Artigos
Valores Públicos e
Contratação de Serviços Terceirizados: Desafios no Setor Público
Public Values and
Contracts for Outsourced Services: Challenges in the Public Sector
Valores Públicos y
Contratación de Servicios Tercerizados: Desafíos en el Sector Público
Natália Maria Leal Santos
nateleal@gmail.com
Universidade Federal de
Lavras, Brasil
Daniela Meirelles Andrade
daniela.andrade@ufla.br
Universidade Federal
de Lavras, Brasil
Juvencio Braga de Lima jbragadelima@gmail.com
Universidade Federal
de Lavras, Brasil
Valores Públicos e Contratação de Serviços Terceirizados:
Desafios no Setor Público
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 3, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Recepção: 25 Agosto 2017
Aprovação: 29 Novembro 2017
Publicado: 01 Julho 2019
Resumo:
A terceirização é uma prática que se
intensificou no setor público a partir da reforma do Estado. Diante da
literatura percebeu-se que valores públicos constitucionais podem ser perdidos
quando a responsabilidade pela execução é transferida do empregador (o governo)
para uma empresa privada. Diante dessa problemática, este artigo tem como
objetivo analisar editais, contratos e a prestação de serviços terceirizados em
uma instituição pública federal localizada em Minas Gerais, a fim de verificar
a aplicação dos princípios constitucionais da administração pública
(legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) na
terceirização. Para atingir os objetivos da pesquisa foi realizado um estudo de
caso. Foram utilizados dados primários e secundários, os quais foram submetidas
à Análise de Conteúdo. Os resultados da pesquisa evidenciaram que os valores
públicos são perdidos e negligenciados na execução dos serviços contratados.
Além disso, a adoção da terceirização pode possibilitar o afloramento dos
vícios da administração pública brasileira.
Palavras-chave:
Administração
Pública, Valor Público, Contratos, Terceirização.
Abstract: Outsourcing is a practice that has intensified in the public
sector since the reform of the Brazilian State. In the literature it has been
realized that constitutional public values can be lost when the
responsibility for the execution is transferred from the government to a
private company. In the face of this problem, this article aims to analyze
notices, contracts and the provision of outsourced services in a Federal public
institution located in the state of Minas Gerais, Brazil, in order to verify
the application of the constitutional principles of public administration
(legality, impersonality, efficiency) in outsourcing services. To achieve the
research objectives, a case study was carried out. Primary and secondary data
were used, which were submitted to content analysis. The results of the
research showed that public values are lost and neglected in the execution of
the contracted services. In addition, the adoption of outsourcing can make the
emergence of bad habits of the Brazilian public administration possible.
Keywords: Public
Administration, Public Value, Contracts, Outsourcing.
Resumen: La subcontratación es una práctica que se ha intensificado en el
sector público a partir de la reforma del Estado brasileño. Ante la literatura
se percibió que valores públicos constitucionales pueden ser perdidos cuando la
responsabilidad por la ejecución es transferida del empleador, el gobierno, a
una empresa privada. En el marco de esta problemática, este artículo tiene como
objetivo analizar ediciones, contratos y la prestación de servicios
tercerizados en una institución pública federal ubicada en Minas Gerais, un
estado brasileño, a fin de verificar la aplicación de los principios
constitucionales de la administración pública (legalidad, impersonalidad,
moralidad, publicidad y eficiencia) en la subcontratación. Para alcanzar los
objetivos de la investigación se realizó un estudio de caso y se utilizaron
datos primarios y secundarios, los cuales fueron sometidos al análisis de
contenido. Los resultados de la investigación han demonstrado que los valores
públicos se pierden cuando se descuida en la ejecución de los contratos de
servicios. Además, la adopción de la subcontratación puede posibilitar el
afloramiento de los vicios de la administración pública brasileña.
Palabras clave: Administración
Pública, Valor Público, Contratos, Tercerización.
1 INTRODUÇÃO
A tendência cada vez mais crescente da terceirização do trabalho
no setor público tem levantado discussões e desafios tanto para profissionais
quanto para pesquisadores. Se por um lado seus defensores alegam as promessas
de eficiência, por outro lado ainda há muito a se discutir sobre terceirização
no setor público.
