ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

De servidores públicos marajás a profissionais eficientes: uma genealogia das práticas de poder e resistência a partir de um grupo de discussão

From maharaja public servants to efficient professionals: a genealogy of the practices of power and resistance from an online discussion group

De servidores públicos marajás a profesionales eficientes: una genealogía de las prácticas de poder y resistencia a partir de un grupo de discusión en línea

 

Paula Fernandes Furbino Bretas

Mestrado em Administração (Concentração em Estudos Organizacionais e Sociedade) pela Universidade Federal de Minas Gerais

http://lattes.cnpq.br/4637687387433353

https://orcid.org/0000-0002-7120-0574

paulaffb@gmail.com

 


RESUMO: Objetivou-se neste artigo compreender como um grupo de discussão online foi produzido e transformado em práticas de poder e resistência em uma organização pública. Buscou-se desenvolver reflexões sobre as relações de poder e seus efeitos a partir do poder disciplinar, observando os regimes de verdade do Neoliberalismo e da Nova Gestão Pública como condições de emergência do grupo. Metodologicamente, seguiu-se as diretrizes da genealogia para fazer um estudo de caso qualitativo em uma perspectiva histórica. Alguns achados de pesquisa incluem os processos de subjetivação de trabalhadores despolitizados e a possibilidade de resistências multiformes que se transformam constantemente no jogo de poder.

Palavras-chave: Poder disciplinar. Resistência. Neoliberalismo. Nova Gestão Pública. Perspectiva Histórica.

 

ABSTRACT: In this article, the purpose was to understand how an online discussion group has been produced and transformed into practices of power and resistance in a public organization. It was sought to develop reflections on power relations and their effects on the disciplinary power, observing the truth regimes of Neoliberalism and the New Public Management as the emerging conditions of the group. Methodologically it followed the genealogy guidelines to make a qualitative case study in a historical perspective. Some research findings include the process of subjectification of depoliticized workers and the possibility of multiform resistance that constantly transform the power game.

Keywords:  Disciplinary Power. Resistance. Neoliberalism. New Public Management. Genealogy.

 

 

RESUMEN: Se ha tratado en este artículo comprender cómo un grupo de discusión en línea fue producido y transformado en prácticas de poder y resistencia en una organización pública. Se buscó el desarrollo de reflexiones sobre las relaciones de poder y sus efectos a partir del poder disciplinario, observando los regímenes de verdad del Neoliberalismo y de la Nueva Gestión Pública como condiciones de emergencia del grupo. Metodológicamente, se siguieron las directrices de la genealogía para hacer un estudio de caso cualitativo en una perspectiva histórica. Algunos resultados de investigación incluyen los procesos de subjetivación de trabajadores despolitizados y la posibilidad de resistencias multiformes que se transforman constantemente en el juego de poder.

Palabras clave: Poder disciplinario. Resistencia. Neoliberalismo. Nueva Gestión Pública. Genealogía.


 

Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br

Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br

 


Introdução

Objetivou-se neste artigo compreender como um grupo de discussão online foi produzido e transformado em práticas de poder e resistência em uma organização pública. Não são raros os estudos sobre poder (Mintzberg, 1992, 1995; Lana, Paines, Bonaldo, & Muller 2016; Santos & Claro, 2014) em uma concepção negativa na Administração, isto é, o poder que diz “não”, proíbe e controla. Influenciados pelos estudos weberianos sobre a burocracia, cuja análise é na estrutura, esses estudos citados sobre poder tentam localizar o poder na organização, na autoridade, na hierarquia, no Estado ou algum outro centro de poder (Clegg, 1994; Pereira, 2014), conferindo-lhe, assim, uma característica de atributo que se possui (ex. o poder do gerente).

Os estudos baseados em Foucault nos Estudos Organizacionais são de diversas naturezas, como estudos teóricos (Ferreirinha & Raitz, 2010; Lemos, Rodriguez & Monteiro, 2011), teórico-empíricos (Alcadipani & Almeida, 2000; Capelle & Brito, 2003; Silva & Alcadipani, 2004; Xavier & Godoi, 2010) ou epistemológicos (Souza, Machado & Bianco, 2008; Cavalcanti & Alcadipani, 2011; Pereira, Oliveira & Carrieri, 2012; Costa, Guerra & Souza-Leão, 2013). Entretanto, acredita-se ser necessário aprofundá-los, tentando sair da instrumentalização na utilização do poder disciplinar (Souza, Junquilho, Machado, & Bianco, 2006), a partir da construção de uma genealogia com influências da nova história (Souza & Costa, 2013) e da articulação desta com o cotidiano (Barros & Carrieri, 2015).

Não se busca aqui uma fonte para o poder (p. ex., o gerente como seu possuidor), pois se segue a premissa de Foucault (2014), de que poder não é algo que se tem e nem se localiza no centro. É a busca pelo “como”, e não pelo “onde” ou “quem”. Acredita-se que não centralizar o poder significa ampliar os horizontes da análise para os contextos sociais, de forma a vislumbrar relações de poder-saber que sustentam regimes de verdade de cada época. Isto é perceber como alguns conhecimentos são legitimados como “verdadeiros” em detrimento de outros, como existem condições externas que ocasionam essa legitimação, como o poder é constituído e exercido nesse processo de legitimação de saberes, bem como observar “quem profere os discursos que o legitimam, e também a formação de identidades, individuais e institucionais, que decorrem deste processo” (Abumanssur, 2016).

Nessa análise do macro ao micro, entende-se que o poder é exercido, se dá nas relações sociais, e é também disperso, capilar, de maneira que chega aos indivíduos atingindo seus corpos, discursos, gestos, atitudes, aprendizagem, enfim, sua vida cotidiana (Foucault, 2014). Essa abordagem positiva para o poder se difere de outras abordagens para a análise do objeto de estudo do presente artigo, pois desloca o foco da análise da estrutura e dos indivíduos para análise das relações sociais e processos de subjetivação.

Na dispersão das relações de poder, coaduno com Foucault (2014): onde há poder, há resistências. Nessa concepção, busca-se sair da noção de que a resistência é um contra-poder (Misoczky, Flores & Böhm, 2008; Misoczky, Moraes & Flores, 2009) para uma abordagem foucaultiana, na qual a resistência “não é anterior ao poder que ela enfrenta. Ela é coextensiva a ele e absolutamente contemporânea”, não sendo uma imagem invertida do poder, mas algo como o poder ­ inventivo, produtivo e móvel (Foucault, 2014, p.360). Essa noção permite a análise crítica da instabilidade dos processos sociais, o que escapa às perspectivas funcionalistas e perspectivas baseadas nas teorias crítica e marxista.

Diante disso, analisa-se um grupo de discussão online criado a partir do Yahoo!Grupos por trabalhadores de uma organização pública, denominado aqui como LEGO[i]. Os interessados em fazer parte do GRUPO[ii], para receber, trocar e responder e-mails dos participantes, se inscrevem com seu e-mail institucional. A criação do grupo teve ampla repercussão e, em vários momentos de sua história, foi considerado como resistência, ora à administração, ora aos políticos envolvidos na organização, ora a concepções político partidárias vigentes em determinada época. Observa-se uma espécie de tabu em um contexto de interdições, pois nos rumores e advertências sobre o GRUPO, há comparações com “uma caixa de vespeiro”. Tal contexto é explicado pela ideia de interdição foucaultiana, segundo a qual “sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (Foucault, 2013a: 9).

Percebe-se o GRUPO, assim, como um paradoxo: ao mesmo tempo em que era uma possibilidade de dar visibilidade aos pontos de vista e demandas dos trabalhadores, era de certa forma controlado pela organização e sujeito a sanções e punições. Ao reconstruir uma versão da história do GRUPO, a partir da memória dos participantes, observa-se a sua plasticidade e fragmentação, de um grupo rebelde a conformado e de um grupo atuante como resistência a um grupo passivo e silenciado. Mas isso não limita e restringe as possibilidades de resistências dos trabalhadores. Demonstra apenas as múltiplas formas que elas adquirem na medida em que os processos de normalização atravessam os corpos. Processos esses que conduzem as condutas, os gestos e os discursos dos sujeitos envolvidos em prol de regimes de verdade que legitimam os saberes que coadunam ideais do Neoliberalismo e da Nova Gestão Pública.

