Artigos
Orquestração de
redes de inovação constituídas com o conceito de living lab para o
desenvolvimento de inovações sociais
Orchestrating innovation
networks constituted with the concept of living lab for the development of
social innovations
Orquestación de redes
innovación constituidas con el concepto de living lab para el desarrollo de
innovaciones sociales
Silvio Bitencourt da Silva Correio silviobitencourtdasilva@gmail.com
UNISINOS, Brasil
Claudia Cristina Bitencourt Correio claucbitencourt@gmail.com
UNISINOS, Brasil
Orquestração de redes de inovação constituídas com o conceito de
living lab para o desenvolvimento de inovações sociais
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 2, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Recepção: 02 Março 2017
Aprovação: 08 Janeiro 2018
Publicado:
01
Abril 2019
Resumo:
Este estudo tem por objetivo investigar
como são orquestradas redes de inovação constituídas com o conceito de living
lab, um tipo de laboratório de inovação aberto e centrado no usuário para o
desenvolvimento de inovações sociais. É pautado por uma abordagem qualitativa,
caracterizada como estudo de caso. As evidências são obtidas através de dados
de 11 entrevistas semiestruturadas, realizadas com responsáveis por dois living
labs brasileiros. As evidências foram interpretadas por meio da técnica de análise
de conteúdo e da técnica de adequação ao padrão, a partir das categorias e
subcategorias selecionadas e de seus indicadores. O trabalho avança em relação
a outros do mesmo campo ao promover a compreensão de que os processos e as
ações específicas, denominados “orquestração de redes de inovação”, permitem a
orquestração de redes de inovação constituídas em torno do conceito de living
lab, para o desenvolvimento de inovações sociais, porém, associadas a um novo
processo que surge da prática observada nesta pesquisa, denominada de gestão da
cocriação.
Palavras-chave:
Inovação
Social, Living Labs, Orquestração, Redes de Inovação.
Abstract: This study aims to investigate how innovation networks are
organized with the concept of living lab, a open, user-centered innovation
laboratory, focusing on the development of social innovations. It is based on a
qualitative approach, characterized as a case study. The evidence is obtained
through data from 11 semi-structured interviews with those responsible for two
Brazilian living labs. The evidences were interpreted through the technique of
content analysis and the technique of adaptation to the standard from the
selected categories and subcategories and their indicators. This work advances
in relation to others in its field by promoting the understanding that the
specific processes and actions, called "orchestration of innovation
networks" allow the orchestration of innovation networks built around the
concept of living lab for the development of social innovation, but still
associated to a new process that arises from the practice observed in this
research, called co-creation management.
Keywords: Social Innovation, Living
Lab, Orchestration, Innovation Networks.
Resumen: Este estudio tiene por objetivo investigar como son orquestadas
redes de innovación constituidas con el concepto de living lab, un tipo de
laboratorio de innovación abierta y centrada en el usuario, orientadas al
desarrollo de innovaciones sociales. La investigación es pautada en un abordaje
cualitativo, caracterizada como estudio de caso. Las evidencias se obtuvieron a
través de datos de 11 entrevistas semiestructuradas con responsables por los
living labs brasileños. Las evidencias fueron interpretadas por medio de la
técnica de análisis de contenido y de la técnica de adecuación al estándar a
partir de las categorías y subcategorías seleccionadas y de sus indicadores. El
trabajo avanza en relación a otros del mismo campo al promover la comprensión
de que los procesos y acciones específicas, denominado "orquestación de
redes de innovación" permiten la orquestación de redes constituidas en
torno al concepto de living lab para el desarrollo de innovaciones sociales,
pero asociados a un nuevo proceso que surge de la práctica observada en esta investigación,
denominado de gestión de la co-creación.
Palabras clave: Innovación Social, Living
Lab, Orquestación, Redes de Innovación.
INTRODUÇÃO
A sociedade anseia por soluções para os complexos e crescentes
desafios sociais que a afligem. Como uma resposta a esses desafios, a inovação
social tem ganhado destaque entre teóricos e práticos (Nicholls & Murdock,
2012). Como base para este estudo, é importante considerar a inovação social,
que trata de qualquer inovação que “implique em uma nova ideia que tenha potencial
para melhorar tanto a qualidade ou a quantidade de vida” (Pol & Ville,
2009), e que está relacionada à ideação, ao desenvolvimento e à aplicação de
dispositivos sociotécnicos (novos produtos ou serviços, bem como tecnologias
sociais) que “satisfazem as necessidades sociais e, simultaneamente, criam
novas relações ou colaborações sociais. Em outras palavras, são “inovações boas
para a sociedade e que aumentam a capacidade de agir da sociedade” (Murray et
al, 2010, p. 3).
A inovação social tem sido interpretada em relação aos seus fins
(resultados das inovações geradas) e aos seus meios (processos de
desenvolvimento de inovações) (Ferrarini & Hulgård, 2010). Como produto, é
apreendida pela sua finalidade social e escopo (Marée & Mertens, 2012). Já
como processo, ela se assemelha à noção de inovação aberta, pois ocorre por
meio de processos colaborativos (Voorberg, Bekkers & Tummers, 2015)
alinhados ao paradigma democrático, que abrange não só a participação das
comunidades, mas também o conhecimento produzido nelas como sendo de igual
mérito ao produzido por especialistas (Montgomery, 2016).
A pesquisa na área de gestão para o desenvolvimento de inovações
sociais é pouco explorada (Van
Der Have& Rubalcaba, 2016), mas mantém alinhamento com a discussão
sobre o uso de redes e a sua utilidade para construir resultados na esfera
social, como destacam
Cloutier (2003), Nicholls,
Simon e Gabriel (2015) e Sonne
(2015).
Exemplos de redes de inovação com esse propósito contemplam
também as constituídas por meio do conceito de living lab, que emergiram no
Brasil vinculadas à Rede Europeia de Living Labs (ENoLL), com uma ênfase
voltada para a promoção de inovações sociais (Silva,
2012; Pinto
& Fonseca, 2013a).
Living labs promovidos principalmente entre os países europeus,
tem crescido em conjunto com a ENoLL, criada em 2006, para ser um novo
instrumento de política de inovação para a Europa em um novo paradigma
denominado Open Innovation 2.0 – OI2 (EC,
2016) e que tem-se ampliado para diferentes partes do mundo, incluindo o
Brasil.
No Brasil, esse movimento teve início em 2009 e, a partir de
então, diversas propostas foram submetidas a ENoLL, que procura promover a globalização
e a colaboração aberta internacional com vistas a fomentar a inovação de forma
sistemática, por meio do apoio à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação
co-criativa, centrados no ser humano e orientados para o usuário.
Living labs são compreendidos como novas formas de organização
para a inovação em redes colaborativas, abertas e centradas nos usuários que
conectam a capacidade de inovação de diferentes atores em um processo de
cocriação em um ambiente da vida real, podendo abranger dimensões sociais e
tecnológicas ou ambas, em PPPPs - Parcerias-Pessoais-Público-Privadas (Dekkers,
2011; Leminen, Westerlund & Nyström, 2012; Leminen, 2013; Schuurman et al.,
2013; Dell’Era & Landoni, 2014; Nyström et al., 2014; Schuurman et al.,
2016, Schuurman, De Marez & Ballon, 2016, Leminen et al., 2016).
A relação dos living labs com a inovação social não é algo
inédito (Edwards-Schachter,
Matti & Alcántara, 2012; Battisti,
2014): No Brasil, consiste em um campo emergente de pesquisa que tem
inspirado alguns estudos (Silva,
2012; Pinto
& Fonseca, 2013a; Pinto
& Fonseca, 2013b; Pinto
& Fonseca, 2013c; Litvin
et al., 2015; Silva,
2015).
Um living lab voltado ao desenvolvimento de inovações sociais é
compreendido como um tipo de organização gerida por PPPPs através de uma rede
de inovação em que diferentes atores, incluindo os cidadãos, constroem soluções
para superação dos desafios sociais por eles identificados.
A formação de redes de atores que combinam e geram novos
recursos vem sendo utilizada pelas organizações como estratégia para acelerar e
aumentar a assertividade do desenvolvimento de inovações (Pittaway
et al., 2004; Dagnino
et al., 2015). Nesse modelo, os processos tradicionais de gestão e
coordenação baseados em comando e controle precisam ser substituídos por
processos colaborativos e participativos, denominados “orquestração de redes de
inovação” (Dhanaraj
& Parkhe, 2006, p. 659).
