Artigos
Reforma do
Judiciário e sua Representação Social na Perspectiva de Magistrados do Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia
Reform of the Judiciary
and its Social Representation in the Perspective of Magistrates from Bahia’s
State Court.
Reforma del Poder Judicial
y su Representación Social en las Perspectivas de Magistrados del Tribunal de
Justicia del Estado de Bahía
Fernanda Filgueiras
Sauerbronn Correio fernanda.sauerbronn@facc.ufrj.br
Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Brasil
Rosenery Loureiro Lourenço
Correio roseneryll@gmail.com
UEMS, Brasil
João Felipe Rammelt Sauerbronn
Correio joao.sauerbronn@gmail.com
Unigranrio, Brasil
Reforma do Judiciário e sua Representação Social na Perspectiva
de Magistrados do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 3, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Recepção: 22 Agosto 2017
Aprovação: 14 Março 2018
Publicado: 01 Julho 2019
Resumo:
A presente pesquisa tem o objetivo de
conhecer as representações sociais da reforma do Judiciário por parte de juízes
do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), procurando apontar de que
forma estas se diferenciam daquelas apresentadas pelos servidores. A abordagem
epistêmico-metodológica foi operacionalizada por meio da Teoria das
Representações Sociais e análise de conteúdo. Na pesquisa emergiram quatro
dimensões, com base em palavras evocadas e dos textos explicativos,
relacionadas a reforma gerencial, impactos no Judiciário, impactos para cidadão
e legislação. Os achados foram comparados com estudos anteriores realizados com
foco nos servidores. O confronto revelou que, a partir do ponto de vista dos
magistrados de primeira instância, os aspectos gerenciais constituem uma
categoria das mais importantes, em contraposição a resultados anteriores
focados nos servidores que se preocupam com impacto social. Por fim, os
pesquisadores tecem considerações relacionadas à estratégia do Conselho
Nacional de Justiça e à necessidade de novos estudos sobre gestão no
judiciário.
Palavras-chave:
Poder
Judiciário, Reforma, Juízes, Teoria das Representações Sociais.
Abstract: The present research aims to get to know social representations
of the judiciary reform by judges of the Court of Justice in the State of
Bahia, in Brazil, more specifically, trying to point out how these differ from
those presented by the servers. The epistemic-methodological approach was
operationalized through the theory of social representations and content
analysis, proposed by Bardin. In the research, four dimensions emerged from the
analysis of evoked words and explanatory texts, which are related to management
reform, impacts on the judiciary, impacts on the citizen, legislation. The
results were compared to other studies that focus on servers, which showed
that, from the servers’ point of view, the management aspects were not
highlighted, but, from the point of view of first instance judges, this is a
category of the most important. Finally, the researchers present considerations
related to the strategy of the Brazilian National Council of Justice in what
comes to management in the judiciary.
Keywords: Judicial power, Judiciary,
Magistrates, Theory of social representations.
Resumen: La presente investigación tiene el objetivo de conocer
representaciones sociales de la reforma del poder judicial por parte de jueces
del Tribunal de Justicia del Estado de Bahía, en Brasil, más específicamente,
buscando apuntar de qué forma se diferencian de aquellas presentadas por los
servidores. El enfoque epistémico-metodológico fue operacionalizado por la
teoría de las representaciones sociales y del análisis de contenido. En la
investigación surgieron cuatro dimensiones, a partir del análisis de palabras
evocadas y de los textos explicativos, que están relacionadas con la reforma
gerencial, los impactos en el poder judicial, los impactos para los ciudadanos
y legislación. Los resultados fueron comparados con estudios anteriores
realizados con foco en los servidores. La confrontación reveló que, desde el
punto de vista de los magistrados de primera instancia, los aspectos
gerenciales constituyen una categoría de las más importantes, en oposición a
resultados anteriores enfocados en los servidores. Por último, los
investigadores presentan consideraciones relacionadas con la estrategia del
Consejo Nacional de Justicia Brasileño y la gestión en el poder judicial.
Palabras clave: Poder Judicial, Reforma,
Jueces, Teoría de las Representaciones Sociales.
1. Introdução
A burocratização do Estado brasileiro, implantada com base no
modelo weberiano, sob o pressuposto de modernização das estruturas e processos
do aparelho estatal, a partir de 1937 já não era satisfatória para as demandas
internas e nem respondia às crises econômicas e financeiras das décadas de 1970
e 1980 (Costa, 2008; Capobiango et al, 2013), de forma que, desde a segunda
metade da década de 1990, o Brasil passou a vivenciar uma transformação
estrutural na administração pública, implantada com o objetivo de substituir a
administração burocrática (Andion, 2012). Entretanto, conforme aponta Pinho
(2016:128), a reforma gerencialista iniciada na década de 1990 estabeleceu uma
“macrocefálica trifrontalidade” a partir da qual passaram a conviver,
infelizmente, camadas racionais-legais (weberianas), patrimonistas e
gerencialistas, com destacada capacidade “de o velho se amoldar ao novo”.
O processo de reforma gerencial que já havia sido iniciado nos
poderes Executivo e Legislativo naquela década chegou com certo atraso ao
Judiciário, sendo oficializado pela publicação da Emenda Constitucional nº 45
(EC 45), que teve como principal inovação a criação do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) (Sena, 2014). Em dez anos de atuação, o CNJ instruiu o
planejamento estratégico, instituiu metas e indicadores de desempenho,
implantou rotinas de diagnóstico, fez levantamento anual de informações sobre
os números do Poder Judiciário e divulgou dados antes desconhecidos sobre esse
mesmo poder.
De acordo com a décima edição do relatório “Justiça em Números”,
o Poder Judiciário gastou aproximadamente R$ 61,6 bilhões apenas em 2014, sendo
que a justiça estadual é responsável por mais de 55% desse valor. Os recursos
humanos consomem em torno de 89% das despesas do Poder Judiciário. Os indicadores
de produtividade de magistrados e servidores reduziram nos últimos anos, sendo
que uma alta taxa de congestionamento tem sido gerada por processos ainda
pendentes na primeira instância (CNJ, 2014c).
Em termos contextuais mais amplos, cabe reconhecer que o
Judiciário brasileiro é, simultaneamente, uma organização prestadora de
serviços jurisdicionais e um poder de Estado (Sadek, 2004), apesar de valorizar
muito mais essa segunda condição do que a primeira. Assim, sem romper com uma
“velha” estrutura burocrática e hierárquica, características das reformas
empreendidas no Brasil, segundo Pinho (2016), o Judiciário passou a implantar o
planejamento estratégico, o controle e a modernização tecnológica guiados pelas
premissas do gerencialismo sob as diretrizes do CNJ (Lima, 2013). Certamente a
estratégia de reforma empreendida pelo CNJ gerou maior transparência quanto aos
resultados da reforma no Poder Judiciário.
