CASO PARA ENSINO / TEACHING CASE

Relações de Poder e Resistências em uma Organização Pública: um Caso de Ensino

Power Relations and Resistance in a Public Organization: a Teaching Case

Relaciones de poder y resistencias en una organización pública: un estudio de caso

Paula Fernandes Furbino Bretas

Mestrado em Administração (Linha de pesquisa: Estudos Organizacionais) pela Universidade Federal de Minas Gerais

http://lattes.cnpq.br/4637687387433353

https://orcid.org/0000-0002-7120-0574

paulaffb@gmail.com

 


Resumo: A Lego (nome fictício) é uma organização pública do Poder Legislativo que passou por um processo de mudanças administrativas concomitantes às alterações políticas nos cargos de direção. Acreditando que se deve considerar as relações políticas na Administração e não apenas entendê-la como uma disciplina técnica, neste caso será discutido o gerencialismo, os saberes marginalizados e as relações de poder que legitimam o conhecimento válido no campo. Será abordada uma situação conflituosa específica, ocorrida na área de Comunicação, devido à fusão de dois setores que privilegiavam formas de saber distintos: o saber racional-legal e o saber tácito e prático. Além de estudar as relações de poder, será possível compreender também como as resistências se configuraram por meio de ressignificações no discurso e por ações/ táticas.

Palavras-chave: Relações de Poder, Resistências, Conflito.

 

 

Abstract: Lego (a fictitious name) is a public organization of the Legislature in which took place simultaneously a process of administrative and political changes and political in management positions. As we may not ignore the political relations in Management assuming it as essentially technical it will be discussed in this case the managerialism, the marginalized knowledge and the power relations that legitimize the valid knowledge in the field. It will be addressed a specific conflict situation which occurred in the Communication area due to the merger of two sectors that favored different forms of knowledge: rational-legal knowledge versus tacit and practical knowledge. In addition to studying relations of power-knowledge, it will be possible to understand how resistance is played through resignification in speech and in actions/tactics.

Keywords: Power Relations, Resistance, onflict.

 

 

 

Resúmen: Lego (nombre ficticio) es una organización pública del Poder Legislativo que pasó por un proceso de cambios administrativos junto a cambios políticos en los cargos de dirección. Por creer que se debe considerar las relaciones políticas en la Administración y no sólo entenderla como una disciplina técnica, en este caso se discutirá el gerencialismo, los saberes marginados y las relaciones de poder que legitiman el conocimiento válido en el campo. Se abordará una situación conflictiva específica, ocurrida en el área de Comunicación, debido a la fusión de dos sectores que privilegiaban formas de saber distintos: el saber racional-legal y el saber tácito y práctico. Además de estudiar las relaciones de poder, será posible comprender también cómo las resistencias se configuraron por medio de resignaciones en el discurso y por acciones/tácticas.

Palabras clave: Relaciones de poder, Resistencia, Conflito.


Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br

Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br

 


1. Introdução

Neste caso, buscou-se estudar as relações de poder e as resistências que se configuraram em uma dada situação real ocorrida em uma organização pública, denominada Lego (nome fictício). Sendo uma organização do Poder Legislativo, a cada quatro anos, devido às eleições, há trocas dos representantes do povo, aqui denominados políticos, que, por sua vez, também influenciam na troca de pessoas que ocupam cargos de direção e chefia. O organograma da Lego está representado na Figura 1.


Figura 1: Organograma da Lego.

Fonte: elaborada pela autora


O ano de 2015 na Lego foi marcado por muitas mudanças, sendo uma delas nova direção da área de Comunicação. O novo ocupante do cargo já fazia parte do grupo diretivo, mas teve sua zona de atuação ampliada com a fusão de duas diretorias (Diretoria de Rádio e Televisão fundiu com a Diretoria de Comunicação Institucional). Apesar da integração, a maior parte da estrutura organizacional manteve-se, com exceção da área aqui denominada Cultura. Até então, esse setor não constava na estrutura formal como gerência, mas assim atuava cotidianamente. Contudo, o novo diretor, ao ver uma publicação de um documento com o seu nome sem que ele tivesse visto nem revisado, entre outras motivações, decidiu que ela precisava passar por uma reestruturação. Esse processo demandaria a subordinação da Cultura a outra gerência, aqui denominada Relacionamento.

