Artigos
Abordagem sobre a
participação no Governo Lula
Approach on
participation in the Lula Government
Enfoque sobre la
participacion em el Gobierno Lula
José Roberto Paludo paludoprofessor@gmail.com
Universidade Federal
de Santa Catarina, Brasil
Abordagem sobre a participação no Governo Lula
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 3, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Recepção: 09 Fevereiro 2017
Aprovação: 09 Março 2018
Publicado: 01 Julho 2019
Resumo:
O tema da participação da população
em políticas públicas ganhou espaço na agenda institucional nos anos 1980,
despertou grande interesse na academia e, embora se perceba um declínio da sua
ação, o Brasil ainda é considerado um “laboratório de experiências” de práticas
participativas para o mundo (Cortes & Silva, 2010). O presente artigo
inicia por uma revisão das principais correntes teóricas que abordam o tema da
participação em políticas públicas e, em seguida, apresenta os resultados da
experiência desse tipo de política na esfera federal, durante o governo Lula
(2003-2010), a partir de um balanço publicado pela Secretaria Geral da
Presidência da República (SGPR - Brasil, 2011) e do Comunicado de número 132 do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2012). Tais documentos são
analisados à luz do referencial teórico, apontando avanços e desafios futuros.
Palavras-chave:
Participação,
Políticas Públicas, Governo Federal.
Abstract: The participation of the Brazilian population in public policies
gained space in the institutional agenda in the 1980s, aroused great interest
in the academy, and although there is a decline in its action, Brazil is still
considered a laboratory for participatory practices for the world (Cortes &
Silva, 2010).This article begins with a review of the main theoretical trends
that approach the theme of participation in public policies and after that,
presents the results of the experience of this type of policy at the federal
level, during both Lula’s mandates (2003-2006 and 2007-2010), based on a
balance sheet published by the General Secretariat of the Presidency of the
Republic (SGPR - Brazil, 2011) and IPEA (Institute os Applied Economic
Research) Communiqué 132 (2012). These documents are analyzed in the light of
the theoretical framework and indicate future advances and challenges.
Keywords: Participation, Public
Policy, Federal Government.
Resumen: La participación de la población brasileña en políticas públicas
ganó espacio en la agenda institucional en los años 1980, despertó gran interés
en la academia y, aunque se percibe un declive de su acción, Brasil todavía es
considerado un ejemplo de "laboratorio de experiencias" para
prácticas participativas para el mundo (" Cortes & Silva, 2010). El
presente artículo comienza por una revisión de las principales corrientes
teóricas que abordan el tema de la participación en políticas públicas y, a
seguir, presenta los resultados de la experiencia de ese tipo de política en la
esfera federal, durante los dos mandatos del presidente Lula (2003-2006 y
2007-2010), a partir de un balance publicado por la Secretaría General de la
Presidencia de la República (SGPR - Brasil, 2011) y del Comunicado de número
132 del Instituto de Investigación Económica Aplicada - IPEA (2012). Tales documentos
son analizados a la luz del referencial teórico, apuntando avances y desafíos
futuros.
Palabras clave: Participación, Políticas
Públicas, Gobierno Federal.
Introdução
A partir da década de 1980, a participação social nas políticas
públicas se tornou quase consenso em âmbito internacional e, por motivos
distintos, têm confluído os pensamentos tanto de esquerda quanto neoliberais (Fonseca,
2011). No Brasil, embora não haja um consenso sobre a interpretação
histórica desse processo, reconhece-se que o ativismo ou a ação dos movimentos
sociais ganhou status institucional na Constituição Federal de 1988 (Fonseca,
2011; Faria
& Ribeiro, 2011; Almeida
& Cunha, 2011;
Abers & Keck, 2008).
Além disso, é importante contextualizar o tema historicamente e
também sob o aspecto da agenda de pesquisa no Brasil. Do ponto de vista
histórico, o tema da participação no Brasil surge nos anos 1960, “como ideário
carregado de uma visão emancipatória das camadas populares” (Lavalle,
2011) e sequer se referia às eleições ou às instituições de governo
representativo, estando conectada à teologia da libertação[1], contra a
injustiça social e relacionada ao papel da esquerda e sua estratégia basista
como alternativa à esfera política. Esse ideário participativo adquiriu novo
perfil no contexto da redemocratização e, com a Constituinte, “a participação,
outrora popular, tornou-se cidadã” (Lavalle,
2011), os atores engajados passaram a reelaborar seu discurso e o campo dos
atores sociais diversificou-se com a multiplicação de organizações não
governamentais (ONGs) (Lavalle,
2011).
Nos anos seguintes, a participação adotou os conselhos como
instituições participativas (IPs) e, trinta anos depois, estimulou a
proliferação de dezenas desses conselhos nas mais diversas áreas, chegando a um
total aproximado de 39 mil deles atualmente, segundo o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) de 2005 (FONSECA,
2011).
