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Gastos públicos e potencial da qualidade da educação em Minas Gerais: uma análise de 2006 a 2010

Public spendings and potential quality of education in Minas Gerais: an analysis from 2006 to 2010

Gastos públicos y potencial de la calidad de la educación en Minas Gerais: un análisis de 2006 a 2010

Joyce Santana Bernardo Correio

Universidade Federal de Viçosa , Brasil

Fernanda Maria de Almeida Correio

Universidade Federal de Viçosa , Brasil

Gastos públicos e potencial da qualidade da educação em Minas Gerais: uma análise de 2006 a 2010

Administração Pública e Gestão Social, vol. 11, núm. 3, 2019

Universidade Federal de Viçosa

Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial-SinDerivar 3.0 Internacional.

Recepção: 03 Setembro 2016

Aprovação: 11 Dezembro 2017

Publicado: 01 Julho 2019

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar como os recursos públicos aplicados nas atividades de educação influenciam o nível de qualidade do ensino nos municípios que compõem o estado de Minas Gerais. Para tanto, utilizou-se um modelo de dados em painel dinâmico, em um período de cinco anos, relacionando o Índice Geral de Qualidade da Educação (IQE) com o recurso aplicado na educação e características dos municípios e das escolas. De maneira geral, verificou-se que os recursos per capita investidos na educação, o acesso à internet disponível para os alunos, o PIB per capita municipal e a taxa de frequência dos alunos às escolas são fatores que contribuem positivamente com o IQE. Ademais, observa-se que, em média, os municípios mineiros possuem perfil dinâmico positivo quanto à qualidade da educação. Isso significa que a qualidade da educação no período atual contribui favoravelmente para a o aumento da mesma qualidade em períodos futuros.

Palavras-chave: Administração Pública, Educação, Gastos Públicos, Eficiência.

Abstract: This article aims to analyze how the public resources invested in education activities influence the level of quality of education in the cities of the state of Minas Gerais, in Brazil. Therefore, we used a data model in dynamic panel, within a period of five years, relating the General Index of Educational Quality (IEQ) with the applied use in education and characteristics of cities and schools. Overall, it was found that the per capita resources invested in education, Internet access for students, GDP per capita municipal and the attendance rate of students to schools are factors that positively contribute to the IEQ. In addition, it is observed that, on average, the municipalities of Minas Gerais have positive dynamic profiles in what comer to quality of education. This means that the quality of education in the current period contributed positively to the increase of the same quality in future times.

Keywords: Public Administration, Education, Public Spending, Efficiency.

Resumen: El objetivo de este trabajo es analizar si los recursos públicos invertidos en actividades educativas influyen en el nivel de calidad de la educación en los municipios del estado de Minas Gerais, en Brasil. Por lo tanto, se utilizó un modelo de datos en panel dinámico, en un período de cinco años, relacionando el Índice General de Calidad Educativa (IEQ) con el uso aplicado en educación y características de municipios y escuelas. En general, se encontró que los recursos per cápita invertidos en educación, acceso a Internet para estudiantes, Producto Interno Bruto por habitante municipal y la tasa de asistencia de los estudiantes a las escuelas son factores que contribuyen positivamente al IEQ. Además, se observa que, en promedio, los municipios de Minas Gerais tienen un perfil dinámico positivo en lo que ateñe a la calidad de la educación. Esto significa que la calidad de la educación en el período actual contribuyó positivamente al aumento de la misma calidad en períodos futuros.

Palabras clave: Administración Pública, Educación, Gasto Público, Eficiencia.

1. Introdução

A Constituição Brasileira de 1988 (CF/88), em seu inciso VII do artigo 206, traz a concepção de que o ensino no país deve ser ministrado com base no princípio de garantia de qualidade. Entretanto, o conceito desse princípio, de acordo com alguns autores (Cury & Ferreira, 2009; Cherubini, 2012; Araújo, 2012), não está previsto, de forma clara, em nenhum dispositivo legal vigente.

Ainda que não exista uma definição legal sobre a qualidade educacional, nota-se que esta é mensurada e analisada por vários autores (Franco, 2008; Faria, Januzzi & Silva, 2008; Delgado & Machado, 2008; Zoghbi et al, 2009; Soares & Alves, 2013; Silva, Ferreira & Bogo, 2013) através de notas obtidas em testes padronizados, os quais são utilizados para avaliar os alunos, bem como através da realização de rankings entre as escolas, os quais são divulgados através dos portais do Ministério da Educação (MEC) do Brasil. Para Oliveira e Araújo (2005), essa é uma das três formas distintas de percepção da qualidade durante o processo educacional no país: A primeira estava condicionada pela oferta limitada de oportunidades de escolarização, visto que o ensino era ofertado de forma insuficiente para a sociedade, sendo utilizado como base para julgamento o fato de a escola ser acessível a todos ou não, independente de classe econômica e social. A segunda forma é representada pelo fluxo de alunos ao longo do período de aprendizagem, sendo que o número de alunos que obtinham avanços dentro de determinado sistema de ensino era utilizado para determinar a qualidade. Por fim, a terceira forma apresenta-se pela generalização de sistemas de avaliação baseados em testes padronizados, como os desenvolvidos atualmente pelo Ministério da Educação, tais como: Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (PROEB) e Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) (Oliveira & Araújo, 2005).

Assim, mesmo tendo garantia do que ressalva a legislação vigente, a administração pública brasileira, ao longo do tempo, primou pela construção de escolas para toda a população, sem que fosse dada a ênfase necessária na questão da qualidade do ensino a ser oferecido por essas escolas (Oliveira & Araújo, 2005). Tal fato colabora para que o discurso de ampliação de investimentos em educação se faça mais presente, colocando-a em um patamar de prioridade, fazendo necessário que essa relevância se manifeste em termos de gastos públicos. Para tanto, a Constituição, em seu artigo nº 212, define que o Governo Federal, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem aplicar, anualmente, no mínimo 18% e 25%, respectivamente, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Como destaca Castro (2005), essa reserva de determinado percentual, determinada pelo Poder Judiciário, é hoje a principal forma de financiamento da educação, seja nos níveis federal, estadual ou municipal, de acordo com o 2º parágrafo da mesma lei.