Em seus aspectos históricos, a terceirização originou-se no
setor privado como um instrumento de flexibilização das atividades
empresariais, tornando-se um fenômeno mundial amplamente difundido nas
sociedades capitalistas (Muta,
Alves & Vergna, 2010), mas passou a ser disseminada intensamente no
setor público brasileiro a partir da reforma do Estado e da introdução do
modelo gerencial de administração ao longo da década de 1990.
A difusão da terceirização no setor público está relacionada ao
modelo gerencial (Silva,
2011), de modo que os serviços terceirizados passaram a ser contratados via
processos licitatórios. Ressalvadas as hipóteses de dispensa ou inexigibilidade
de licitação, esse processo, geralmente, é realizado por uma espécie de leilão
às avessas, o qual é denominado pregão: Vence a proposta que ofertar o serviço
pelo menor preço possível (Lei
n. 8.666, 1993; Freitas
& Maldonado, 2013).
É possível tecer diversas críticas a respeito da terceirização
que é um tema polêmico e controverso, uma vez que os determinantes do sucesso
da terceirização no setor público não são conhecidos (Jensen
& Stonecash, 2004). Em se tratando do setor público, Silva
(2011) destaca que, perante o usuário, é a administração pública que
aparece como prestadora do serviço. O prestador do serviço é apenas o executor
material para o poder público contratante. Assim, o poder público é o sujeito,
diretamente relacionado com os usuários e continua sendo responsável direto
pelos serviços. (Mello, 2010).
Na Constituição
Federal de 1988 estão fixados os requisitos para a execução de serviços
públicos. Nesse sentido, julga-se fundamental a observância dos princípios nela
descritos, quais sejam: Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência (Constituição
da República Federativa do Brasil, 1988). A terceirização pode trazer
consequências, conforme alertam Rosenbloom
e Piotrowski (2005), bem como Battaglio
e Ledvinka (2009), para a possibilidade de que os valores do Direito
Constitucional possam ser perdidos quando a responsabilidade pela execução é
transferida do empregador, o governo, para uma empresa privada em função da
distância entre interesse público e privado.
Diante dessa problemática, este artigo tem como objetivo
principal analisar editais, contratos e a prestação de serviços terceirizados
em uma instituição pública federal localizada em Minas Gerais, investigando
suas características quanto à aplicação dos princípios da administração pública
(legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).
Especificamente pretende-se: a) analisar os editais de licitação utilizados na
contratação de serviços terceirizados e os contratos celebrados com as empresas
vencedoras a fim de verificar as exigências contratuais; b) analisar a presença
ou ausência de valores públicos (princípios constitucionais da administração
pública) nas práticas de terceirização no setor público. Os resultados da
pesquisa evidenciaram que os valores públicos são perdidos e negligenciados na
execução dos serviços contratos. Além disso, a adoção da terceirização pode
possibilitar o afloramento dos vícios da administração pública brasileira.
2 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: uma visão a partir dos
valores públicos
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse
privado é precípuo de qualquer Estado, constituindo o princípio geral inerente
a qualquer sociedade sendo condição básica de sua existência como também um
pressuposto lógico de convívio social (Mello,
2010). A supremacia do interesse público está relacionada às possíveis
colisões entre interesse público e interesse privado. Dessa maneira, quando
tais interesses entram em rota de colisão, o primeiro prevalece sobre o
segundo. Para Carvalho
(2010), a observância do interesse público não nega ou desrespeita o
interesse privado, mas quando há divergências e são bem comuns é que o
interesse público sobrepõe o privado, pois o Estado tem que defender os
interesses da coletividade atuando no sentido de favorecer o bem comum e é por
isso que tem que fazer prevalecer o interesse público (Di
Pietro, 2010b).
Carvalho
(2010) destaca que atualmente é necessário pensar no princípio da
supremacia do interesse público para adequá-lo aos novos elementos da
modernidade, ou seja, aos novos arranjos organizacionais, ajustando-o para que
os interesses se harmonizem para que sejam superados os confrontos ou mesmo
sejam evitados, uma vez que, atualmente, a administração pública se reveste do
interesse público, mas se fundamenta também na administração privada (Oliveira,
2012).
A administração pública pode ser entendida como uma ação
gerencial voltada para o interesse público, fundamentada nos princípios
constitucionais descritos no art. 37 da Constituição Federal brasileira (Constituição
da República Federativa do Brasil, 1988), quais sejam: Legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A razão de ser dos
princípios é nortear toda a prática administrativa do setor público (Pazzaglini,
2008).
