integram o chamado terceiro setor, a terceirização, é compreendida como um meio de colaborar com o desenvolvimento social do país acessando o fundo público, considerando que a maioria delas não são autossuficientes financeiramente.
Para os trabalhadores, computam-se perdas. Pode-se afirmar que essa realidade está intimamente relacionada à nova morfologia do trabalho, sua forma de ser, caracterizado por sua condição multifacetada, produto das variadas mutações no processo produtivo, e, por conseguinte, no Estado, a partir dos anos 1970. Essas mutações dizem sobre a terceirização, subcontratação, vagas temporárias que se ampliam (Antunes, 2001).
Quanto à terceirização, concorda-se com Gusmão (2008), ao enfocá-la no âmbito do Estado como meio de reestruturá-lo para o mercado, flexibilizando o trabalho, ampliando os tipos de ingresso de servidores públicos, o que redunda em precarização e elevação do controle e intensificação do trabalho. Além disso, estimula-se fragilização das organizações dos trabalhadores, bem como se reforça o Estado patrimonialista, pois as contratações e a execução de serviços ficam mais vulneráveis ao uso de práticas clientelistas e nepotistas.
Pereira (2015) defende que há uma mistura paradoxal entre o público e o privado, conformando uma espécie de privatização indireta, a qual se coloca como entrave ao acesso de direitos à medida que esses não estão a cargo somente do Poder Público, eles precisam da intermediação do setor privado para que sejam acessados. Isso fragiliza os serviços, tanto do ponto de vista material – a burocracia nos contratos entre as entidades envolvidas, por vezes, interfere na continuidade e na qualidade dos serviços prestados - e do ponto de vista simbólico – a ideia de intermediação por outra entidade que não o Poder Público enfraquece a noção de dever do Estado em promover o serviço.
Para Thébaud-Mony e Druck (2007, p.50-51),
[...] a terceirização cria uma perversa relação de poder entre os próprios trabalhadores, casos em que o empregado efetivo torna-se “chefe” do subcontratado, pressionando-o, a mando da empresa, a executar tarefas perigosas ou que exigem maior esforço físico, numa clara discriminação em relação ao trabalho “sujo” que caberia aos terceirizados realizar.
Na Administração Pública, essa relação é evidenciada. A relação desigual entre os trabalhadores se dá de variadas formas: área de formação, níveis de escolaridade, salários e tipos de contrato, hierarquizando os processos de interação entre estes, redundando em fragilização dos processos de negociação e confronto das investidas contra os seus direitos. Isso é favorável ao sistema e altamente prejudicial à prestação de serviços públicos (Pereira, 2015, p. 38).
Segundo Alves (2015), trata-se da predação de direitos dos trabalhadores e benefícios trabalhistas e da corrupção da coisa pública que prolifera nos contratos de terceirização do setor público no Brasil. Isso redunda no aumentando de custos à sociedade, por empobrecer trabalhadores e reforçar a concentração de renda no país. Ademais, constata-se desvio de dinheiro do fundo público, as fraudes em licitações, evasão fiscal, focos de corrupção, aumento das demandas trabalhistas e previdenciárias, entre outros custos como a tão propagada competitividade, mas com a perda da qualidade de serviços e produtos.
3.2. Direitos Mediados na Assistência Social e a Terceirização
A Assistência Social vem avançando no processo de constituição como política pública de direito do cidadão e dever do Estado. Atualmente, o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) está presente em quase todos os municípios brasileiros. Sua base legal busca romper com os elementos de precarização dentro da política, entendendo-a como um campo de serviços, e, como tal, enfrenta elementos que lhe são próprios e outros estruturais e conjunturais cujas expressões implicam a toda a classe que vive do trabalho (Antunes, 2001).
A Assistência Social garante direitos sociais por meio de um conjunto de programas, projetos, benefícios e serviços socioassistenciais. Os seus trabalhadores são os agentes de materialização desses direitos usando ferramentas (conhecimento, estrutura) que possibilitam fazer com que aquilo que é legalmente asseverado chegue ao usuário final (Pereira, 2015).