Com o intuito de estudar o tema, Figueiredo, Haddad e Freguglia (2011) utilizaram dados em painel para analisar a relação existente entre o desempenho em Matemática e Português, investimentos públicos em educação e a alocação do Programa Bolsa Família nos municípios brasileiros, considerando um lapso temporal de dois anos (2005 a 2007). Os autores concluíram que, utilizando as notas da Prova Brasil como proxy da qualidade da educação, os municípios que recebem recursos do Programa não apresentam bom desempenho nas avaliações aplicadas, bem como apontam evidências de que gastos em atividades de educação afetam os testes de desempenho, ainda que com coeficientes muito pequenos em magnitude.

Franco (2008) buscou definir os determinantes do aprendizado analisando os impactos de diferentes características dos alunos, professores, turmas, diretores e escolas no desempenho dos alunos da 4ª série (atual 5º ano do ensino fundamental) em Matemática, com base em dois conjuntos de painéis de escolas construídos por meio das informações disponíveis no Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB) de 1997, 1999, 2001, 2003 e 2005. Conforme os resultados obtidos pelo autor, as características do aluno e da sua família (gênero, raça, classe econômica e social, entre outros), a adequação do estudante à série correta de acordo com a sua idade, possuir computador em casa, a escolaridade da mãe e infraestrutura da escola (biblioteca e programas educacionais) são fatores que auxiliam no processo de aprendizado dos estudantes.

Quanto à eficiência dos gastos públicos, Zoghbi et al (2009) avaliaram o desempenho e a eficiência dos estados brasileiros com relação aos gastos realizados em educação. Os autores alegaram que os investimentos públicos educacionais, geralmente, promovem maior crescimento do que outros tipos de gastos, pois, a longo prazo, podem trazer consideráveis benefícios para a economia, através, por exemplo, da elevação do nível de capital humano, que é uma das principais fontes do crescimento econômico.

Assim, os exemplos de literatura mencionados evidenciam potencial contribuição dos investimentos em educação para o crescimento econômico, bem como o papel de condições socioeconômicas em relação ao desempenho escolar. Nesse contexto, o objetivo geral deste estudo é analisar se os recursos destinados às atividades com educação influenciam o nível de qualidade do ensino nos 853 municípios que constituem o estado de Minas Gerais. Ademais, busca-se identificar como variáveis socioeconômicas e de infraestrutura das escolas contribuem para a qualidade da educação e seu potencial nos referidos municípios.

Este estudo justifica-se por apresentar um tema relevante para a sociedade: a educação pública e a destinação financeira por parte dos entes federativos, com o intuito de garantir que todos tenham acesso ao ensino com qualidade, ressaltando que a dinamicidade do efeito dos investimentos educacionais nos indicadores de qualidade, dado pelo lapso temporal entre a aprovação do recurso e sua efetiva aplicação nos municípios e escolas. Para não restringir-se apenas à análise da relação entre gastos per capita em educação e um índice de qualidade, este estudo buscou analisar, também, a condição econômica dos municípios mineiros, bem como a infraestrutura das escolas a e assiduidade dos alunos, visto que estes não foram testados de forma estatística e em conjunto em trabalhos anteriores, considerando como objeto o estado de Minas Gerais. Além disso, as variáveis abordadas podem ser gerenciadas pela administração pública por meio de políticas, com o objetivo de aumentar os índices educacionais de forma efetiva.

2. Qualidade da Educação e Transferências Governamentais

2.1.Qualidade da Educação

A educação é um direito assegurado pela Constituição Federal Brasileira de 1988, que tem como princípios os incisos de I a VIII, dispostos em seu artigo de número 206:

1.     I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade.

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.

De forma mais detalhada, o inciso VII postula que o ensino deverá ser ministrado com garantia de padrão de qualidade, o que é reiterado nos artigos de número 211 e 214 do mesmo conjunto de normas. O primeiro define que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios organizarão, em regime de colaboração, seus sistemas de ensino com o intuito de garantir, de forma igualitária, oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino. Já o artigo de número 214 da Constituição enfatiza que é necessário estabelecer o Plano Nacional de Educação (PNE), o qual terá duração de dez anos e que, em conjunto com todas as esferas federativas, possui objetivo de “articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino”, de forma a conduzir, conforme inciso III, a melhoria da qualidade da educação.

Ademais, encontra-se definido como garantia oferecida pelo Estado, no inciso IX do artigo número 4 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) aprovada em 1996, que o ensino deve ter “padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem”.

Entretanto, o termo “qualidade da educação” não é encontrado de forma clara e objetiva, o que o torna alvo de questionamentos de diversos autores. Segundo Stephens (2003), conceituar a qualidade equipara-se a tentar definir a maternidade: Ambas são coisas boas, mas evasivas e passíveis de serem interpretadas segundo diferentes pontos de vista. Para muitos pais, por exemplo, a qualidade pode referir-se aos resultados da aprendizagem da criança, normalmente medida pelos resultados finais dos ciclos escolares; para o gestor escolar, a qualidade estaria ligada a abraçar normas gerais de leitura, escrita ou matemática e, para o professor de sala de aula, estaria estreitamente ligada à melhoria das condições de serviço.

Ainda conforme o autor, a qualidade da educação estaria disposta em quatro pilares: relevância, eficiência, ser “especial” e inclusão. A relevância seria a necessidade da população de ter uma boa educação. A eficiência está voltada ao cumprimento de normas e padrões já estabelecidos. Ser “especial” está voltado para a ideia de ir além das expectativas da sociedade sobre as escolas e profissionais, buscando a excelência através da inovação e da criatividade. Já a inclusão estaria voltada para que todos os alunos, independente da classe social, raça, gênero, limitações físicas e psicológicas, possam ter acesso à educação de forma igualitária.