Consequentemente, no campo da Administração Pública, as
pesquisas que exploram aspectos referentes à reforma do Judiciário mostram-se
crescentes como, por exemplo, as recentes investigações de Akatsu e Guimarães
(2013); Gavazini e Dutra (2016); Gomes e Guimarães (2013); Gomes, Guimarães e
Akatsu (2017); Junqueira, Louro, Bubach e Gonzaga (2017); Lima, Fraga e
Oliveira (2016); Nogueira, Oliveira, Vasconcelos e Lima (2012); Oliveira
(2017); Renault (2005); Sena (2014); Sena, Silva e Luquini (2012); Sauerbronn e
Lodi (2012); Sauerbronn e Sauerbronn (2015) e Teixeira e Rego (2017). Esses
estudos apontam para a necessidade de compreender o contexto da reforma, os
resultados em termos de produtividade, mas principalmente os papéis dos atores
e os efeitos da reforma junto aos tribunais de justiça, especialmente de
primeira instância, que, segundo o CNJ, reúnem as maiores complexidades em
termos de congestionamento de processos.
Diante do argumento da “trifrontalidade” (Pinho, 2016), a
presente pesquisa tem o objetivo de conhecer as representações sociais da
reforma do Judiciário por parte de juízes do Tribunal de Justiça do Estado da
Bahia (TJBA), mais especificamente, procurando apontar de que forma estas se
diferenciam daquelas apresentadas pelos servidores. É colocado o foco sobre a
representação que é construída por magistrados de primeira instância,
considerando-se o papel central destes na estrutura do Poder Judiciário diante
do contexto da reforma gerencial (Vieira & Costa, 2013).
Para tal, a pesquisa utiliza a Teoria das Representações Sociais
(TRS) como base teórica e operacional para compreender a reforma do Judiciário
e para identificar o entendimento da mesma pelos magistrados. Uma representação
social é uma modalidade de conhecimento prático que alguém (sujeito) possui a
respeito de alguma coisa (objeto) por meio de relações simbólicas e interpretativas,
tratando-se, portanto, de uma descrição que é necessária para que os indivíduos
sejam capazes de atribuir significado ao objeto à luz do contexto social,
material e ideativo (Jodelet, 2001). Considerando a fundamentação aqui
apresentada, os autores do presente estudo reconhecem na TRS a possibilidade de
a mesma ser utilizada como forma de compreender a maneira pela qual indivíduos
ou grupos sociais percebem, interpretam e expressam os fenômenos sociais no
cotidiano, conhecimento este que precede sua ação.
Portanto, em função de seu foco nas representações sociais, o
presente estudo soma-se ao esforço apontado por Costa e Costa (2016) no sentido
de evitar a reificação do Estado, do governo e da administração pública,
dotando-os de uniformidade e volição. O estudo se propõe, então, a reconhecer a
perspectivas dos sujeitos que vivenciam e fazem cotidianamente a administração
pública, mais especificamente em um tribunal de justiça estadual do Poder
Judiciário brasileiro. Evita-se, assim, também incorrer no erro da
“simplificação monolítica” (ver Costa & Costa, 2016: 221) ao considerar o
fenômeno da Administração Pública em suas diferentes manifestações e seus
contextos de produção de sentidos, sem uma pretensão de generalização de seus
resultados.
De caráter predominantemente exploratório e de abordagem
qualitativa, a pesquisa adentra no universo de significados de 88 juízes do
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que responderam a um instrumento de
coleta de dados estruturado, que foi analisado por meio de análise de conteúdo,
seguindo a proposta de Bardin (2011). Foram selecionados juízes de primeira
instância em função de sua relevância no contexto da reforma associado às metas
de produtividade do CNJ.
No presente artigo, antes de elencadas as referências utilizadas
na pesquisa, são tecidas considerações a respeito da relevância de se
compreender o ponto de vista dos juízes ante o ponto de vista dos servidores do
tribunal e situar essas representações em função do processo de reforma.
2. Evolução da Reforma do Poder Judiciário
O advento da Constituição Federal de 1988 ampliou a atuação
política e reformou a identidade do Poder Judiciário no Brasil, uma vez que
este já experimentava, em certo aspecto, as pressões por reforma que ocorreram
em toda América Latina, conforme destaca Frühling (1997). Essa pressão foi
gerada pela ascensão de governos democráticos em toda América Latina e, de
certo, configura sua reforma como sendo de fato um processo político originado
na redemocratização do Brasil ao invés do argumento gerencialista e tecnicista
(Costa, 2010). Desde então, a pressão por redemocratização nos serviços
públicos em geral desenvolveu-se sustentada em argumentos pluralistas que
demandavam maior participação da sociedade, transparência no acesso à
informação e, consequentemente, de geração de accountability (Andion, 2012;
Pinho, 2016).
Mesmo tendo rejeitado com força a reforma e a implantação de uma
cultura gerencial (Sena, 2012), quando da instituição do Ministério da
Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE, 1995), por ocasião do
governo Fernando Henrique Cardoso (Bresser-Pereira, 1996), a reestruturação do
Judiciário tornou-se uma realidade a partir da Emenda Constitucional nº 45,
aprovada em dezembro de 2004.
O Judiciário apresentou, historicamente, grande resistência a
mudanças no âmbito administrativo (Vieira & Costa, 2013) e isso explica uma
resistência inicial à implantação de um órgão para planejar, coordenar e
controlar esse poder. Souza e Guimarães (2014) destacam que a criação do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi uma importante inovação imposta pela
Emenda Constitucional no 45. Entretanto, poucos trabalhos chegam a identificar
o contexto político nesse novo cenário do Judiciário que tem o CNJ como órgão
de controle (Oliveira, 2017). O CNJ, naquele primeiro momento, proporcionou
foco para a administração pública judiciária, uma vez que passou a direcionar
questões relacionadas à organização interna dos tribunais, com destaque para as
questões financeiras e administrativas (Sauerbronn & Sauerbronn, 2015), de
forma que o estabelecimento de metas e a previsão de punições para o
descumprimento deu um novo sentido à essência gerencialista dessa reforma (ver
também Gomes & Guimarães, 2013). Conforme aponta Sena (2014, p.172):
No âmbito do Poder Judiciário, a lógica gerencial se relaciona
com as mudanças estruturais que visam entregar à sociedade o produto desse
núcleo estratégico: a Justiça. Essas mudanças vão desde alterações na
legislação processual, que visam reduzir a morosidade na tramitação dos
processos, até a modernização do aparelho judicial, o qual é excessivamente
fragmentado, não havendo troca de experiências entre os tribunais.
O funcionamento da justiça e a gestão das varas, a partir dos
direcionamentos oriundos do CNJ, trouxeram ao Judiciário, dentre outros
aspectos: (i) o incentivo à capacitação de juízes e servidores (Lima, 2013);
(ii) a democratização do acesso à justiça por meio da aproximação entre
tribunais e prestação de serviços públicos por meio de projetos estratégicos
(Pontes et al, 2015); (iii) a busca por celeridade na tramitação dos processos
e maior eficiência de procedimentos e controles processuais (Capaverde & Vazquez,
2015); (iv) a responsabilização dos membros do Judiciário perante a sociedade e
ao sistema político brasileiro (Sauerbronn, 2009), bem como (v) as preocupações
quanto à governança do Judiciário (Akutsu & Guimarães, 2015).