Embora diversos estudos proponham avanços na compreensão da
orquestração de redes de inovação (Dhanaraj
& Parkhe, 2006; Ritala,
Armila & Blomqvist, 2009; Batterink
et al., 2010;Nambisan
& Sawhney, 2011; Klerkx
& Aarts, 2013; Paquin
& Howard-Grenville, 2013; Hara
et al., 2015), não são identificados estudos que conectem o tema para redes
com o propósito de desenvolvimento de inovações sociais, com exceção de um
estudo exploratório conduzido em living labs brasileiros (Silva,
2015).
Os living labs suscitam diversos desafios teóricos e empíricos a
serem considerados por acadêmicos e gestores. Um deles, de caráter geral, tende
a valorizar situações de pesquisa relacionadas à gestão de redes de inovação
para o desenvolvimento de inovação social e conduz ao objetivo central deste trabalho
que é o de investigar como são orquestradas as redes de inovação constituídas
com o conceito de living lab para o desenvolvimento de inovações sociais,
particularmente as que emergiram no Brasil com este propósito.
Nessa direção, é estabelecida uma associação com a base teórica
reconhecida como a Visão Baseada em Recursos – (VBR), já apontada como adequada
para a pesquisa sobre redes de inovação no âmbito da discussão sobre living
labs (Dekkers,
2011). Sendo um tipo de rede de inovação, desenvolve e explora recursos,
tais como conhecimento, tecnologia e capacidades organizacionais no âmbito da
rede. A adoção da VBR para o estudo de living labs, para a finalidade deste
estudo, toma a própria rede como um recurso com base na perspectiva apontada
por Barney
(2011).
Este artigo apresenta, além desta seção introdutória, uma
discussão teórica realizada na seção seguinte. A seção 3 apresenta a descrição
da metodologia. A seção 4 apresenta os resultados do estudo e a sua discussão.
A seção 5, por fim, apresenta as considerações finais.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A VBR é adequada para o estudo dos living labs (Dekkers,
2011), porém, como se tratam de redes voltadas ao desenvolvimento de
inovações sociais, o seu vínculo com a VBR alavanca a criação de conhecimento
que se estende além dos motivos de lucro puro e, de acordo com Litz
(1996), complementa os recursos já existentes com elementos sociais e
éticos. Além disso, há trabalhos como o de McWilliams
e Siegel (2011) que abordam empresas que obtêm vantagem competitiva através
da criação de valor privado e social, por meio de estratégias de
responsabilidade social corporativa. Essa associação é obtida a partir de uma
das abordagens vinculadas à Visão Baseada em Recursos Naturais (VBRN) (Hart,
1995; Hart
& Dowell, 2010).
Nesse sentido, destaca-se o desenvolvimento sustentável que tem
sido, muitas vezes, considerado um objetivo implícito a qualquer ação social
inovadora (Mehmood
& Constanza, 2013). Além disso, living labs não competem, no sentido
tradicional, fazendo-o pelo acesso e pela obtenção de fundos para assegurar a
sua autossustentação (Arya
& Lin, 2007) e o cumprimento efetivo de uma determinada finalidade
social, bem como a amplitude do impacto social gerado (West
& Posner, 2013).
Entretanto, a influência dos recursos sobre o desempenho de uma
organização não é resultado apenas da sua posse, mas ocorre de acordo com uma
das extensões teóricas da VBR que envolve a ação gerencial sobre o portfólio de
recursos (Helfat
et al, 2007; Sirmon,
Hitt, & Ireland, 2007), sendo definida como a orquestração de recursos
(Sirmon
et al., 2011). Esse conceito será explorado em maior profundidade a seguir,
para que seja possível delinear o entendimento de como as redes de inovação
para o desenvolvimento de inovação social, constituídas com o conceito de
living lab, são geridas como um tipo de recurso.
1.1
Orquestração de Recursos: uma das ampliações da VBR
A orquestração de recursos preconiza que as atividades de gestão
dos recursos devem ser cuidadosamente priorizadas, sincronizadas e suportadas.
Surge como uma combinação de duas perspectivas identificadas na literatura
quanto ao uso de recursos para obtenção de vantagem competitiva: o de
gerenciamento de recursos (Sirmon,
Hitt, & Ireland, 2007), e o de orquestração de ativos (Helfat
et al., 2007). Responde a alguns aspectos da VBR que podem ser discutidos (Kraaijenbrink
et al., 2010) a partir do entendimento de que a VBR fica aquém das
expectativas quando se trata da questão de como gerir os recursos para que eles
se tornem uma fonte de vantagem competitiva. O próprio valor dos recursos só
pode ser avaliado em retrospecto, havendo a necessidade de se perguntar também
como os recursos são construídos (Priem,
& Butler, 2001a; 2001b).
A orquestração de recursos indica que é a combinação de
recursos, capacidades e habilidades gerenciais que possibilitam a obtenção de
um desempenho superior (Helfat
et al., 2007; Sirmon,
Hitt, & Ireland, 2007;
Sirmon et al., 2011). Ela diz respeito às ações que os gestores tomam para
efetivamente facilitar a gestão dos recursos (Sirmonet
al., 2011, Hitt
et al., 2011; Ndfor,
Sirmon, & He, 2011). Nesse caso, propõe-se uma associação entre a
expressão “orquestração” oriunda da literatura da VBR (Sirmon,
Hitt, & Ireland, 2007; Helfat
et al., 2007; Sirmon
et al., 2011) e a adotada por Dhanaraj
e Parkhe (2006) para redes de inovação. É sugerido que o conjunto de
processos e ações específicas, denominado “orquestração de redes de inovação” (Dhanaraj
& Parkhe, 2006), representa as ações gerenciais necessárias para a
gestão de redes de inovação constituídas a partir do conceito de living lab,
para o desenvolvimento de inovação social.
As redes de inovação, como estruturas de organização para a
inovação (Rasera & Balbinot, 2010), promovem interações de modo
colaborativo e dependem do compartilhamento de diferentes recursos, como o
conhecimento (Grant,
1996; Dyer
& Nobeoka, 2000), e podem resultar do aprendizado de vários atores que
portam conhecimentos distintos e que os integram para a criação de algo novo (Lundvall,
1992). De forma geral, uma rede de inovação pode apresentar várias formas e
envolver diferentes atores de acordo com seus objetivos. Há evidências
crescentes de que a colaboração de múltiplos atores em redes, parcerias e
equipes interorganizacionais pode estimular o desenvolvimento de inovações
sociais (Sørensen
& Torfing, 2011; Ansell
& Torfing, 2014).
As redes, com a sua capacidade de amortecimento, adaptação e
mudança de forma, tornam-se uma maneira de se organizar socialmente a fim de
evitar armadilhas e lidar com problemas complexos (Hahn
et al., 2006,
Olsson et al., 2008, Bodin
& Crona, 2009). Uma das razões para essa afirmação é que certas
estruturas de rede podem ser críticas para a capacidade humana de inovar
coletivamente e para as respostas necessárias a fim de dar início e apoiar
mudanças em escalas e criar as inovações sociais que podem abordar e resolver
desafios complexos (Newman & Dale 2005). Como novas configurações para o
desenvolvimento de inovações sociais, as redes de inovação social operam em um
Modelo de Hélice Quádrupla (Carayannis
& Campbell, 2009; Arnkil
et al., 2010), em que governo, indústria, academia e participantes civis
trabalham juntos para cocriar soluções, além do escopo do que qualquer
organização ou pessoa poderia fazer individualmente. Entretanto, Sørensen
e Torfing (2011) argumentam que os processos colaborativos e inovadores são
difíceis de se desencadear e manter sem uma gestão adequada da inovação e um
ambiente cultural e institucional de apoio.
Assim, originária da literatura sobre sistemas vagamente
acoplados (Weick,
1976;
Orton & Weick, 1990; Weick
& Quinn, 1999;
Pajack & Green, 2003), a orquestração pressupõe que redes de inovação
podem não ser controláveis no sentido tradicional da gestão, podendo exigir uma
forma de coordenação discreta, como constatado por
Provan (1983, p.83). De acordo com Ritala,
Armila e Blomqvist (2009), o termo “orquestração” parece adequado para
descrever as atividades de desenvolvimento, gestão e coordenação de redes de
inovação.
Na sequência, será apresentado e aprofundado o conjunto de
processos e ações específicas, denominado “orquestração de redes de inovação”.
1.1.1
Orquestração de Redes de Inovação
A orquestração de rede de inovação como "o conjunto de
ações deliberadas realizadas por uma organização central, uma vez que busca
criar valor e extrair valor a partir da rede" (Dhanaraj
& Parkhe, 2006, p. 659) envolve "atividades que permitem e
facilitam (mas não impõem) a coordenação da rede para a realização da
inovação" (Ritala,
Hurmelinna-Laukkanen & Nätti, 2012, p. 325).