Por isso, alguns autores veem a participação com otimismo e
afirmam que “o Brasil constituiu-se, ao longo das últimas décadas, como um dos
principais ‘laboratórios’ de experiências e de análise da participação social
na gestão pública” (Cortes
& Silva, 2010), enquanto outros depositam menos expectativas,
considerando que as IPs são “de caráter incremental no Brasil, o que significa
que, na verdade, não se deve esperar, a partir de sua mera presença e atuação,
transformações dramáticas nos resultados observados” (Wampler,
2011a).
Do ponto de vista da agenda de pesquisa sobre o tema, Lubambo
e Miranda (2007) descrevem o estado da arte da temática e pode-se
considerar que ela já passou por duas fases. A primeira, também chamada de fase
de repertórios (Fonseca,
2011) ou com perspectiva laudatória (Silva,
2011), tratou de descrever os casos, fazer estudos comparativos,
ressaltando a importância da participação e suas vantagens e “muitas vezes em
resposta ao ‘dilema da ação coletiva’ proposto por Olson (1999), boa parte da
literatura concentra seus esforços em tentar elucidar as razões que levam os
indivíduos a participarem politicamente” (Cortes,
2011). Porém, a segunda fase foi marcada pelos focos na efetividade e nos
resultados das experiências participativas (Fonseca,
2011; Wampler,
2011b) e nos fatores que influenciam ambos.
Esses fatores podem ser divididos em três conjuntos: o primeiro
conjunto, considerado “neoinstitucinalista”, defende a tese de que o desenho
institucional é fator determinante para os resultados da participação, tanto no
que diz respeito à seleção dos participantes, à agenda de debates, ao
funcionamento das instituições participativas e à quantidade de recursos
disponível, definidos previamente através dos respectivos regulamentos (Faria
& Ribeiro, 2011), ou seja, “como instituições produzem resultados” (Borba,
2011); o segundo conjunto atribui os resultados como consequência do
funcionamento das IPs (assimetria de informações, legitimidade do processo,
quem participa e como participam, ciclos ou etapas da participação, esferas de
governo ou níveis de participação, a forma como ocorre o funcionamento e como
são observadas as regras), ou seja, o foco é interno às instituições
participativas (Silva,
2011; Cortes
& Silva, 2011; Tatagiba,
2011; Luchmann,
2007); e finalmente, o terceiro conjunto defende o contexto como causa dos
resultados da participação (Souza,
2011; Silva,
2011; Campos, 2011) e dentre as questões contextuais consideram que cada
experiência tem suas especificidades históricas, políticas, sociais e
culturais, como concluem Faria
e Ribeiro (2011) “a variável política, especificamente, ganha destaque não
só na determinação do sucesso dessas instituições, mas também na determinação
do próprio desenho institucional que elas assumem”; e ainda, Tatagiba
(2011) concordando com Dagnino
(2006), acrescenta: “a identificação do projeto político dos governos como
uma das variáveis relevantes na avaliação da qualidade da participação e seus
resultados” (Tatagiba,
2011).
Diante desse histórico percorrido pelo tema da participação
brasileira, tanto do ponto de vista da prática das políticas públicas como do
ponto de vista da sua agenda de pesquisa, pode-se afirmar que os desafios
atuais apontam para “a complexidade da democracia brasileira, das suas
instituições e das possíveis interações entre elas que demandam estudos,
busquem captar o seu caráter complexo e possam verificar a qualidade dos
processos e dos resultados que são produzidos” (Cunha, Almeida, Faria
& Ribeiro, 2011). Assim, estamos numa “terceira fase” (Almeida
& Cunha, 2011), em que a capacidade das IPs em produzir decisão
democrática não é dada como garantida, “mas depende da interação e combinação
de algumas variáveis e contextos sociopolíticos” (Almeida
& Cunha, 2011). Portanto, “o futuro da democracia deliberativa está
diretamente relacionado com a capacidade da teoria e empiria interagirem e
influenciarem-se mutuamente, de modo a produzirem um conhecimento
permanentemente aberto à crítica e à revisão” (Almeida
& Cunha, 2011).
Aqui é que se insere esse artigo, ou seja, problematizar a
complexidade e a qualidade da democracia participativa na esfera federal, tomando
como recorte temporal o período do governo Lula (de 2003 a 2010), a partir de
duas fontes básicas: o relatório de prestação de contas da Secretaria Geral da
Presidência da República (SGPR) - “Democracia Participativa: nova relação do
Estado com a sociedade” (Brasil,
2011); e o Comunicado 132 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) “Participação social como método de governo: um mapeamento das
‘interfaces socioestatais’ nos programas federais” (IPEA,
2012).
Para tanto, o presente artigo divide-se em quatro partes. A
primeira parte, já apresentada acima, contextualiza o debate da democracia
participativa brasileira na agenda política e na agenda de pesquisa sobre o
tema. Na segunda parte, será feita uma abordagem teórica sobre o tema da
participação e o tema da democracia: participativa, deliberativa e associativa.
Na terceira parte, será apresentada uma síntese dos dois documentos oficiais
que servirão de fonte de informações empíricas para essa análise. Por fim, na
quarta parte, seguirá uma análise do tema apontando algumas conclusões, lacunas
e desafios.