Segundo Nalini (2006), ficou estabelecido no CNJ o espaço em que
o Poder Judiciário poderia pensar o seu futuro e se questionar a respeito de
sua insuficiência em atender à demanda da população por serviços
jurisdicionais. O processo de reforma do Judiciário, com a introdução de metas
estratégicas, foi iniciado no ano de 2009 por meio da elaboração de um
planejamento estratégico para o Poder Judiciário nacional. Esse planejamento
foi construído tendo como inspiração a ferramenta Balanced Scorecard (BSC) para
se construir uma adaptação à realidade da administração pública brasileira,
com o apoio por uma empresa de consultoria (Sauerbronn, Sauerbronn, Gangemi, &
Fernandes, 2016).
Em 2014, por meio da Resolução no 198/2014, o CNJ revisou o
plano estratégico estabelecido pela Resolução no 70 de 2009 e direcionou para o
sexênio 2015-2020 a Estratégia Nacional do Poder Judiciário, que é composta de
visão, missão e macro desafios do Poder Judiciário. Por meio desse ato
normativo, os órgãos do poder Judiciário estão sujeitos a Metas de Medição
Continuada, Metas de Medição Periódica, Metas Nacionais, Iniciativa Estratégica
Nacional e Diretriz Estratégica e devem alinhar seus planos estratégicos à
Estratégia Judiciário 2020 (CNJ, 2014a).
A resolução determina que a responsabilidade pela execução da
estratégia seja responsabilidade de magistrados, conselheiros, ministros e
serventuários em eventos que ocorram ao menos uma vez por ano. Nesse sentido,
uma unidade de gestão dos órgãos do Poder Judiciário deve elaborar, implementar
e monitorar o planejamento estratégico. O quadro 1 sintetiza a Estratégia do
Judiciário 2020, destacando aspectos de efetividade na prestação jurisdicional
para todos os órgãos do Poder Judiciário (CNJ, 2014a).
Por meio dos macro desafios elencados é possível observar que a
garantia dos direitos de cidadania (alvo primeiro do Poder Judiciário, dado que
em seu mapa estratégico todos os outros convergem para este objetivo) serão
resultantes de três categorias de ações: uma ligada diretamente à sociedade,
outra ligada aos processos internos e ações relativas aos recursos dos Órgãos
de Justiça.
Estratégia do Judiciário 2020 |
|
Desafios junto à Sociedade |
1. Efetividade na Prestação Jurisdicional: Diz respeito a um
indicador de resultado para aferir a efetividade do Poder Judiciário nas
dimensões: Acesso à Justiça, duração do process e custo. 2. Garantia dos
direitos de cidadania: Diz respeito à garantia concreta dos direitos da
cidadania em sua múltipla manifestação social, como usuário de serviços
públicos, eleitor, trabalhador-produtor, consumidor e contribuinte. |
Desafios nos Processos Internos |
1. Combate à corrupção e à improbidade administrativa: Diz respeito
aos atos e processos judiciais para proteger a coisa pública, os processos
eleitorais, a probidade administrativa, entre outros. 2. Celeridade e
produtividade na prestação jurisdicional: Diz respeito a: (i) materialização
da duração razoável do processo, com garantia de prestação jurisdicional
efetiva, ágil, com segurança jurídica e procedimental e (ii) aumento da
produtividade de servidores e de magistrados. 3. Adoção de soluções alternativas
de conflito: Diz respeito à promoção de meios extrajudiciais para resolução
negociada de conflitos por meio de participação ativa do cidadão:
conciliação, mediação e arbitragem; formação de agentes comunitários de
justiça; parcerias com entidades públicas e comunitárias. 4. Gestão das
demandas repetitivas e dos grandes litigantes: Diz respeito a reduzir
processos acumulados advindos dos entes públicos, do sistema financeiro, das
operadoras de telefonia, entre outros, por meio da gestão da informação e do
uso de sistemas eletrônicos. 5. Impulso às execuções fiscais cíveis e trabalhistas:
Diz respeito à implantação de ações judiciais efetivas para recuperar bens e
valores aos cofres públicos referentes às execuções fiscais e à solução
definitiva de litígios cíveis e trabalhistas. 6. Aprimoramento da justiça criminal:
Diz respeito a adotar medidas preventivas à criminalidade, aplicar penas e medidas
alternativas, investir na justiça restaurativa, aperfeiçoar o sistema penitenciário,
fortalecer os conselhos comunitários e combater uso de drogas ilícitas. 7.
Fortalecimento da segurança do processo eleitoral: Diz respeito a iniciativas
para garantir a segurança dos pleitos eleitorais mediante tecnologias e
processos de trabalho melhorados. |
Desafios relativos a Recursos |
1. Melhoria da Gestão de Pessoas: Diz respeito à inserção de
políticas, métodos e práticas, programas e ações que avaliem e desenvolvam
capacidades gerenciais e técnicas de magistrados e servidores, estabelecendo
sistemas de recompensa e modernização de carreiras para potencializar o
capital humano. 2. Aperfeiçoamento da Gestão de Custos: Diz respeito a: (i)
usar mecanismos para alinhamento do orçamento com custeio, investimentos e
pessoal à melhoria da prestação jurisdicional e (ii) estabelecer uma cultura
de redução do desperdício de recursos públicos. 3. Instituição da Governança Judiciária:
Diz respeito a: (i) formular, implantar e monitorar, de forma colaborativa pelos
órgãos da justiça e pela sociedade, estratégias flexíveis e aderentes às especificidades
regionais e particulares de cada segmento de justiça e ii) obter eficiência
operacional, fortalecer a autonomia administrativa e financeira, adotar
melhores práticas de comunicação das ações estratégicas e processos de
trabalho. 4. Melhoria da Infraestrutura e Governança de TIC: Diz respeito:
(i) ao uso racional dos instrumentos de Tecnologia da Informação e Comunicação
e (ii) otimização dos recursos humanos e orçamentários e a modernização dos
mecanismos tecnológicos para promover a garantia, confiabilidade,
integralidade e disponibilidade das informações, serviços e sistemas
essenciais da justiça, além do controle de segurança e riscos. |
Fonte: Elaborado pelos
autores com base nos Macro desafios do Poder Judiciário (CNJ, 2014a).
O quadro 1 evidencia que quatro dos doze desafios pertinentes
aos órgãos do Poder Judiciário estão intrinsecamente relacionadas à reforma
gerencial. O mapa estratégico delineado pela Resolução no 198 de 2014 mostra
que o cenário desejado para o Poder Judiciário em 2020 contempla uma justiça
mais acessível, tempestiva, desjudicializada e “eletrônica” (Capaverde & Vazquez,
2015), além de contemplar um sistema de segurança pública melhorada,
valorização profissional e melhor qualidade do gasto público.