A partir dessa nova configuração de trabalho, representada na Figura 2, a Cultura deixa de ser uma gerência informal e passa a ser um grupo subordinado hierarquicamente a uma gerência formal (Relacionamento). Esta, por sua vez, já possuía outras equipes no seu escopo de gerência, como o Cadastro, o Centro de Apoio às Câmaras e o Centro de Atendimento ao Cidadão. Contudo, a equipe da Cultura apresentava-se como algo totalmente novo, pois a rotina de trabalho e o modo como foi feita a fusão eram elementos diferentes das experiências anteriores vivenciadas por toda a equipe e gerente.


 

Figura 2: Novo organograma da Diretoria de Comunicação Institucional

Fonte: elaborada pela autora

 


Algumas pessoas que trabalhavam na área de Cultura há cerca de 30 anos sentiram-se injustiçadas com a decisão de mudança na estrutura organizacional. Acreditavam que as tarefas e os processos setoriais eram inúmeros, de múltipla natureza e de alta complexidade e que, por desenvolverem projetos bem avaliados pela população e por instituições parceiras há tanto tempo, mereceriam que a área fosse transformada em gerência de maneira formal. Além disso, a área de Relacionamento possuía uma forma de operar diversa da Cultura, com subsetores menos complexos, trabalhos mais rotineiros e padronizados.

Entretanto, a decisão já havia sido tomada e a gerente da área de Relacionamento tinha a responsabilidade de conduzir uma reestruturação da Cultura, sendo a nova autoridade formal a qual a equipe deveria reportar-se. O desenrolar dessa história envolveu conflitos cotidianos nas tarefas, processos e tomadas de decisão entre as pessoas das duas áreas. Em vez de uma fusão, o que se vivenciou foi uma separação entre “nós e eles”, na qual as diferenças foram marcadas, intensificadas e colocadas em disputa. Não obstante, vale observar também, a importância dos aspectos simbólicos para a construção dessa história de conflitos. Esse é o dilema em torno do qual o caso desenvolve-se: como desconsiderar aspectos simbólicos, resistências e relações de poder-saber no cotidiano nos processos de mudança organizacional em organizações públicas?

 

2. Breve história da área de Cultura

Em 1992, a área de Cultura foi criada formalmente e visava à coordenação de três espaços principais: Galeria de Arte, Teatro e Espaço para Manifestações. Um grupo foi formado por diretores e políticos, com apoio de servidores que tinham formação, experiência externa ou interesse na área para trabalhar na parte administrativa, para elaborar a norma de como seria o espaço cultural a ser criado. Participaram tanto servidores que ainda hoje trabalham na Cultura quanto os que já se aposentaram.

Nessa época, a Galeria de Arte já existia e estava diretamente ligada à Comunicação no organograma. O espaço era um hall com serviço de café que foi extinto e transformado em galeria. Portanto, a novidade da criação da Cultura era o Teatro. Entretanto, a junção dos espaços ligados à arte (Galeria e Teatro) não se deu de forma automática, pois havia uma disputa em relação à chefia. Portanto, apesar da unificação com a criação da Cultura, tanto a Galeria quanto o Teatro já tinham os seus respectivos responsáveis e continuaram funcionando de forma separada no cotidiano.

Nesse início, os responsáveis pelo Teatro tiveram dificuldades em conseguir recursos humanos e tecnológicos e começaram a desenvolver-se internamente. Mantinham um grupo de teatro cujos participantes eram tanto servidores, quanto participantes externos e usavam recursos financeiros próprios para a contratação de professores, a participação em festivais, inclusive internacionais, entre outras demandas da equipe. Nessa mesma época, foi criado o projeto Batida (nome fictício) que contava com apresentações desse grupo para o público interno, inicialmente, sempre com recursos pessoais. Depois de um tempo, sem conseguir apoio financeiro da Lego, a equipe da área repensou o projeto e buscou patrocínios com instituições externas para fazer contratações de artistas e diversificar as apresentações. O Batida ainda é executado atualmente e está completando 25 anos de existência.

Outro projeto com repercussão positiva por meio das instituições parceiras e do público geral é o Música Erudita (nome fictício), que oferece concertos gratuitos de estudantes de música que passam por um processo de seleção pública. Esse projeto também possui patrocínio externo para que possa ser executado e o gestor desenvolveu parcerias com diversas instituições para ampliação e profissionalização do projeto e que hoje conta, inclusive, com apresentações de artistas nacionais e internacionais renomados. Portanto, apesar da área de Cultura ser parte da organização pública Lego formalmente, o cotidiano demonstrava que as ações e os processos dependiam mais das relações pessoais do que da formalidade.