No presente estudo, a organização central é entendida como
aquela que possui “destaque e poder adquirido através de atributos individuais
e uma posição central na estrutura da rede, e que usa sua proeminência e poder
para realizar um papel de liderança em reunir os recursos dispersos e
capacidades dos membros da rede" (Dhanaraj
& Parkhe, 2006, p. 659).
A coordenação dos living labs como redes de inovação se
manifesta como uma forma de mediação do desenvolvimento da inovação na direção
de um determinado objetivo, pois não possui autoridade sobre os atores que as
integram (Westerlund & Leminem, 2011; Veekman et al., 2013), independente
de sua proeminência na rede frente aos desafios estabelecidos em um determinado
desenvolvimento ou do papel que possa exercer. Dessa forma, um dos
participantes tomará para si a responsabilidade por deflagar e promover as
atividades da rede de inovação em um living lab, assumindo um papel central na
sua gestão como um todo. Nesse caso, a gestão da rede remete à discussão sobre
os modelos de gestão e suas aplicações em diferentes formatos de redes.
Nessa direção, o estudo de Nyström
et al. (2014) permitiu a observação do exercício de um papel central na
gestão do living lab que tem proeminência sobre os outros integrantes da rede
de inovação, mas sem possuir autoridade sobre os participantes. Este papel, de
acordo com Nyström
et al. (2014), é do orquestrador, isto é, “um ator que orquestra toda a
rede de atores de um living lab”.
Com base no papel desempenhado pela organização central, podem
ser identificadas duas formas diferentes de manifestação (Nambisan
& Sawhney, 2011). A integradora da inovação, que define a arquitetura
básica para a inovação e, em seguida, mobiliza os membros da rede, integra os
diferentes recursos compartilhados para o desenvolvimento da inovação e conduz
a sua destinação (Nambisan
& Sawhney, 2011). A líder da plataforma de inovação define e oferece a
arquitetura de inovação básica, que então torna-se a plataforma ou a base na
qual outros membros da rede desenvolvem suas próprias inovações que podem
ampliar e/ou melhorar a arquitetura base ou da plataforma (Nambisan
& Sawhney, 2011).
A orquestração pode abranger diferentes processos de acordo com
a sua aplicabilidade ou mesmo destacar diferentes perspectivas (Dhanaraj & Parkhe,
2006; Nambisan & Sawhney, 2011; Hurmelinna-Laukkanen
et al., 2012;
Klerkx & Aarts, 2013). Este trabalho está pautado nas três dimensões
propostas de Dhanaraj
e Parkhe (2006), que são a base para as outras variações mais específicas e
para a descrição da orquestração de redes de inovação.
De acordo com Dhanaraj
e Parkhe (2006), existem três processos para o exercício da orquestração de
redes de inovação e que estão positivamente relacionados com a saída de
inovação, que são: a) mobilidade do conhecimento, b) apropriabilidade da
inovação, e c) estabilidade da rede. Esses processos são centrais para se
compreender a orquestração de redes de inovação e são descritos a seguir.
O processo de mobilidade do conhecimento significa que recursos
de conhecimento distribuídos na rede podem ser acessíveis aos seus membros.
Refere-se ao compartilhamento, à aquisição e à implantação de conhecimento
dentro da rede. O reforço da gestão da mobilidade do conhecimento inclui três
ações específicas às quais o orquestrador precisa prestar atenção: a absorção
de conhecimento, a identidade de rede e a socialização interorganizacional.
O segundo processo é o de apropriabilidade da inovação, que
busca assegurar que os membros da rede são capazes de capturar os resultados
gerados pelas inovações de forma equitativa que é, na verdade, assegurar a
reciprocidade. A sua obtenção inclui as ações específicas que envolvem a
promoção de confiança, de justiça processual e de posse conjunta de bens.
O terceiro processo refere-se à estabilidade de rede que trata
da disposição dos membros da rede em manter a colaboração entre si, o que está
relacionado com o dinamismo de uma rede de inovação. Para Dhanaraj
e Parkhe (2006, p.663), “uma rede que está prestes a desmoronar não é
propícia para a criação de valor ou de extração de valor”. Pode ser
incrementada por meio de ações específicas voltadas para a melhoria da
reputação, o aumento da sombra do futuro e a construção de multiplexidade.
Há a possibilidade de interação entre os processos quanto à
geração de impactos positivos entre um e outro. É possível distinguir três
interações possíveis de acordo com Dhanaraj
e Parkhe (2006). Em primeiro lugar, a apropriabilidade da inovação
impactando positivamente a mobilidade do conhecimento. Em segundo lugar, a
apropriabilidade impactando positivamente a estabilidade da rede. E, em
terceiro lugar, a estabilidade da rede impactando positivamente a
apropriabilidade da inovação.
O Quadro
1 sintetiza a ideia de um conjunto de processos e ações específicas,
denominado “orquestração de redes de inovação” proposto por Dhanaraj
e Parkhe (2006) com base em diversos autores que auxiliam na constituição
do conceito.
Processos de
orquestração |
Ações específicas |
|
Gestão da mobilidade
do conhecimento Powell et al. (1996), Provan (1983), Freeman (1991), Grandori
e Kogut (2002), Dhanaraj e Parkhe (2006), Ritala et al. (2009) |
Absorção do
conhecimento no nível da rede Kogut e Zander (1996), Schumpeter (1961), Cohen
e Levinthal (1989: 569), Lyles e Salk (1996), Simonin (1999), Lane et al.
(2001), Todorova e Durisin (2007), Nooteboom (2004) |
|
Identidade comum
entre os membros da rede Dyer e Nobeoka (2000), Meyer e Rowan (1977), Orton e
Weick (1990), Brown e Duguid (2000), Maguire e Hardy (2005), Hannan e Freeman
(1986), Raab e Kenis (2009) |
||
Socialização
interorganizacional Brown e Duguid (2001), Nonaka e Takeuchi (1995), Ahuja (2000),
Kaleet al. (2000), Lyles e Salk (1996), Makhija e Ganesh (1997), Choi e Hong
(2002), Cousins et al. (2006) |
||
Gestão da
apropriabilidade da inovação Arrow, 1974; Schumpeter, 1942; e Teece,
1986-2000; e Dhanaraj e Parkhe, 2006; Ritala et al., 2009 |
Confiança Macaulay
(1963) Williamson (1985), Uzzi (1997), Gambetta (1988), Coleman (1990),
Putnam (1993), Bachmann e Zaheer (2008) |
|
Justiça processual Khanna
et al. (1998), Kim e Mauborgne (1998), Leventhal (1980), Thibaut e Walker
(1975), Greenberg (1987), Greenberg e Folger (1983), Greenberg e Tyler (1987)
|
||
Posse de bens conjunta
Ahuja (2000), Shan et al. (1994), Hagedoorn (1995), Kogut (1988), Dhanaraj et
al. (2004); Uzzi (1997), Teece (1992), Baum et al. (2000), Grant e Baden-Fuller
(2004) |
||
Gestão da estabilidade
da rede Koberg e Ungson, 1987; Ebers e Grandori, 1999; Kenis e Knoke, 2002;
Madhavan et al., 1998, e Lorenzoni e Lipparini, 1999; e Dhanaraj e Parkhe, 2006;
Ritala et al., 2009 |
Reforço a reputação Baum
et al. (2000), Stuart (2000), Macaulay (1963), Podolny (1993), Dollingeret
al. (1997), Michelet (1992), Stuart et al. (1999), Elfring e Hulsink (2003),
Goldberg et al. (2003) |
|
Aumento da sombra de
futuro Axelrod (1984), Parkhe (1993), Rapoport e Chammah (1965), Dyer (1997),
Uzzi (1997), Wasserman e Galaskiewicz (1994) |
||
Construção de
multiplexidade Granovetter (1973), Granovetter (1985), Ibarra (1995), Kenis e
Knoke (2002), Shipilov e Li (2012). |
||
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Dhanaraj
e Parkhe (2006).
Dessa forma, no contexto deste estudo, a “orquestração de redes
de inovação” representa a ação gerencial necessária para a orquestração da rede
de inovação constituída com o conceito de living lab, em que um agente central,
frente às suas características de proeminência sobre os outros integrantes da
rede, assume o papel de orquestrador, a fim de promover o desenvolvimento e o
acesso a recursos da rede, como proposto por Nyström
et al. (2014). Na próxima seção, será apresentada e aprofundada a metodologia
adotada neste estudo, bem como os procedimentos de coleta e de análise das
evidências empíricas.