O descongestionamento do Poder Judiciário assume papel central
no cenário desejado para 2020. Nesse sentido, a Resolução no 194 de 2014 do CNJ
instituiu iniciativas para aperfeiçoar a qualidade, celeridade, eficiência,
eficácia e efetividade dos serviços judiciários de tribunais de primeira
instância, os quais reuniam, no ano de 2013, o equivalente a 90% dos processos
do Judiciário, com uma taxa média de 72% de congestionamento.
Assim, destaca-se a política de atenção prioritária às
jurisdições de primeiro grau, que deve ser norteada dentro dos tribunais por
diversas linhas indicadas na Resolução. Dentre essas linhas, destacam-se: (i)
capacitação continuada de servidores e magistrados, (ii) distribuição
equitativa de processos e força de trabalho entre as unidades judiciárias,
(iii) realização de melhorias em infraestrutura e tecnologia e (iv) incentivos
à “descentralização administrativa, democratização interna e o comprometimento
com os resultados” do órgão judiciário por meio de uma governança colaborativa
(ver CNJ, 2014a).
Desde o início da reforma, juízes e servidores passaram a ser
cobrados por ações que levariam a uma melhoria no atendimento das necessidades
da população e com maior transparência da prestação judicial (Akutsu & Guimarães,
2015), a nosso ver, de forma indireta. Tanto o mitigar do excesso de prazos,
quanto o acompanhar criteriosamente o dia-a-dia dos tribunais por meio de
sistemas adequados e de ações que promovam a transparência jurisdicional
deveriam fazer parte das novas preocupações (Ribeiro, 2008). Assim, a
identidade gerencial do Judiciário deveria contemplar a busca por atender o
cidadão como um cliente para seus serviços públicos (Sauerbronn & Lodi,
2012), pautado em maior envolvimento dos diversos atores sociais envolvidos no
processo de prestação dos serviços jurisdicionais (Teixeira & Rego, 2017).
Entretanto, conforme apontam Souza e Guimarães (2014, p.322):
No Judiciário, a independência, a alta variabilidade das
atividades, a especificidade dos casos e a objetividade no processo de decisão
dificultam a aplicação de práticas gerenciais fundamentais para o controle dos
processos.
Da mesma forma, há que se reconhecer que a reforma é
condicionada por aspectos locais relacionados a falhas no planejamento da
mudança e/ou o desinteresse da alta administração e falta de capacitação dos
funcionários, que inibe a institucionalização de novas regras, mesmo quando são
estabelecidas de forma coercitiva (Junqueira et al, 2017).
Adicionalmente, conforme apontam Vieira e Costa (2013), as
pressões por mudanças ocorridas no âmbito do Poder Judiciário fizeram com que
um novo padrão de liderança se tornasse necessário. Os magistrados deveriam
exercer uma liderança ao longo do processo e, para tal, precisariam contar não
apenas com seus conhecimentos jurídicos, como também com sua capacidade de
gestão, suas habilidades de mobilização e de interação. Segundo os autores, os
magistrados passariam a assumir um papel de destaque (de liderança) na
implementação da reforma gerencial em um “novo” contexto judicial. Ou seja, a
reforma do Judiciário trouxe como figura central os magistrados como gestores
de unidades jurisdicionais responsáveis por resultados estratégicos à luz do
BSC (Sauerbronn et al, 2016). Assim, esses elementos apontam a necessidade de
compreender como as percepções de magistrados, quanto à reforma do Judiciário,
diferenciam-se daquelas construídas pelos servidores de um tribunal de justiça.
3. A Perspectiva da teoria das representações sociais
A Teoria das Representações Sociais (TRS) trata da representação
de alguém (sujeito) a respeito de alguma coisa (objeto) por meio de relações
simbólicas e interpretativas (Jodelet, 2001). A representação é uma
interpretação, uma valoração, ou uma descrição, que é necessária para que os
indivíduos sejam capazes de atribuir significado ao objeto.
Assim, as representações sociais são modalidades de conhecimento
prático orientadas para a comunicação e para a compreensão do contexto social,
material e ideativo em que vivemos (Jodelet, 2001). Essas representações são
socialmente elaboradas e compartilhadas e servem como base para a construção de
uma realidade comum que possibilita a comunicação entre indivíduos (Spink,
1993). Para Moscovici (2004), os indivíduos pensam por meio de uma linguagem e
organizam seus pensamentos de acordo com um sistema que está condicionado,
tanto por suas representações, quanto pela cultura.
Araújo (2008) aponta que as representações sociais “são
elaboradas na relação dos indivíduos em seu grupo social, na ação no espaço
coletivo comum a todos, sendo assim, diferente da ação individual”. Desse modo,
as representações sociais são fenômenos sociais que, mesmo acessados a partir
de seu conteúdo cognitivo, têm de ser entendidos a partir do seu contexto de
produção. Ou seja, a partir das funções simbólicas e ideológicas a que servem e
das formas de comunicação onde circulam (Spink, 1993).
As representações sociais são os conjuntos de explicações que se
originam por meio das comunicações entre indivíduos na vida cotidiana (Reis &
Bellini, 2011). Essas explicações são possíveis porque o sujeito se dedica ao
trabalho mental de formar uma imagem do objeto. Esse esforço aproxima sujeito e
objeto e faz com que relações entre o mundo interior do indivíduo e seu
universo sociocultural se estabeleçam com o objetivo de incorporar o objeto que
está a sua frente. Essa incorporação se dá a partir da significação. Nesse
sentido, as representações sociais permitem ao sujeito tomar consciência de
seus pensamentos, ideias e atitudes e tornar familiar aquilo que lhe é
desconhecido (Reis & Bellini, 2011). Para tal, a TRS proposta por Moscovici
em 1961 é uma forma de teorização a respeito da interação entre os níveis
individual e coletivo, a partir dos conceitos de representações coletivas, de
Durkheim, e de produção dos saberes sociais por processos inconscientes, de
Freud.
O ponto de partida, a matéria-prima para a construção dessas
realidades consensuais, vem dos universos reificados, por meio das suas
representações (Bueno & Freitas, 2011). Portanto, a representação social
tem com o seu objeto uma relação de simbolização e de interpretação. A partir
de interações (conversações e diálogos), os indivíduos passam a atribuir
significados aos objetos que desejam conhecer e com os quais querem se
relacionar. Isso não significa, contudo, que as representações sociais tenham
um caráter estático. Visto que as trajetórias dos grupos sociais são dinâmicas,
há um processo permanente de significação que é baseado nas contínuas ações
coletivas dos indivíduos e suas relações restabelecidas dentro e fora do grupo,
no encontro com outros indivíduos ou outros grupos sociais (Spink, 1993). Para
Reis e Bellini (2011), esse processo incessante faz com que um objeto venha a
tornar-se uma realidade social, a partir das representações que os conjuntos de
indivíduos fazem dele. É por meio das relações sociais que emergem as
representações, permitindo ao sujeito a descoberta do mundo, bem como sua
construção.