Oliveira e Araújo (2005) discutem, em artigo denominado “Qualidade de ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à educação”, que a qualidade refere-se a um conceito fortemente ligado à questão de eficiência e, comparando com a qualidade de um produto, os autores mostram que existem duas possíveis interpretações desse conceito: A primeira estaria voltada à qualidade do produto fabricado, à sua classificação como o melhor insumo de determinado ramo. Já a segunda interpretação estaria relacionada à produção desse insumo, onde a intenção não é apresentar um produto de alta qualidade, e sim de média ou baixa que, consequentemente, tenha custos baixos de produção, gerando economia para o fabricante.

Os autores ainda relatam que o conceito de qualidade da educação pode ser visto de formas distintas pela sociedade e que, no Brasil, três significados foram construídos acerca do termo, envolvendo o acesso às escolas, a permanência dos alunos e os indicadores criados a partir de testes padronizados aplicados em escala nacional.

O primeiro está relacionado com o acesso à educação que, inicialmente, atendia aos interesses e expectativas de uma minoria privilegiada da sociedade (Beisiegel, 1986 apud Oliveira & Araújo, 2005) e existiam mecanismos rigorosos para seleção extra e intra escolares (Mello, 1979 apud Oliveira & Araújo, 2005), mas que foram eliminados por leis ao longo do tempo e que ocasionaram a expansão de estruturas físicas para sediar mais escolas.

Contudo, com o aumento da oferta de escolarização, seria necessário expandir estruturas físicas para sediar escolas e conseguir atender à demanda de alunos. Os representantes públicos do período adotaram tal ideia, mas não atentaram para a qualidade no ensino a ser ofertado, principalmente quanto à formação dos professores. Com pessoas de diversas classes socioeconômicas, as escolas não eram preparadas para atender a todos, ocasionando no segundo critério, onde era medido o fluxo de alunos que progrediam dentro das escolas e “um comparativo entre a entrada e a saída de alunos do sistema de ensino era medido a qualidade da escola” (Oliveira & Araújo, 2005).

Como as taxas de alunos que repetiam as séries do ensino fundamental eram altas (Brasil, Ministério da Educação, 1998 apud Oliveira & Araújo, 2005), adotou-se sistemas de ciclos de séries definidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), os quais diminuíram as repetições nas séries iniciais. Além disso, o Brasil possui, atualmente, como forma de medição da qualidade da educação, testes padronizados em larga escala que indicam a capacidade cognitiva dos estudantes, conforme o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB).

De acordo com Urwick e Junaidu (1991) apud Pennycuick (1993), existem duas orientações contrastantes para a qualidade: a eficiência técnica e a pedagógica. A eficiência técnica incide sobre a prestação de insumos básicos escolares, como os professores, os materiais educacionais e o tempo de aprendizagem e seus efeitos sobre o desempenho acadêmico, medidos por meio de pesquisas de grande escala. A orientação pedagógica dá ênfase nas habilidades de ensino, na formação dos professores, nos padrões de organização escolar e conteúdo curricular, considerando-os como componentes essenciais para alcançar a qualidade.

Um estudo publicado pela UNICEF na Reunião do Grupo de Trabalho Internacional sobre Educação de Florença, na Itália, em 2000, afirma que as dimensões básicas da qualidade estão voltadas para saúde dos alunos, infraestrutura adequada, conteúdos relevantes, capacitação dos profissionais, especialmente dos professores, e metas.

A saúde dos alunos é considerada relevante, pois alunos que são saudáveis e possuem boa alimentação estão mais bem preparados para aprender e participar efetivamente no processo escolar, conforme estudiosos como McCain e Mustard (1999), os quais indicam que a nutrição adequada é essencial para o desenvolvimento normal do cérebro de uma criança.

A infraestrutura do espaço físico da escola tende a influenciar o desempenho escolar dos alunos, através, por exemplo, da presença de bibliotecas, espaços ao ar livre, equipamentos de qualidade, materiais didáticos disponíveis, condições de trabalho para professores e alunos, entre outros recursos. Um estudo realizado por Willms (2000) para a América Latina analisou 50.000 estudantes nas classes três e quatro, concluindo que as crianças cujas escolas não tinham materiais de sala de aula e uma biblioteca adequada foram significativamente mais propensas a mostrar os resultados mais baixos dos testes, bem como maior repetência do que aqueles cujas escolas eram bem equipadas. Segundo Pennycuick (1993), estudos realizados em Botsuana, Nigéria e Papua Nova Guiné corroboram com os achados de Willms (2000).

Os conteúdos ministrados nas escolas devem ser pautados em uma estrutura curricular geralmente padronizada pelo Estado, além de garantir a alfabetização, isto é, a capacidade de ler e escrever. É importante ressaltar que, mesmo havendo padrões predeterminados, existem alunos com mais dificuldades que outros, sendo necessárias adaptações que visem a não discriminação dos mesmos. Assim, o professor assume um papel central na elaboração de atividades cognitivas que possibilitam ao estudante o conhecer e aprender o conteúdo, respeitando as suas limitações.

Os processos utilizados pelos professores também são considerados importantes para a definição de qualidade da educação. Os professores mais qualificados são capazes de ensinar com propriedade para os alunos o conteúdo proposto, bem como a didática a ser adotada. Carron e Chau (1996) detectaram em estudo que diversos professores na China, Guiné, Índia e México não possuem uma boa preparação antes de iniciar na profissão e que, por isso, não conseguem dominar o assunto que eles ensinam e menos ainda a melhor forma para transmitir o conhecimento. Segundo Mullens, Murnance e Willett (1996), a consequência dessa má preparação é notada no baixo desempenho escolar dos estudantes, visto que eles dependem, na grande maioria das vezes, do conhecimento dos professores.

Albernaz, Ferreira e Franco (2002), em estudo realizado utilizando micro dados do SAEB de 1999, obtiveram resultados que indicam que variáveis escolares, tais como a escolaridade dos professores e a qualidade da infraestrutura física, afetam o desempenho dos estudantes. Além disso, a diferença existente entre as próprias escolas deve-se a diferenças na composição socioeconômica de seus alunos. Quanto à escolaridade dos professores no Brasil, entre 2007 e 2016 houve um aumento de aproximadamente 32% daqueles com ensino superior, conforme dados do Observatório do Plano Nacional de Educação (PNE), reafirmando a busca pelo conhecimento didático e pedagógico por parte dos profissionais, os quais representam, em média, 72% do total de docentes. No estado de Minas Gerais, especificamente, o avanço ocorrido entre 2007 e 2014 refere-se a apenas 16,63%, indicando que o estado obteve um desempenho inferior em comparação com o país, ainda que cerca de 80% dos profissionais do estado tenham o ensino superior.