Além desta introdução, o artigo possui mais quatro seções. Na primeira, foram discutidos as relações de poder e resistência e o desenvolvimento do poder disciplinar; na segunda, são apresentados os aspectos metodológicos; na terceira, há uma contextualização, a partir do Neoliberalismo e da Nova Gestão Pública, e a construção de uma narrativa histórica das resistências relativas ao GRUPO; por fim, na quarta e última seção, são tecidas as considerações finais.

 

Fundamentos teóricos

As relações de poder e resistência

Para Foucault (2014), o poder é algo que se exerce, estando no domínio da ação. Contra a abordagem negativa do poder, Díaz (2012) afirma que se o poder fosse somente repressivo não seria obedecido. Logo, a concepção negativa do poder está ligada à abordagem jurídico-discursiva de uma lei que diz não (Foucault, 2013b). Entretanto, para Foucault (2014), o poder não deve ser algo procurado no centro, nas posições hierárquicas, pois ele é capilar. Dessa forma, ele se manifesta em todo o corpo social, na vida cotidiana do indivíduo, na conduta de gestos, atitudes, trabalho, rotinas e discursos.

Portanto, o poder não é nem uma propriedade nem um direito que consagra o possuidor como pregava a teoria jurídica clássica. E também não é da ordem da repressão (Foucault, 2014); do poder que serve à manutenção de relações de produção para a dominação de uma classe sobre a outra, como desenvolveu o marxismo. Ambas as abordagens, teoria jurídica e marxismo, secundarizam o poder em relação à economia (Foucault, 2014). Entretanto, mesmo depois da revolução, as relações de poder cotidianas permaneceram as mesmas na União Soviética, o que fez Foucault (2010) acreditar que só mudaremos a sociedade se mudarmos essas relações, consideradas até então como marginais, mas que ocupam uma posição central no domínio político, já que o poder não estaria ligado apenas ao Estado, mas sim, operando em lugares múltiplos, abrangendo problemas relacionados à psiquiatria, à sexualidade, à família, dentre outros.

Sobre relações de poder e resistência, Foucault procura se aproximar da ideia de estratégia sem estrategistas, no intuito de se afastar de abordagens psicologizantes. Ao invés de intencionalidade explícita ou motivações psicológicas como fontes, Foucault observa o movimento das relações de força, preocupando-se mais com disposição, manobras, táticas, técnicas e funcionamento. Desse primeiro argumento, conclui-se que não há dominados e dominadores; nem um sujeito movendo a história, seja ele individual ou coletivo, mas um jogo de forças (Dreyfus & Rabinow, 2013). Isso porque, nessa concepção, “os sujeitos não preexistem para, em seguida, entrar em combate ou em harmonia. Na genealogia, os sujeitos emergem em um campo de batalha, e é somente aí que desempenham seus papéis” (Dreyfus & Rabinow, 2013, p.146).

Foucault (2010) ressalta, ainda, que essas relações não são regidas por uma regra universal, mas sim possuem suas próprias tecnologias e métodos. E também que não são relações extremas como “Faça isto ou te mato”, pois existe uma noção de enfrentamento e de reversibilidade na rede de forças. Essas resistências possuem, portanto, um papel complexo na relação de poder, pois aquela força que domina, para continuar dominando perante às resistências, precisa tentar se manter com mais força e mais astúcia. Dessa forma, é possível perceber mais um campo de batalha, uma luta perpétua, multiforme e em movimento, do que algo estanque (Foucault, 2010). O poder pode ser, assim, visto como um diagrama (Díaz, 2012) que “vai da rebelião à dominação, da dominação à rebelião” (Foucault, 2010, p.232).

Na defesa de que o poder produz o próprio homem (Souza et al., 2006), atravessado por forças de naturezas diversas, conseguiremos entender quem é o trabalhador que participa do GRUPO, na década de 1990, identificando o jogo bélico entre essas forças e as relações de poder-saber engendradas, com foco no poder disciplinar para compreensão dos processos de subjetivação vivenciados por esses sujeitos.

 

O desenvolvimento do poder disciplinar

Em seus estudos sobre poder, Foucault postula sobre as disciplinas, que se referem ao governo dos corpos dos indivíduos, e sobre a biopolítica, que se refere ao governo das populações. Neste artigo, o foco recairá sobre as disciplinas, que é uma categoria de poder específica, mesmo sabendo das diferenças de contextos históricos entre aquele que o autor estudou as prisões e o contexto do presente estudo. Contudo, acredita-se que a noção de disciplina como

uma rede de relações entre elementos heterogêneos (instituições, construções, regulamentos, discursos, leis, enunciados científicos, disposições administrativas) que surge com vistas a uma determinada finalidade estratégica (nesse caso, a produção de indivíduos politicamente dóceis e economicamente rentáveis) e cujo funcionamento e cujos objetivos podem modificar-se para adaptar-se a novas exigências (Castro, 2014, p. 92)

 

O que coaduna com a visão presente neste artigo de que é possível estudar as relações de poder em vários níveis, sem manter o foco, nem na estrutura, nem no indivíduo, mas nos processos diversos que movimentam o jogo de forças.

O principal objetivo do poder disciplinar é tornar o corpo dócil e produtivo; é analisá-lo para manipulá-lo, treiná-lo. Assim, a disciplina atua em um jogo de forças perante o corpo, no qual se aumenta as forças em termos econômicos de utilidade e diminui as forças em termos políticos de obediência (Foucault, 2013b). O exercício da disciplina exige um olhar vigilante, mas que não é visto. Percebemos como, atualmente, as tecnologias de informação cumprem essa função de vigilância nem sempre visível, seja na prática da biopolítica (Stassun & Prado Filho, 2012), ou no controle nas organizações (Bessi, Zimmer & Grisci, 2007).

Dreyfus e Rabinow (2013) indicam que foi nas escolas e nas forças armadas que as disciplinas desenvolveram técnicas e táticas para tratar o corpo como objetos a serem moldados. Segundo os autores, era necessário um padrão que unificasse operações e solidificasse punições para fazer funcionar esse sistema disciplinar. Tal padrão seria a sanção normalizadora, que consiste em micropenalidades, devidas em função de desvios cotidianos, o que transformou o dissidente em objeto da atenção disciplinar.

Para Foucault (2013b), essa infrapenalidade existe no espaço, não ocupado pelas leis, e atuam qualificando e reprimindo comportamentos que escapam aos grandes sistemas de castigo, como desvios em relação ao tempo (atrasos, ausências, interrupções de tarefas), à atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), à maneira de ser (grosseria, desobediência), aos discursos (tagarelice, insolência), ao corpo (atitudes “incorretas”, gestos fora da conformidade) e à sexualidade (imodéstia, indecência). Essas punições podem abranger tanto castigos físicos leves, quanto privações ligeiras e pequenas humilhações.

Ao possibilitar que diferentes elementos de um aparelho disciplinar tenham função punitiva e, ao dividir a conduta em frações penalizáveis, cria-se uma universalidade que prende o indivíduo em um continuum punível-punidora. Diferente da separação jurídica de permitido-proibido, os comportamentos são situados e graduados entre os polos do bem e do mal (Foucault, 2013b), estabelecendo-se uma “hierarquia objetiva através da qual a distribuição dos indivíduos era justificada, legitimada e tornada mais eficaz” (Dreyfus & Rabinow, 2013, p.208). Portanto, ao existir uma conformidade e uma regra, o que lhe extrapola é desvio passível de penalidade baseada em uma quantificação, em uma economia das penas (Foucault, 2013b).

Foucault (2010, p.311) acredita que “os controles psicológicos são sempre mais eficazes que os controles físicos”. Logo, na disciplina, a punição atua no sistema gratificação-sanção, evitando o uso de castigos e aumentado as recompensas, sendo estas mais frequentes que as penas. Dessa forma, há incitação por recompensas e receio dos castigos e, dessa microeconomia, os aparelhos disciplinares conseguem hierarquizar os indivíduos entre bons e maus (Foucault, 2013b). 