Ao longo dos últimos anos, alguns artigos na área de
Administração e Ciências Contábeis foram realizados com foco no estudo das
representações sociais, enfatizando a percepção dos indivíduos que atuam nas
organizações ou em determinadas categorias profissionais acerca da construção
da representação de temas relevantes, de forma a compreender suas subdimensões
e desdobramentos.
Cavedon e Pires (2006) estudaram as representações sociais dos
trabalhadores na indústria da panificação como forma de descortinar sua
subjetividade, captada através de suas falas, instância reveladora do cotidiano
laboral vivenciado.
Pereira e Tavares (2006) analisaram as percepções consolidadas
quanto ao processo de participação nas ações do movimento sindical diante de um
contexto de reestruturação produtiva.
Souza, Serafim e Dias (2010) procuraram descrever dimensões da
gestão social a partir de noções que gestores de organizações não
governamentais elaboram acerca do papel que exercem. Assim, os autores puderam
revelar processos intraindividuais, interindividuais e situacionais, sob a
forma de sistemas de crenças, valores, símbolos e histórias que dão sentido à
existência das organizações estudadas, de acordo com interpretações dos
gestores.
Matos et al (2012) procuraram identificar os significados da
palavra sustentabilidade para alunos do curso de Administração de uma
instituição de ensino superior pública, constatando a permanência da
representação da sustentabilidade relacionada basicamente no meio ambiente e do
significado naturalista do conceito e dissociado das demais dimensões do
desenvolvimento sustentável.
Miranda et al (2016) investigaram as representações sociais de
vestibulandos quanto ao estereótipo tradicional do profissional contábil,
caracterizado predominantemente como sendo um indivíduo do sexo masculino,
conservador e pouco flexível, e como esta representação tende a se modificar em
função das percepções dos futuros novos profissionais ingressantes nos cursos.
Cavedon (2014) investigou as representações sociais circulantes
e que são concernentes ao exercício profissional dos peritos criminais que se
encontram em período de estágio probatório, portanto, naquilo que denomina como
ritual de passagem e os reflexos deste sobre a atuação dos profissionais nas
organizações.
Por fim, Teodoro, Przeybilovicz e Cunha (2014) examinam como a
governança de tecnologia da informação é representada pelas pessoas que a
operacionalizam e utilizam. Os autores partem do pressuposto de que a
implementação desse objeto ocorre de forma distinta em função da representação
construída pelas pessoas, de forma a compreender como os indivíduos e as
coletividades realizam suas ações cotidianas da maneira como são executadas.
Esses estudos sustentam-se no pressuposto de que a representação
social funciona como uma forma de interpretação da realidade por parte dos
sujeitos. Como aponta Cavedon (2008), as representações sociais são fruto do
meio social, por meio do compartilhamento de significados. As representações
não são criadas por indivíduos de maneira isolada, mas são constituídas por
pessoas e grupos, ao longo da cooperação e da comunicação.
Considerando a fundamentação aqui apresentada, os autores do
presente estudo reconhecem na TRS a possibilidade de a mesma ser utilizada como
forma de compreender a maneira pela qual indivíduos ou grupos sociais percebem,
interpretam e expressam os fenômenos sociais no cotidiano, nesse caso, mais
especificamente, no cotidiano da reforma do Judiciário no TJBA.
Por fim, cabe destacar que consideramos relevante estudar a
representação social da reforma, segundo a perspectiva dos juízes, considerando
o papel central destes na estrutura do Poder Judiciário diante do contexto da
reforma gerencial (Vieira & Costa, 2013). Conforme sintetizam,
o magistrado possui grande autonomia dentro da estrutura da
organização (...) é um tipo peculiar de servidor público, pois o texto
constitucional determina que ele seja um órgão do Judiciário e em razão disso
possui garantias específicas como a vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de vencimentos. (...) ao magistrado compete supervisionar as
atividades administrativas realizadas pelos servidores na unidade jurisdicional
em que atua. (Vieira & Costa, 2013, p.928)
Certamente, a percepção dos indivíduos a respeito do mundo em
que estão imersos e das transformações que ocorrem nas organizações é
influenciada por um efeito de posição e por um efeito de disposição (Boudon,
1991). Tais efeitos apresentam-se devido ao fato de a organização distribuir
informações de modo distinto, as quais sofrem efeito das diferenças de
atribuições e responsabilidades frente à estrutura organizacional, acesso à
informação, atividades e decisões envolvidas, tecnologia acessada, interações cotidianas
e senso de pertencimento a grupos internos.
Os aspectos apontados por Vieira e Costa (2013), aliados às
considerações de Boudon (1991), tornam o estudo das representações dos
magistrados particularmente relevante e também a comparação aos resultados de
estudos anteriores com servidores. Desse modo, consideramos ser possível
acessar as diferenças e similaridades estabelecidas dentro e fora do grupo, com
outros indivíduos ou outros grupos sociais (Spink, 1993), bem como melhor
compreender o objeto (reforma do Judiciário) a partir das representações
específicas que os conjuntos de indivíduos fazem dele (Reis & Bellini,
2011), também a partir de sua comparação.
4. Procedimentos metodológicos
A presente pesquisa, de abordagem qualitativa, utilizou a perspectiva
da TRS para compreender as representações de juízes de primeira instância sobre
a reforma do Judiciário. Foram selecionados juízes de primeira instância em
função de sua relevância no contexto da reforma, associando às metas de
produtividade do CNJ. A estratégia de pesquisa considerou a facilidade de
acesso obtida junto aos juízes do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. A
coleta de dados se deu durante um curso de capacitação na cidade de Salvador,
capital do estado, promovido pela Universidade Corporativa do Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia (Unicorp), entre o final de 2013 e início do ano de
2014. A pesquisa foi autorizada pela Unicorp, que ofereceu todo o suporte
necessário aos pesquisadores, sem interferir em quaisquer aspectos da pesquisa.
Participaram da pesquisa 88 juízes, com idades entre 23 e 63
anos. Esses magistrados foram informados, antes da distribuição dos
questionários, de que os dados da pesquisa seriam acessados apenas pelos
pesquisadores e utilizados apenas para fins acadêmicos. O instrumento de coleta
estava dividido em duas partes: na primeira, os respondentes indicavam sua
idade e sexo. Na segunda, deveriam inicialmente listar três expressões ou
palavras que lhes viessem à mente quando ouviam a expressão “reforma do Judiciário”
e, depois, deveriam redigir um texto que explicasse o significado da expressão
ou palavra considerada como mais importante no contexto da reforma.
Segundo Lescura et al (2012), do ponto de vista prático, as
técnicas verbais são as mais utilizadas pelos pesquisadores que buscam
apreender as representações sociais e, portanto, devem concentrar-se nos
processos de comunicação, uma vez que esta é compreendida como forma de
mediação social, ritos, mitos e símbolos tornam-se mediações entre mundo desconhecido
e mundo da intersubjetividade humana.