Como meio de dissociar a execução das ações de cunho socioassistencial de seus espaços de referência estatal e do uso do recurso do servidor público estatutário na condução destes, muito se tentou enfocar tais ações como passageiras, deslocadas de sua condição matriz, cujas bases estão na produção coletiva de riquezas ao tempo que coletiviza a pobreza.
Assim, é preciso reforçar que os benefícios, programas e projetos no âmbito da política estão intimamente relacionados com os serviços nela prestados. Afirma-se isso analisando o público usuário que, geralmente, acessa a totalidade dessas ações. Dessa forma, devem-se reafirmar os serviços como “atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas”, os quais têm a complementaridade dos benefícios eventuais, os quais são “provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do SUAS e são prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública” (Brasil, 2011, p. 23).
Mesmo os programas - “ações integradas e complementares com objetivos, tempo e área de abrangência definidos para qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais.” (Brasil, 2011, p. 23) - estão orientadas para um público que não goza das condições necessárias para se manter em uma sociedade desigual. Nesse sentido, dada a base social de requisição destes programas, que não é passageira em um contexto de manutenção da sociedade capitalista, embora os programas mudem, eles os fazem para se adequar às condições sociais que geraram sua necessidade, as diversas formas de desigualdade, cuja raiz é comum: a apropriação privada dos frutos coletivamente produzidos (Marx, 1994). Ou seja, mesmo os programas, têm um caráter constante, ainda que estes sejam alterados, modificados para dar conta da realidade dos sujeitos que estão em situação de risco e vulnerabilidade social.
Embora o público usuário da Assistência Social tenha sido ampliado, ultrapassando o tradicional assistido por estar fora do mercado de trabalho, hoje ele engloba os trabalhadores que estão trabalhando, mas não ganham o suficiente para se manter. Logo, a classe trabalhadora, ainda é, sim, o maior demandante desta política.
Essa camada social não é transitória. É uma (re)construção social cotidiana como uma necessidade dentro do sistema capitalista. O que se defende aqui é que na mediação dos direitos desses sujeitos deve-se respeitar o artigo 37 da Constituição Federal de 1988 que prevê a admissão de pessoal dentro da administração pública por concurso público, respeitando assim os seus princípios de impessoalidade, moralidade, eficiência, legalidade e publicidade.
Quanto aos serviços, Muniz (2011) reforça que eles são executados em uma unidade física, onde são prestados ou aos quais se vinculam. As atenções podem até se deslocar para domicílios ou outros espaços, como é o caso do serviço de proteção social básica no domicílio para pessoas com deficiência ou idosas ou ainda o serviço especializado em abordagem social, mas sempre terão uma unidade física de referência.
Releva-se que as ações desenvolvidas se diferenciam quantos aos níveis de proteção social e aos espaços nos quais estão sendo efetivados. Por se ter como foco as ações executadas nos espaços estatais, deter-se-ão aos CRAS e aos CREAS, os quais requerem profissionais competentes, comprometidos e capacitados para realizá-las.
3.2.1 Os Mediadores de Direitos no Contexto da Terceirização
Para analisar o impacto da terceirização na gestão do trabalho da Assistência Social, recorre-se aos elementos legais conquistados e seus impactos nesse grupamento laboral, visando demonstrar seus impactos em a) condições materiais, institucionais, e b) meios e instrumentos necessários ao adequado exercício profissional.
Inicialmente, é preciso reforçar que a existência da terceirização na Assistência Social, seja por meio de organizações sociais seja mediante empresas, já desrespeita o marco legal da política no tocante aos recursos: a NOB/RH/SUAS. Esta norma expressa como um dos seus elementos-chave romper com a terceirização em seus quadros, pressupondo que, no contexto da terceirização, a precarização é regra por corroer o trabalho via ampliação da extração de mais-valia (Antunes & Druck, 2015).
Essa normativa tem impulso com a regulamentação do SUAS, em 2011, que estabeleceu as ações no âmbito dos serviços socioassistenciais. Assim, analisa-se a NOB/RH/SUAS como o elemento primordial de garantia de uma gestão do trabalho qualificada por colocar em pauta a necessidade de desprecarizar os vínculos e mirar na possibilidade de construção de uma carreira na política.