Assim, as metas são necessárias para que as instituições definam objetivos, cumpra-os e os avalie posteriormente através de testes e exames, com o intuito de mostrar os possíveis progressos e melhorias, bem como identificar falhas para serem trabalhadas e reformuladas. Entretanto, ainda que seja importante para a identificação das necessidades no campo educacional e por ser o indicador mais aproximado para mensurar esse quesito em estudos quantitativos, a qualidade educacional não se restringe às notas obtidas pelos alunos nas provas, devendo-se pensar em um conjunto de fatores que, operados de forma correta, terão como resultado a qualidade educacional. Dentre esses fatores, tem-se: valorização dos professores, infraestrutura adequada para possibilitar as mais diversas atividades aos alunos, materiais didáticos que possibilitem o entendimento do conteúdo ministrado, bem como o contexto socioeconômico do aluno e de sua família. Em suma, é necessário que existam recursos financeiros disponíveis aliados a uma gestão eficiente e transparente dos mesmos para financiar um leque de atividades educacionais que proporcionam o avanço no desempenho dos alunos.

2.2.Transferências constitucionais à Educação

Para assegurar o desenvolvimento das atividades em educação em todo o território nacional e garantir um padrão mínimo de qualidade, o artigo nº 212 presente na Constituição Federal do Brasil de 1988 traz uma imposição de que:

A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os estados, o Distrito Federal e os municípios, vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Para reafirmar a importância do investimento em educação, uma das alterações propostas pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009, mostra que o intuito dessa destinação de recursos aplica-se a todas as esferas de ensino, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, informando que a distribuição dos recursos públicos “assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere à universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do Plano Nacional de Educação” (§ 3º, artigo 212, Constituição Federal, 1988, grifo nosso).

Ainda, no artigo 213 da Constituição, é possível verificar a abrangência dos recursos públicos que serão destinados às escolas públicas, definida em lei, pois como consta no artigo primeiro, esses recursos poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o poder público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. É importante ressaltar que, para receberem a parcela correspondente da distribuição dos recursos, as escolas devem comprovar finalidade não lucrativa e aplicar os excedentes financeiros em educação e assegurar a destinação de seu patrimônio a outra escola ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

Com o objetivo de garantir que os recursos estejam disponíveis a todos, foi criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico e de Valorização do Magistério (FUNDEB), instituído pela Emenda Constitucional nº 53 de 2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, que veio para substituir o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), instituído pela Emenda Constitucional nº 14 de setembro de 1996 e regulamentado pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, vigorando de 1998 a 2006. É um fundo de natureza contábil que abrange todos os estados da federação, totalizando 27 fundos (26 estados e o Distrito Federal), e que atribui um valor mínimo anual necessário para cada aluno de cada segmento de ensino, sendo o seu parâmetro de distribuição dos recursos o número de alunos matriculados. O FUNDEB é composto por transferências intergovenamentais repassadas aos municípios que devem aplicar, no mínimo, 60% do total dos recursos na remuneração e valorização dos profissionais do magistério. Ademais, caso algum município não consiga alcançar o valor mínimo estipulado, fica a cargo da União realizar uma complementação financeira.

Davies (2012) aborda em seu estudo os altos e baixos da educação brasileira, associando a vinculação e desvinculação dos percentuais mínimos constitucionais com épocas de democratização ou ditadura militar vividas no Brasil. Além disso, apresenta emendas e casos de municípios e estados que conseguiram desvincular suas destinações à educação, resultando em grandes prejuízos para o avanço do ensino no país, visto que o percentual transferido para a manutenção e desenvolvimento do ensino era muito inferior ao limite mínimo estabelecido na Constituição.

Quando se deseja saber a eficiência dos recursos aplicados é interessante quantificá-la, pois essa quantificação revela a ineficiência entre as unidades tomadoras de decisão (países, estados ou municípios) (Lovell; 1993, 2000; Zoghbi et al, 2009). Na visão de Borger et al (1994), conforme levantam Zoghbi et al (2009), “a quantificação é necessária porque os cidadãos têm um sentimento de que os recursos públicos não são sempre utilizados da melhor maneira possível”.

No que diz respeito à fiscalização dessas destinações, Davies (1999 e 2012) discute que a sociedade possui pouca confiabilidade nos órgãos designados para tal função, uma vez que os mesmos são dirigidos por conselheiros nomeados conforme critérios políticos advindos de acordos entre o executivo e os políticos eleitos pelo povo (senadores, deputados e vereadores). Isso quer dizer que as contas do governo tendem a ser avaliadas de forma menos rígida, visto que há uma “afinidade” entre as partes.

Ainda que haja mecanismos legais e significativos para garantir que o acesso à educação seja ofertado a toda população, existem barreiras que dificultam tal processo, tais como os itens levantados por Davies (2012): o impacto da inflação, sonegação fiscal e da política fiscal/econômica; o não-cumprimento da exigência constitucional pelas diferentes esferas de governo (federal, estadual e municipal); o papel desempenhado pelos órgãos fiscalizadores dessa aplicação e, em particular, as variadas interpretações adotadas pelos Tribunais de Contas sobre o cálculo das receitas e despesas vinculadas à MDE; a desigualdade de recursos disponíveis para a educação nas três esferas de governo e o desvio dos recursos pela corrupção, burocratização e clientelismo.

3. Metodologia

3.1.Análise Empírica

Para atender ao objetivo deste estudo, que se define por avaliar se os gastos públicos com educação influenciam a qualidade da educação nos municípios mineiros, tendo como parâmetro de qualidade as notas obtidas em testes padronizados, empregou-se uma análise quantitativa, por meio de um modelo de regressão com dados em painel dinâmico (Cameron & Trivedi, 2005; Baltagi, 2008).