Conforme destacado por Meirelles
(2009), “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal.
Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe,
na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”. Para Pazzaglini
(2008), o princípio da legalidade é direito fundamental de toda pessoa. Ele
determina que a administração pública pode atuar somente em conformidade com a
lei, cabendo aos particulares/privados apenas a sua não contrariedade. O
princípio da legalidade contrapõe-se às tendências personalistas bem como às
formas de poder autoritário, constituindo um antídoto do poder oligárquico.
A impessoalidade expressa uma conduta imparcial nas ações, tendo
como propósito o atendimento do interesse público. Nesse sentido, a administração
pública não pode praticar atos visando interesses pessoais ou subordinar-se à
conveniência de qualquer indivíduo (Pazzaglini,
2008). Segundo Paulo
e Alexandrino (2015), a impessoalidade na atuação administrativa deve
impedir a prática de atos que visem atender interesses do agente público ou de
terceiros. Nesse sentido, os autores destacam que o princípio da impessoalidade
inibe perseguições ou favorecimentos, discriminações benéficas ou prejudiciais
aos administrados.
Conforme Pazzaglini
(2008), a moralidade está relacionada à ética na conduta administrativa,
devendo submeter-se ao interesse coletivo. Segundo Di
Pietro (2010a), mesmo em consonância com a lei, haverá ofensa ao princípio
da moralidade administrativa quando o comportamento do administrado que se
relaciona com a administração pública juridicamente afronta a moral, as regras
de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, bem como a ideia
comum de honestidade.
Nohara
(2014) destaca que tanto a impessoalidade quanto a moralidade encontram
dificuldades de efetivação no contexto brasileiro na medida em que o histórico
do País é marcado pelos resquícios de paternalismo e clientelismo nos espaços
públicos, por isso, o princípio da moralidade é um instrumento necessário e
imprescindível para defesa do ideário republicano que é avesso à ideia de
confusão entre patrimônio público e a coisa privada. O princípio da moralidade
tem como finalidade coibir, além do nepotismo direto, como também o indireto
manifestado em indicações cruzadas, triangulares ou de reciprocidades.
Em relação à publicidade, Mello
(2010) destaca que esse princípio busca manter a plena transparência do
comportamento administrativo como meio de não haver ocultamento dos assuntos de
interesse coletivo. Para Nohara
(2014), ele gera credibilidade pela transparência, pois os cidadãos têm
conhecimento das ações públicas. Pazzaglini
(2008) ressalta que abrange o acesso aos fatos, atos, contratos, normas,
decisões e informações em geral. A publicidade é requisito essencial à
transparência da administração da coisa pública. Conforme Meirelles
(2009), os contratos públicos devem ser divulgados a qualquer pessoa que
desejar conhecê-los, não podendo ser ocultados sob o argumento que são
sigilosos.
A eficiência é norteada para a busca de resultados de modo
rápido e preciso, a fim de satisfazer as necessidades da população (Pazzaglini,
2008). Para o autor, é dever do agente público agir com eficiência na
medida em que sua conduta deve, além de obedecer a lei e ser honesta, deve ser também
produtiva, profissional e adequada ao exercício funcional visando à satisfação
do interesse público. Para Di
Pietro (2010a), assim como para Paulo
e Alexandrino (2015), o princípio da eficiência pode ser dividido em dois
aspectos: Qualidade da atuação do agente público, que deve procurar obter um
padrão de excelência no desempenho de suas atribuições, e modo de organizar e
estruturar os órgãos e entidades integrantes da administração pública, visando
racionalidade na prestação dos serviços públicos.
Pazzaglini
(2008) destaca que nenhuma regra tem o poder de confrontar ou contrariar
diretrizes vinculadas pelos princípios constitucionais, os quais são impositivos
e coercivos para toda a sociedade brasileira, regendo o comportamento tanto de
seus integrantes (administrados) como de seus representantes (administradores).
Assim, considerando o caráter público da atividade terceirizada, é possível
afirmar que uma empresa privada terceirizada deve também estar atenta a essa
orientação de não contrariar tais princípios.
3 SERVIÇOS PÚBLICOS E TERCEIRIZAÇÃO
Os serviços públicos não são apenas atividades prestadas
diretamente pelo Estado, conforme destacado por Carvalho
(2009). Segundo o autor, os serviços públicos também são aqueles delegados
pelo Estado para que sejam satisfeitas as necessidades essenciais e secundárias
da coletividade. Dessa forma, a prestação de serviços públicos pode ser
realizada pela atuação direta do Estado ou por uma atuação indireta (Constituição
da República Federativa do Brasil, 1988).