Conforme o autor, ao hierarquizar grupos de indivíduos, além da distribuição segundo aptidões e comportamentos, existe um exercício de pressão constante para que os indivíduos dos grupos inferiores (maus, vergonhosos) se submetam ao mesmo modelo e ascendam aos grupos superiores (bons) e, assim, todos se pareçam. Portanto, a arte de punir precisa fazer funcionar a coação de uma conformidade, traçando o limite que definirá a fronteira externa do anormal, sem tomar por referência um conjunto de leis e sim um conjunto de fenômenos observáveis. Por isso, ela “compara, diferencia, hierarquiza, homogeniza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza” (Foucault, 2013b, p.176). Tal normalização é um dos principais efeitos dos processos de subjetivação que se busca compreender neste artigo.

 

Procedimentos metodológicos

Foucault (2013a) ressalta que cada momento histórico possui condicionantes que o permitem assim ser. Dessa forma, mais do que procurar “a verdade”, procura-se as vontades de verdade vigentes em cada período e as suas transformações sócio-discursivas, de forma a restituir o caráter de acontecimentos do discurso, e suspender a soberania do significante (Foucault, 2013a). Assim, antes de retornar às relações de poder que atravessam os sujeitos e conduzem discursos, gestos e atitudes nos processos de subjetivação, busca-se entender como os conhecimentos nessa história se tornaram legitimados para entender sua relação de poder-saber manifesta no cotidiano.

Dreyfus e Rabinow (2013) descrevem a tarefa do genealogista como destruidor de verdades imutáveis, da primazia da origem, das doutrinas de desenvolvimento e progresso em um ambiente permeado de sujeição, dominação e luta. Sobre tal ambiente, Díaz (2012) corrobora os autores afirmando que o enfrentamento é, propriamente, o lugar, e exemplifica algumas emergências em meio a esses enfrentamentos, como o surgimento da diferenciação de valores na dominação de homens sobre homens ou da ideia de liberdade na dominação de uma classe sobre outra. Dessa forma, a genealogia não tenta nada menos do que fazer uma história de algumas interpretações que surgem de lutas, partindo da premissa de que o devir da humanidade é um conjunto de interpretações (Foucault, 2010), sem origem, sem essência, sem ligação direta entre natureza e linguagem.

Dessa forma, se pensarmos o discurso como “elemento que confere materialidade e plasticidade às relações de poder” (Pereira, 2014, p. 16), podemos analisá-lo enquanto prática social que constitui e é constituído pelos efeitos de verdade. Na busca desse empreendimento genealógico, foi feita uma breve análise do Neoliberalismo e da Nova Gestão Pública, como os discursos legitimados nessa relação poder-saber contemporâneos ao surgimento e ao desenvolvimento do GRUPO na LEGO.

Assim como Vizeu (2010), Costa, Barros e Martins (2010), Souza e Costa (2013) e Barros e Carrieri (2015), acredita-se que a pesquisa organizacional precisa se voltar para as especificidades locais na tentativa de compreender a singularidade das práticas organizacionais em um contexto sociocultural próprio. Souza e Costa (2013) argumentam que a genealogia proposta por Foucault (2010; 2013a; 2013b; 2014) possui aproximações possíveis com a nova história sendo inclusive influenciada e influenciadora desse movimento, dentre elas,

[...] (a) o combate comum a uma visão linear, contínua e progressiva da história; (b) o abandono da busca dos grandes feitos dos grandes homens (grandes inventores, grandes descobridores) e o interesse por uma história vista de baixo, ou seja, pelas opiniões e experiências de pessoas comuns como agentes da história (trabalhadores, presos, prostitutas, homossexuais, mulheres etc.); (c) a concordância em relação à transformação (e ampliação) da noção de documento, não mais considerado um dado, mas, sim, uma construção social; e (d) a importância atribuída às singularidades e às práticas sociais cotidianas como forma de constituição da história (Souza & Costa, 2013, p.8).

 

Enquanto a história tradicional adotava documentos oficiais, pois seus dados eram passíveis de serem comprovados, garantindo credibilidade à pesquisa, os adeptos da nova história postulam que essa restrição serviria a contar a história dos grandes feitos pelas ilustres figuras, cabendo ao resto da humanidade um papel secundário, e não possibilitando a compreensão das atitudes dos opositores. É por este motivo que o “pesquisador deve se valer de argumentos e evidências históricas de diversas origens e de diferentes camadas sociais de acordo com cada pesquisa” (Fontoura, Alfaia & Fernandes, 2013, p.91).

Outra característica da nova história identificada nesta pesquisa é a atenção voltada aos coletivos, tendências e acontecimentos ao invés do foco nas ações dos indivíduos, bem como a noção de que não é possível olhar para o passado sem um ponto de vista próprio, sendo uma visão irrealista aquela que considera que os fatos são apresentados como acontecem, como dado objetivo, neutro e fidedigno (Fontouraet al. 2013).

Godoy (2006) argumenta que muitos problemas de pesquisa que utilizam estudos de caso surgem de situações cotidianas e do desejo do pesquisador de estudar uma situação a partir da prática. Esses problemas procuram responder a questões sobre processos, por que e como as coisas acontecem, assim como questões que buscam descrever e interpretar o que aconteceu em dada situação.

Por isso, o estudo de caso foi escolhido como um guia para se chegar à compreensão da problemática de pesquisa. Trata-se de um caso único, singular, não acessível a todos os pesquisadores, em que emergiu o fenômeno social engendrado em um contexto específico, delimitado espaço-temporalmente (Stake, 1994). Por envolver o fator humano, está distante da possibilidade do estabelecimento e controle de variáveis, o que justifica a abordagem qualitativa. Barros e Carrieri (2015) defendem uma produção de saber nos Estudos Organizacionais que, calcada na relação entre história e cotidiano, possibilite constituir um contraponto às teorias hegemônicas estadunidenses.

A partir das premissas ora apresentadas, a pesquisa qualitativa com diferentes fontes de dados foi adotada. O enfoque no testemunho oral, em contraposição à adoção de apenas documentos oficiais, se deu por meio da realização de 13 entrevistas semi-estruturadas no segundo semestre de 2014. Foram considerados os seguintes critérios para a seleção dos entrevistados: forma de participação no GRUPO e tempo de trabalho na organização, conforme Figura 1. Esses critérios possuem limitações na tentativa de compreender a realidade, mas foram necessários no sentido de possibilitar um recorte à pesquisa. Trabalhadores que não participam do GRUPO, terceirizados, de recrutamento amplo, estagiários e adolescentes trabalhadores, bem como gerentes operacionais, gerentes gerais, diretores e políticos também fazem parte dessa realidade, mas não foram incluídos na pesquisa.

 


Figura 1 - Classificação Final dos Entrevistados

1.ª Geração

2.ª Geração

3.ª Geração

 

Entrevistadx 9

 

 

Criadores ou primeiros usuários do “GRUPO”

Entrevistadx 7

 

Entrevistadx 1

Entrevistadx 4

Entrevistadx 8

Entrevistadx 10

Os que publicam no “GRUPO”

 

Entrevistadx 2

Entrevistadx 3

Entrevistadx 5

Entrevistadx 6

Entrevistadx 11

Os que recebem e-mails do “GRUPO”, mas não publicam

Entrevistadx 12

Entrevistadx 13

 

 

Aqueles que conhecem o “GRUPO”, mas não participam dele

Fonte: Elaborada pela autora.

 

 


Além das entrevistas, foram coletados dados secundários para análise documental. Tendo em vista a possibilidade dialógica e o advento das novas tecnologias, foram coletados e-mails trocados no GRUPO, durante o período de um ano, e e-mails mais antigos guardados por um entrevistado que me foi disponibilizado para esta pesquisa, permitindo a análise de períodos recentes e remotos, respectivamente, além do cruzamento de dados provenientes de diversas fontes em cada período histórico. Acredita-se que utilizar tais dados como fontes de dados de pesquisa seja um dos aspectos originais neste artigo e figura como um de nossos desafios, mas também uma das contribuições metodológicas para os Estudos Organizacionais. O uso da internet faz parte do cotidiano de muitos sujeitos, mas não tem sido objeto de relevância nas pesquisas acadêmicas enquanto possibilidade metodológica. Também foram utilizados relatórios, boletins e reportagens diversas como dados secundários que me auxiliaram na compreensão dos discursos oficiais e conhecimentos legitimados nesse contexto social.