Classificação dos modelos de democracia
Se por um lado foi importante resgatar o histórico das
experiências e da agenda de pesquisa sobre a participação, é também necessária
uma abordagem sobre a classificação dos modelos de democracia. Aqui, toma-se
como base um artigo de Lüchmann
(2011) intitulado “Modelos contemporâneos de democracia e o papel das
associações”. Nesse artigo, a autora toma como ponto de partida os problemas e
limites da democracia representativa eleitoral, que é a principal razão para
estimular o debate sobre novos modelos de democracia, e classifica-os em
democracia participativa, democracia associativa e democracia deliberativa.
Segundo
Lüchmann (2011), a democracia participativa é inspirada em Rousseau, baseada
nos ideais de autogoverno e soberania popular, através da participação direta
dos cidadãos nos processos de discussão e de decisão política. Segundo
Macpherson (1978), a ideia de democracia participativa surgiu com o movimento
estudantil nos anos 1960 e depois com a classe trabalhadora nos anos 1960 e
1970 como algo mais amplo que um método político, ou seja, um tipo de
sociedade, de relação recíproca entre as pessoas.
Diante dessa concepção, aponta-se, por um lado, perspectivas
críticas, como por exemplo, Fung (2003), que alerta sobre o risco do poder do
Estado sobre a sociedade ou da feudalização do estado administrativo, e Warren
(2008), que questiona a qualidade da participação e, por outro lado,
perspectivas positivas, como a de Barber (1984) e Pateman (1992), que
consideram a participação como pedagógica e educativa, em que a participação
ativa cria um círculo virtuoso de mudança da consciência política e redução das
desigualdades.
Por fim, os teóricos da democracia participativa consideram-na
como complementar à democracia representativa e não como alternativa ou
contraposição.
De acordo com Lüchmann
(2011), a principal diferença entre a democracia participativa e a
democracia associativa é apontada por Elstub
(2008), em que a participação individual é substituída pelas associações e
o ideal de autogoverno é preenchido pelos grupos e associações secundárias.
A democracia representativa apresenta debilidades frente a
complexidade e pluralidade dos problemas e demandas sociais, demonstrando-se
excludente para grupos sociais historicamente oprimidos e/ou subordinados, seja
pelo recorte de classe, de gênero, de etnia, de idade, entre outros. Diante
disso, aponta-se para a importância das associações, conforme Elstub
(2008).
Numa outra perspectiva, Hirst (2001) analisa as mudanças
sofridas pelos Estados, principalmente a partir das privatizações, e a
atenuação da fronteira entre o público e o privado, portanto, “a democracia
associativa é a única doutrina capaz de lidar com os problemas da
accountability democrática em uma sociedade culturalmente diversificada”
(Hirst, 2001, p.21, in Lüchmann,
2011). Por fim, Hirst (2001), defende a ideia da descentralização por meio
de agências de controle.
Contudo, aqui também surgem visões críticas em relação à
democracia associativa, como apontam Cohen e Rogers (1995), ressaltando os
riscos de faccionismo e balcanização de interesses no interior do Estado. Para
esses autores, as associações são artefatos, ou seja, dependem das estruturas
econômicas, políticas e institucionais em que estão inseridas e podem variar de
acordo com a maior ou menor centralidade de governos, de informações
disponíveis, de oportunidades e de incentivos. Assim, o Estado tem papel ativo
sobre as associações (Cohen & Rogers, 1995, in
Lüchmann, 2011). Ao mesmo tempo, esses autores indicam pelo menos quatro
vantagens na democracia associativa: maior proximidade com os problemas,
equalização da representação, uma tradição participacionista que desenvolve
virtudes cívicas e a conformação de uma governança alternativa com funções
quase-públicas, gerando mais eficiência que uma performance estatal.
Young
(1995) também observa a necessidade de distinguir entre associações
(formalmente organizadas, a exemplo de clubes, partidos, igrejas, sindicatos,
etc.) e grupos sociais pelo recorte de gênero, etnia, orientação sexual, etc.
Estes são menos artefatuais, ou mais naturais que os anteriores.
Por fim, sobre o conceito da democracia deliberativa, Lüchmann
(2011) traz presente outro conjunto de autores, a começar por Thompson
(2008), que define que o núcleo da democracia deliberativa (DD) está na razão,
nos argumentos adequados voltados para os formadores de opinião, defende a
extensão dos fóruns deliberativos e aponta uma diferenciação no locus e nos
atores deliberativos. Habermas (1997; 2005) aponta para processos deliberativos
caracterizados pela troca de opiniões e discursos racionais entre iguais, sem
manipulação ou repressão, e diferencia a esfera pública formal (representação
eleitoral e agências estatais) e informal (grupos, associações e organizações,
mais próximas do mundo da vida).
Cohen (1999) critica Habermas por deslocar o foco da
participação da sociedade civil para a esfera informal e, ao mesmo tempo,
indica três princípios da DD: inclusão deliberativa/pluralismo; promoção do bem
comum; direitos iguais de participação, de voto, de associação, de expressão,
de ser eleito. A mesma autora aponta os movimentos sociais como atores centrais,
reforçados por Dryzek e Niemeyer (2008), que destacam a importância desses
atores e do discurso contestatório para o aprofundamento da democracia e da
mudança da cultura política. Por exemplo, no campo ético comportamental
(feminista, ambientalista, etc.) geram legitimidade, mas correm riscos de
absorção e cooptação.