2. METODOLOGIA
A presente pesquisa pode ser classificada como qualitativa (Creswell,
2010) e a opção pelo estudo de caso demonstra ser apropriada, para uma
questão do tipo “como” (Yin,
2014). Para este estudo, foram selecionados dois living labs brasileiros. A
seleção levou em conta dois critérios: (1) o foco no desenvolvimento de
inovações socias e (2) a regularidade de suas atividades. Muitos living labs
descontinuaram suas atividades e/ou deixaram de ser aderentes a ENoLL por terem
cessado suas operações quando o financiamento do projeto terminou, ou por conta
de mudanças na governança das organizações que os mantinham, ou ainda da evasão
das pessoas que os lideravam, ou simplesmente pela mudança de foco na atuação e
até mesmo pela mudança de política de adesão da ENoLL, em 2015.
O primeiro foi o Habitat Living Lab (HLL,
2016), reconhecido pela ENoLL como membro aderente, situado em Vitória,
Espírito Santo, que se configura como uma rede que tem por objetivo desenvolver
soluções tecnológicas e ecoamigáveis para auxiliar na melhoria de condições
habitacionais urbanas e rurais de populações de baixa renda, apoiada em
educação ambiental e em participação da comunidade em uma zona especial de
interesse social de Vitória, autodenominada Território do Bem.
O segundo foi o Corais (PC,
2016), ligado ao Instituto Ambiente em Movimento – IAM, reconhecido pela
ENoLL, estabelecido no município de Curitiba, Paraná, e que se refere a uma
plataforma para desenvolvimento de projetos de Design Livre.
A coleta de dados focou-se no trabalho de cada living lab
correspondente e ocorreu em duas etapas. A primeira etapa de reconhecimento e
exploração ocorreu através de uma aproximação com sete living labs brasileiros.
Nessa etapa, buscou-se entender as suas principais características e as formas
de manifestação dos processos de “orquestração de redes de inovação”. Cada uma
das ações específicas, necessárias para a sustentação dos processos, resultaram
em tópicos específicos que compuseram o roteiro da pesquisa. A segunda etapa
contemplou a coleta de dados por meio de 11 entrevistas semiestruturadas (Merriam,
2009), realizadas ao longo dos anos de 2015 e de 2016, com os responsáveis
pela gestão dos living labs brasileiros pesquisados e que formam a ideia de
“orquestrador” conforme Nyström
et al. (2014). Essas entrevistas foram realizadas pessoalmente ou por
Skype, com duração média de uma hora, e registradas com equipamento de gravação
de áudio.
As categorias e as subcategorias selecionadas para a análise dos
dados coletados, bem como os seus indicadores, que permitiram explorar as
manifestações estudadas, foram fundamentadas nos autores escolhidos para a
sustentação teórica da pesquisa, em consonância com os objetivos propostos. Ou
seja, os processos e as ações específicas da orquestração de redes de inovação
propostos por Dhanaraj
e Parkhe (2006) e representadas no Quadro
2.
Categorias |
Subcategorias |
Indicadores |
Gestão da mobilidade
do conhecimento |
Absorção do
conhecimento no nível da rede |
Identificação, assimilação
e exploração do conhecimento do ambiente. |
Identidade comum
entre os membros da rede |
Engajamento dos
membros da rede para sua participação e compartilhamento de conhecimento válido.
|
|
Socialização interorganizacional
|
Constituição de
vínculos formais e informais entre os membros da rede. |
|
Gestão da
apropriabilidade da inovação |
Confiança |
Instituição de
liderança de altos níveis de confiança e clara comunicação prévia de sanções
para violações de confiança. |
Justiça processual |
Garantia de que os
procedimentos de tomada de decisão são coerentes e justos, independentemente
dos resultados. |
|
Posse conjunta de
bens |
Controle da criação
do conhecimento de modo compartilhado na rede. |
|
Gestão da
estabilidade da rede |
Reforço à reputação |
Geração de
significantes efeitos de confiabilidade. |
Alongamento da
sombra de futuro |
Criação de vínculos
entre benefícios futuros e a ações presentes. |
|
Construção de
multiplexidade |
Promoção de dois ou
mais tipos de relacionamentos ocorrendo ao mesmo tempo. |
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Dhanaraj
e Parkhe (2006).
Neste estudo é adotado o método de triangulação (Flick,
2013), com o qual buscou-se assumir diferentes visões a respeito da questão
de pesquisa que se procura responder, combinando várias fontes de evidências
sob uma abordagem teórica e produzindo-se, assim, um conhecimento adicional em
relação ao que seria possível se fosse adotada uma única perspectiva. Seguindo
a classificação proposta por Denzin
(2005), foi conduzida a triangulação de fontes de dados, sem usar métodos
distintos. Neste caso, as diferentes fontes de evidências utilizadas para se
proceder à triangulação contemplaram: documentos, acesso a diferentes mídias e
entrevistas. Essas fontes foram suficientemente robustas para conferir
confiabilidade aos resultados obtidos, pois permitiram compreender a realidade
e seus diferentes significados na perspectiva dos que assumem o papel de
orquestrador da rede de inovação, segundo Nyström
et al. (2014).
Os documentos foram os oriundos de publicações sobre
experiências dos casos selecionados: a) redes de colaboração para inovação: a
experiência do Living Lab Habitat (Pinto,2014)
e b) “Coralizando: um guia de colaboração para a economia criativa” (Van
Amstel, 2015). As mídias envolveram os endereços eletrônicos dos living
labs pesquisados. No Habitat Living Lab o endereço <http://web3.ufes.br/habitat/index.php>
, ou nos endereços do LabTAR <http://www.labtar.net.br/site/> e da
Associação Ateliê de Ideias <http://www.ateliedeideias.org.br/> que
formam o núcleo de gestão do Habitat Living Lab. Na Plataforma Corais o
endereço < http://corais.org/>. As entrevistas conduzidas com pessoas que
possuem diferentes perspectivas em momentos e locais diversos, o que permitiu a
comparação e verificação cruzada dos dados coletados.
As entrevistas gravadas foram transcritas, sendo interpretadas
qualitativamente por meio da técnica de análise de conteúdo e, na sequência,
utilizou-se a técnica de adequação ao padrão, em que os resultados obtidos a
partir da realização da pesquisa empírica foram comparados com o padrão geral
de resultados oriundo da literatura, a partir do conjunto de processos e ações
específicas, denominado de “orquestração de redes de inovação” representado no Quadro
1.
A estrutura de relato foi composta a partir de várias narrativas
que procuraram descrever individualmente e associar as evidências obtidas a
cada um dos living labs pesquisados (análise intracasos), além de proceder-se
uma análise do cruzamento das evidências (análise intercasos).
Finalmente, foram comparados os resultados da análise com a
literatura de referência e complementar. A primeira contribuiu para construir a
validade interna, elevando o nível teórico das relações estabelecidas e
refinando a construção das definições finais. Já a segunda aprimorou a
generalização analítica e também contribuiu para o nível teórico de relações
estabelecidas e para a fundamentação dos novos discernimentos obtidos.
As interpretações realizadas, além de considerarem todas as
evidências obtidas, ainda não deixaram espaço para qualquer indefinição.
Visando a assegurar a qualidade do estudo, cada um dos casos foi
submetido à revisão pelos entrevistados, em meados de 2016, de forma a
corroborar a integridade do relato.
No que tange à confidencialidade, na redação final, não foram
exigidas condições de anonimato ou sigilo, permitindo, assim, que, futuramente,
os leitores do estudo sejam capazes de identificar os living labs e, se
necessário, as pessoas que participaram da coleta de dados.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nesta seção são apresentados e discutidos os resultados deste
estudo frente ao conjunto de processos e ações específicas, denominado
“orquestração de redes de inovação”, associando as evidências a cada um dos
living labs pesquisados (análise intracasos). Além disso, é realizada uma
discussão dos resultados obtidos a partir da análise do cruzamento das
evidências (análise intercasos) que permite a identificação de um novo processo
(cocriação) e de três ações específicas (empoderamento, engajamento social e
conexão social).
3.1.
Resultados (análise intracasos)
3.1.1.
A orquestração de redes de inovação no escopo de atuação do Living Lab Habitat
Neste subitem, descreve-se o conjunto de processos e de tarefas
específicas, denominado de “orquestração de redes de inovação” no âmbito do
Living Lab Habitat.
O primeiro processo que trata da mobilidade do conhecimento é
reforçado no Living Lab Habitat por meio da absorção do conhecimento no nível
da rede, da identidade comum entre os membros da rede e, ainda, pela
socialização interorganizacional.