Além de permitir avaliar os diferentes municípios mineiros ao longo do tempo, há, basicamente, dois outros motivos que justificam o uso dessa metodologia neste estudo. O primeiro trata do fato de que a evolução da qualidade da educação pode ser caracterizada como um fator dinâmico, ou seja, o perfil dessa qualidade em períodos de tempo passados influencia o perfil corrente. O segundo se refere à possível existência de endogeneidade entre a qualidade educacional e seus condicionantes.

Assim, para i = 1, 2, ..., 853 municípios e o período t = 2006, ..., 2010, o modelo estimado neste trabalho está apresentado na equação (1):

Nessa equação, IQEit e IQEit-1 referem-se aos valores correntes e defasados em um período de tempo do Índice de Qualidade do Ensino; GPEpcit são os valores per capita destinados para a educação pública; PIBpcit indica o Produto Interno Bruto (PIB) per capita; Freqit é a taxa de frequência dos alunos nas escolas; e Internetit é a taxa de acesso à internet nas escolas. Os coeficientes α indicam os efeitos fixos ou a heterogeneidade não observada dos municípios que afetam o Índice de Qualidade do Ensino. O termo eit trata do erro aleatório.

Os coeficientes ϖj são os parâmetros estimados das j variáveis explicativas do modelo, cujos efeitos esperados sobre o IQEit são positivos. As despesas públicas em educação, conforme sua natureza e funções, devem ser eficientes para a manutenção e aumento da qualidade educacional municipal. É válido ressaltar que o entendimento adotado neste estudo da relação entre gastos educacionais e qualidade da educação não se limita à ideia de investir e obter um retorno direto nos indicadores de educação, mas sim que os investimentos em atividades educacionais propiciam uma estrutura mais adequada para que o aluno possa aprender mais, seja através de materiais pedagógicos atualizados, professores bem qualificados, dentre outros fatores. O aumento do PIB per capita, por representar o nível de renda da população e, por consequência, permitir maior qualidade de vida e de bens direcionados à educação, pode contribuir para melhoria da qualidade da educação e do aprendizado. Por fim, a frequência escolar e o acesso à internet representam proxies de fatores que favorecem o aprendizado e, por consequência, a qualidade da educação.

Quanto ao método de estimação dos coeficientes de (1), utilizou-se o System-GMM, isto é, o estimador para dados em painel dinâmico de Arellano-Bover/Blundell-Bond (Cameron & Trivedi, 2009). Esse método pode ser considerado adequado pois a amostra em análise contém poucas observações para as unidades de tempo. Como instrumentos das variáveis endógenas, utilizou-se suas respectivas defasagens. Para avaliação dos instrumentos e da presença de autocorrelação serial, realizou-se, respectivamente, os testes de Sargan e de Arellano-Bond.

Por fim, considerando-se o perfil dos municípios retratados pelas variáveis explicativas de (1), bem como a heterogeneidade não observada do modelo, pode-se identificar o potencial médio da qualidade da educação (PIQEit) por meio da seguinte expressão:

Nessa equação, IQEit trata-se do Índice de Qualidade da Educação observado em cada município i, são os valores estimados do referido Índice por meio da equação (1) e t indica o total de anos da amostra, neste caso 5.

Os valores de PIQEit podem ser maiores ou menores que 1. Valores maiores que 1 indicam que, diante do perfil do município em t, ele tem uma qualidade da educação satisfatória. Isto é, considerando-se a qualidade da educação do período anterior, os valores per capita dos recursos destinados à educação pública, o PIB per capita municipal, a taxa de frequência escolar dos alunos, a taxa de acesso à internet nas escolas e todos os demais fatores específicos e não observados que influenciam a qualidade da educação (heterogeneidade não observada – exemplos: qualidade da didática dos professores, qualidade dos materiais didáticos e da infraestrutura das escolas, perfil dos alunos, aspectos subjetivos da relação ensino-aprendizagem, especificidades que refletem as características dos municípios, etc.), a qualidade da educação apresentada é satisfatória. Por outro lado, se o valor do PIQEit for menor que 1, observa-se que há um potencial de qualidade da educação não explorado, ou seja, é possível melhorar a qualidade mesmo sem alterações no perfil do município.

3.2.Fonte dos dados e definições

As variáveis determinadas para compor o modelo de regressão deste estudo, foram coletadas no banco de dados do software IMRS, versão do ano de 2013, disponíveis nos temas: Educação (IQE, frequência às escolas, acesso à internet e alunos na série adequada), Renda e Emprego (PIB per capita) e Finanças Municipais (gastos per capita com a educação).

A variável dependente “Índice de Qualidade do Ensino (IQE)” é mensurada a partir da aplicação de metodologia específica aos resultados dos exames de Língua Portuguesa e de Matemática do Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Básica (SIMAVE). Os exames são aplicados aos alunos das escolas estaduais do 5º e do 9º ano do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio (IMRS, 2013).

Como consta no banco de dados do IMRS, o IQE Geral corresponde à média ponderada dos três índices de qualidade do ensino por série (4º/5º e 8º/9º anos do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio). A ponderação é dada pelo número de alunos em cada série que prestaram os exames de Português e de Matemática e é capaz de fornecer um panorama da qualidade da educação geral no município (IMRS, 2013).

Quanto às variáveis explicativas, os “gastos orçamentários em educação” referem-se àqueles apresentados nas prestações de contas anuais (PCA) realizadas nas subfunções Ensino Fundamental e Ensino Médio dos municípios. A variável “taxa de frequência escolar” trata da relação entre a frequência, em porcentagem, dos alunos nas escolas em relação ao número total de habitantes em determinada faixa etária. Por fim, a variável “acesso à internet” é a razão entre o número de alunos que estudam em escolas que possuem acesso à internet e o número total de alunos.

4. Resultados e Discussões

4.1.Análise descritiva das variáveis empregadas no estudo

Com vistas a analisar as características dos gastos per capita em educação, PIB per capita, acesso à internet e frequência dos alunos e o Índice de Qualidade Geral da Educação (IQE) nos municípios mineiros, apresenta-se na Tabela 1 as respectivas estatísticas descritivas.