Por fim, foram realizadas observações não sistematizadas a fim de desenvolver uma análise genealógica das condições de emergência do GRUPO na LEGO. Percebeu-se que muitas pessoas se recusaram a participar, principalmente no grupo de trabalhadores com menos tempo de casa, mas também alguns aposentados que foram considerados polêmicos pelos participantes; que algumas pessoas pediram para não registrar a conversa; que a maioria questionava se a entrevista seria realmente anônima e como os nomes seriam tratados na pesquisa. Outras sentiram a entrevista como um momento terapêutico e desabafaram angústias, outros reviveram memórias de outras fases da vida que julgaram ter relação com o GRUPO, como lembranças da ditadura e, por fim, foi observado que as pessoas que já conheciam a entrevistadora se abriram mais, enquanto aquelas que ainda não a conheciam buscavam as palavras certas em alguns momentos da entrevista.

É importante ressaltar que as entrevistas foram realizadas em salas reservadas, contudo nos próprios ambientes de trabalho. Assinala-se que tais acontecimentos reproduzem a ideia do GRUPO como tabu, como algo do qual não se pode dizer. Reflete e reproduz também a existência do medo e da dominação no ambiente organizacional. Acredita-se que tais características são as principais do cenário de pesquisa e serão detalhadas nas seções seguintes.

Para análise dos dados, argumenta-se que esta pesquisa é também uma construção narrativa, a qual exige seleção de personagens e lugares (orientação), ações e interações (ação complicadora), significação do que aconteceu (avaliação) e desfecho (solução) (Zaccarelli & Godoy, 2013). Corrobora-se aqui com os argumentos de Zaccarelli e Godoy (2013) que, ao estudarem as possibilidades de uso de narrativas nas pesquisas em organizações, ressaltaram que contar histórias envolve uma relação entre narrador e audiência, na medida em que aquele seleciona, organiza, conecta e avalia eventos como significativos para estes, mesmo sabendo que não houve uma cronologia linear e homogênea nem nos acontecimentos nem nas análises. Portanto, a maior parte das entrevistas foi utilizada na construção dessa narrativa e não foram apresentados trechos para preservar o anonimato dos sujeitos de pesquisa, já que essa foi uma preocupação recorrente durante a coleta de dados.

Entremeando a construção narrativa, recorreu-se a elementos da Análise de Discurso Crítica (Fairclough, 2001; 2003) em momentos pertinentes para aprofundar a análise da construção dos personagens e de discursos legitimadores e transformadores, pois se utiliza a noção de discurso como prática social (Fairclough, 2001). Alguns desses elementos possibilitaram a análise de gêneros (modos de ação), estilos (modos de identificação) e discursos (modos de representação) (Fairclough, 2003), mesmo que tais nomenclaturas estejam silenciadas na análise na intenção de preservar a legibilidade da construção narrativa.

Nessa bricolagem entre construção narrativa e análise de discurso crítica, buscou-se seguir as orientações de Foucault (2010): é necessário escolher os materiais de análise em função dos dados do problema (ao invés de fazer um tratamento exaustivo de todo o material); deve-se focar nos elementos que possam resolver o problema, traçando, com esse objetivo, as relações entre eles (haverá ausências nas análises, mas em uma avaliação é preciso se questionar se elas seguem os princípios primeiros definidos pelo pesquisador quanto ao problema e a sua solução). A estrutura desta pesquisa foi pensada, então, de forma a resolver o problema colocado, a partir da escolha tanto de dados quanto de relações entre elementos que julguei necessárias para a sua solução (o que não impede uma leitura diferente do(a)s leitor(a)s).

 

Discussão e Análise de Dados

Contextualização: Neoliberalismo e Nova Gestão Pública

  Compreender o GRUPO e sua história é também compreender a história da sociedade em que ele emerge; apreender os seus regimes de verdade é perceber como relações de poder são sustentadas e reproduzidas. Para tanto, analisou-se artigos científicos, pesquisas, reportagens e entrevistas que, de alguma forma, foram fontes para o esboço deum panorama da década de 1990. Além disso, foi possível também identificara articulação de diversos discursos, como o científico, o econômico, o social, o da mídia e o legal, que formaram uma relação poder-saber característica da época.

Foucault (2013a; 2013b) enfatiza em seus estudos a historicidade dos fenômenos e a construção de regimes de verdade que permeiam cada um deles. Se a verdade é “um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados”, o regime da verdade é a ligação entre verdade e sistemas de poder, “que a produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem” (Foucault, 2014, p.54). Para Foucault (2013b), a evolução que a história tradicional sugere não é natural, pois é construída discursivamente.

Portanto, ao desenvolver a história do GRUPO, acredita-se que tanto a discussão quanto a própria história não acontecem fora das relações de poder-saber; estão imersas em um contexto social, cultural e histórico que restringe o que é verdadeiro e o que nem é digno desse sistema de classificação; diz o que é “científico” e o que não é; o que é “Administração” e o que não é. E essas relações de poder-saber também fazem parte do cotidiano nas organizações, incluindo as práticas de resistência. Afinal, por que uma prática é considerada resistência? Justamente por existirem práticas não resistentes em um espectro normal-anormal. E a legitimação dessas práticas não resistentes – consideradas “normais” em ambientes de trabalho – é atravessada pelas relações de poder-saber que condicionam o que é “a ciência administrativa”. E tal condicionamento não acontece naturalmente, ele é histórico. Portanto, denominei o Neoliberalismo e a Nova Gestão Pública como condições de emergência do GRUPO.

Anderson (1995) argumenta que o pensamento neoliberal surge depois da Segunda Guerra Mundial em combate às ideias keynesianas intervencionistas, mesmo não tendo tido muita expressão na época. Com a crise do capitalismo da década de 1970, os neoliberais ganharam terreno propondo como remédio à crise a manutenção de um Estado forte, mas apenas para romper com o poder dos sindicatos, com a criação de um exército de reserva de trabalho, e para controlar o dinheiro, com reformas fiscais que incentivassem os agentes econômicos pela redução dos impostos sobre os rendimentos mais altos. Assim, os investimentos keynesianos e a regulação produção-consumo pelo Estado deram lugar à contenção de gastos com bem-estar e a “uma nova e saudável desigualdade [que] iria voltar a dinamizar as economias avançadas” (Anderson, 1995, p.10), sendo esta a política neoliberal respaldada tanto em universidades quanto na política, nos governos Thatcher (Reino Unido) e Reagan (Estados Unidos) (Paes de Paula, 2005b).

Segundo Paes de Paula (2005b), o neoliberalismo conseguiu fornecer respostas à crise do mesmo modo que Keynes ofereceu alternativas em 1929. Aos poucos, as ideias tornaram-se aceitáveis naquele período e integraram nova agenda para o mundo do trabalho. No Reino Unido, Thatcher consolidou o declínio do sindicalismo, a desregulamentação da legislação trabalhista e a flexibilização dos direitos sociais. E tais influências não se restringiram às empresas privadas, formando as bases de um novo modelo de gestão pública.

Para aumentar a eficiência administrativa do Estado, Thatcher reduziu o tamanho da máquina e seu custo, e para garantir transparência e clareza, foram instalados sistemas de informação gerencial computadorizados. Como tais medidas foram insuficientes para a reforma desejada, foi criado um novo programa, o Next Steps, que mudou as características da Administração Pública até então conhecida e buscava, em resumo, usar ideias e ferramentas gerenciais advindas do setor privado. Em direção semelhante, nos Estados Unidos, Osborne e Gaebler argumentavam em “Reinventando o governo” sobre a substituição de um modelo burocrático por um modelo gerencial (Paes de Paula, 2005b).