Nesse tema, Lüchmann
(2011) referencia também Young
(2003), que destaca a importância de romper o ciclo de desigualdades e
exclusão, aponta para a ampliação do leque de possibilidades e formas de
comunicação, defende um modelo descentrado de sociedade, em que a esfera
pública torna-se uma ferramenta de oposição, publicização e de controle do
poder, propondo ainda um papel mais ativo das associações na execução de
políticas públicas e alertando para os riscos de controle, perda de autonomia e
capacidade crítica.
Young
(2001) faz outro tipo de distinção, traçando um diálogo entre os que defendem
a democracia deliberativa e os ativistas. Os primeiros baseiam-se na
importância dos argumentos que chegam em acordos satisfatórios para todos,
enquanto os segundos defendem que as desigualdades estruturais influenciam nos
procedimentos e nos resultados, portanto, boicotam os processos. Assim, os
ativistas são acusados de niilistas, irracionais e de acabarem por beneficiar
grupos de interesses através de suas ações. Estes respondem, acusando os
deliberacionistas de ingênuos que legitimam as desigualdades estruturais e de
informações, nas quais quem está no poder controla a pauta e os mecanismos de
decisão. Os deliberacionistas concordam que é necessário haver inclusão e maior
publicidade e que isso poderá evoluir com a prática da participação, em vez retirar-se
por imediatismo (Young,
2011).
Por fim, a autora defende que ambos os posicionamentos são
importantes e é necessário interagir com eles tanto na teoria quanto na prática
e, desse modo, propõe uma teoria democrática crítica, um engajamento
discursivo, do qual as manifestações de rua também fazem parte, e uma atuação
conjunta dos dois repertórios, ou seja, da participação deliberativa e do
ativismo, de forma combinada, e não excludente (Young,
2001).
Diante da apresentação feita até aqui, com qual modelo de
participação pode-se identificar a experiência brasileira no recorte de tempo
proposto? Qual a importância dessas experiências participativas diante de um
contexto mais amplo de globalização? Quais os mecanismos característicos dessa
experiência e quais os seus resultados? Quais os desafios futuros que se pode
apontar diante dessa síntese? Essas são algumas questões para as quais serão
propostas respostas ao final deste trabalho.
A experiência participativa no Brasil durante o governo Lula
Conforme apresentado na introdução deste artigo, essa parte do
trabalho tem como base dois documentos. O primeiro trata de um balanço da
democracia participativa no período de 2003 até 2010, feito pela Secretaria
Geral da Presidência da República - SGPR (Brasil,
2011) e o segundo, de um Comunicado de número 132 do IPEA (IPEA,
2012).
A SGPR recebeu a atribuição de promover a participação social no
Governo Federal através da Medida Provisória 103, em 1º de janeiro de 2003, que
posteriormente foi convertida em Lei 10.683, de 28 de maio de 2003, em cujo
artigo 3º consta: “especialmente no relacionamento e articulação com as
entidades da sociedade civil e na criação e implementação de instrumentos de
consulta e participação popular de interesse do Poder Executivo na elaboração
da agenda futura da Presidência da República” (Brasil,
2011).
No documento da SGPR não há uma preocupação com a definição dos
termos, simplesmente usa-se a expressão “participação social nas políticas
públicas” como um “novo método de governar” (Brasil,
2011). Já em relação ao desenho institucional, o qual o documento chama de
“espaços ou mecanismos de participação social”, afirma-se que se consolidou um
“Sistema Nacional de Democracia Participativa” (SNDP) composto por conselhos,
conferências, mesas de diálogo, ouvidoria pública, programa de formação de
conselheiros, participação social através dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODMs) e participação social através de diálogos internacionais que dizem
respeito à integração no Mercosul, cooperação internacional e Comunidades de
Países de Língua Portuguesa - CPLP (Brasil,
2011).
Ao final, o documento demonstra como a participação social
produziu uma reconfiguração do Estado, com a criação de novos Ministérios e
Secretarias Especiais, em resposta às demandas apresentadas através desse
processo participativo.