Quando os servidores mais antigos recorrem à memória para contar a história que vivenciaram na Lego, lembram-se de vários problemas superados para chegar à situação atual. Na Galeria de Arte, por exemplo, não havia processo de seleção pública para as exposições e mostras. Portanto, era exercida forte influência política sobre ela e, muitas vezes, a questão técnica era posta de lado. A solução encontrada para resolver tal questão era a separação de datas para uso institucional e datas destinadas aos editais de seleção. Depois, aprimoraram tal processo exigindo a obrigatoriedade de CNPJ de associações e cooperativas para os inscritos na modalidade artesanato. Com essas ações, a dificuldade de gestão das indicações políticas diminuiu. Percebe-se, assim, que, ao longo dos anos, as pessoas foram encontrando na mesma medida obstáculos e formas de resolvê-los com autonomia perante a instância diretiva da Lego.

Apesar de muitas ações passadas não existirem mais, há algumas que ainda permanecem, como o desenvolvimento de projetos, as seleções públicas e a divulgação especializada na área cultural. Sobre a última questão, há cerca de 10 anos, um ex-gestor do espaço avaliou que a divulgação feita pela assessoria de imprensa era falha na área cultural e que era necessária uma comunicação dirigida. Com isso, um dos servidores, jornalista, passou a absorver essas funções e criou um processo de trabalho próprio da Cultura para assessoria de comunicação na área cultural, desde a definição de públicos, criação e atualização de mailing até definição de estratégias e execução de ações passaram a ser feitas internamente. Todas essas ações de comunicação eram externas às áreas de Comunicação da Lego que habitualmente tinham essa função. Dessa forma, era mais uma característica que demonstrava certa marginalidade dos processos da Cultura em relação a Lego.

Percebe-se que, desde a criação da Cultura, a equipe foi sendo construída a partir de relações pessoais e experiências individuais, diferente de outras áreas em que o número de concursados especializados tem aumentado continuamente. A formação da equipe funcionava assim: uma pessoa que já trabalhava na Lego conhecia um colega de trabalho que tinha conhecimento, interesse e/ou experiência na área de artes e cultura e o convidava a integrar o setor. À medida que elas se integraram à Cultura, foram encaixando-se em projetos pelos quais tinham mais interesse e afinidade com os servidores que já trabalhavam neles. Assim, as pessoas foram contribuindo com o setor a partir de suas habilidades individuais e foram criando e suprindo necessidades por meio de suas relações pessoais. Portanto, diferente da forma como ocorria em outros setores da Lego, não havia estudo particular sobre as necessidades de pessoal para trabalhar na Cultura e nem foi feito concurso específico para suprir essas necessidades.

Além disso, a Lego forneceu parte da infraestrutura de maior custo, como equipamentos especiais do Teatro e da Galeria, mas havia problemas para fornecer insumos básicos, como computadores, alguns materiais de escritório, lanches para camarim e verbas específicas para desenvolvimento dos projetos, como pagamento de ajudas de custo a artistas. Apesar da complexidade dos processos organizacionais existentes na Cultura, muitos servidores e diretores da Lego perguntavam-se (e ainda se perguntam): “para que existe Teatro na Lego?”; demonstrando o discurso de não legitimidade da área diante de parte do grupo diretivo. Dessa forma, percebe-se que as ações ligadas à Cultura, no decorrer da história, estavam à margem da organização formal e, por isso, as pessoas da equipe desenvolveram um senso de autonomia e capacidade inventiva para resolver os problemas no cotidiano.

 

3. Breve história da área de Relacionamento

A área de Relacionamento possui uma estrutura e um modo de funcionar diferente da Cultura. Enquanto nesta existem muitas pessoas que entraram na Lego na década de 1980 e que se uniram por afinidades para o trabalho, inclusive a coordenadora, naquela houve um processo mais institucionalizado de formação de equipe, com nomeação e/ou transferência de servidores concursados em áreas específicas, até mesmo a gerente.

A área de Relacionamento foi crescendo e absorvendo demandas aos poucos. Ela iniciou-se com uma subárea de atendimento ao público e outra de cadastro de banco de dados. Depois, foi criada uma outra para atendimento aos políticos. Portanto, o Relacionamento era a junção de três subáreas diferentes que possuem rotinas e processos organizacionais diversos. Entretanto, o que existe em comum entre eles é a definição de procedimentos, a existência de tarefas bem delineadas e a baixa complexidade no conjunto dos processos de cada uma.