A tarefa específica a que se refere a absorção do conhecimento
no nível da rede é reforçada pela identificação, assimilação e exploração do
conhecimento do ambiente em duas frentes. A primeira refere-se ao Território do
Bem, por meio do Fórum “Bem Maior”, sendo que o conhecimento é totalmente
compartilhado entre os participantes e, nas discussões realizadas, assimilado e
explorado, proporcionando a aprendizagem necessária para o desenvolvimento de
soluções aos problemas comuns das pessoas que compõem as comunidades no
Território do Bem. Adicionalmente, há a agência Varal, que engloba o Jornal, em
meio físico e virtual, além de uma Fanpage no Facebook que, juntos,
possibilitam o que é chamado localmente de “comunicação comunitária”, pela qual
as pessoas tem mais conhecimento sobre o que está acontecendo, bem como
condições de compartilhar suas ideias.
O segundo processo diz respeito ao LabTAR, quando as interações
que acontecem através de diversos tipos de comunicações por e-mails, Skype e
reuniões presenciais entre as representações das partes interessadas que
integram a rede de inovação estão mais ligadas ao planejamento e controle da
execução e aos projetos que estão sob o guarda-chuva do Living Lab Habitat.
O engajamento dos membros da rede para sua participação e para o
compartilhamento de conhecimento válido é buscado por meio do exercício de uma
tarefa específica voltada à criação de uma identidade comum entre os membros da
rede, a partir da condução de ações conjuntas, como, por exemplo, por meio do
Banco Bem, Pesquisa: Saberes, Fazeres e Perfil dos Moradores do Território do
Bem, o Plano “Bem Maior” do Território do Bem, e o Fórum “Bem Maior”, que criam
fronteiras bem definidas para a atuação do living lab. Além disso, ao longo do
tempo, em decorrência de sucessivas interações, é formada uma organização com
identidade própria, neste caso, a rede de inovação social no âmbito do Living
Lab Habitat.
A tarefa que envolve a socialização organizacional passa, então,
pela criação de vínculos formais e informais entre os membros da rede, a partir
da forma segundo a qual as comunidades são organizadas e em torno dos projetos
estabelecidos.
As comunidades são organizadas em fóruns ou em outros grupos de
ação para a discussão dos temas de interesse comum que possibilitam o seu
envolvimento, desde o planejamento até a implementação das iniciativas e sua
posterior avaliação, possibilitando o aumento do capital social e relacional na
rede de inovação social. Assim, as ações do Living Lab Habitat originam-se das
necessidades de usuários capazes de explicitar, de forma representativa, seus
interesses.
Em relação aos projetos, os vínculos se formam a partir de seus
objetivos, quando são definidos os parceiros a serem envolvidos frente às
competências ou recursos que possuem e se dispõem a aportar na rede.
O segundo processo que trata da apropriabilidade da inovação é
assegurado no Living Lab Habitat por meio da promoção da confiança, da justiça
processual e da posse conjunta de bens.
A tarefa de promover a confiança acontece a partir da definição
de uma agenda comum construída a partir das lideranças que estão à frente dos
fóruns, pois como fazem parte do Território, estão em contato permanente entre
si, tanto nos fóruns e em empreendimentos específicos quanto no dia a dia, de
acordo com seu tipo de relacionamento familiar e de vizinhança. Esse contexto
gera confiança a partir de repetidas interações, reciprocidade nas ações e na
resolução conjunta de problemas, o que, consequentemente, proporciona uma alta
proximidade entre todos.
Algumas sanções para violações de confiança são previstas, mas
somente em relação ao Banco Bem, particularmente, por conta dos empréstimos,
denominados de finanças solidárias, pois há o entendimento de que o valor maior
é o valor da cooperação e da confiança. Nessa direção, o Banco trabalha com
agentes que são moradoras do local e mantém proximidade com todos. Após uma
prévia abordagem, a solicitação vai para um comitê de análise de crédito, que é
constituído pela equipe do Banco e por moradores. E, quando há a efetivação do
empréstimo, a entrega é feita dentro da Plenária do Fórum, de modo que todo
mundo fique sabendo das condições da operação.
O Living Lab Habitat promove a justiça processual com o objetivo
de assegurar a cooperação voluntária e o aporte de ideias relevantes na busca
de soluções para os problemas comuns no Território do Bem. Para isso, procura
conduzir o processo decisório de maneira justa, independente dos resultados,
como, por exemplo, no Fórum “Bem Maior”, espaço aberto de resgate, agregação e
produção de conhecimentos múltiplos, onde os moradores das comunidades que
integram o Território do Bem podem exercer a governança local. No Fórum, as
pessoas estabelecem conversações mútuas, refutam decisões a partir de
argumentação válida, à luz da propriedade de que dispõem por vivenciarem a
realidade e ainda conseguem manter o histórico de decisão, assegurando a
consistência do processo, por meio do registro e controle mútuos das decisões
tomadas.
A tarefa de manter a posse conjunta de bens é reflexo do
entendimento comum a todas as partes interessadas e decorre de uma combinação
de processos participativos e colaborativos no âmbito do Living Lab Habitat,
que criam um contexto para a criação de compromissos e acordos mútuos. Por
exemplo, no Banco Bem, as lideranças formais e informais se reúnem para
elaborar e aprovar a sua política de crédito, bem como a concessão e o
acompanhamento dos créditos fornecidos. Esse exemplo ainda ilustra a forma de
aprisionamento criada no âmbito das ações desenvolvidas no território do Banco
Bem, que acaba por mitigar o afastamento ou as ações contrárias às
responsabilidades assumidas. Em alguns casos, entretanto, como algumas práticas
são relacionadas às atividades em um dos níveis (estratégico ou operacional), não
há conexão entre elas, o que permite observar lacunas em termos de alinhamento
entre os níveis e as partes interessadas envolvidas, como, por exemplo, no
desenvolvimento de um dos projetos que demandou propriedade intelectual.
O terceiro processo que condiciona a estabilidade da rede ocorre
apoiado por tarefas específicas voltadas ao reforço e à reputação, ao aumento
da sombra de futuro e à construção da multiplexidade na rede de inovação, no
âmbito do Living Lab Habitat.
Por meio da condução de diversos eventos e publicações em
diferentes níveis e contextos que reforçam o seu propósito, bem como agregando
reconhecimentos e premiações, além da própria adesão a ENoLL, o Living Lab
Habitat busca o reforço à reputação, que assegura sua legitimidade e sinaliza a
confiabilidade de suas ações, permitindo a atração de parceiros e seu
engajamento efetivo.
No Plano “Bem Maior” foram definidas ações de desenvolvimento
local nas dimensões política, econômica, social, ambiental e cultural.
Participaram deste planejamento os moradores e os técnicos de várias
instituições e representantes do poder público, que assumiram o compromisso de
colaborar não só com o processo de formulação, mas com a execução das ações
previstas. A perspectiva de alcance de resultados positivos que se traduzem na
resolução dos problemas comuns do Território do Bem acaba promovendo o aumento
da sombra de futuro por meio da criação de vínculos entre os benefícios futuros
e as ações presentes do Living Lab Habitat.
Além disso, o LabTAR adota a metodologia do Balanced Scorecard
(BSC), que atua como um sistema de acompanhamento e informação que mensura a
implementação da estratégia por meio de projetos no LabTAR. Além disso, auxilia
no alinhamento estratégico do Living Lab Habitat e apresenta um sistema de
medição do desempenho dos fatores de custo, tempo, qualidade e escopo. No mapa
estratégico, foi substituída a perspectiva financeira do BSC pela geração de
valor uma vez que o Habitat não possui fins lucrativos. Entretanto, não é uma
prática disseminada entre todos os integrantes da rede de inovação social do
Living Lab Habitat, além de não ter apresentado a fluidez necessária.
Quanto à promoção de dois ou mais tipos de relacionamentos
ocorrendo ao mesmo tempo, a tarefa voltada para a construção da multiplexidade
é conduzida por meio de atividades que são organizadas em dois níveis:
estratégico e operacional.
No nível estratégico, são três as ações executadas no âmbito do
LabTAR: a) gestão da carteira de projetos, b) avaliação e divulgação dos
resultados do Living Lab Habitat, e c) captação de apoio institucional,
político e financeiro para o living lab. As três atividades são
interdependentes e influenciam diretamente o conjunto dos projetos individuais
em carteira.