O gerencialismo foi um movimento encabeçado por “gurus” da Administração que, ao criticar a base da administração burocrática como a formalidade, a impessoalidade e o burocrata profissional (Secchi, 2009), passaram a defender a noção de organização pós-burocrática que teria como essência as ideias de flexibilidade e participação. Baseia-se também nas crenças de atrelamento do progresso social à produtividade econômica, da defesa do aumento de produtividade pelo uso de tecnologias de organização e informação sofisticadas, do ideário de uma força de trabalho disciplinada para aplicação dessas tecnologias, do management como tendo papel crucial no planejamento em vista da produtividade e do direito de administrar que os gerentes possuem (Paes de Paula, 2005b). Secchi (2009) faz uma síntese: é um modelo de gestão que se fundamenta nos valores de eficiência, eficácia e competitividade.

Conforme Brulon, Obayon e Rosenberg (2012), o Brasil passou por três modelos de reformas na administração pública (patrimonialista, burocrática e gerencial), sem que nenhum deles tenha sido abandonado por completo. As inovações com base no modelo burocrático iniciam junto com a República Nova, em 1930, momento marcado por conquistas sociais como o voto secreto, o direito de voto para as mulheres e as leis trabalhistas (Capobiango, Nascimento, Silva, & Fatoni , 2013). Observou-se o fortalecimento da burocracia, com estatutos normativos e órgãos normativos e fiscalizadores (Lima Júnior, 1998), em detrimento da administração patrimonialista (característica das monarquias absolutistas nas quais o patrimônio público e o privado eram confundidos) (Bresser-Pereira, 1996).

Para Bresser-Pereira (1996), os defeitos da administração burocrática como lentidão, alto custo, baixa qualidade e autorreferência não eram tão graves quando o Estado era pequeno. Com o seu crescimento, tanto em funções sociais quanto econômicas, o problema da ineficiência passou a destacar-se. Somando isso à crise mundial nos anos 1970 e à crescente aderência que tiveram as ideias da administração pública gerencial desenvolvidas no Reino Unido e nos Estados Unidos, Bresser-Pereira (1996) acredita que se foi delineando os contornos na nova administração pública também no Brasil.

Brulon, Obayon e Rosenberg (2012) chamam atenção para uma onda de reformas após a publicação da Constituição, de 1988. Em busca na base de dados da Revista de Administração Pública, listei na Figura 2 alguns assuntos pesquisados do final da década de 1980 a meados da década de 1990. Percebi nos títulos dos artigos uma preocupação constante com reformas que pudessem melhorar a administração pública a partir do discurso do movimento gerencialista, como “cliente”, “modernizar”, “autonomia de gestão”, “concorrência”, “novas formas de gestão”, “pós-fordista”, “microinformatização”, “solução”, “mérito”, “heróis”, “empreendedor”, “sistemas de informação” e “filosofia da qualidade”. Mas essa preocupação não era só acadêmica.

 

 

 


 

Figura 2 - Assuntos pesquisados do final da década de 1980 a meados da década de 1990

ANO

AUTOR(ES)

TÍTULO DO ARTIGO

1984

Rossi Augusta Alves Corrêa

A imagem do cliente e do servidor público: perspectivas para melhorá-la

1986

José Martins da Silva

Notas sobre a relevância da elaboração de um novo texto constitucional para a efetividade da democracia no Brasil

1987

Reginaldo Souza Santos

Interesse público e interesse privado

1987

Paulo Roberto Motta

Modernização administrativa: propostas alternativas para o estado latino-americano

1988

Ruy de Alencar Matos

Para que modernizar a organização pública?

1988

João Benjamin da Cruz Júnior

Organização e administração de entidades públicas: aspectos políticos, econômicos e sociais de um paradigma emergente

1990

Marcos Guedes Veneu

Representações do funcionário público

1993

José Paulo Zeetano Chahad

Recursos humanos e gastos com pessoal no setor público brasileiro: recomendações de políticas

1994

Pedro Lincon Mattos

Racionalização administrativa versus concepções patrimonialistas no provimento de pessoal no serviço federal: o Ministério da Educação e Cultura entre 1960 e 1985

1994

Carlos Eduardo de Souza e Silva

Autonomia de gestão e concorrência: em busca de novas

formas de gestão do setor público em um contexto pós-fordista

1994

Henrique M. R. de Freitas

Joio Luiz Becker

Candido Fonseca da Silva

Microinformatização e caos organizacional: uma solução

1996

Luiz Carlos Bresser Pereira

Da administração pública burocrática à gerencial

1996

Istvan Karoly Kasznar

Identificação das diversas atividades desempenhadas por administradores públicos profissionais na gerência dos sistemas de mérito

1996

Pedro Paulo Carbone

Os heróis do setor público: a teia cultural engolindo

o empreendedor

1997

Marlei Pozzebon

Henrique M. R. de Freitas

Por um conjunto de princípios que possibilitem a construção de novos modelos de sistemas de informação

1997

Ricardo Corrêa Gomes

Análise exploratória da perspectiva de implantação da

filosofia da qualidade na administração pública

Fonte: elaborada pela autora

 


No governo de Fernando Henrique Cardoso – FHC (1995-2002) –, Bresser-Pereira foi indicado para dirigir o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE). Apesar de Bresser-Pereira (1996) diferenciar o que seria uma proposta de reforma neoliberal (retirada do Estado da Economia) de uma proposta social democrática (aumenta a governança do Estado), quando se trata da dimensão administrativa, ambas partem dos pressupostos gerencialistas explicitados anteriormente, principalmente, da adaptação de práticas de gestão privadas para o setor público.

De forma geral, existem três dimensões abarcadas na reforma proposta, sendo elas a dimensão institucional-legal, a cultural e a gestão. A primeira refere-se à criação ou modificação da Constituição, de leis e regulamentos. Já a segunda trata-se da tentativa de acabar com as práticas patrimonialistas que, além de condenação moral, precisam ser punidas. Por fim, a dimensão-gestão relaciona-se com as práticas preconizadas pelo movimento gerencialista, com vistas à diminuição do custo do serviço público cujo controle e qualidade seriam melhores (Bresser-Pereira, 1996).

Segundo Paes de Paula (2005a, p. 38), para atingir os objetivos propostos no novo modelo de gestão, dever-se-ia “enfatizar a profissionalização e o uso de práticas de gestão do setor privado”. Contudo, a autora vê com ressalvas essa proposta, pois ela não incorpora uma dimensão sociopolítica, que seria a participação dos cidadãos nos processos decisórios, e, por partilhar do esquematismo gerencialista, “dificulta o tratamento da relação entre os aspectos técnicos e políticos da gestão” (Paes de Paula, 2005a).

Toda essa discussão ilustra uma estreita relação entre o saber científico que busca legitimar o neoliberalismo como regime de verdade de uma época por meio do discurso da administração gerencial, configurando uma relação poder-saber. E o discurso da administração gerencial também consiste em práticas defendidas no governo FHC, que consubstanciaram uma ampla reforma gerencial, por sua vez legitimada pelo Direito com a inclusão do princípio da eficiência (Emenda n.º 19/1998) na Constituição Federal de 1988.

Entretanto, tais regimes silenciam críticas. Analisando o neoliberalismo na América Latina, Ibarra (2011) o considera como uma utopia que difundiu no Terceiro Mundo a promessa de que o jogo livre dos mercados fecharia a brecha do atraso por meio da abertura de fronteiras, da estabilização de preços e contas públicas. Seria utopia, pois apresenta uma série de consequências negativas e falácias como a ampliação da brecha do atraso da África e da América Latina, a tentativa de isenção do fisco de obrigações transferindo riscos do Estado às famílias, escassos avanços na correção de desigualdades e aumento da pobreza que ocasionam problemas de outras ordens a partir da concentração de poder econômico e político, uma dinâmica de emigração que conduz à precarização dos direitos laborais, o fracasso das privatizações, entre outras questões (Ibarra, 2011).

Assim, silenciam também as diferenças entre o liberalismo clássico e neoliberalismo. Para Pereira (2004), ambos tinham em sua base valorativa a noção de liberdade. Contudo, devido às diferenças históricas, o autor considera o primeiro como revolucionário e o segundo como reacionário. Enquanto o liberalismo contribuiu para a derrocada do modo de produção feudal, o neoliberalismo contribui para acentuar a concentração de renda e a exclusão social. Além disso, questiona essa noção de liberdade que enfatiza a dimensão econômica e relega ao segundo plano a dimensão política, pois acredita que a concentração de poder econômico gera concentração de poder político, o que fomenta uma situação de não liberdade, o que vai ao encontro das críticas de Paes de Paula (2005a) no âmbito da gestão. Considera-se que tal contexto de análise macro caracteriza as condições de emergência do GRUPO na LEGO e são fundamentais para a compreensão das relações de poder e resistência engendradas nessa história.