Ao mesmo tempo, a complexidade de conformação de uma política pública de assistência social de qualidade, a qual somente é possível com a estruturação de ambiente propício a tal projeto, em 2009, a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais definiu os serviços, as ações e as condições ambientais, materiais, recursos socioeducativos de desenvolvimento das ações. Além disso, reforça a constituição de recursos humanos, segundo a NOB/RH/SUAS.
Conforme a questão foi se processando, mais avanços foram conquistados. Um deles é a atualização da LOAS à conjuntura da contemporaneidade, mediante a Lei 12.435/2011, a qual regulamenta o SUAS e nesse coloca a gestão do trabalho como estratégica na condução dos direitos socioassistenciais. Devido tais alterações, a Resolução CNAS n.º 17, de 2011, reafirma as equipes de referência apontadas na NOB/RH/SUAS, de 2006. Até então, mantinha-se a orientação da norma, que previa somente os assistentes sociais, psicólogos e advogados como profissionais passíveis de atuarem nos níveis protetivos.
Essa norma por si só não modifica o perfil de ingresso e efetivação da questão do trabalho na Assistência Social. Desta feita, em 2012, a NOB/SUAS coloca a questão do trabalho como um dos elementos centrais a serem efetivados em condições dignas. Para tanto, evoca como prioridade a desprecarização de vínculos e valorização do trabalhador. Nesse fito, cada governo deve expressar os recursos a serem destinados para a gestão do trabalho, bem como constituir setor para gerenciá-lo.
Como a Assistência Social comporta um número expressivo de trabalhadores que compõem as equipes de trabalho que extrapolam os quadros de ensino superior, e visando legitimar a contração de pessoal por meio de concurso público para as áreas de ensino fundamental e médio, a Resolução CNAS nº 9, de 2014, define quais as ocupações desses trabalhadores no SUAS.
As funções essenciais de gestão são aquelas estabelecidas pela NOB-RH/SUAS, NOB/SUAS e na legislação do CadÚnico. Os provimentos são aqueles previstos na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais.
As áreas de ocupações profissionais são aquelas que atendem às funções essenciais de gestão do SUAS e ao funcionamento operacional da gestão, das Unidades socioassistenciais e das instâncias de pactuação e deliberação do SUAS, estabelecidas pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB-RH/SUAS e Norma Operacional Básica do SUAS – NOB/SUAS.
É preciso compreender que tais normas são fundamentais, pois colocam os direitos nelas reclamáveis. Contudo, sua afirmação legal precisa ser operada no cotidiano da Assistência Social sob o risco de se tornar letra morta, cuja aplicabilidade prática está subordinada a regras financeiras. Nesse ponto, relembra-se que um dos princípios da LOAS é a “supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica” (Brasil, 2011, p. 04), fato paradoxal quando se utiliza do discurso da falência financeira do Estado para a prestação de serviços e para a terceirização destes.
Esse conjunto normativo tem repercussões diferenciadas para os trabalhadores da Assistência Social em geral e para os terceirizados. Isso ocorre pelo fato de que o objetivo expresso na NOB/RH/SUAS é exatamente a desterceirização dos vínculos no âmbito do SUAS por considerá-la uma das maiores expressões da precarização do trabalho contemporâneo, cujos prejuízos são inegáveis para o trabalhador, principal ferramenta de garantia de direitos no sistema, e para os usuários.
Nesse sentido, as normas avançam para garantir condições de trabalho dignas, negando a terceirização e criando mecanismos que obriguem os governantes nas três esferas do governo a romperam com o paradigma da terceirização na contratação de trabalhadores da Assistência Social.
Esse conjunto de ações pode ser sintetizado no quadro 8, que revelam-se meios e instrumentos necessários para a gestão do trabalho, o qual mostra o principal ganho em termos de direitos ao trabalhador da Assistência Social ao longo de sua constituição como política pública e como ele repercute na terceirizado do SUAS.