No nível operacional, cada projeto segue um fluxo
aproximadamente comum com especificidades em cada caso. O primeiro passo
consiste na organização das comunidades de usuários de baixa renda em fóruns ou
em outros espaços de discussão que permitam a identificação de necessidades de
mudanças tecnológicas a partir de seus pontos de vista. Após identificadas as
necessidades e as possíveis fontes de financiamento, são contatados os
participantes, pessoa jurídica e pessoa física, de cada organização que
participará do projeto desde a sua concepção, passando pela redação, submissão,
celebração do aceite, realização e prestação de contas. Os envolvidos são
usuários, membros das Instituições de Ensino Superior ou Institutos de
Pesquisa, de empresas, incluindo a empresa responsável pela gestão dos projetos,
se houver necessidade, bem como membros dos órgãos de governo identificados
como necessários para o desenvolvimento do projeto específico. A gestão da
carteira de projetos também é uma potencial fonte de identificação de lacunas
de tecnologias, de fontes de financiamento e de projetos a serem desenvolvidos,
e liga diretamente os níveis estratégico e operacional.
Outro aspecto importante refere-se à autogestão decorrente do
trabalho conduzido no Fórum “Bem Maior” por conta do empoderamento das pessoas
e do seu envolvimento direto com as questões a serem trabalhadas em prol do
Território.
3.1.2.
A orquestração de redes de inovação no escopo de atuação do Corais
Neste tópico, são descritas as iniciativas da Plataforma Corais
que sustentam o conjunto de processos e tarefas específicas, denominado
“orquestração de redes de inovação” no âmbito da Plataforma. Assim,
apresentam-se, a seguir, os três processos-chave para o exercício da
orquestração de redes de inovação (Dhanaraje
& Parkhe, 2006; Ritala
et al., 2009)
O primeiro processo, que tratada da mobilidade do conhecimento é
reforçado no Corais por meio da absorção do conhecimento no nível da rede, da
identidade comum entre os membros da rede e, ainda, pela socialização
interorganizacional.
Ao considerar-se que a mobilidade conhecimento está voltada à
possibilidade de que os recursos de conhecimento distribuídos na rede podem ser
acessíveis aos seus membros, a Corais, por meio de um corpo multidisciplinar
composto por pessoas engajadas e dispostas a colaborar, apoiadas por tecnologias
da informação e da comunicação, permite que seja promovido o compartilhamento e
a construção de conhecimento como um wiki em que se configura uma capacidade de
aprendizagem que ultrapassa os limites da rede. Dessa forma, o trabalho
colaborativo, na Plataforma, permite a absorção de conhecimento no nível da
rede por conta do desenvolvimento da criatividade coletiva em grupo.
Visando ao engajamento dos membros da rede para sua participação
e ao compartilhamento de conhecimentos valiosos, uma identidade comum entre os
membros da rede é criada de duas formas na Plataforma Corais: Uma delas
refere-se aos Cartões UX que, ao possuírem validação prática e ficarem visíveis
nos perfis, compõem a identidade cognitiva de indivíduos e grupos, valorizando
seus conhecimentos e o potencial para colaborar. A outra, em função do
engajamento em torno de uma causa relevante em que os membros da rede buscam
uma forma mais justa de fluir suas ações e ideias, partilha valores e práticas
em coletividades através de sua participação nos projetos que integram a
plataforma. Através dessas coletividades, por exemplo, a Plataforma Corais tem
sido utilizada para organizar vários tipos de projetos: universidade livre,
padronização de dados, reforma de prédio, produtoras culturais colaborativas,
televisão inteligente, entre outros. Assim, as pessoas vão colaborando, ou como
esta comunidade prefere dizer, vão "coralizando" e demonstram
promover a socialização interorganizacional, ao criarem vínculos formais e
informais decorrentes da sua participação em projetos e do acesso e
compartilhamento de informações com os outros existentes em um processo de
socialização que atravessa as fronteiras da própria rede.
A apropriabilidade da inovação, que representa o segundo
processo, é assegurada na Corais por meio da promoção da confiança, da justiça
processual e da posse conjunta de bens.
A tarefa que se destina a criar confiança entre os participantes
dos projetos da rede é conduzida através da promoção de sucessivas interações
que são carregadas de ideais de reciprocidade, de compartilhamento de
conhecimento e de resolução conjunta de problemas, de acordo com a filosofia do
Design Livre, que permeia a Corais e que se expressa por meio das diferentes
ferramentas de groupware que constituem a Plataforma ou, ainda, no Metadesign,
ao se aprimorar a própria Plataforma. Entretanto, a Plataforma Corais não
dispõe de nenhum tipo de sanção clara, preestabelecida para violações de
conduta.
Nessa direção, a criação de um ambiente pautado em confiança e abertura
assegura a justiça processual para manter a cooperação voluntária e estimular o
aporte de novas ideias na Plataforma. Nesse caso, por exemplo, a Plataforma
Corais dispõe de ferramentas que possibilitam a efetivação dos canais de
acompanhamento do coletivo, bem como a participação nas tomadas de decisão.
Blog, arquivo, tarefas, etapas, mapas mentais, planilha e calendário são
ferramentas úteis no que diz respeito ao acompanhamento do cotidiano do grupo.
Já do ponto de vista da colaboração, as ferramentas votação, sugestão e texto
colaborativo são as mais eficazes. O trabalho colaborativo, tanto no âmbito do
Metadesign quanto no desenvolvimento dos projetos na Plataforma, asseguram a
abertura e a transparência necessária para que os processos decisórios sejam
tomados como justos, independente dos resultados. Podem ser citados, como
exemplo, a aceitação ou não de ideias para a implementação e novas
funcionalidades na Plataforma. No caso da Moeda Digital, foi positivo, criando
um aprimoramento e, em discussão, até o fechamento deste estudo, havia a
possibilidade de que a Corais também se tornasse uma rede federada. Em termos
práticos, isso se refere à possibilidade de se logar a partir de um perfil
criado em uma mídia social federada e livre, ou a partir de um perfil criado na
Plataforma que demandaria a criação de um ambiente de “mídia social” e, a
partir disso, conectar-se com usuários nas outras redes.
A tarefa que diz respeito à manutenção da posse de bens
conjunta, na Corais, parte de seu objetivo de promover a proliferação de
projetos colaborativos que contribuam para o bem comum e de ser um serviço
gratuito e comunitário. Quando alguém utiliza essa plataforma, está
automaticamente contribuindo para a comunidade com conteúdo licenciado
viaCreative Commons, o que permite a cópia e o compartilhamento com menos
restrições que o tradicional “todos os direitos reservados”. A próxima pessoa
pode aprender com os projetos e, caso a licença permita obras derivadas, criar
novos projetos baseados na ideia original. Projetos com direitos reservados não
permitem esse tipo de interação. Se eles fossem permitidos, novos projetos
iriam valer-se da experiência dos projetos anteriores, sem, no entanto, dar
qualquer retorno à comunidade.
Entretanto, é demonstrada uma certa preocupação por parte do
principal idealizador e responsável pela Corais acerca das discussões feitas
sobre o uso de algumas ferramentas ou sobre o acesso a informações criadas
coletivamente para fins comerciais, no intuito de assegurar a autossustentação
da Plataforma.
O terceiro processo proporciona a estabilidade da rede e é
conduzido através de tarefas específicas voltadas ao reforço à reputação, ao
aumento da sombra de futuro e à construção da multiplexidade na rede de
inovação no âmbito da Corais.
A estabilidade da rede de inovação na Plataforma Corais depende
da disposição dos seus membros em manter a colaboração entre si no
desenvolvimento de projetos, apropriando-se de conhecimentos válidos. Ela tem
sido alcançada por meio do reforço à reputação da Plataforma, por meio da
manutenção de sua filosofia de trabalho pautada no design livre, na qual se
propõe quatro liberdades fundamentais, inspiradas nas liberdades do software
livre: 1) a liberdade de aprender a usar, independente de um uso proposto ou
esperado no projeto aberto que for consultado; 2) a liberdade de estudar e
reproduzir o processo que gerou o produto através da consulta à documentação
das decisões de design, os arquivos-fonte; 3) a liberdade de colaborar com o
processo, inclusive alterando qualquer parte de um processo; e 4) a liberdade
de aprender a fazer e, por consequência, produzir e reproduzir.
Tais liberdades propiciam o aumento da sombra do futuro por
tornarem-se relevantes quando os projetos são desenvolvidos em público, para o
público. Dessa forma, o nexo entre os movimentos atuais e as futuras
consequências é muito forte na Corais, pois, no caso dos processos
colaborativos, seja nas artes, na educação ou na tecnologia, construir um bem
comum é a motivação principal que faz as pessoas colaborarem.