Tabela 1 Estatísticas Descritivas

Variáveis

Média

Desvio Padrão

Mínimo

Máximo

Índice de Qualidade da Educação -IQEit

0,397

0,098

0,116

0,743

Gasto com a Educação (R$/hab.) - GPEpcit

288,37

1,53

66,79

1.684,96

Frequência às escolas (%) - Freqit

70,23

7,34

34,72

100

PIB per capita (R$/hab.) - PIBpcit

7.581,89

1,83

1.809,67

239.785,49

Acesso à Internet (%) - Internetit

73,53

29,06

0

100

Fonte: Dados da Pesquisa

Com um desvio padrão relativamente baixo, a variável “Índice de Qualidade da Educação” nos cinco anos apresenta média de 0,3966, fato que indica que a qualidade educacional mineira pode ser considerada baixa. Os municípios que apresentam os menores índices são: São João das Missões, em 2006 (0,1160) e em 2010 (0,2550), o município de Padre Carvalho, em 2007 (0,1590) e 2008 (0,1750) e Santo Antônio do Retiro, em 2009 (0,1680). Todos esses municípios situam-se na mesorregião norte do Estado, que é a que possui os menores valores médios de IQE se comparada a outras mesorregiões (ver Figura 1).

Por outro lado, os municípios que apresentam índices de qualidade mais elevados em 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 são: São José da Safira (0,5480), Capetinga (0,5520), Jacuí (0,6370), Poço Fundo (0,6200) e Biquinhas (0,7430), respectivamente. Esses municípios estão situados nas mesorregiões do Vale do Rio Doce, Sul/Sudeste e Central Mineira, as quais, considerando a média do IQE dos municípios que as compõem, apresentam valores médios e altos do Índice de Qualidade Geral da Educação.

Apresenta-se, na Figura 1, uma comparação das médias do IQE em cada ano de cada mesorregião mineira. Percebe-se que, em termos de média, a mesorregião Oeste apresenta os maiores valores nos anos de 2006 a 2010 (de 0,3743 a 0,5723). Além disso, todas as mesorregiões apresentaram crescimentos significativos durante os anos, sendo estes maiores entre os anos de 2009 e 2010. Em termos percentuais, nota-se que, em 2009, 60% dos municípios possuíam índices acima da média de IQE e que, em 2010, essa proporção passa para 93,3%, isto é, devido a incentivos e esforços constantes por parte das escolas e municípios para aumentar a qualidade educacional, cerca de 55,5% dos municípios obtiveram valores superiores à média em 2010.

A justificativa para o crescimento do nível da qualidade educacional corrobora com Oliveira e Araújo (2005) e Castro (2007) ao mencionarem que os entes públicos, através de dispositivos da Constituição Federal, têm-se preocupado em garantir que a educação seja fornecida de uma maneira melhor, resultando, assim, em maiores índices de qualidade da educação ao tomarem medidas que beneficiarão o desempenho dos alunos.

O gasto per capita em atividades de educação apresenta média de R$ 288,37, considerando o lapso temporal definido neste estudo. Os menores valores apresentados pelos municípios de São Geraldo em 2006 (R$ 66,79), 2007 (R$ 75,14), 2009 (R$ 84,56) e 2010 (R$ 110,52) e Água Boa em 2008 (R$ 84,56). Esses municípios estão localizados na mesorregião da Zona da Mata e Vale do Rio Doce, respectivamente, e podem ser considerados de pequeno porte, com populações totais variando entre 10 e 20 mil habitantes, sendo que cerca de 30% destes vivem em área rural.

Por fim, os municípios que realizaram um investimento maior em atividades de educação foram: Pedra Dourada, em 2006 (R$ 1.134,45), Serra da Saudade, em 2007 (R$ 1.176,27), 2008 (R$ 1.445,63) e 2010 (R$ 1.684,96) e Indianópolis, em 2009 (R$ 1.565,41). Uma característica interessante sobre esses municípios é que os mesmos possuem de 900 a 7 mil habitantes, sendo muito pequenos, em termos demográficos. Sabe-se que os valores apresentados se referem ao gasto médio por habitante, o que não significa que os municípios tenham realizado os maiores investimentos brutos.

4.2.Efeito dos gastos em educação, acesso à internet e frequência do aluno sobre o Índice de Qualidade Geral da Educação

Para atender ao objetivo proposto por este estudo, que visa avaliar os efeitos dos investimentos em educação e da infraestrutura das escolas com o nível de qualidade da educação dos municípios do estado de Minas Gerais, estimou-se dois modelos de regressão com dados em painel dinâmico.

As estimativas dos parâmetros desses modelos estão apresentadas na Tabela 2. Na primeira coluna tem-se as descrições das variáveis e nas duas colunas subsequentes, os resultados dos modelos. O primeiro, denominado Modelo (1), considera que o indicador de qualidade da educação nos municípios mineiros (IQE) é explicado pelo seu próprio valor no período passado (IQEit-1), pelos gastos públicos correntes em educação (GPEit), pelo percentual de frequência dos alunos nas escolas (Freqit), pelo PIB per capita corrente dos municípios (PIBpcit) e pelo percentual de escolas com acesso à internet (Internetit).

Tabela 2 Resultados das estimativas

Variáveis

Painel Dinâmico Modelo (1)

Painel Dinâmico Modelo (2)

Painel Dinâmico Modelo (3)

IQEit-1

1,107 (0,053)***

1,152 (0,0476)***

0,524 (0,218)**

IQEit-2

0,077 (0,084)ns

Freqit

0,215 (0,113)*

0,219 (0,061)***

0,606 (0,239)***

lnPIBpcit

0,090 (0,012)***

0,069 (0,009)***

0,294 (0,041)***

Internetit

0,006 (0,008)ns

-0,001 (0,007)ns

-0,019 (0,034)ns

lnGPEit

-0,014 (0,017)ns

-0,152 (0,018)***

0,295 (0,058)***

lnGPEit-1

0,138 (0,012)***

Constante

-0,872 (0,084)***

-0,678 (0,068)***

-1,889 (5,745)ns

Estatística χ2 Wald

3.286,08

5.139,82

3.120,23

Fonte: Dados da Pesquisa os números entre parênteses indicam os erros padrão. Os símbolos ***, ** e * indicam, respectivamente, significância estatística aos níveis de 1%, 5% e 10%, e ns indica ausência de significância estatística.