 

Uma história de resistências: da resistência combativa à normalizada

Ao final da década de 1990, atendendo à aclamada reforma do Estado, à demanda por eficiência e modernização, os gestores da LEGO partiram para a ação, entendendo como resposta para muitos problemas apontados a informatização. Entretanto, desde o início da instalação de computadores, o sistema de e-mails funcionava de forma rudimentar. A complexificação e a profissionalização do sistema utilizado na organização aconteceu em meados de 1990, quando, em parceria com uma universidade federal – até então a internet estava sendo desenvolvida de forma restrita nas instituições de pesquisa e universidades – a LEGO informatizou as suas atividades e proveu maior acesso à internet aos trabalhadores para a consecução de seus trabalhos.

Para que tal mudança fosse incorporada no cotidiano dos trabalhadores, foram criadas diversas listas de discussão no intuito de se incentivar o uso dos e-mails. É possível perceber a luta entre dois grandes discursos no cotidiano dessa época: a ineficiência burocrática, que trazia consigo a figura do funcionário público[iii], que se perde em meio a tanta papelada e cafezinhos, e a informatização como promessa de celeridade, profissionalização, eficiência. 

A criação das listas de discussão na LEGO, como a lista de anúncios e a lista de assuntos relativos aos trabalhadores – esta ficou conhecida como GRUPO – deve ser entendida a partir das suas condições de emergência. Estas, por sua vez, entremeiam o saber científico da Administração (planejamento e gestão), da Administração Pública (gerencialismo) e do Direito (reforma do Estado e inclusão do princípio da eficiência na Constituição Federal) constituindo uma relação poder-saber. Como efeitos produzidos a partir dessa relação, pode-se citar a existência da representação-matriz dos funcionários públicos e da demanda por modernização/informatização como regimes de verdade. Nesse último caso, observa-se que o gerencialismo contou com a incitação econômica advinda do discurso neoliberal na década de 1990 e a participação da mídia e de instituições de ensino, como escolas de Administração que importaram suas metodologias e valores dos Estados Unidos (Serva, 1992).

Se o GRUPO tinha uma lista de assuntos diversos de interesse dos trabalhadores, como delimitar o que é de interesse deles? Reivindicações de pautas trabalhistas? Denúncia de assédio moral na organização? Discussões sobre visões político-filosóficas? Talvez a melhor pergunta fosse: quais processos de subjetivação engendram esse trabalhador que pretende participar de discussões no GRUPO?

Para contextualizar, em termos de direção, a LEGO possui duas instâncias: política (gabinetes) e administrativa (secretaria). Na primeira, existem os mandatários de cargos eletivos – aqui denominados como “políticos” – que nomeiam livremente, sem necessidade de concurso, os trabalhadores de recrutamento amplo. Na última, há trabalhadores do quadro permanente (efetivos), dentre os quais são escolhidos diretores e gerentes (recrutamento limitado). Essa separação entre área política e técnica apareceu no final da década de 1980, sustentada por um discurso oficial de que a sociedade tinha uma imagem depreciativa do político, do funcionário público e da LEGO, além dos políticos não estarem satisfeitos com os serviços que lhe eram prestados, e que tal ineficiência era justificada pelo fato de se tratar de uma “Casa Política”.


 

Figura 3 – Casa Política x Eficiência

 

Fonte: Arquivo pessoal

 

Percebe-se que há uma interdiscursividade entre o discurso organizacional da ineficiência dos funcionários públicos e alguns discursos veiculados na mídia naquela época, como a caça aos marajás. As Figuras 4 e 5 são trechos de uma reportagem veiculada na Revista Veja, no dia 23 de março de 1988, com o título “A guerra ao turbante”.


 

Figura 4 - Discurso de Caça aos Marajás - Parte 1

 

 

Fonte: Revista Veja (1988).

 

 

 

Figura 5 - Discurso de Caça aos Marajás - Parte 2

 

Fonte: Revista Veja (1988).

 



Enquanto a Figura 4 constrói positivamente o personagem “caçador de marajás”, na Figura 5 o produtor[iv] tenta (des)construir o que seria a figura do marajá. Para ele, não basta ter altos salários para ser considerado parte de um marajanato. Observa-se, novamente, a interdiscursividade, dessa vez para a retomada do discurso da meritocracia como sistema de crenças. Se o funcionário for um desembargador, ele

precisa manter um padrão de vida à altura de seu cargo, deve garantir o mesmo nível para seu filho e, finalmente, não é bom que, lidando com causas de milhões de cruzados, seja tentado a procurar uma fonte de rendimento extra fora da profissão. (Revista Veja, 1988).

 

Entretanto, se a função do funcionário for “introduzir visitantes e servir cafezinho” ele ganha a alcunha de “servidor medíocre”, o que caracteriza uma identificação inferior e distante de quem fala com o uso do diminutivo.

Percebe-se que, na luta para defender certas pessoas e interesses, algumas questões são silenciadas. Por que os filhos de outros funcionários não precisam ter seu nível de vida garantido? Será que isso é representativo de uma sociedade desigual que dificulta ascensões sociais e prima pela manutenção do status quo? Seria a confirmação do dito popular “Filho de peixe, peixinho é”? E por que aconselhar (“não é bom que”) que o desembargador não seja tentado? É a objetivação do “jeitinho brasileiro”? Dessa forma, considera-se que o discurso oficial que sustentou a modificação na organização do trabalho na LEGO, separando instâncias política e administrativa, estava inserido em uma luta discursiva e de poder mais ampla.

A separação política e administrativa, para alguns trabalhadores, ainda possui outra versão: até então, o efetivo trabalhava diretamente nos gabinetes dos “políticos”, independente de posturas político-ideológicas. Por diversas vezes, tal situação causou constrangimentos em trabalhadores, pois eles tinham um chefe direto – o político – que poderia agir em nome de interesses individuais, particulares ou de um grupo de influência, sendo contrário ao que prega o Direito Administrativo sobre o interesse público e a indiscricionariedade dos atos administrativos, regime de verdade construído na relação desse saber-poder.

Diante disso, foi defendido o fortalecimento da secretaria administrativa que se pautaria em conceitos como produtividade e resultados contando para isso com todos os trabalhadores efetivos. O que se ocultou nessa época era que, mesmo adotando-se premissas gerenciais, a questão política não estaria de fora da gestão. Silenciou-se também que a imagem depreciativa do político e da LEGO pela sociedade não poderia ser alterada apenas com melhorias de práticas relativas aos trabalhadores e à gestão administrativa, sem se discutir o modus operandi do poder legislativo em si (Fuks, 2010).

Apesar dessa diferenciação formal entre gabinetes e secretaria, as relações sociais e de poder se imbricam entre as duas instâncias, o que caracterizou um embate direto entre os gestores da LEGO e os trabalhadores no final da década de 1990. O diretor-geral da LEGO, de 1983 até o final de 1999, mesmo sendo servidor efetivo, era uma pessoa com estreita ligação político-ideológica-partidária com os governantes na época (PSDB). Com a eleição de 1998, houve uma troca de partidos no governo, saindo o PSDB e entrando o PMDB, e isso se refletiu diretamente no cotidiano da LEGO. Primeiramente, por que se mudou toda uma política de provimento de cargos de recrutamento limitado, alterando-se uma regra formalizada para que o cargo pudesse ser ocupado por uma pessoa que não era efetiva na LEGO. Segundo, por que todo esse momento de transição política e administrativa estava sendo bastante discutido na mídia, agravados por escândalos midiáticos sobre altos salários. Muitos participantes do GRUPO eram a favor da mudança, pois criticavam uma gestão de tantos anos do antigo diretor-geral. Mas também havia aqueles trabalhadores mais ligados à antiga gestão que eram contra essa mudança.