O balanço descritivo dos resultados desse conjunto de mecanismos
participativos inicia-se pelas ações com participação direta da SGPR em diálogo
com a sociedade:
- no período de oito anos contabilizou-se aproximadamente 3.500
encontros, reuniões ou atividades com entidades e personalidades da sociedade
civil;
- a Política Nacional Permanente de Valorização do Salário
Mínimo foi resultado da mesa de negociação entre o Governo Federal e as
centrais sindicais;
- houve diálogo e parceria com as organizações sociais do campo,
nas manifestações dos movimentos Grito da Terra, Marcha das Margaridas, Jornada
pela Água e Em Defesa da Vida e no Fórum em Defesa da Reforma Agrária;
- na elaboração de programas estratégicos como o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e Minha Casa Minha Vida foram ouvidos tanto
entidades empresariais e sindicais como organizações não governamentais;
- alguns setores historicamente excluídos do diálogo político
foram recebidos pela primeira vez por um chefe de Estado: os hansenianos,
Associação Brasileira de ONGs (ABONG), pessoas com deficiências, catadores de
materiais recicláveis e integrantes da luta antimanicomial, oportunidade em que
surgiram encaminhamentos para atender as demandas apresentadas;
O primeiro mecanismo de participação, dentro do SNDP, são os
conselhos: Em 2010 existiam 34 conselhos nacionais, houve a continuidade
daqueles que tinham funcionamento (7), alguns foram reformulados (11) e outros
dezesseis novos conselhos foram criados (ver tabela anexa).
Outro mecanismo importante é o das conferências nacionais que
ocorreram no mesmo período. Foram 74 conferências em diferentes temas, sendo
que algumas realizaram mais de uma conferência nesse período: arranjos
produtivos locais (4); comunidades brasileiras no exterior (3); cidades (4);
aprendizagem profissional (1); aquicultura e pesca (3); assistência social (4);
ciência, tecnologia e inovação (2); ciência, tecnologia e inovação em saúde
(1); comunicação (1) cultura (2); defesa civil e assistência humanitária (1); desenvolvimento
rural sustentável (1); direitos humanos (4); economia solidária (2); educação
(1); educação básica (1); educação escolar indígena (1); educação profissional
e tecnológica (1); gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (1);
gestão do trabalho e da educação na saúde (1); juventude (1); medicamento e
assistência farmacêutica (1); promoção da igualdade racial (2); mulheres (2);
recursos humanos da administração pública federal (1); saúde (2); saúde
ambiental (1); saúde bucal (1); saúde do trabalhador (1); saúde indígena (1);
saúde mental (1); segurança alimentar e nutricional (2); segurança pública (1);
meio ambiente (3); esporte (3); direitos da criança e do adolescente (4);
direito da pessoa com deficiência (2); direitos da pessoa idosa (2); povos
indígenas (1); infanto-juvenil pelo meio ambiente (3) (Brasil,
2011).
Desse número de conferências, muitas delas foram realizadas pela
primeira vez e também há diferenças que podem ser ressaltadas em relação à
periodicidade, às etapas nas três esferas de poder ou apenas no âmbito
nacional, à metodologia de construção (com ou sem documento base), à iniciativa
para a convocação motivada pela sociedade ou apenas por interesse do governo e,
finalmente, ao formato dos documentos finais aprovados e suas consequências[2].
O terceiro mecanismo de participação definido no SNDP é chamado
de “mesas de diálogo” com as Centrais Sindicais que, além do salário mínimo,
estabeleceu acordos sobre tabela de imposto de renda e crédito consignado. Com
entidades do campo foi negociado crédito agrícola, Programa de Fortalecimento
da Agricultura Familiar (PRONAF) Mulheres, assistência técnica, garantia de
preços e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); com o Movimento de Atingidos
por Barragens (MAB) e uma mesa tripartite sobre as Condições de Trabalho na
Cana-de-Açúcar. Na educação debateu-se a Reforma Universitária, Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), Programa Universidade
para Todos (ProUni) e Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (Reuni). Houve uma mesa de negociação permanente com os servidores
públicos federais que produziu 70 acordos coletivos, aprovação de 46 Medidas
Provisórias e 27 Projetos de Lei que beneficiaram 1,3 milhão de servidores. Por
fim, houve também um diálogo pela reforma da Lei do Cooperativismo.
O quarto mecanismo citado diz respeito às ouvidorias públicas,
que através da manifestação individual permitem “buscar informações, avaliar,
criticar e melhorar os serviços e políticas públicas” (Brasil,
2011). Numericamente, passou-se de 40 Ouvidorias no ano de 2002 para 165 em
2010, que atenderam as manifestações de três milhões de brasileiros, além da
realização de eventos sob a coordenação da Controladoria Geral da União (CGU),
com destaque para o Fórum das Américas de Ouvidorias, Defensores Del Pueblo e
Ombudsman, em Salvador (BA), no ano de 2010.
O quinto mecanismo, o programa de formação de conselheiros, foi
resultado de uma parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a
Escola Nacional de Administração Pública (Enap), que promoveram um curso de
pós-graduação em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais,
dezessete cursos de curta duração e um ciclo de debates e edição de livros.
Em 2003, foi criado um grupo de trabalho para o acompanhamento
dos ODMs que elaborou quatro relatórios nacionais (nos anos de 2004, 2005, 2007
e 2010), criou a campanha “Nós Podemos – 8 Jeitos de Mudar o Mundo” e o Prêmio
ODMs Brasil (2005, 2007/08, 2009/10), nos quais foram inscritos 3.500 projetos
e premiados 67.