A tarefa de construção da multiplexidade, neste contexto, é
realizada na Corais de duas maneiras que proporcionam diferentes tipos de
relacionamento entre os usuários da Plataforma: Um deles é o relacionamento
vertical no âmbito dos projetos em desenvolvimento resultado do trabalho
colaborativo a distância, favorecido pela construção coletiva do conhecimento e
pela gestão compartilhada de projetos e pelo provimento de uma série de
ferramentas baseadas em software livre, que ajudam as pessoas a se organizar
com poucos recursos iniciais. Um outro tipo de relacionamento ocorre
horizontalmente e é oriundo do compartilhamento de conhecimento e de
informações entre projetos, além de manter a abertura a qualquer pessoa que
queira buscar novos discernimentos, a partir das experiências conduzidas na
Plataforma.
3.2
Discussão (análise intercasos)
Em síntese, nos living labs pesquisados, há a evidência do
exercício do conjunto de processos e ações específicadas, denominado
“orquestração de redes de inovação”, de acordo com Dhanaraj
e Parkhe (2006), conforme descrição dos resultados apresentados
anteriormente e sua síntese nos Quadros
3, 4
e 5.
A gestão da mobilidade do conhecimento (Quadro
3) é pautada em ações específicas que possibilitam aos diferentes atores
compartilharem e combinarem conhecimentos na rede de inovação.
Gestão da mobilidade
do conhecimento |
Absorção do
conhecimento no nível da rede |
Reforçada pela
identificação, assimilação e exploração do conhecimento por meio dos Fóruns,
sendo que o conhecimento é totalmente compartilhado entre os participantes
nas discussões realizadas e, ainda, no LabTAR quanto as interações mais
ligadas ao planejamento e ao controle da execução e de projetos sob o
guarda-chuva do Living Lab Habitat. |
Por meio de um corpo
multidisciplinar composto por pessoas engajadas e dispostas a colaborar,
apoiadas por tecnologias da informação e da comunicação, permite que seja promovido
o compartilhamento e a construção de conhecimento como um wiki, de duas
formas: cartões UX e pelo engajamento em torno de uma causa. |
Identidade comum
entre os membros da rede |
Assegurada a partir
de três características: a) o elemento de ligação que é o papel desempenhado
pelo Living Lab Habitat, b) o espírito, a boa vontade de cada partícipe, de
querer o bem para o outro, para todos e para si e c) o envolvimento dos
diversos atores na construção da inovação. |
Obtida nas
coletividades que se criam na Plataforma Corais. As pessoas entram na
plataforma, definem uma série de coisas a serem feitas e quem pode fazer,
faz. Depois outros dão feedback e continuam o trabalho. Assim, as pessoas vão
colaborando, ou como esta comunidade prefere dizer, vão
"coralizando". |
|
Socialização interorganizacional
|
Reforçada pela
criação de vínculos formais e informais entre os membros da rede, organizados
em fóruns ou outros movimentos para a discussão dos temas, permitindo o seu envolvimento
e a interação com as atividades em torno de projetos. |
Promovida por meio
da criação de vínculos formais e informais decorrentes do envolvimento dos
participantes em projetos e pelo acesso e compartilhamento de informações com
os outros existentes. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A gestão da apropriabilidade da inovação (Quadro
4), de maneira geral, a não ser quando um determinado projeto exija, é dirigida
por ações específicas voltadas ao compartilhamento das soluções entre os atores
que integram a rede e até mesmo entre membros externos de forma a cumprir uma
determinada finalidade social em resposta à necessidade apresentada pelos
próprios atores envolvidos na sua construção.
Fonte:
Elaborado pelos autores.
A gestão da estabilidade da rede (Quadro 5) é obtida através de
ações específicas que permitem aos atores da rede manter a colaboração para o
desenvolvimento das inovações sociais de maneira orgânica, procurando reduzir o
grau de formalidade e impessoalidade nos relacionamentos.
Fonte:
Elaborado pelos autores.
A orquestração acontece em torno de uma causa relevante,
representada pelo propósito de cada um dos living labs pesquisados e que
envolve, entre outros princípios, os ideias de abertura e de participação ativa
dos atores no desenvolvimento das inovações, bem como o ideal de transformação
social.
Em cada um dos living labs há membros da rede que assumem a
posição de organização central como, por exemplo, os representantes das
organizações sem fins lucrativos que usam sua proeminência e poder para
realizar um papel de liderança sobre a rede de inovação, atuando como
orquestradores. No Living Lab Habitat, o seu núcleo central é representado pelo
LabTAR e pela Associação Ateliê de Ideias. Na Plataforma Corais, a gestão
ocorre por meio de seu principal desenvolvedor, com a participação aberta a
qualquer usuário no projeto Metadesign.
Há, entretanto, uma diferença quanto à forma segundo a qual a
orquestração é conduzida, reflexo de como cada um dos casos está constituído e
que se refere ao lócus da inovação, que não se restringe a um tipo específico.
O Living Lab Habitat se manifesta, de fato, por meio de uma rede de atores e
suas conexões. No caso da Plataforma Corais, em um website.
O Living Lab Habitat assemelha-se à ideia de integrador da
inovação ao concentrar seus esforços na prospecção de inovações e na mediação
das contribuições necessárias ao seu desenvolvimento, por meio do
compartilhamento de recursos aportados pelos diferentes atores que integram a
rede. Já a Plataforma Corais orquestra a rede de inovação a partir da definição
e do desenvolvimento da infraestrutura básica representada pelo website Corais
e, com isso, cria facilidades para que diferentes atores ampliem sua capacidade
de agir, porém, sem ter interesse explícito nos resultados da inovação conduzidos
em cada um dos projetos que acolhe, já que trabalha dentro da filosofia do
design livre. Nele, os membros da rede participam de um processo de
auto-organização em que a ordem emerge devido às interações entre membros em
que simultaneamente todos estão envolvidos na gestão contínua da rede, e em que
a estrutura e o desempenho resultantes são coproduzidos por suas ações.
De fato, é evidenciado que a construção coletiva de soluções, ou
seja, o desenvolvimento de inovações sociais nos living labs pesquisados,
permite a indicação de um novo processo que surge da prática associado à
proposta de orquestração de redes de inovação de Dhanaraj
e Parkhe (2006), aqui denominado gestão da cocriação. Essa percepção
encontra eco na afirmação de Battisti
(2012) sobre a necessidade de se adotar um novo modelo para a análise da
inovação social, para lidar com as necessidades dos usuários e a colaboração
necessária entre grupos sociais relevantes como participantes ativos na
cocriação das soluções aos complexos problemas sociais. O termo cocriação,
neste contexto, é similar ao originado no trabalho seminal de Prahalad
e Ramaswamy (2004) sobre “cocriação de valor” e considerado um paradigma
emergente na gestão (Ramaswamy
& Ozcan, 2014) e, para fins deste estudo, refere-se a um processo
colaborativo entre diferentes atores em uma rede de inovação para a realização
de uma determinada tarefa que pode ter sido iniciada por qualquer um dos
atores. Ou seja, através da cocriação, há uma construção intensiva de valor que
se traduz no aumento da capacidade humana de agir e na promoção do
desenvolvimento de inovações sociais.
Assim, como no modelo proposto por Dhanaraj e Parkhe (2006),
três ações específicas são identificadas para sustentar o processo de
cocriação. Uma delas se reflete em evidências de iniciativas dos living labs
pesquisados que levam ao aumento da capacidade das pessoas para agir. No Living
Lab Habitat, há a promoção da autogestão, decorrente do trabalho conduzido no
Fórum “Bem Maior”. Na Plataforma Corais, são disponibilizadas ferramentas que promovem
a autogestão ou a cogestão de projetos.
Dessa forma, a noção de empoderamento apoia o processo de
cocriação, pois pode ser considerada uma ação específica pela qual diferentes
atores obtém o domínio sobre seus assuntos (Rappaport,
1981; Rappaport,
Swift & Hess, 1984; Rappaport,
1985, Rappaport,
1987) e, por consequência, o aumento da participação dos atores e a
melhoria na consecução dos objetivos a serem alcançados (Perkins
& Zimmerman, 1995;
Zimmerman, 2000). O empoderamento, de acordo com Adams (2008), trata de um
tipo de capacidade necessária para se assumir o controle de suas
circunstâncias, exercer o poder e alcançar seus próprios objetivos, maximizando
a qualidade de vida de todos.