 

 


 

Figura 6 – Discussões no GRUPO no final da década de 1990

Fonte: dados da pesquisa

 


Analisando a troca de e-mails expressa na Figura 6, percebo algumas características do GRUPO nesse período. Nestas três mensagens, há uma densa caracterização do “eu” contra o “outro”. Nos trechos “Estão fazendo de nós fantoches”, “Se acham que a imprensa vai cair de pau em cima da gente”, “Não apresentam dados, não discutem com os servidores como prometido”, “Caso eles não deem o prazo”, a primeira pessoal do plural “nós” é usada para unificar o grupo que sofre as ações em contraposição a “eles” que é o sujeito agente nas orações. Além de fazer essa separação entre “nós” e “eles”, essa relação social é qualificada como uma luta: “Não valemos nada pra esse pessoal podre”, “guerra de vaidades e de poder”, “ouvindo isto de quem ajudou a implantar e não fez nada à época”, “Só posso rir dos 'defensores da moralidade e da imagem do Legislativo diante da sociedade', tão preocupados, coitados”.

Nesse jogo de poder, existe uma disputa discursiva sobre a ação de aumentar a jornada de trabalho de seis para oito horas, a qual pode ser vista como um privilégio em comparação com o restante da sociedade e/ou como uma afronta aos direitos dos trabalhadores que já haviam conquistado essa redução de jornada. Nesse campo de batalha específico na LEGO, a criação de um sindicato emerge como estratégia possível para os trabalhadores.


 

Figura 7 – Criação do sindicato

Fonte: dados da pesquisa

 


 

As trocas de e-mails expressas referem-se ao período inicial do GRUPO no final da década de 1990. Apesar dessa seleção, havia outras temáticas levantadas, questionadas, argumentadas e criticadas no GRUPO, demonstrando certa fragmentação entre o próprio grupo que se une para resistir à gestão, mas que possui divergências internas. Desse modo, alguns trabalhadores usavam o GRUPO para debater especificamente e diretamente com outros colegas, fazendo suas críticas, réplicas e tréplicas que perduraram até um momento de ruptura: algumas trocas de ofensas entre eles geraram processo administrativo para averiguação e controle da situação e os gestores da LEGO decidiram desativar o GRUPO, já que ele era hospedado em seu ambiente virtual.

Entretanto, nessa história o GRUPO já não era somente uma lista de discussão: era uma prática de resistência combativa. Acrescento o adjetivo “combativa” na caracterização dessas práticas de resistência para dar ênfase na abordagem foucaultiana de poder. Para Foucault (2014), onde há relações de poder, há resistências mesmo que estas não transformem drasticamente essas relações. Para o autor, a disposição dos elementos, a tensão que uma resistência provoca na rede faz com que as relações de poder se alterem em busca de se manterem mais fortes. Percebe-se, assim, que em contraposição à estratégia de se desativar o GRUPO, alguns trabalhadores usaram como tática a criação de uma lista de discussão semelhante que fosse hospedada fora da LEGO, utilizando o “Yahoo!Grupos”.

Observa-se, também, alguns indícios do fortalecimento do poder disciplinar a partir dessa primeira coerção explícita em relação ao GRUPO, que visava conduzir os corpos a um tipo de comportamento no qual ofensas não eram aceitas, isto é, eram desvios. Foucault (2013b) sugere que a disciplina ao atuar no corpo por meio de coerções, estabelece um elo entre aptidão aumentada e dominação acentuada. Na LEGO, enquanto há um discurso oficial para fortalecimento da participação popular, os trabalhadores são disciplinados enquanto bons profissionais que devem renunciar a posturas políticas e comportamentos hostis para não comprometer a eficiência do processo de trabalho. Há de se fazer o questionamento: o trabalhador não é cidadão? Para a LEGO, aparentemente, não.

Apesar da LEGO ser um local no qual se fazem as leis, existe também o espaço normativo, das infrapenalidades. Muitos trabalhadores antigos se lembram de um ocorrido, entre 2001 e 2002, que marcou uma ruptura na história da LEGO e do GRUPO. Houve sugestões no GRUPO para que os trabalhadores protestassem contra ações da LEGO em um evento solene de posse de políticos usando narizes de palhaço. Entretanto, o que se ouve dessa história é que “cabeças rolaram”. Mesmo que, a princípio, essa sanção pareça apenas repressiva, ela foi se desenvolvendo no corpo social de forma sutil, de modo a cumprir sua função normalizadora e produtiva, aliado ao olhar vigilante existente pelos participantes e não participantes do GRUPO.

Um aspecto observado desse percurso foi o fortalecimento do medo. Dessa forma, tanto para novatos quanto para antigos o medo é um tema recorrente. Até mesmo para a defesa de que “não se deve ter nada a temer”. Advoga-se a estabilidade como argumento que garante aos trabalhadores a possibilidade de uma postura destemida. Não obstante, o medo continua ali, como um sentimento palpitante pronto a aflorar. Para contê-lo, basta a disciplinarização: saiba o que, quando, com quem, e como dizer, e saiba como agir, que não é preciso ter medo.

Foi possível observar como o castigo disciplinar estava ligado ao “ser profissional”, que demanda cada vez mais tempo, mais atitudes adequadas diante do cargo e de suas atribuições, mais conformidade a uma regra, mais exercício do trabalho. Mesmo que “cabeças tenham rolado”, seguindo a mesma metáfora, outras se impuseram no corpo, conseguindo cargos comissionados ou funções gratificadas.

Contudo, tais benefícios são um duplo: além de gratificação também podem ser considerados como castigos, uma vez que exigem um exercício intensificado para corrigir um desvio. Desvio este que era defender interesses individuais e coletivos, ser político, enfim, ser cidadão. Assim, como participar ou não do GRUPO pode classificar um indivíduo, o próprio GRUPO torna-se um sistema de classificação que vale como punição. Toda essa produção de individualidades ilustra a noção de poder positivo ou produtivo que referenciamos neste artigo.

Após o período de conflitos entre trabalhadores e gestores que permeou o final da década de 1990 e o início de 2000, houve um período de calmaria. Para Foucault (2010), as relações de poder são de múltiplas formas e o seu entrecruzamento delineia fatos gerais de dominação. Isso não significa que existe um grande estrategista por trás da estratégia que organiza a dominação, mas que há “procedimentos dispersados, heteromorfos e locais de poder [que] são reajustados, reforçados, transformados por essas estratégias globais, e tudo isso com numerosos fenômenos de inércia, de intervalos, de resistências” (Foucault, 2010, p. 249). Algo que parece movimentar novamente o jogo de poder, foi a configuração de exames que alteraram a disposição dos elementos na batalha: a LEGO fez dois grandes concursos para provimento de cargos efetivos, em 2001 e 2007.

Algumas características próprias desses concursos enquanto exames se referem à divisão que é feita entre trabalhadores do legislativo e dos outros poderes, havendo os mais difíceis, que se julgam selecionar os melhores profissionais com melhores salários, e os mais fáceis, na lógica inversa. Nesse sistema de classificação, os trabalhadores do legislativo seriam superiores aos do executivo, por exemplo, e são hierarquizados de acordo com a carreira e com as avaliações de desempenho, outros dois tipos de exame.

A chegada de novos trabalhadores também gera expectativas, positivas e negativas. Esperava-se que os novatos trouxessem mais profissionalização para o serviço público (esperança), mas também se receava uma mudança drástica no funcionamento das coisas na LEGO (ameaça).

No GRUPO, muitos participantes antigos esperavam uma postura mais destemida e combativa dos novatos. Acreditavam que tanto a questão da estabilidade, como uma forma de proteção a coerções que visassem interesses particulares, quanto os entendimentos sobre o que era ser servidor público (atuar em prol do interesse público de acordo com as regras impessoais da Administração Pública), favoreceriam o perfil esperado. Entretanto, o que se observou foi o fortalecimento do poder disciplinar (Foucault, 2013b) que mudou o diagrama de forças na LEGO, que pode ser percebido pela própria mudança no GRUPO em relação ao seu funcionamento, aos discursos publicados e aos seus efeitos enquanto prática social.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 8 – Mudança publicações do GRUPO

 

Fonte: dados da pesquisa


 

Ao observar a Figura 8, considerando o desenvolvimento e o fortalecimento do poder disciplinar na LEGO, percebe-se que as mensagens do GRUPO também passaram por um processo de normalização. As mensagens perdem o tom de revolta e mobilização, adquirindo um tom informativo e de distanciamento do sujeito do texto. O GRUPO passa por uma fragmentação maior e também perde sua característica principal de resistência combativa. Consideramos que o GRUPO continua a ser uma prática de resistência, mas sua maleabilidade diante do jogo de poder a transformou numa prática de resistência normalizada, que segue alguns padrões dentro do contínuo do que é aceitável como normal para aquele GRUPO.