Quanto à participação social e ao diálogo internacional,
destaca-se o lançamento da Ação Global Contra a Fome e a Pobreza (2004) e a
participação de setores sociais em fóruns para discutir mecanismos inovadores
de financiamento ao desenvolvimento, a criação do Instituto Social do Mercosul
(ISM) em 2007 e a criação da Universidade Federal de Integração
Latino-Americana (UNILA) em 2010, além de cooperação técnica e transferência de
tecnologias sociais na relação com Haiti, organizações sociais africanas, Foro
de Diálogo Social Noruega-Brasil e Foro da Sociedade Civil da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP).
No que diz respeito à reconfiguração do Estado como resultante
do processo participativo, destaca-se a criação do Ministério de Desenvolvimento
Social (MDS), que em 2010 chega a operar uma cifra correspondente a 9,1% do PIB
em “programas federais de transferência de renda” (Brasil,
2011). O Ministério das Cidades também foi resultado de reivindicações
históricas do movimento pela reforma urbana, assim como o Ministério da Pesca e
as secretarias de Direitos Humanos, Políticas para as Mulheres, Promoção da
Igualdade Racial, Juventude e Subsecretaria de Promoção dos Direitos das
Pessoas com Deficiência (SNPD).
Por fim, a SGPR provocou também um processo participativo na
elaboração do Plano Plurianual (PPA) de 2004-2007 e de 2008-2011. No primeiro,
foram envolvidas 2.170 entidades de trabalhadores, igrejas, empresários,
juventude, defesa do meio ambiente e dos consumidores, instituições culturais e
organizações étnicas e de gênero. No segundo, “foi promovido um debate no
âmbito dos conselhos e comitês” (Brasil,
2011).
O Comunicado nº 132 do IPEA
(2012) inicia apresentando seu conceito de “participação social como método
de gestão” no período de 2002 a 2010, dando continuidade aos conselhos e
conferências e criando novas formas de participação: consultas públicas, mesas
de negociação e ouvidorias. Esses mecanismos têm por objetivo promover a
inclusão, a responsabilidade e accountability, a eficiência e eficácia nas
políticas públicas, atingindo uma diversidade de áreas, formas e tipos de
políticas e de interfaces.
O documento inicia a análise sobre a incidência geral das
interfaces socioestatais, no período de 2002 a 2010, afirmando que:
Foi possível perceber pelo menos três importantes fatores nessa
linha: i) uma variação positiva no volume de programas com interfaces
socioestatais; ii) um processo de diversificação de órgãos que passaram a
adotar estes mecanismos em seus respectivos programas ao longo dos anos; e, por
fim, iii) um incremento do número médio de interfaces socioestatais nos
programas de órgãos que já adotavam estes mecanismos no primeiro ano
considerado (IPEA, 2005 – p. 4).
Em 2002, 81% dos programas possuíam interfaces socioestatais,
chegando a 92,1% em 2010. Da mesma forma, 60,4% dos órgãos federais tinham
interfaces socioestatais em 2002 e passaram para 89,3% em 2010. No que diz
respeito ao número médio de interfaces socioestatais dos programas por cada
órgão em 2002, 11,5% tinham até 25% de programas com esse tipo de interface e,
em 2010, todos os órgãos tinham pelo menos 25% de programas com interfaces. “Em
2002, 11,5% dos órgãos tinham mais de 75% dos seus programas com interfaces
socioestatais, percentual que sobe para 75,4% em 2010” (IPEA,
2012), ou seja, intensificaram-se as interfaces socioestatais dos programas
dentro de cada órgão.
Quanto ao tipo de interface, o IPEA o divide em dois grupos:
coletivizados (corte vertical, com maior inclusão e periodicidade, por exemplo;
conselhos setoriais; conferências; audiência pública e consulta pública); e não
coletivizados (corte horizontal, menor inclusão e sem periodicidade, por
exemplo; reuniões com grupos de interesse; ouvidoria e outros). No período
analisado, o tipo coletivizado passou de 26,6% para 41,6%. Com base numa
análise qui-quadrado, para observar o grau de significância dos tipos de
interface, o IPEA conclui que:
Ao longo dos anos, os percentuais tendem a uma maior
homogeneização, isto é, a uma maior semelhança, sugerindo que deixa de haver
concentração em determinados tipos de interface e passa a haver uma adoção
tendente ao equilíbrio entre os diversos tipos de mecanismos (IPEA,
2012).
Portanto, dentre as categorias organizadas pelo IPEA, não há um
tipo de interface predominante, pelo contrário, recorre-se a todos os tipos
proporcionalmente.
Outro aspecto qualitativo da participação, analisado no
Comunicado nº 132 do
IPEA (2012), trata das categorias temáticas ou padrões das interfaces.
Nesse sentido, o estudo conclui que 35% das interfaces ocorrem em relação à categoria
temática de proteção social, 32% na categoria de infraestrutura, 16% na
categoria de desenvolvimento econômico e o mesmo percentual nas questões
ambientais. No cruzamento entre as categorias e os tipos de participação,
tem-se que, na categoria de proteção social prevalecem os tipos de participação
através de conselhos e conferências; na infraestrutura prevalecem as audiências
públicas e consultas populares; na categoria ambiental, as reuniões e consultas
públicas; e no desenvolvimento econômico prevalecem as conferências e outras
formas de participação (IPEA,
2012).