Quadro 8 – Normas da Assistência Social e impactos para os trabalhadores da Assistência Social
Norma |
Impacto no Cotidiano dos Trabalhadores em Geral |
Impacto no Cotidiano dos Trabalhadores Terceirizados |
PNAS/2004 |
Reconhece a necessidade de garantir direitos para os trabalhadores do SUAS e fomentar sua profissionalização. |
Enfoca a necessidade de romper com a precarização e improviso dos quadros dentro da política. |
NOB/RH/SUAS |
Garante o acesso mediante o concurso público, reconhece direitos. |
Fim da terceirização na Assistência Social |
Tipificação dos Serviços Socioassistenciais |
Garante condições de trabalho dignas quanto aos recursos materiais, socioeducativos, ambiente físico e humano. |
Não prevê direitos aos terceirizados, pois, prega-se o fim da terceirização na política |
Lei 12.435/2011 (Altera a LOAS) |
Garante o uso de recursos do repasse federal para o pagamento dos servidores estatutários. |
Infere o fim da terceirização, portanto é silente quanto a ela. |
Resolução CNAS n. 17/2011 |
Reconhece os profissionais de ensino superior a integrar o SUAS. |
Reconhece os profissionais de ensino superior a integrar o SUAS |
Resolução CNAS n. 08/2012 |
PCCS; Plano de Capacitação. |
Reafirmação do concurso público. |
Política Nacional de Educação Permanente |
Garantia de Educação Permanente. |
É silente quanto aos terceirizados. |
Resolução CNAS n. 09/2014 |
Reconhece as funções e ocupações de ensino fundamental e médio do SUAS |
Reconhece as funções e ocupações de ensino fundamental e médio do SUAS |
Fonte: Dados da pesquisa (2016).
Com o avanço da contratação no âmbito do Estado de organizações sociais para o desenvolvimento de serviços sociais públicos, outrora de responsabilidade estatal, constata-se o enfraquecimento dessa premissa.
A desterceirização está ligada aos objetivos da política, a qual prevê o atendimento qualificado dos sujeitos em situação de risco e vulnerabilidade social. Logo, não se mostra racional colocar para trabalhar junto a esse público pessoas que, por condições de trabalho, estão também vulneráveis e não tem pleno acesso aos meios materiais necessários à viabilização dos direitos normatizados.
Quanto à persistência da terceirização, os problemas aparecem já no ingresso. O concurso público, segundo Muniz (2011, p. 23), “[...] é, por natureza, um processo seletivo que permite o acesso a emprego ou cargo público de modo amplo e democrático”. Trata-se, pois, de escolher entre os elegíveis os mais capacitados para exercer as funções; ademais, rompe-se com a lógica patrimonialista que referenda o paternalismo, o primeiro-damismo, o clientelismo que corroem as possibilidades de atuação com o mínimo de autonomia do laborador. Ademais, permite romper com as diferenciações, dentre elas de remuneração e condições de trabalho, entre os que exercem trabalho igual.
Diz-se isso pelo fato de não haver diferenciação entre os profissionais terceirizados, demais precarizados e os empregados públicos e estatutários quanto ao desenvolvimento das ações cotidianas, exceto no que se refere aos cargos de coordenação. Em linhas acima, demonstraram-se algumas das ações comuns dos profissionais de ensino superior e as ocupações e funções dos laboradores de ensino fundamental e médio, cujas diferenças estão nos tipos de formação requisitadas para atuar no SUAS, não no tipo de vínculo. Um exemplo são os assistentes sociais que, independentemente, da forma de ingresso, são chamados a exercer o mesmo tipo de trabalho.
Um fato importante nesse contexto é a utilização de recursos do cofinanciamento federal para pagar os profissionais das equipes de referência, as quais são constituídas obrigatoriamente por laboradores cuja admissão ocorreu exclusivamente mediante concurso. Assim, 62,3% dos municípios usam esse recurso para pagar as equipes, ou seja, 37,3% não o fazem (Censo Suas 2015, 2016). Esses dados estão intimamente ligados aos tipos de vínculos trabalhistas expostos nos quadros acima.
Entende-se que a questão dos vínculos estão intimamente relacionada à questão dos meios materiais necessários para o desenvolvimento da ação. Um deles diz sobre os meios e instrumentos necessários ao adequado exercício profissional. Infere-se, pois, que a negativa de contratação dos profissionais mediante concurso público, burlando as normas, expressa nas justificativas econômico-financeiras trazem impactos aos recursos à realização das ações junto ao usuário.