A segunda traduz evidências que dizem respeito à participação
das pessoas no processo de desenvolvimento de inovações sociais. No Living Lab
Habitat,as soluções propostas e implementadas são resultado, primeiramente, do
conhecimento oriundo da Pesquisa: Saberes, Fazeres e Perfil dos Moradores do
Território do Bem, do Plano “Bem Maior” do Território do Bem, e dos trabalhos
conduzidos no Fórum “Bem Maior”, que além de possibilitar a participação de
diversos atores, também cria um processo colaborativo e aberto voltado para a
cocriação de um Plano que é gerido por todas as pessoas da comunidade que atuam
no Fórum, por meio de suas lideranças formais e informais. Na Corais, as
soluções para os problemas comuns e as novas ideias para as melhorias dos
projetos existentes, ou mesmo a criação de novos projetos, são acolhidos na
Plataforma, que é usada como uma rede social voltada ao desenvolvimento de
trabalhos coletivos, potencializando a criatividade através do estímulo à
colaboração entre as pessoas e à sua participação.
As iniciativas apresentadas que buscam estimular a participação
das pessoas em um grupo social podem ser capturadas pelo conceito de
engajamento social, que segundo Avison,
Mcleod e Pescosolido (2007), está relacionado com a “extensão com que um
indivíduo exerce um certo conjunto de papeis e relacionamentos”. Também pode
ser entendida como a “capacidade de trabalhar de forma construtiva dentro e
entre grupos sociais para criar comunidades mais resilientes e sustentáveis” (Millican,
2009).
A terceira representa as evidências que cercam a noção de
proximidade expressa pelos entrevistados dos living labs pesquisados. No Living
LabHabitat, a proximidade se manifesta de modo relacional nas repetidas
interações, na reciprocidade nas ações e na resolução conjunta de problemas com
a presença dos moradores locais. Na Corais, ocorre por conta de funcionalidades
da Plataforma que mantém os atores conectados.
Essa proximidade pode ser associada à noção de conexão social
que compreende o número e a qualidade de interações sociais que as pessoas tem
(Lancee
& Radl, 2012). Refere-se a pessoas que se juntam para alcançar
objetivos comuns que beneficiam uns aos outros e à sociedade como um todo - o
que pode variar de trabalhar em conjunto como parte de um negócio ou de um
emprego a contribuir através de grupos de voluntários (Cornwell,
Laumann & Schumm, 2008; Mutchler,
Burr & Caro, 2003) ou pela participação em associações, clubes, ou
outras organizações (Kohli,
Hank & Künemund, 2009). Envolve a qualidade e o número de conexões que
se tem com outras pessoas (Quigley
& Thornley, 2011; Kelly, 2012). Essas reflexões podem ser melhor
compreendidas em sua representação no Quadro
6.
Processos |
Ações específicas |
Propósitos |
Gestão da co-criação
Prahalad e Ramaswamy (2004), Battisti (2012), Ramaswamy e Ozcan (2014) |
Empoderamento Rappaport
(1981), Rappaport, Swift e Hess (1984), Rappaport, (1985), Rappaport et al.
(1984), Rappaport (1987), Perkins e Zimmerman (1995), Zimmerman (2000), Adams
(2008) |
Dar aos atores da
rede de inovação maior autonomia para representar seus interesses de uma
forma responsável e sob a sua própria autoridade. |
Engajamento social Avison,
Mcleod e Pescosolido (2007), Millican (2009) |
Estimular a presença
e a participação ativa dos atores da rede de inovação na construção de
soluções, compartilhando conhecimentos valiosos. |
|
Conexão social Mutchler,
Burr e Caro (2003) Cornwell, Laumann e Schumm (2008), Mutchler, Kohli, Hank e
Künemund (2009), Quigley e Thornley (2011), Lancee e Radl (2012), Kelly
(2012) |
Promover interações sociais,
relacionamentos e contatos entre os atores da rede de inovação para a
construção de soluções conjuntas. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Em síntese, o Quadro
6 anuncia que a orquestração de redes de inovação constituídas com o
conceito de living lab, para o desenvolvimento de inovações sociais demanda um
processo adicional identificado como gestão da cocriação, bem como o seu
reforço através de algumas ações específicas (empoderamento, engajamento social
e conexão social). Tal constatação é reflexo do esforço pela democratização da
participação de diferentes atores, incluindo os cidadãos que são os principais
beneficiários das inovações sociais, o que encontra nexo na concepção destas
novas formas de organização para inovação reconhecidas como living labs.
Desse modo, é possível sugerir que o processo de gestão da
cocriação e suas ações específicas se conectam ao conjunto de processos e ações
específicas denominado “orquestração de redes de inovação” quando voltadas para
o desenvolvimento de inovações sociais. Assim como há interação entre os
processos quanto à geração de impactos positivos entre um e outro, a cocriação
impacta positivamente a mobilidade do conhecimento. Essa relação dá-se pela
criação de conhecimentos válidos de modo colaborativo no processo de cocriação,
necessários ao desenvolvimento de inovações sociais. Quando devidamente
identificados, são assimilados e explorados no âmbito do processo de mobilidade
do conhecimento. A Figura 1 resume a discussão acima.
Fonte:
Elaborado pelos autores.
abrangem
Na próxima seção, são apresentadas as considerações finais deste
estudo, que abrangem as suas implicações teóricas e gerenciais, as limitações
identificadas, bem como algumas recomendações para futuras pesquisa na área, a
partir dos resultados obtidos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo procurou investigar como são orquestradas as redes
de inovação constituídas com o conceito de living lab, a fim de desenvolver
inovações sociais. Para isso, foi adotada como teoria de base a VBR, a partir
de uma de suas ampliações, que se refere à orquestração de recursos. Foi tomada
a própria rede de inovação como um recurso a ser gerido e, assim, foi assumido
que o conjunto de processos e ações específicas, denominado de “orquestração de
redes de inovação”, possibilita a gestão da rede de inovação constituída em
torno do conceito de living lab, para o desenvolvimento de inovações sociais.
O trabalho avança em relação a outros campos ao promover a
compreensão de que os processos de “orquestração de redes de inovação”, que são
a mobilidade do conhecimento, a apropriabilidade da inovação e a estabilidade
da rede, possibilitam a gestão da rede de inovação constituída em torno do
conceito de living lab, para o desenvolvimento de inovações sociais, porém, com
a agregação de um novo processo que surge da prática observada nesta pesquisa,
aqui denominado de gestão da cocriação, bem como o seu reforço através de
algumas ações específicas (empoderamento, engajamento social e conexão social).
Além disso, sugere um novo modelo para a análise do desenvolvimento de
inovações sociais em que diferentes atores, incluindo os cidadãos, cocriam
soluções para os complexos problemas sociais que os afligem. Também permite o
entendimento de que os conhecimentos válidos, oriundos do processo de
co-criação, são um tipo de recurso significativo no desenvolvimento de
inovações sociais. Dessa forma, a orquestração de redes de inovação e o
processo de cocriação permitem ampliar o entendimento da VBR, quando se trata
das questões de como gerir recursos (a rede de inovação) e de como os recursos
são construídos (co-criação de conhecimentos válidos).
A principal limitação do estudo refere-se à dinâmica de
transformações nos livings labs brasileiros. Como se trata de um campo em
desenvolvimento, ao longo da pesquisa, alguns projetos cessaram suas operações
quando o seu financiamento foi extinto ou descontinuaram suas atividades por
conta de mudanças na governança das organizações que os mantinham. Ou ainda, em
função da evasão das pessoas que os lideravam, com reconhecimento pela ENoLL
como membros ativos, ou simplesmente pela mudança de foco na atuação. Dessa
maneira, a pesquisa, limitou-se a dois livings labs de um total de doze que já
estiveram em operação, no Brasil, chancelados pela ENoLL.
Futuras pesquisas neste campo de investigação poderiam emergir
de novas incursões que possibilitariam compreender as perspectivas, os modelos
de negócio, as metodologias e, ainda, as possíveis diferenças/similaridades em
relação aos living labs de outros países, inclusive, observando os seus
propósitos.
Adicionalmente, o estudo pode estimular a condução de novas
pesquisas teórico-empíricas que avaliem living labs não vinculados a ENoLL, bem
como outros tipos de organizações voltadas ao desenvolvimento de inovações
sociais e suas redes constituídas, de modo a permitir a obtenção de observações
com maior poder de generalização, incluindo a possibilidade de estudos
comparativos entre diferentes tipos de organizações voltadas ao desenvolvimento
de inovações sociais.
Especial atenção deve ser dada a estudos futuros sobre a gestão
da cocriação e seu reforço através das ações específicas indicadas, sua
integração com os processos inicialmente investigados e, ainda, a sua
interdependência.
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