Nesse ínterim, os analistas de relações públicas que trabalhavam no setor estavam ligados ao atendimento a políticos, mas também desenvolviam projetos avulsos que eram demandados por outras áreas da Lego. Com o passar do tempo, a equipe foi ampliada com a chegada de uma consultora jurídica, que atuava em tarefas do atendimento ao público e aos governantes, mais duas analistas de relações públicas e uma técnica administrativa. Diferente da Cultura em que as pessoas buscaram uma alocação por afinidade pessoal ao trabalho/equipe, no Relacionamento, elas chegaram por meio de transferências de outros setores e o que foi visado era a especialidade do cargo (os cargos da Lego, providos por concurso público, exigem uma formação acadêmica específica e, de acordo com ela, indica uma área de atuação do servidor e seus limites de abrangência). Portanto, a experiência e a afinidade com a área enquanto características pessoais estavam em segundo plano, uma vez que houve adoção de características impessoais, ligadas ao cargo e não ao ocupante dele. A partir dessa nova composição, os projetos que antes eram avulsos, começaram a ser mais volumosos e alguns passaram a ter um caráter continuado.

É importante salientar que o perfil da gerente influencia em grande medida na forma de funcionamento da área. Visto que, a que trabalha em Relacionamento é uma pessoa metódica, que segue a hierarquia e os processos de forma mais rígida, que privilegia o planejamento e a formalidade, e que tem interesse em participar de ações estratégicas. Portanto, muitos projetos são pensados, debatidos, escritos, apresentados e aprovados por instâncias superiores antes de serem implantados. Esse formato exige um tempo maior de maturação de ideias e uma rotina menos caótica. O ritmo em que as decisões são tomadas, pela questão hierárquica e burocrática, é mais lento do que em setores que atuam com ações de outras naturezas, como produção de eventos. Por esse interesse da gerente em participar de projetos estratégicos, houve uma aproximação maior dela com o novo diretor de Comunicação, que viu nela uma possibilidade de nova liderança para reorganizar a área da Cultura, para mudar a forma de trabalhar no cotidiano: de um saber tácito e prático para um saber racional-legal.

 

4. Fusão: uma história de conflitos

Se nas eleições existe a troca de políticos e partidos, há também a possibilidade de troca nos cargos de direção da Lego. Isso aconteceu em 2014, quando, além da mudança nos cargos, houve uma reestruturação administrativa. A área de Comunicação absorveu a área de Televisão e Rádio e passou a ter um novo diretor. A princípio, as pessoas dos setores subordinados à nova diretoria continuaram com as mesmas ações cotidianas.

Uma dessas ações no âmbito da Cultura era a publicação de editais de seleção pública no Diário Oficial em nome do diretor, sem, no entanto, que ele visse e revisasse o conteúdo. Isso chamou-lhe a atenção para os atos administrativos que, na sua posterior avaliação, eram de má qualidade e precisavam ser reformulados tanto o documento, quanto o processo. O ato administrativo em questão era um edital que não delimitava regras claras e não tinha estrutura de regulamento com: indicação de finalidade, participação, direitos e deveres, critérios de avaliação, recursos e prazos, etc. Tal documento não propiciava a organização de um processo seletivo transparente e isonômico, pois não delimitava essas informações de antemão. Na medida em que os problemas surgiam, pensava-se em soluções caso a caso e, dessa forma, o processo tornava-se pessoalizado. A sua continuidade com a publicação de um documento oficial sem a devida revisão hierárquica foi um dos acontecimentos conflitantes que teve como consequência a fusão das áreas de Relacionamento e Cultura.

A partir dessa visão negativa em relação aos processos desenvolvidos na Cultura, o diretor decidiu unificar os dois setores para que pudesse haver requalificação e institucionalização das ações, já que muitas estavam à margem da organização. Apesar disso, o gestor possuía uma visão positiva sobre os resultados entregues pela Cultura e percebia que parte do investimento de Comunicação poderia ser feito na área cultural visando melhorar a imagem organizacional. A relação custo-benefício foi avaliada positivamente pelo diretor, mas era necessário o convencimento dos outros diretores sobre a importância de investir em ações culturais.

Se antes o cotidiano permanecia o mesmo, a decisão tomada na ocasião mudou a rotina nos dois setores envolvidos. A gerente do Relacionamento passou a ter a maior parte de seu dia voltado a resolver problemas da Cultura. Nesta, por sua vez, na qual os membros da equipe possuíam grande autonomia, houve a necessidade de repassar as decisões, inclusive as rotineiras, por várias instâncias, o que deixava, até processos simples, mais morosos.