Aqui, destaca-se que a maior ferramenta usada no desenvolvimento das ações é o conhecimento do profissional. É o conjunto de habilidades por ele colocado em ação que medeiam a Assistência Social e seus usuários. Quanto à capacitação, 85% dos municípios promoveram cursos de capacitação para seus servidores (Censo Suas 2014, 2015). Nos governos estaduais, somente uma secretaria informou não ter plano de capacitação, entre as demais seus planos estiveram recentemente sendo revistos e cursos sendo realizados.
Esse elemento é certamente fundamental, pois “(...) quanto mais qualificados os servidores e trabalhadores da assistência social, menos sujeitos a manipulação e mais preparados para enfrentar os jogos de pressão política e de cooptação nos espaços institucionais” (Couto, Yazbek & Raichelis, 2012, p. 85).
Nesse aspecto, a terceirização, assim como outras formas precárias de ingresso na Assistência Social, tem a marca da rotatividade de seus quadros. Isso ocorre, pois as contratações mediante parcerias ou licitações nem sempre são renovadas o que acarreta a mudança de todo o pessoal que antes atuava na política.
Com implicações graves aos serviços socioassistenciais, a descontinuidade fragiliza os vínculos com os usuários que estão em situação de risco ou vulnerabilidade social vivenciando ou não situações de violência. Trata-se de um público que precisa da construção de vínculos com o profissional e com os serviços para acessar direitos, algo quebrado com a troca de laboradores, os quais para intervir nas particularidades de cada caso deve recomeçar o trabalho, tomando conhecimento do caso, quando o usuário deveria estar em outras fases de interação com os serviços socioassistenciais. A descontinuidade também implica no referenciamento do profissional em relação ao território, o qual deverá ser conhecido em termos territoriais e em termos de capacidades e dificuldades na proteção de suas famílias e indivíduos residentes.
A capacitação foi recém-regulamentada na Assistência Social através da Política de Educação Permanente, de 2013, a qual se coloca como direito a ser assegurado a todos os trabalhadores do SUAS. Contudo, em um contexto de terceirização e vínculos não permanentes o trabalhador é capacitado com recursos públicos, e, ao sair, leva consigo esse conhecimento. E, quando outros profissionais chegam, recomeça-se o processo de capacitação inicial dificultando a constituição de um quadro intelectual capacitado para sugerir, questionar, problematizar e encontrar estratégias inovadoras de realização de ações que ampliem e efetivem os direitos dos usuários. Além do prejuízo ao trabalhador e ao usuário, há o desperdício de recursos públicos.
Ademais, os profissionais terceirizados estão mais pressionados a atuarem segundo as prerrogativas da produtividade o que compromete o pensar crítico, autônomo e propositivo diante das demandas apresentadas. Nesse contexto, é imprescindível reforçar a necessidade de capacitação permanente, continuada, aliando o trabalho aos princípios da educação dialógica, visando compreender as peculiaridades da Assistência Social, extrapolando-a, em sua íntima relação com totalidade sócio-histórica (Brasil, 2013).
Uma questão apontada por Pereira (2015) é a relação entre terceirização e assédio moral e uso politiqueiro de cargos. Esses profissionais estão mais sujeitos a esse tipo de constrangimento devido sua vulnerabilidade em relação ao vínculo de emprego. Essa é uma das questões que envolvem o processo de precarização das relações de/no trabalho quanto aos serviços socioassistenciais, e que se relaciona às estruturas de gerenciamento e de execução dos serviços que ainda precisam melhorar.
Segundo dados do Censo Suas de 2014 (2015), 77,5% das instituições que gerenciam a política estão exclusivamente relacionadas a esta e outras 17,8% gerenciam-na em consonância com outras políticas. As demais estão subordinadas a outras secretarias (1,7%), diretamente ao executivo (2,7%) e fundação pública (0,3%).
É preciso que se enfoque a necessidade de a política ter seu próprio lócus de gestão. Trata-se, pois, de reafirmá-la em suas contradições e especificidades as quais não podem ser subsidiárias a outros órgãos ou políticas considerando a gama de objetivos que a Assistência Social deve atender.