Para analisar os dados foram adotadas as três etapas de análise
de conteúdo – pré-análise, exploração dos dados, interpretação dos dados –
formalizadas por Bardin (2011), com apoio dos softwares ATLAS/ti e Excel® para
tabulação, análise e apresentação dos resultados. A próxima seção mostra os
resultados da análise dos dados, com detalhamento das quatro dimensões, 11
categorias e 109 subcategorias oriundas da análise das representações dos
juízes sobre a reforma do Judiciário. Alguns trechos de textos escritos pelos
juízes são transcritos ao longo da análise.
Por fim, é importante destacar que o instrumento de coleta de
dados foi o mesmo utilizado em estudo de Sauerbronn e Sauerbronn (2015),
mediante autorização dos autores, que também liberam o acesso à base de dados
daquele estudo para uma análise comparativa dos resultados. Considera-se que a
comparação dos resultados, obtidos com a aplicação do mesmo instrumento de
coleta, permitirá ressaltar a diferença entre esses dois grupos,
principalmente, em função do papel de destaque que foi atribuído aos
magistrados na reforma. Assim, para além da análise da representação construída
pelos magistrados, a comparação permitirá evitar uma “simplificação monolítica”
da reforma do Judiciário (ver Costa & Costa, 2016, p. 221) quanto às
diferentes manifestações de produção de sentidos.
5. Análise dos Resultados
Inicialmente, é possível observar que a maioria dos juízes do
TJBA é do sexo masculino e, embora a idade média dos juízes seja de 35 anos,
dos 88 juízes que participaram da pesquisa, 61 têm entre 23 e 35 anos,
evidenciando que o grupo participante da pesquisa no TJBA foi majoritariamente
jovem, conforme figura 1. Trata-se de um grupo de juízes recém concursados para
o tribunal de justiça mais antigo do país, o TJBA. Esse perfil nos ajudará a
compreender, mais adiante, alguns resultados a respeito da construção da
representação pelos indivíduos, devido à característica desse grupo social e a
interação com os demais grupos, conforme sugerem Reis e Bellini (2011) e Spink
(1993).
Fonte:
Dados da Pesquisa
Foram aplicados 88 questionários e a partir deles foram
levantadas 261 palavras evocadas pelos juízes. Para a análise das palavras
evocadas, seguiu-se a proposta de Bardin (2011). Por meio da fase de
pré-análise, as palavras evocadas foram organizadas em subcategorias, depois em
eixos temáticos e categorias. O critério para agrupar as subcategorias foi a
aproximação semântica das palavras, o agrupamento com base em sentido e
significado permitiu a identificação de eixos temáticos. Os eixos temáticos
foram categorizados com base em sua proximidade com o objeto da pesquisa em
termos de reforma gerencial, impactos sobre o Judiciário e impactos sobre o
cidadão no contexto de reforma.
A figura 2 mostra as subcategorias com quantidades de
ocorrência, bem como os eixos temáticos e as categorias construídas. As quatro
dimensões propostas das representações sociais dos juízes sobre a reforma do
Judiciário são similares às obtidas pelo estudo de Sauerbronn e Sauerbronn
(2015) quando realizaram a análise da reforma do Judiciário sob a percepção dos
servidores do TJBA.
Dimensão |
Categoria |
Eixo Temático |
Subcategorias (ocorrências) |
Reforma Gerencial |
Estrutura (13) |
Palavras relacionadas às alterações na estrutura física e
estrutura organizacional. |
Informatização (3); Digitalização (1); Abrir unidades
judiciárias (3); Melhorar estrutura (2); Administração (1); Descentralização
(1); Organização Administrativa(1); Reestruturação (1). |
Valores Organizacionais (26) |
Palavras relacionadas aos valores que devem orientar os
magistrados no Judiciário. |
Transparência (7); Imparcialidade (3); Moralidade (3);
Confiabilidade e Confiança (3); Credibilidade (2); Seriedade (2); Justiça
(2); Recisão Justa (1); Responsabilidade (3). |
|
Gestão Financeira (6) |
Palavras relacionadas à captação ou desembolso de recursos. |
Autonomia financeira real (1); Capitalismo (1); Diminuição de
recursos (1); Economia (1); Independência financeira (1); Investimento (1). |
|
Gestão de Processos (75) |
Palavras relacionadas à atividade meio e aos processos
jurisdicionais. |
Celeridade (35); Desburocratizar (10); Agilidade (5); Produtividade
(5); Qualidade (5); Gerenciamento (2); Gestão (2); Gestão administrativa (2);
Planejamento (2); Burocracia (1); Engessamento (1); Gestão de Conhecimento
(1); Gestão Orçamentária (1); Otimização (1); Processo (1); Simplificar (1). |
|
Gestão de Pessoas (19) |
Palavras relacionadas a políticas de entrada, capacitação e
valorização de pessoas. |
Mais juízes/servidores (3); Aperfeiçoamento (2); Capacitação
(2); Aprimoramento (1); Atualização (1); Concurso de servidores (1); Concurso
publico (1); Eleição direta da mesa (1); Escolha mesa diretora TJS (1);
Especialização (1); Magistrado (1); Ministros STJ/STF (1); Pessoal (1);
Treinamento (1); Valorização (1). |
|
Mensuração de Desempenho (68) |
Palavras relacionadas a controle de metas e prestação de
contas. |
Eficiência (29); Controle (13); CNJ (6); Efetividade (6);
Metas (4); Fiscalização (2); Cobrança (1); Controle Social (1); Controle/CNJ
(1); Pressão (1); Prestação de contas (1); Prestação Jurisdicional (1);
Resultados (1); Supremo (1). |
|
Impactos sobre o Judiciário |
Mudança (13) |
Palavras relacionadas às mudanças no tribunal. |
Mudança (5); Modernização (4); Inovação (2); Melhoria (1);
Modernidade (1); |
Percepção favorável (17) |
Palavras relacionadas a sentimentos e expectativas positivas
dos juízes. |
Independência (3); Importante (2); Abertura (1); Ativismo
Judicial (1); Autonomia (1); Desejada (1); Expectativas (1); Fundamental (1);
Futuro (1); Garantias (1); Legitimidade (1); Necessária (1); Necessidade (1);
Necessidade urgente (1). |
|
Percepção desfavorável (11) |
Palavras relacionadas a sentimentos e expectativas negativas
dos juízes. |
Abstração (1); Corrupção (1); Cultura dos precedentes (1);
Desafio (1); dificuldades (1); Falácia (1); Fragilização da autonomia do
magistrado (1); Ineficaz (1); ineficiência (1); Interesses diversos (1);
Resistência (1); |
|
Impactos para os cidadãos |
Cidadania (8) |
Palavras relacionadas aos serviços entregues à sociedade |
Súmula Vinculante (2); Acesso (1); Acesso a Justiça (1);
Aumentar mediação (1); Jurisdicionado (1); Núcleos de conciliação (1);
Pacificação social (2); Proximidade (1). |
Legislação |
Aspectos legais (5) |
Palavras relacionadas a leis ou códigos jurídicos. |
Fim do IS constitucional (1); Mudança legislativa (1); Quinto
constitucional (1); |
Fonte: Dados da
Pesquisa
Diferentemente do que ocorreu com os servidores do TJBA no
estudo realizado por Sauerbronn e Sauerbronn (2015), a análise aqui elaborada a
partir da percepção dos juízes do TJBA permitiu identificar uma categoria
relacionada à “Mensuração do Desempenho”, eixo temático não presente na análise
das representações pelos servidores. Essa categoria chama a atenção pois não
parece ser uma preocupação dos servidores as questões relacionadas a metas e
controles gerenciais, algo bastante preocupante do ponto de vista dos juízes do
TJBA, dada a quantidade de ocorrências observadas nas palavras evocadas pelos
juízes participantes da pesquisa. Esse resultado confirma a proposição de
Vieira e Costa (2013) e Costa e Costa (2016) de que os juízes possuem uma
posição distinta no processo de reforma do Judiciário. A Figura 3 mostra a
distribuição da evocação de palavras dos juízes por categorias.