De acordo com a estatística χ2 Wald, o Modelo (1) como um todo é estatisticamente significativo e, ao realizar o teste de Sargan, verificou-se adequabilidade dos instrumentos utilizados. Individualmente, as variáveis GPEit e Internetit não foram estatisticamente significativas para explicar a qualidade da educação.

Por esta razão, considerando que os gastos públicos com educação possam gerar retorno em períodos futuros, e que o estado de Minas Gerais possui significativa heterogeneidade entre suas regiões de planejamento, estimou-se os Modelos (2) e (3). No (2), busca-se avaliar se há efeito dinâmico dos gastos públicos sobre a qualidade da educação, por meio da inclusão da variável GPEit-1. No (3), além de IQEit-2, incluiu-se uma variável dummy de controle para cada uma das regiões de planejamento do estado. Ambos modelos apresentaram-se estatisticamente significativos e com instrumentos validados.

Iniciando-se pela variável IQE, é possível observar que há efeito dinâmico, positivo e estatisticamente significativo em (1), (2) e (3). Isso significa que, em média, a qualidade da educação municipal corrente é positivamente influenciada pela qualidade da educação no período passado. Em outras palavras, quanto maior a qualidade da educação hoje, maior tendem a ser os esforços e resultados que garantam essa qualidade ao longo do tempo.

Quanto à taxa de frequência dos alunos às escolas, conforme a expectativa, observou-se efeitos positivos da mesma sobre a qualidade da educação. Para os três modelos, o aumento de um ponto percentual na taxa de frequência aumenta, em média, o IQE em 0,215, 0,219 e 0,60 unidades, respetivamente. Esses resultados apontam para o fato de o aluno ter uma frequência assídua na escola, com o acesso completo às atividades lá desenvolvidas por professores, diretores e outros funcionários, contribuindo para o aumento na qualidade educacional.

Apesar de aqui não se ter realizado uma análise direta, é possível supor com essa constatação que políticas públicas de transferências de renda, como o caso do Programa Bolsa Família, ao exigir das famílias beneficiadas que os filhos tenham “frequência mínima de oitenta e cinco por cento da carga horária escolar mensal, em estabelecimentos de ensino regular, de crianças e adolescentes de seis a quinze anos” (Decreto nº 5.209 de 2004, Capítulo III, Seção I, art. 28, inciso II) possam contribuir para o aumento da qualidade da educação.

Quanto ao PIB per capita obtido nos municípios, que trata de uma proxy do desenvolvimento econômico municipal, pode-se observar que esta é uma variável estatisticamente significativa para explicar a qualidade da educação. Esse resultado está de acordo com os de Zoghbi et al (2009), que associam a relação direta entre nível de educação, capacitação dos profissionais e potencial econômico nos entes federativos do Brasil.

No que se refere à variável “taxa de acesso à internet”, os resultados apontam que a mesma não é relevante para explicar a qualidade da educação nos municípios mineiros. Apesar de a internet possibilitar a realização de pesquisas e levantamento de informações educacionais nas diferentes áreas de conhecimento, dentre tantas outras coisas, o acesso nas escolas parece não suprir os instrumentos tradicionais que contribuem para a qualidade da educação. Possivelmente, professores bem preparados e com boa didática, livros e a infraestrutura física e social das escolas são fatores que se sobressaem nas responsabilidades de qualidade da educação[1].

Passando para a análise das diferenças regionais da qualidade da educação, que foi analisada no Modelo (3), observou-se coeficientes não estatisticamente significativos para as dez dummies de região de planejamento[2]. Isso significa que, apesar de existir significativa heterogeneidade de desenvolvimento econômico regional em Minas Gerais, a qualidade da educação é um fator que, em média, pode ser considerado relativamente homogêneo. Esses resultados são pertinentes, uma vez que, conforme Tabela 2, a variável IQE possui baixo desvio padrão em torno de sua média.

Quanto à variável de principal foco do estudo, os gastos públicos em educação (GPE), observou-se resultados interessantes nos modelos (1) e (2). Pelo (1), os gastos públicos correntes em educação não influenciam estatisticamente o IQE no período analisado. Tentando considerar o que acontece com o efeito desse gasto sobre o IQE um período depois, no modelo (2) apresenta-se duas constatações. A primeira é que gastos públicos correntes em educação (GPEit) possuem efeitos significativos e negativos sobre o IQE. Entretanto, apesar de os recursos serem destinados à educação, eles não necessariamente contribuem de forma direta para a qualidade da mesma. Exemplos são os gastos com combustíveis do transporte escolar e os com limpeza e alimentação. Por outro lado, quando se analisa os efeitos dos gastos de um período atrás (GPEit-1) nos valores correntes do IQE, observa relações positivas, significativas e diretas. Assim, pode-se dizer que os retornos dos gastos públicos em termos de qualidade da educação são vistos um período depois de realizados. Desse modo, é possível afirmar que, para os municípios mineiros, gastos públicos com educação são positivos para a qualidade educacional, fato que está de acordo os estudos de Franco (2008), Zoghbi et al (2009) e Figueiredo, Haddad e Freguglia (2011).

Como forma de complementar a análise deste estudo, tem-se a identificação do potencial da qualidade da educação (PIQE). Apresenta-se na Figura 2 um mapa com a distribuição dos municípios mineiros de acordo com o PIQE. Os municípios em tons claros de cinza são os com potencial satisfatório da qualidade da educação. Já os em cinza escuro são os que possuem potencial de qualidade da educação inexplorado e, com isso, estão aquém da previsão com base nas características (variáveis) predefinidas, podendo explorar ações visando melhorias na qualidade educacional.