Os recursos materiais no contexto da precarização do trabalho são limitados. Com relação à terceirização, os recursos são viabilizados por meio do recurso estatal para ser gerenciado pela organização terceira. Nesse caso, sabe-se da possibilidade de uso dos recursos das parcerias ou licitações no pagamento de trabalhadores, contudo, embora haja um dispêndio maior de recursos nesse tipo de negociação isso não se expressa nos salários e nas condições de trabalho dos empregados.
É crucial perceber também que os profissionais que estão com vínculos permanentes (estatutário ou empregado público) são colocados nos melhores espaços de trabalho, cuja estrutura física e ambiental são melhores. Isso se mostra nas escolhas dos terceirizados ou contratados por vínculos precários para atuarem nos territórios com maiores índices de risco e vulnerabilidade social, especialmente, os que têm na violência e na falta de estrutura física territorial precária marcas profundas (Pereira, 2015).
Isso fragmenta o trabalhador, a partir da divisão do trabalho no lócus de atuação, que por sua vez, não está fora dos processos de divisão social do trabalho. Como afirma Marx (2016, p. 9)
[...] Os vários estágios de desenvolvimento da divisão do trabalho representam outras tantas formas diferentes de propriedade; por outras palavras, cada novo estágio na divisão de trabalho determina igualmente as relações entre os indivíduos no que toca à matéria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho (Marx, 2016, p.9)
Essa questão aparece velada, especialmente, pelo fato de que o SUAS comporta categorias profissionais com variados interesses, com histórias sociais e objetivos diversos (Raichelis, 2011). Além desses elementos que socialmente já colaboram para a segregação de interesses (escolaridade, tipo de formação, escala de remuneração) a diferenciação nos tipos de vínculos fragmentam as demandas dos trabalhadores. Esses estão divididos entre escolaridade, entre categorias profissionais, entre empregados, estatutários, temporários e os demais vínculos não permanentes.
Isso corrobora para fragilizar os processos de luta por melhores condições de trabalho, pois os servidores efetivos estão, pelo menos no imediato, com requisições tais como aumento de salários, melhorias do seu PCCS, ampliação de direitos. Os temporários e terceirizados estão em outro nível, no qual o seu tempo de trabalho naquele local está contado. Deste modo, as reivindicações são colocadas ideologicamente como não convergentes.
Reafirma-se que isso ocorre no campo do imediato, pois, considera-se que todo aquele que vende sua força de trabalho para garantir suas condições de vida, exceto os que gerenciam ou são donos do capital, pertencem à classe trabalhadora, conforme os ensinamentos de Antunes (2001). Como classe, tem por elemento unificador sua submissão, ou da sua capacidade de trabalho, a um agente privado ou ao Estado que o explora para garantir o seu lucro ou a continuidade da sociedade de classes.
Outro elemento importante que está vinculado aos dados da precarização do trabalho na Assistência Social, em que a terceirização é uma expressão, são os PCCS; 80,4% dos municípios não os possuem. Esse dado quando comparado com os dados dos estatutários, mostra que mesmo o município contratando os profissionais mediante concurso público, não criou esse mecanismo de fomento à profissionalização e valorização profissional na política (Censo Suas 2014, 2015).
Ademais, cabe frisar que para os terceirizados e demais contratados precários esse tipo de direito não é garantido, aprofundando as deficiências na realização de seus trabalhos e na sua desvalorização.
Os recursos institucionais dentro do contexto de terceirização estão comprimidos entre a lógica de mistura entre o público e o privado. O profissional fica no meio de duas instituições, muitas vezes, com interesses diversos, senão, conflitantes. É uma tarefa a mais a ser administrada pelo laborador nesse contexto de terceirização, que o impele a mostrar efetividade em suas ações às duas instituições para garantir seu emprego em possível renovação de contrato ou parceria.
Ainda releva-se que, especialmente, na proteção social especial os municípios precisam avançar na construção de estratégias e espaços de referência. Com relação à Proteção Social Básica, 98,7% dos municípios possuem o CRAS como unidade estatal de referência na execução do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), principal serviço ligado a esse nível protetivo. Contudo, na Proteção Social de Média Complexidade 28,9% dos municípios não possuem equipes de gestão desse nível protetivo e 44,6% não desenvolvem o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) (Censo Suas 2015, 2016).