Fonte:
Dados da Pesquisa
Nesse aspecto, vale a pena considerar a análise do estudo
realizado por Lima (2013), realizado com servidores judiciários no estado da
Bahia, o qual revelou uma ausência de valores gerencialistas na cultura da
organização, esboçando uma possível convivência nos moldes de uma
“trifrontalidade”, conforme sugerido por Pinho (2016). Assim, é importante
refletir que, enquanto nas análises a partir do ponto de vista dos servidores
(ver Sauerbronn & Sauerbronn, 2015; Lima, 2013) aspectos gerenciais não
obtiveram destaque, do ponto de vista dos magistrados de primeira instância
essa é uma categoria das mais importantes no que tange à reforma do Judiciário.
Não se pode afirmar com certeza, mas é importante destacar que esse resultado
pode ser influenciado pelo perfil dos participantes, em função de serem jovens
juízes e recém contratados. Assim, as representações poderiam estar alinhadas à
visão do CNJ em função de participação em treinamentos e capacitações
realizadas.
A Figura 4 permite um comparativo entre a distribuição das
evocações dos servidores judiciários obtidas no estudo de Sauerbronn e
Sauerbronn (2015) e das evocações dos juízes por categorias obtidas neste
estudo. De acordo com esse comparativo, é possível observar as três categorias
de palavras mais evocadas e concluir que: (i) 67% das 795 evocações dos
servidores dizem respeito a gestão de processos, gestão de pessoas e valores
organizacionais; (ii) 65% das 261 evocações dos juízes dizem respeito a gestão
de processos, controle de metas e valores organizacionais.
A diferença entre as representações de juízes e de servidores
confirma que o efeito de posição e disposição (Boudon, 1991) influencia na
construção da representação pelos juízes. O controle de metas no contexto da
reforma do Judiciário reforça a atribuição de um papel de gestor aos juízes ao
associá-lo ao controle de produtividade e celeridade.
Os aspectos gerados pelo controle como pressão e prestação de
contas estão intimamente ligados à atividade meio e sua evocação pelos juízes
por meio da categoria “controle de metas”, que sinaliza que os magistrados
começam a dar maior importância para esse aspecto antes pouco considerado pelo
poder Judiciário (Gomes, Guimarães & Akatsu, 2017). As categorias evocadas
permitem descortinar a subjetividade dos sujeitos, podendo relevar o cotidiano
laboral vivenciado ou a ser experimentado (Cavedon & Pires, 2006), em um
contexto de “reestruturação produtiva” (Pereira & Tavares, 2006) no âmbito
do Judiciário baiano.
Para os juízes do TJBA, o significado evocado da reforma é
primordialmente gerencial, como pode ser observado por meio das categorias
“controle de metas”, “gestão de pessoas”, “gestão de processos”, “gestão
financeira”, “valores organizacionais” e “estrutura”. Organizadas sob a
“dimensão reforma gerencial”, essas categorias reúnem 207 das 261 palavras
evocadas, o que mostra com bastante clareza a representação da reforma
gerencial para esse grupo de sujeitos.
Fonte: Dados
da Pesquisa
Merecem destaque as palavras “celeridade” na categoria “gestão
de processos”, e “eficiência” na categoria “controle de metas”, por serem mais
frequentemente evocadas pelos juízes. Algumas dessas categorias confirmam os
achados de Capaverde e Vazquez (2015) e Nallini (2006). Para os juízes do TJBA,
de acordo com o texto explicativo sobre o significado da palavra considerada
por eles como a mais importante, a celeridade no Judiciário pode ocorrer a
partir da abertura de mais unidades com as devidas separações por setores e
também por meio da implantação de métodos que sejam capazes de tornar os
trâmites processuais mais rápidos. Outros aspectos mencionados como importantes
para a maior celeridade na prestação jurisdicional dizem respeito ao
aperfeiçoamento das práticas e à melhoria da estrutura física e humana do
tribunal. Para os juízes, a representação da reforma em termos de celeridade
invoca a eficácia/ineficácia e a agilidade e garantia da justiça, como mostram
os trechos a seguir transcritos das entrevistas:
Tornar a atividade jurisdicional mais eficaz, tendo por missão a
satisfação social mediante a entrega da prestação jurisdicional de modo mais
célere.
Da forma que foi imposta, a reforma mostra-se ineficaz por não
fornecer meios (servidores, apoio material) para a real concretização da
celeridade da justiça.
A reforma do Judiciário vem para atender a demanda de celeridade
na prestação jurisdicional, pois é sabido que justiça que tarda não é justa.
A celeridade processual carece de efetividade à proteção
jurisdicional.
Esses trechos conectam a preocupação dos juízes com a
efetividade e garantia da justiça. Ou seja, para os juízes, a celeridade é um
meio para obtenção da efetividade. No que concerne à eficiência, a análise das
explicações mostra que os juízes a relacionam basicamente com aplicação dos
recursos públicos e obtenção de maior produção com menor custo. Tais resultados
reiteram os argumentos de que há um sentido específico da reforma associado a
uma essência gerencial, conforme apontam estudos de Gomes e Guimarães (2013) e
Gomes, Guimarães e Akatsu (2017), sob uma lógica produtivista.
Por outro lado, o trecho a seguir, transcrito de uma das
entrevistas, evidencia a representação da reforma em termos de eficiência para
além da ênfase dada sobre a maximização de recursos e a obtenção de resultados.
A eficiência aparece relacionada com a expectativa da sociedade.
Eficiência: é a mais importante, tendo em vista a necessidade de
os serviços públicos, inclusive a prestação jurisdicional, serem prestados de
forma que atendam às expectativas da sociedade.