O início da fusão deu-se com organização de um grande evento cultural. Entretanto, dos problemas que surgiram nessa junção das duas equipes, Relacionamento e Cultura, surgiu também um conflito quase pessoal entre gerente e coordenadora de área. Essa união conflituosa, não aprovada por parte das pessoas mais antigas da Cultura, era refletida na labuta e foi tornando cada vez mais difícil pensar em trabalho em equipe.

A não aprovação tinha vários significados possíveis: a revolta por não transformar a Cultura em uma gerência; o não reconhecimento percebido quando o diretor não se propôs a ouvir as pessoas que trabalhavam há 30 anos na área; o rebaixamento por vincular a Cultura à outra área que não tinha expertise nesse tipo de ação; a não valorização dos projetos que são valorizados externamente; o não entendimento sobre as peculiaridades que envolvem as ações culturais; entre outros. Os discursos de parte da equipe e da coordenadora da Cultura após a fusão faziam menção à burrocratização, uma amálgama de “burrice” com “burocratização.”. Muitas vezes estavam sendo discutidas melhorias para a Cultura, mas eram vistas ou como algo que “já tentamos”,ou como algo que “já fazemos”, ou como “burrocratização desnecessária”.

Por outro lado, a área de Relacionamento teve sua estrutura alterada com a junção. Os subsetores, autônomos nas tarefas rotineiras, mas dependentes de decisões gerenciais em situações específicas, perderam espaço na agenda da gerente em virtude do volume de trabalho/problemas que a Cultura demandava. O ambiente de trabalho que era calmo passou a ser conturbado, exigindo cada vez mais rapidez e mais trabalho, pois era esperado resultado tanto pela Diretoria quanto era esperado retorno sobre o cotidiano pela Cultura, já que tinha prazos para fechar agenda de programação cultural e isso demandava decisões que, na nova configuração, fugiam de sua alçada. Como toda a rotina da Cultura precisava ser repassada item a item junto à gerência, muitos contornos dessa relação foram acontecendo de forma não planejada de modo que a área de Relacionamento absorvia determinadas funções e deixava outras a cargo da Cultura. Essa absorção teve como fatores chave a forte resistência e falta de confiança entre as partes.

As relações pessoais com algumas pessoas que trabalhavam na Cultura, especialmente os mais antigos, tornaram-se combativas, pois eles estavam sentindo a perda simbólica de território e reagiram a essa perda. A área de Relacionamento não conseguia propor ações, pois todas eram vistas com preconceitos e entendidas por parte da equipe Cultura como “burrocratização”. A solução encontrada pela gerente era tomar decisões sem essa proposição de consenso, o que tornava a relação ainda mais conflituosa. Em diversos momentos, a gerente de Relacionamento e a coordenadora da Cultura estavam buscando o mesmo objetivo ou propondo ideia semelhante, mas uma inviabilizava o meio que a outra propunha com atitudes e discursos resistentes.

Por fim, é importante destacar que, para a gerente-geral, uma área tática hierarquicamente acima tanto do Relacionamento quanto da Cultura, as pessoas desta entoavam um discurso de heroísmo que não era condizente com a administração pública. Ela entendia o esforço da equipe no decorrer da história, mas julgava que eles estavam colocando-se em posição de heróis injustiçados. E que tal postura não traria benefícios para as ações futuras. Enquanto isso, parte da equipe rechaçava esse rótulo alegando que 30 anos de história estavam sendo apagados com a decisão imposta. A gerente do Relacionamento tentou ouvi-los por meio de um diagnóstico. Ele foi elaborado e conduzido por uma servidora que foi transferida para a área de Relacionamento que entrevistou todos os servidores da Cultura buscando entender a área com base em três pilares: pessoas, processos e produtos. Apesar de ter identificado o modo de funcionamento e os problemas centrais que se repetiram em diversas entrevistas, não foi aberto espaço pela gerência para retorno do diagnóstico com a equipe devido à proporção que os conflitos tomaram. Ela acreditava que seria infrutífero, pois a proposta já havia perdido credibilidade quando da sua criação, pois veio posterior à tomada de decisão relativa à fusão setorial.

Por meio desse breve resumo da história dos conflitos entre os membros da Cultura e do Relacionamento na Lego, chega-se ao dilema deste caso: como considerar aspectos simbólicos, resistências e relações de poder no cotidiano dos processos de mudança organizacional em organizações públicas?