Com relação à Alta Complexidade os dados demonstram necessidade aprimoramentos. Somente 20,5% dos municípios tem equipe de gestão para esse nível protetivo; 49,0% não possuem nenhum tipo de unidade de acolhimento e outros 30,5% não possuem equipes para geri-los (Censo Suas 2015, 2016).
Tudo isso corrobora com os estudos empreendidos por Couto et al. (2011) que informava uma baixa estrutura física e institucional para desenvolver os serviços socioassistenciais da PSE, cujas orientações eram parcialmente seguidas. Ademais, esses aspectos variam segundo uma série de fatores: o nível de desenvolvimento do SUAS no município, a correlação de força empreendidas. São expressões disso a falta de mobiliário, tecnologia, improviso nos espaços físicos e nas relações entre os profissionais.
Desta feita, alerta-se sobre a relação complexa entre o público e o privado na política:
Ao priorizar o repasse e execução dos serviços, programas e projetos para as entidades, corre-se o risco dos serviços de responsabilidade do Estado serem terceirizados, ou serem efetuados dentro dos espaços como o Cras, com verbas e materiais públicos, por técnicos contratados sob condições empregatícias e de trabalho precarizado (Yazbek et al, 2012, p.268).
Essa questão se mostra mais profunda quando se verifica que 83,3% dos gestores da política são do sexo feminino, das quais 26,1% são primeiras-damas (IBGE, 2013). O fenômeno do primeiro-damismo é histórico e prejudicial à política, à medida que aprofunda as contradições entre o direito e a benesse junto ao usuário, conturbando a visão dos sujeitos envolvidos na Assistência Social sobre seu caráter de direito. Atualmente, há uma tentativa de reatualização do fenômeno em tela: as primeiras – damas estão buscando formação profissional na área, como meio para se legitimar nos postos de gestão do conjunto de ações presentes na política (Raichelis, 2011).
É nesse sentido que a questão institucional se coloca como nodal, pois a instituição deve ser pensada em uma relação complexa, mediada por atores sociais que nem sempre tem interesses comuns. É campo de disputa política no qual os terceirizados e precarizados competem em condição desigual, haja vista a indicação de coordenação e execução dos serviços por profissional efetivo, algo que se descumpre na conjuntura precária, possibilitando abusos de poder, desvios quanto aos objetivos e os resultados efetivamente alcançados na prestação dos serviços socioassistenciais. Isso implica que o terceirizado, de um lado, não tem possibilidade de construir uma carreira dentro da política, ficando restrito ao seu trabalho conforme adentrou ao SUAS, e, de outro, há margem para o ingresso nesses postos por profissionais com perfil em desacordo com os objetivos do sistema, fomentada por interesses políticos.
4. CONCLUSÃO
Durante o percurso investigativo desta pesquisa pode-se compreender que os trabalhadores do SUAS são a principal ferramenta de garantia de direitos dos usuários. Esses laboradores alcançaram, como fruto da regulamentação e dos avanços da Assistência Social na esfera do direito, a condição de trabalhadores assalariados que devem ter os seus direitos assegurados. Para tanto, variadas normas apregoam elementos de qualificação e proteção ao trabalho, ao trabalhador e às condições materiais necessárias ao desenvolvimento das ações. Destacam-se nesse bojo a NOB/RH/SUAS, a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, dentre outras normativas que afiançam direitos ao conjunto dos trabalhadores da política.
Contudo, contrariando o direcionamento legal, há a persistência de formas precárias de trabalho, destacadamente a terceirização. Considerada uma das estratégias mais precarizantes do mundo do trabalho contemporaneamente, ela vem sendo metamorfoseada atualmente na esfera do Estado com a transferência de sua execução, especialmente, para as organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. A terceirização, por sua natureza precarizadora, traz implicações ao trabalho desse conjunto de profissionais.
Na Assistência Social, a terceirização implica uma mistura idiossincrática entre o público e o privado que revitaliza elementos tradicionais caros a política e que aprofundam os processos de desenvolvimento da Assistência Social sob o signo do improviso, de estruturas materiais, financeiras, ambientais e de pessoal.