A adoção do modelo de administração gerencial a partir dos anos
1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi um mecanismo de reforma no
setor público que, dentre outros elementos, previa a privatização e a
terceirização de serviços públicos, com vistas a enxugar o tamanho do Estado,
diminuir gasto e atingir maior eficiência (Motta,
2007). Ainda que o modelo não tenha sido implementado de maneira tal como
idealizada, foi a partir da reforma que o desenvolvimento das relações entre o
setor público e privado ganhou destaque e o Estado brasileiro começou a enxugar
seu quadro de servidores e transmitir suas atividades consideradas não
estratégicas/exclusivas para a iniciativa privada (Freitas
& Maldonado, 2013). Diante desse cenário, a administração pública
recorreu à flexibilização dos meios de prestação de serviços, utilizando a
terceirização de serviços como alternativa possível para responder à crescente
demanda da sociedade por serviços públicos.
A terceirização tornou-se um meio de desverticalizar, ou seja,
enxugar o tamanho do Estado, com o objetivo de tornar as organizações mais
flexíveis sob o argumento de facilitar as mudanças requeridas pela sociedade.
Para Di
Pietro (2009), a terceirização está relacionada à ideia de parceria. Nesse
sentido, a autora destaca a seguintes vantagens: Concentração na execução da
atividade-fim por parte da empresa tomadora do serviço; a especialização da
empresa contratada para executar as atividades não finalísticas; diminuição de
gastos com os encargos trabalhistas e previdenciários o que tornaria possível
reduzir o preço do produto ou serviço; simplificação da estrutura, por meio da
redução de níveis hierárquicos. Costa
(1994) também destaca que a terceirização propicia a geração de emprego.
No setor público, Battaglio
e Ledvinka (2009) destacam que existem alguns riscos específicos, os quais
gestores públicos devem estar cientes quando confrontados com a decisão de
fazer ou comprar, ou seja, terceirizar ou não, entre os quais os autores
destacam que a terceirização reforça a importância da satisfação de grandes
interesses de organizações privadas e diminui a importância de cada
trabalhador.
Magalhães,
Carvalho e Saraiva (2011) mencionam que existem argumentos contrários à
terceirização bastante consideráveis, como a dificuldade de se encontrar no
mercado empresas terceiras suficientemente qualificadas para assumir as
atividades a serem terceirizadas. Segundo os autores, a maioria dessas empresas
não dispõe de capacidade administrativa e financeira necessárias para investir
na sua expansão, como também não investem em capacitação e qualificação de seus
funcionários. Nesse sentido, a crítica contundente resulta do relato de
Lourenço (2015), quando afirma que as empresas terceiras fazem uso do
trabalho desqualificado.
Para Araújo
(2005), além de uma seleção criteriosa de pessoal, também é imprescindível
realizar o processo de avaliação de desempenho como forma de atestar a
adequação da seleção ao desempenho e identificar necessidades de capacitação.
Nesse sentido, Silva
e Souza (2004) afirmam que o funcionário terceirizado que presta serviço na
administração pública deve ser avaliado na consecução de suas atividades.
Contudo, destacam que a falta de treinamento e qualificação são fatores
preocupantes que podem desencadear uma inadequação de perfil profissional,
gerando alta rotatividade de funcionários.
Outro aspecto analisado por
Silva e Souza (2004) é a possibilidade de que a terceirização possa vir a
servir de instrumento para burlar as exigências constitucionais. Nesse sentido,
não se deveria utilizar a flexibilização da estrutura pública para viabilizar a
infiltração de contratações de parentes e de funcionários para exercer funções
no setor público.
Conforme Silva
e Souza (2004), a idoneidade da empresa contratada é fundamental na
parceria entre Estado e iniciativa privada, para que não prevaleçam apenas os
interesses do segundo. De acordo com os autores, “[...] todos os direitos e
obrigações contratuais que deverão ser firmados, aliados ao compromisso moral,
que venha em contrapartida de uma boa parceria”. Assim, os autores defendem a
ideia de que se deve buscar parceiros com interesse público, por meio de
processo licitatório, os quais deverão assumir a responsabilidade pela execução
dos serviços públicos.