Cabe destacar que, apesar de a literatura apontar questões
relacionadas à resistência em relação a reforma no Judiciário (ver Vieira &
Costa, 2013; Junqueira et al, 2017; Sauerbronn & Sauerbronn, 2015), essa
palavra foi evocada apenas uma vez. Consideramos que esse resultado se deve ao
fato de os sujeitos da pesquisa serem recém concursados no TJBA, na época com
menos de um ano de atuação, e serem predominantemente jovens.
Adicionalmente, os resultados apontam que os sujeitos da
presente pesquisa pouco evocaram palavras associadas à gestão de pessoas, em
comparação com a gestão de processos e controle de metas. Esse resultado
confirma a relevância de se desenvolver plenamente o tema, para além da lógica
de desempenho, em alinhamento aos resultados encontrados por Gavazini e Dutra
(2016).
Há uma pequena incidência de representações da reforma do
Judiciário baseadas em aspectos jurídico/legais que, por um lado, fortalece a
influência do gerencialismo na administração do Judiciário, reforçando as
representações sobre a reforma do Judiciário compartilham mais de perspectivas
da gestão do que do universo jurídico (Frühling, 1997). Entretanto, a baixa
evocação de aspectos relacionados ao impacto junto à sociedade em termos de
transparência jurisdicional, cidadania e democracia ainda mostram o espaço para
que este lado relevante da reforma possa ser desenvolvido, conforme sugerem
Akutsu e Guimarães (2015), Oliveira (2017), Ribeiro (2008) e Sauerbronn et al
(2016).
Por fim, cabe destacar que as diferenças de percepção entre
magistrados, quando comparados aos servidores, podem estar associadas a
possíveis efeitos de posição e de disposição a que os indivíduos estão
submetidos. Essa constatação nos remete ao reconhecimento dos argumentos de
Vieira e Costa (2013), quanto ao destaque dado aos juízes ao longo do processo
de reforma do Judiciário, bem como de Sauerbronn et al (2016) quanto à forma
como estes possam desempenhar o papel de gerentes de nível médio (middle
managers) ao apresentarem percepções centradas nos aspectos gerenciais e de
controle de metas, conforme sugerem Junqueira et al (2017). Certamente as
transformações que ainda estão em curso na reforma do Judiciário, advindas das
resoluções do CNJ de 2014 e 2015, bem como da mudança do Código do Processo
Civil no ano de 2016, produzirão novas representações socialmente construídas
cujos reflexos merecem ser compreendidos.
6. Considerações finais
rio por parte de juízes do TJBA, mais especificamente procurando
apontar de que forma esta
O presente artigo teve o objetivo de conhecer representações
sociais da reforma do Judiciário por parte de juízes do TJBA, mais
especificamente procurando apontar de que forma estas se diferenciam daquelas
apresentadas pelos servidores. Como resultado são trazidos à tona alguns
aspectos relevantes para o campo que se somam aos esforços de outros
pesquisadores e grupos de pesquisa sobre gestão no Poder Judiciário (ligados a
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, Universidade Federal
Fluminense - UFF, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Universidade
Federal de Santa Catarina - UFSC, Universidade Federal de Viçosa - UFV,
Universidade de Brasília - UnB, Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL,
Tribunal de Justiça do Estado do Ceará - TJCE, dentre outros).
Utilizando-se da perspectiva da TRS, o presente estudo levantou
quatro dimensões das representações sociais dos juízes do TJBA a respeito da
reforma do Judiciário, a saber: reforma gerencial, impactos sobre o Judiciário,
impactos para os cidadãos e legislação. Cabe destacar que a dimensão “reforma
gerencial” reúne 207 das 261 palavras evocadas, estando subdividida nas
categorias “controle de metas”, “gestão de pessoas”, “gestão de processos”,
“gestão financeira”, “valores organizacionais” e “estrutura”. Ficou claro,
segundo as representações sociais desse grupo de juízes, que a reforma do Poder
pode estar fortemente associada a uma perspectiva gerencial com potencial
limitação em termos de impacto e participação da sociedade. Uma explicação para
este resultado pode estar associada à inequívoca orientação da reforma, em
grande medida pautada nas estratégias, e consequentes metas, estabelecidas pelo
CNJ, sendo muitas delas voltadas à produtividade dos magistrados. Percebe-se, a
partir das Resoluções de 2014 e 2015 do CNJ, que as iniciativas centradas na
assunção de responsabilidades estratégicas pela mesa diretora e pelos juízes
dos tribunais deverão gerar novos desdobramentos e aprofundar o aspecto
gerencial centrado em processos de planejamento estratégico e governança de
resultados, cuja investigação crítica deve ser buscada.
Os resultados da presente pesquisa com esse grupo de juízes
revelam-se, portanto, alinhados com essas resoluções, particularmente a 194 de
2014 (a responsabilização e a capacitação dos juízes e servidores), trazendo
como contribuição uma melhor compreensão a respeito da construção de sentidos e
significados sobre a reforma cujos efeitos de posição e disposição afetam as
representações desse grupo. Assim, a partir dos resultados encontrados, fica
claro que o destino manifesto pelos juízes é de que a perspectiva gerencial
implantada desemboque em maior efetividade da justiça. Porém, os resultados
mostram-se limitados, uma vez que a representação social constitui fonte
relevante de significação e conhecimento prático que orienta a ação, sem,
entretanto, constituir a ação em si.
Portanto, sugere-se que futuros estudos tragam luz às dinâmicas
organizacionais estabelecidas entre os diferentes grupos de profissionais que
lidam com a reforma gerencial, de forma a compreender aspectos de cultura e
poder que melhor expliquem as representações sociais construídas, bem como os
desdobramentos desses aspectos sobre o processo de implantação das diferentes
ações e projetos especiais no âmbito dos tribunais estaduais. Assim, os
resultados obtidos precisam ser analisados à luz de futuros estudos de forma a
avaliar a possibilidade de manutenção de uma indesejável “trifrontalidade”,
dada a convivência perversa de camadas racionais-legais (weberianas),
patrimonialistas e gerencialistas. Conforme sugere a literatura, superar essa
convivência perversa ocorreria apenas por meio de constituição uma nova
condição política, democrática e societal centrada na “valorização das
instituições representativas, e não apenas uma mera racionalização
administrativa” (Pinho, 2016).
Assim, considera-se que, para que melhor se compreendam os
resultados alcançados, há que se reconhecer os desdobramentos ocorridos no
processo de implementação da reforma (Oliveira, 2017), bem uma revisão crítica
de seu contexto sociopolítico mais amplo. Decerto estudos dessa natureza
ajudariam a melhor compreender os determinantes e condicionantes da reforma do
Judiciário, analisando-os à luz das necessárias reformas de cunho democrático
pautadas em instrumentos participativos de accountability, transparência e
governança plural, conforme sugere a literatura de Administração Pública
voltada ao Judiciário.
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