Ao fazer essa análise, acredita-se ser importante ressaltar que, como defende Foucault (2014), a história é descontínua, feita de acidentes e, na genealogia, não devemos buscar sentido oculto nas palavras, mas os sistemas de coação que as restringem, à norma que obedece cada série de enunciados, além das condições de aparecimento (Díaz, 2012).

Portanto, por mais que essa narrativa pareça linear e coerente, há de se considerar os procedimentos dispersos existentes nas disposições encontradas. Um deles seria o que denomino de resistência à resistência, isto é, uma prática de resistência dentro do próprio GRUPO.

As mensagens da Figura 9 fazem parte de um momento do GRUPO diferente daquele contextualizado do final da década de 1990, em que o GRUPO era resistência combativa. Aqui, em 2012, o produtor assume-se como parte de uma resistência, mas faz aconselhamentos aos que ainda não participam: “deixe claro para ele que é um caminho sem volta”. Isto é, pode ser que ele queira voltar à normalidade e não consiga devido à estigmatização que existe aos resistentes. Observa-se, portanto, que a resistência já foi objetivada como o anormal, em um contínuo que designa como normal ter “chance de ocupar cargo de chefia”. Para que haja esse sistema de classificação cuja própria existência já se configura como elemento de exclusão (bons = não resistentes, maus = resistentes), é necessário que haja poder disciplinar (vigilância, sanções normalizadoras e exames).

Destarte, todos os exames analisados na LEGO se valem do olhar vigilante e da sanção normalizadora para produzir o indivíduo, um trabalhador apolítico, especializado, profissional e competente que tem ambições quanto à uma carreira de sucesso. E essa instância de produção de saber está ancorada em relações de poder que erigem a defesa de tal profissional como uma força contra outra – a do funcionário público marajá – em um regime de verdade constituído pelos discursos da mídia, discursos científicos e discursos sociais, numa relação entre micro e macro poderes que se (des)enrolam na história.

 


 

 

Figura 9 – Resistência à resistência

 

Fonte: Dados da pesquisa


 

Entretanto, há de ressaltar a heterogeneidade e a multiformidade das práticas sociais nas relações de poder. Os trechos “já quase mudos” e “vozes dissonantes aqui da lista, de repente se calaram” demonstram uma mudança em relação ao funcionamento e identificação do próprio GRUPO. Enquanto na década de 1990, havia resistência combativa, que articulava ações e manifestava insatisfações, nas mensagens de 2012, o GRUPO foi caracterizado pelo silêncio e rechaçamento do contraditório. Contudo, silêncio pode significar resistência, pois existe uma liberdade interior não conformista que modifica ou desvia a verdade imposta (Certeau, 1998).

Assim, ao que parece obediência e uniformização, é preciso identificar as diferenças, mesmo que se apresentem em nível micro. Certeau (1998) argumenta que elas sempre existirão na medida em que existirem relações desiguais de forças. Do mesmo modo que o silêncio pode ser compreendido como resistência em relação ao próprio GRUPO que outrora se configurava como prática de resistência combativa aos gestores, as mensagens da Figura 9 também parecem se tornar outra forma de resistência.

Mesmo que neste artigo esteja sendo evidenciado o fortalecimento e a transformação do poder disciplinar, não se pode deixar de supor que existem inúmeras artes de fazer/ resistir dos trabalhadores, como o simples fato de não participar do GRUPO ou de fazer publicações fora do que é esperado pelos participantes, como a publicação de poemas e músicas.

Nessa constante (re)configuração da rede, existe um movimento de transformação das relações de poder e resistências a partir do poder disciplinar, mas não há uma homogeneidade coerente. Ao mesmo tempo em que há resistências internas e externas ao GRUPO normalizado, há momentos pontuais em que os participantes desse grupo se unem como resistência combativa, como aconteceu na extinção do fundo de previdência dos trabalhadores em 2013, o que pode ser um tema para pesquisas futuras.

 

Considerações finais

Pensando nesses indivíduos e nos processos de subjetivação que os atravessam, questiono: “Quem é este trabalhador que participa do GRUPO e como se dão os processos de subjetivação vivenciados por ele?”. Em nível macro, podemos entender que esse trabalhador foi atravessado por regimes de verdade que atrelam conceitos do Neoliberalismo e da Nova Gestão Pública a atividades e valores cotidianos na administração pública, como os conceitos de meritocracia, eficiência, especialização e menos ao de interesse público e bem comum.

Uma das formas de sustentação desses regimes é desenvolvimento de relações de poder com foco no poder disciplinar que buscam transformar indivíduos em corpos dóceis, por meio da vigilância, da sanção normalizadora e do exame. Contudo, ela não é exclusiva (existem outras formas de sustentação de regimes de verdade que não foram aqui estudadas), nem estanque (existe um jogo de forças em movimento). A análise dessas relações de forças (legitimação dos discursos dos “servidores marajás” e da “eficiência no serviço público”, surgimento do sindicato, separação de instâncias política e administrativa, influência midiática, entre outras) levou à ênfase nos processos de subjetivação do sujeito, principalmente no efeito normalizador.

Na LEGO, a docilização dos corpos, com adestramento para atitudes que condizem com o que é ser um bom profissional, constitui o sujeito como resultado dessas relações de força, desses processos de subjetivação. Estes foram encontrados variando em um continuum normalizar...resistir...normalizar... Atreve-se aqui a dizer que possuem características de empreendimentos genealógicos: são heterogêneos, pois se diferem em ações, discursos, agentes etc.; multiformes, já que a forma de resistir pode ser diferente em cada contexto, como a resistência combativa, a resistência normalizada e outros tipos de resistências cotidianas que não foram abordadas nesta pesquisa, como o silêncio perante o GRUPO como forma de negá-lo; e descontínuos, porque não há continuidade nem ordem, são sempre fragmentados.

Os efeitos dessas relações produzem saberes e discursos, que sustentam o regime de verdade do Neoliberalismo e da Nova Gestão Pública, e constitui o próprio homem, trabalhador despolitizado da LEGO. Vale reiterar que por mais que haja neste artigo uma certa homogeneização do trabalhador da LEGO, há sempre possibilidades de resistências que movimentam as relações de poder, além de uma fragmentação existente entre os próprios trabalhadores. Portanto, a análise aqui exposta é situada e limitada.

Apesar das limitações, sugere-se como pesquisas futuras a realização de pesquisas genealógicas nos Estudos Organizacionais e a utilização de inovações metodológicas, como o uso de recursos virtuais enquanto fonte de dados, visto que ambas são escassas em nosso campo de conhecimento.

 

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[i]Ao referir-se à organização, utilizou-se a sigla LEGO para preservar o anonimato e o sigilo na pesquisa.

[ii]Ao referir-se ao grupo de discussão, utilizou-se o nome GRUPO para preservar o anonimato e o sigilo na pesquisa.

[iii] Em seus estudos, Veneu (1990) encontrou uma representação-matriz do funcionário público, remetendo-a a canções de 1952, e ainda se faziam presentes no momento analisado. Eram dois personagens: a alta funcionária, que ascende por relações pessoais e apadrinhamentos, e o funcionário de pequeno escalão, que resume suas atividades diárias em tomar cafezinho e ler jornal. Ambos, apesar da diferença hierárquica, teriam em comum o fato de pretenderem ganhar dinheiro sem trabalhar.

[iv]Alerta-se o leitor que se atente às condições de produção, distribuição e consumo de textos específicos da Revista Veja, de circulação nacional. Portanto, quando se diz “produtor” ou “quem fala” não se refere ao sujeito, mas todo o complexo discursivo que envolve os discursos ali veiculados.