Enfim, outra inferência analisada trata de observar o caráter
dos programas: finalísticos ou de apoio. Com caráter finalístico, os mecanismos
de participação são mais frequentes/periódicos, do tipo coletivizado e trata de
temas ligados à proteção social. Enquanto isso, o caráter de apoio é mais
pontual, de tipo não coletivizado, e ocorre nos temas ligados ao
desenvolvimento econômico e infraestrutura.
Assim, o Comunicado nº 132 do IPEA
(2012) conclui que, no período de 2002 a 2010, aumentou o número de
mecanismos participativos, aumentou a associação entre os temas, os tipos de
interface e o caráter dos programas, constituindo um padrão de tipo
coletivizado/finalístico e não coletivizado/apoio (IPEA,
2012).
Analisando a participação no governo Lula
Apresenta-se aqui uma proposta metodológica baseada na síntese
do debate sobre os fatores que influenciam a participação nas políticas
públicas. Nesse sentido, divide-se em três conjuntos de fatores: desenho
institucional, funcionamento das IPs e contexto. Outros dois textos
metodológicos ajudarão a apontar critérios de análise, ou seja, através do
conceito de Estrutura de Oportunidade Política - EOP (Cortes
& Silva, 2010) e da metodologia para analisar as conferências, proposta
por Souza
(2010).
Começando pela análise dos aspectos relacionados ao contexto,
pode-se afirmar que é possível reunir três critérios já apresentados
anteriormente: o histórico da participação no Brasil, o projeto político do
governo que estava assumindo o poder no início do período em análise e a
vontade política do governante. Observa-se que, historicamente, como afirma
Tatagiba (2011), “os movimentos sociais apostaram na luta ‘por dentro do
Estado’ como estratégia de transformação social e o próprio surgimento do
Partido dos Trabalhadores (PT) se insere no âmbito dessa aposta”. Com a eleição
do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT chegou ao Governo Federal, depois
de uma trajetória de experiências de participação direta nos governos locais,
através do modelo de Orçamento Participativo, portanto, há uma identidade
programática desse governo com a proposta participativa.
Do ponto de vista da vontade política, houve a iniciativa de
atribuir à SGPR, no primeiro dia de governo, a tarefa de coordenar a
interlocução do governo com a sociedade civil (Brasil,
2011), demonstrando que houve preocupação com o tema da participação.
Em relação ao capital social, mesmo considerando que o “Brasil é
um laboratório de participação” (Cortes
& Silva, 2010), pode-se perguntar até que ponto as experiências
participativas, que ocorreram nesse período, contribuíram para elevar o nível
de engajamento ou produzir mudanças significativas na cultura política
brasileira?
Quanto aos múltiplos centros de poder (Cortes
e Silva, 2010), pode-se observar que, no âmbito internacional, buscou-se
inserir a questão da participação da sociedade civil em temas como o Mercosul,
a CPLP e os debates sobre a cooperação internacional e a erradicação da
pobreza. Porém, no âmbito interno, o foco foi na relação direta entre o Poder
Executivo e as organizações da sociedade civil. Talvez nas conferências possa
aparecer um leque de atores um pouco mais amplo, mas não em relação a outros
centros de poderes, como o próprio Parlamento, a mídia, o Poder Judiciário, os
partidos políticos, dentre outros.
Um dos fatores mais complexos no âmbito da análise do contexto
são as desigualdades estruturais, dentre elas, as distâncias regionais, o custo
da participação, a assimetria de informações e até mesmo o controle da agenda e
dos resultados, de forma vertical e horizontal. Esse fator apresenta um grau de
complexidade difícil de analisar aqui, mas é importante ressaltá-lo como
desafio a ser investigado. Chama a atenção o diálogo do governo com
manifestações ativistas, como o Grito da Terra, a Marcha das Margaridas, dentre
outras. Isso trata daquilo que Young (2001) aponta como necessário: Não
desconsiderar o “grito das ruas” como uma forma de participação.
Quanto ao desenho institucional, é importante ressaltar que cada
uma das fontes estabeleceu critérios diferentes ao considerar os mecanismos de
participação e também que há diversidade nas formas de participação dentre os
diferentes tipos e as diferentes IPs de mesmo tipo.
Assim, a SGPR propõe um desenho institucional chamado de SNDP,
composto por vários mecanismos: conselhos, conferências, mesas de diálogo,
ouvidorias, formação de conselheiros e participação nos ODMs e nos diálogos
internacionais (Brasil,
2011). Já o IPEA
(2012) considera apenas cinco mecanismos: conselhos, conferências,
consultas públicas, mesas de negociação e ouvidoria.
Tratando-se de outro aspecto de diferenciação em relação ao
desenho institucional, a análise do
IPEA (2012) aponta o critério de tipologia, diferenciando entre tipos
coletivizados e não coletivizados, a partir do corte vertical ou horizontal e
de uma maior ou menor inclusão e periodicidade. Segundo essa análise, os
conselhos e as conferências são formas de participação que se encaixam no tipo
coletivizado. Porém, há muita diferença entre ambas e, mais ainda, entre os
diferentes conselhos e as diferentes conferências, ou seja, há uma grande
pluralidade nas formas e mecanismos de participação, que requer aprofundar
avaliações diferentes para cada mecanismo.