Os destaques de potenciais inexplorados e de potenciais satisfatórios referem-se aos municípios de Confins (0,5929), na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e São João das Missões (1,9646), localizado na mesorregião Norte de Minas, respectivamente. Percebe-se que as mesorregiões de Vale do Mucuri, Norte de Minas e Jequitinhonha possuem os municípios que conseguiram explorar a qualidade da educação, dadas as restrições, recursos e condições/fatores preestabelecidos ou que tiveram acesso. Essas informações reforçam as peculiaridades de cada município, bem como de cada mesorregião dentro de um estado, que vão desde aspectos institucionais gerais da cidade até especificidades do processo de ensino-aprendizagem.

Por outro lado, dentre as mesorregiões mineiras Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Sul/Sudoeste de Minas, Campos das Vertentes e Oeste de Minas existem os municípios que, dadas as características definidas, alcançaram valores médios de Índice de Qualidade Geral da Educação inferiores aos esperados. Esse potencial de educação não explorado pode estar relacionado a diferentes fatores, sobre os quais pode-se lançar mão de ações com vistas a ampliar a qualidade da educação em potencial. Exemplos poderiam ser esforços de melhoria da relação aluno-professor, da didática, ações de incentivo aos profissionais e alunos, participação social e familiar, dentre outros, os quais não se tratam das variáveis empregadas no modelo em análise.

Um ponto interessante é que as regiões que apresentaram índices relacionados ao PIQE maiores que 1 (IQE observado maior que o estimado) são consideradas como menos desenvolvidas, conforme o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHm), indicando que, no campo educacional, os municípios dessas regiões possuem mecanismos que estão impactando positivamente a qualidade educacional, como as variáveis mencionadas, além do processo de ensino-aprendizagem e da gestão eficiente dos recursos por parte dos gestores, por exemplo. Isso não significa que tais municípios têm elevada qualidade da educação, mas sim que utilizam com maior competência os recursos aos quais possuem acesso. Tal fato pode sinalizar que maiores investimentos têm o poder de gerar, proporcionalmente, maiores ganhos na qualidade da educação

Em contrapartida, salvo algumas exceções, encontram-se nas regiões mais desenvolvidas de Minas Gerais (Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Sul/Sudoeste de Minas, Campos das Vertentes e Oeste de Minas e RMBH) municípios com potenciais inexplorados com valores de PIQE muito inferiores a 1, tais como: Confins (0,5929) e Betim (0,6776) na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Araporã (0,5968) e Fronteira (0,6909) em Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, São João Batista do Glória (0,7330) e São José da Barra (0,7411) no Sul/Sudoeste de Minas, Iguatama (0,7777) e Conceição do Pará (0,7946) no Oeste de Minas e, por fim, Piedade do Rio Grande (0,7415) e Ijaci (0,7502) na mesorregião do Campo das Vertentes.

Figura
2. Potencial dos municípios quanto ao IQE
Figura 2. Potencial dos municípios quanto ao IQE
Fonte: elaborado pelas autoras com base nos resultados da pesquisa

Este fato pode indicar que há recursos não explorados, ou mesmo mal explorados, que poderiam contribuir para o aumento da qualidade da educação nesses municípios. Se, por um lado, tais municípios possuem condições socioeconômicas mais favoráveis que aqueles situados no norte do estado e no Vale do Jequitinhonha e Mucuri, de forma geral, eles poderiam ter uma qualidade da educação maior do que a que efetivamente possuem. Tal fato pode acontecer em função de questões relacionadas à gestão das instituições de ensino, ações didático-pedagógicas, qualificação dos profissionais de ensino, dentre outras.

Como fechamento da análise desses resultados, pode-se dizer que, de forma geral, o perfil histórico da qualidade e os gastos contribuem para a qualidade da educação nos municípios de Minas Gerais. Por outro lado, há fatores específicos e não necessariamente quantificáveis que têm feito com que 64,48% (550) dos municípios tenham um potencial de qualidade da educação inexplorado.

5. Conclusões

Com os resultados obtidos neste estudo, foi possível identificar que os gastos públicos realizados em atividades educacionais, a renda per capita de cada município, a taxa de frequência dos alunos às escolas e o histórico de desempenho em qualidade da educação são fatores que contribuem positivamente para o desempenho acadêmico dos alunos das escolas mineiras, reforçando a dinamicidade existente no processo educacional. Ademais, acredita-se que os municípios sempre tomarão o período anterior como referência para traçar metas e objetivos para avançar rumo a uma educação de qualidade. Nota-se que quando uma política pública é decidida no governo central, existe um período de tempo para que os efeitos comecem a surgir, denominado defasagem externa.

Especificamente quanto aos gastos públicos com atividades ligadas à educação, o fato de os mesmos terem se mostrado como propulsores da qualidade educacional de forma dinâmica, pode-se concluir que políticas públicas de investimentos na educação não devem ser feitas de forma isolada, em um único ponto do tempo. Pelo contrário, elas devem ser contínuas, uma vez que seus resultados são alcançados em momentos futuros. É importante ressaltar que os municípios possuem particularidades, as quais devem ser levadas em consideração no ato da alocação dos recursos, respeitando as legislações vigentes, bem como atentar-se às necessidades dos alunos para que ocorra o aprendizado da melhor forma, dadas as restrições existentes (orçamentárias, infraestrutura, funcionais, dentre outras).

Dessa forma, acredita-se que melhores condições de trabalho aos professores e demais colaboradores das instituições de ensino, bem como investimentos na infraestrutura das escolas (bibliotecas, salas de aula arejadas e limpas, boa alimentação, salas de informática, entre outros), devem ser ações efetivas, eficientes e contínuas. Isso porque há um grande número de municípios com potencial de qualidade da educação inexplorado.

Como contribuição para futuras pesquisas, sugere-se que sejam realizadas investigações mais detalhadas e também de cunho qualitativo com os principais colaboradores do processo de ensino e aprendizagem nas escolas. É importante conhecer a vivência e a realidade de como ocorrem os processos de recebimentos e gastos das verbas públicas, bem como identificar fatores comuns que não favorecem a qualidade educacional.

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