É por isso que a base normativa que compete ao SUAS apregoa a desterceirização dos vínculos, reconhecendo-a como um elemento prejudicial ao trabalhador, ao usuário e à política, por referendar as práticas arcaicas do primeiro-damismo, do paternalismo, entre outros ligados à negação de direitos à população, e à perpetuação de interferências de interesses alheios da qualificação dos serviços, com respeito à autonomia do sujeito.
Não há diferenciação entre o tipo de trabalho realizado por terceirizados, demais precários, empregados públicos e estatutários, exceto na coordenação dos serviços que deve ser exercida por concursados. Assim, o trabalho social realizado ganha materialidade à medida que o profissional atua nos equipamentos sociais fazendo a escuta qualificada, esclarecendo direitos, concedendo benefícios, realizando planos, programas, projetos e serviços socioassistenciais, seja na execução, planejamento, monitoramento ou avaliação. Na concretização das ações realizadas são demandados profissionais de ensino superior, médio e fundamental, cujos profissionais, ocupações e funções estão estabelecidas em normas específicas.
Nesse ponto, verifica-se que mesmo realizando tarefas iguais aos estatutários e empregados públicos o terceirizado é alocado nas funções e nos postos de trabalho menos atrativos. Essa questão nem sempre aparece de modo claro, mas vela-se no cotidiano de trabalho perpassando a realização dos serviços socioassistenciais.
Outro fator que se mostra presente no processo de terceirização é o desperdício de dinheiro. Isso pelo fato de o ente estatal contratar ou firmar parceria com entes privados para a execução dos serviços. Nesse processo, há brechas ao fomento de projetos diferenciados aos ligados aos princípios e diretrizes da Assistência Social.
A capacitação profissional como principal meio de trabalho dos profissionais é imprescindível. No contexto da terceirização, essa é realizada por meio de recursos públicos para um trabalhador privado, o qual, ao ser demitido, ao finalizar a parceria ou o contrato entre os entes, sai do SUAS e leva consigo o conjunto de conhecimento teórico-prático adquirido, bem como o caráter de referenciamento dos serviços por ele exercido.
Ademais, os trabalhadores terceirizados não criam vínculos com o SUAS; tendo esse trabalho como passageiro, e, por isso, com sua potencialidade de atuar qualificadamente reduzida. Isso eleva os usuários a desacreditarem no sistema, afastando-se. É uma questão complexa, em aberto, que exige discussão e luta coletiva no cotidiano de atuação para que se rompam com esses elementos que comprometem a qualidade dos serviços prestados no âmbito da Assistência Social brasileira.
Essa luta promoveu avanços legais quanto à construção de recursos humanos e de uma gestão do trabalho em qualidade, contudo, isso ainda precisa ser efetivado. Nos processos de constituição de recursos materiais, institucionais, físicos e financeiros do SUAS, as deficiências são aprofundadas em um contexto de terceirização à medida que a prestação dos serviços envolve duas instituições diferentes, as quais jogam responsabilidades entre si, emperrado a construção de espaços físicos e de pessoal de referência estatal na condução dos serviços.
A saída, certamente, é coletiva. É uma requisição exógena ao SUAS por ser a terceirização uma estratégia de um modo de estruturação da produção e de sustentação de um sistema amplamente utilizado contemporaneamente no Brasil que taxa os laboradores em sua condição física, emocional, social e na sua consciência de classe.
Ao se fazer essas afirmações não se pode deixar de mencionar os limites temporais que perpassam este estudo, o qual requisita maior aprofundamento quanto a cada elemento dessa questão, com ampliação das bases de dados e as especificidades de cada indicador colocado aqui como elemento-chave para referenciar a questão da terceirização na Assistência Social. Admite-se tal limitação quanto aos objetivos almejados.
Destarte, ficam alguns questionamentos, os quais fomentam pesquisas futuras: Como romper com os elementos de precarização do trabalho na Assistência Social? E quais as estratégias coletivas que podem ser realizadas para minorar esse paradigma?. Novos estudos podem apontar caminhos para elucidar tais questões, ou mesmo, problematizá-las.
REFERÊNCIAS
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