Em relação às pautas, geralmente são definidas pelo governo, mas
percebe-se que há sintonia com as demandas da sociedade civil, basta observar a
lista das conferências nacionais ocorridas no período de 2003 a 2010. Além
disso, percebe-se a presença de novos atores até então excluídos do processo
político, como por exemplo, os movimentos em favor da diversidade sexual
(movimentos LGBTT), étnicos, de gênero e outros. Portanto, houve uma ampliação
quantitativa e qualitativa da participação social no Brasil nesse período.
Nos aspectos relativos ao funcionamento dos processos
deliberativos e endógenos das instituições participativas, o mais importante
também é levantar hipóteses. Iniciando pela legitimidade dos processos
participativos e dos próprios participantes (quem participa e como participa),
esses fatores precisam ser investigado mais profundamente. Percebe-se que no
documento da SGPR, muitos depoimentos de lideranças das grandes entidades
nacionais apoiam e legitimam os processos participativos, porém, não se pode
ignorar que se trata de um documento oficial, que não tem por objetivo
problematizar, mas sim fazer a propaganda dessas ações.
Porém, pode-se levantar hipóteses relativas às consequências
dessa participação, como por exemplo: O engajamento de novos atores e a
pluralidade da participação reduziram conflitos? Parece que é possível observar
uma redução de conflitos entre governo e sociedade civil e daí, levanta-se
outras hipóteses: Houve cooptação dessas entidades por parte do governo ou o
governo atendeu suas demandas? Ou ambas? Enfim, mais um questionamento possível
de se investigar é: até que ponto as organizações da sociedade civil ou seus
líderes engajados diretamente nas instituições participativas, especialmente os
conselhos, perderam identidade nas suas bases?
Portanto, mais do que respostas, esse diálogo entre agenda
política e agenda de pesquisa também serviu para levantar hipóteses e
questionamentos a serem aprofundados.
Considerações
É possível apontar em qual modelo de participação pode-se
identificar a experiência brasileira? Qual a importância dessas experiências
participativas diante de um contexto mais amplo de globalização? Quais os
mecanismos característicos dessa experiência e quais os seus resultados? Quais
os desafios futuros que se pode apontar diante dessa síntese?
O que se pode afirmar é que não se pode caracterizar a
experiência brasileira no âmbito nacional como um modelo de participação direta
ou de democracia participativa. Nos documentos empíricos analisados, o balanço
da SGPR usa duas nomenclaturas, citando o sistema nacional de democracia
participativa e os mecanismos de participação social (Brasil,
2011), enquanto o IPEA usa o conceito de “participação social como método
de governo” (IPEA,
2012). Diante das três propostas sugeridas por Lüchmann
(2011), democracia participativa, democracia associativa e democracia
deliberativa, e apesar da pluralidade de desenhos institucionais e de práticas
participativas, acredita-se que a experiência brasileira se aproxima mais do
conceito de participação associativa.
Ainda que esse aspecto tenha sido destacado na primeira fase da
agenda de pesquisas sobre participação, acredita-se também que não se deve
ignorar a importância dessas experiências participativas que estão ocorrendo no
Brasil, diante de um contexto de globalização em que, de modo geral, os Estados
nacionais se veem perdendo poder. Há que ressaltar a importância de a
participação estar presente no projeto de governo que está no poder e da
vontade política de promover a participação, ainda mais porque isso promove a
mobilização de uma agenda de estudos para analisar e criticar as experiências
práticas, apontando para mudanças mais significativas no futuro.
Percebe-se, contudo, que a participação não foi o método central
do governo, não se destacou ao ponto de se tornar um estilo marcante da atuação
política e de gestão das políticas públicas nas diferentes esferas de poder e
nas diversas áreas de governo. Houve avanços, houve ampliação da participação
quantitativa e qualitativamente, houve a consecução de algumas demandas, que
inclusive se tornaram importantes programas de governo, ainda que as demandas,
as sugestões, as propostas e as resoluções sejam muito amplas e a maioria não
tenha tido execução. Percebe-se também a falta de interface entre as diferentes
áreas e temas, não apenas do governo com a sociedade, mas internamente nos IPs
e entre os órgãos, evitando que haja mais disputa de recursos do que uma
cooperação e coordenação de programas.
Enfim, mais uma vez, é necessário ressaltar a importância das
experiências e da agenda de pesquisa, com um papel crítico para impulsionar
qualitativamente os resultados da participação social no Brasil, que apesar de
ser um bom exemplo, está muito aquém do que já existe de acúmulo teórico. Há,
no entanto, um déficit muito grande no aspecto deliberativo e no controle
social sobre as políticas públicas, assim como existe um grande desafio de
potencializar e articular as experiências de democracia participativa nos
âmbitos locais com os mecanismos de participação no âmbito federativo.
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