Para Cavalcante
(2015), é necessário analisar com cuidado a terceirização. Segundo o autor,
a terceirização é ilícita quando existente nos quadros de pessoal do órgão,
cargo ou emprego que possa desempenhar a atribuição objeto da contratação.
“Isso se dá não apenas com base na legislação infraconstitucional, mas por
conta da incidência de princípios constitucionais” (Cavalcante,
2015).
Evidentemente, cabe mencionar que a legislação traz alguns
mecanismos para controlar os possíveis vícios advindos da prática da
terceirização na administração pública. A Instrução
Normativa n. 2 (2008) veda tanto a Administração quanto os servidores de
praticarem atos de ingerência na administração da contratada, como o
direcionamento de pessoas para trabalhar nas empresas terceirizadas vencedores
do certame. O
Decreto n. 7.203 (2010), que dispõe sobre a vedação do nepotismo no âmbito
da administração pública federal, proíbe o familiar de agente público de
prestar serviços no órgão ou entidade em que este exerça cargo em comissão ou
função de confiança. Dessa maneira, os editais de licitação para a contratação
de empresa prestadora de serviço terceirizado, devem estabelecer explicitamente,
tal vedação (Decreto
n. 7.203, 2010).
Contudo, embora os processos de seleção sirvam para escolher os
candidatos mais qualificados e aptos com vistas a manter ou aumentar a
eficiência na organização (Araújo,
2005) e Barbosa
(2014) destacam que, no Brasil, os critérios de seleção baseados no mérito
demonstram estar em permanente disputa com o nepotismo e os privilégios
corporativos. Para a autora, expressões do tipo "apadrinhados" e
"afilhados", dentre outras, são usadas frequentemente no meio
organizacional e ilustram tanto as lógicas e as práticas de acesso quanto a
promoção e o reconhecimento de cargos e funções.
Conforme destacado por Jensen
e Stonecash (2004), os determinantes do sucesso da terceirização ainda não
são conhecidos no setor público. Para muitos críticos, a terceirização não
passa de mera intermediação de mão de obra. De acordo com Di
Pietro (2009), os contratos têm sido celebrados sob a forma de prestação de
serviços de modo a assegurar uma “aparente” legalidade, no entanto, para essa
autora, tal prestação de serviço por parte da empresa contratada limita-se a
fornecer mão de obra, mascarando a relação de emprego, que seria própria da
administração pública, além de não proteger o interesse público e o benefício
coletivo, pois, no processo de terceirização, o preço é um fator decisivo que
pode permitir distorções, como simulação de comportamentos para preservar
interesses individuais (Di
Pietro, 2009).
Para Silva
(2011), uma empresa terceirizada é a executora material, pois não lhe são
transferidos poderes públicos. Assim, perante o usuário, seria a administração
pública que apareceria como prestadora do serviço, o prestador do serviço sendo
apenas o executor material para o contratante. Nesse sentido, cabe sempre
considerar que o poder público será o sujeito diretamente relacionado com os
usuários e, portanto, responsável direto pelos serviços (Mello,
2010).
Dessa maneira, quando uma empresa do setor privado torna-se
responsável pelo recrutamento e seleção de funcionários do governo, a atividade
coordenada entre o setor público e o privado indica que o segundo também deve
suportar o dever de proteger os direitos constitucionais dos cidadãos. O texto
do contrato oferece potencial para adaptar as parcerias público-privadas para
que valores públicos estejam incluídos na prestação de serviços (Battaglio
& Ledvinka, 2009; Rosenbloom
& Piotrowski, 2005). Diante dessa perspectiva, um gestor público pode
incluir requisitos como oportunidades iguais de acesso ao emprego. Como
resultado, ao incorporar valores públicos nos contratos, estes se tornam parte
do desempenho exigido da empresa do setor privado. Em outras palavras, por meio
da inclusão de valores de direito público em contratos de terceirização, os
gestores públicos podem estabelecer que tais valores sejam empregados para
aferir o cumprimento do contrato da empresa privada, reforçando assim a
prestação de contas ao público (Battaglio
& Ledvinka, 2009).
Devido às potenciais perdas de valores públicos, principalmente
os valores do Direito Constitucional, que podem advir quando a responsabilidade
é transferida do governo para uma empresa privada, Battaglio
e Ledvinka (2009) destacam que os gestores públicos de contrato necessitam
ter conhecimento em direito constitucional e contratual, entre outras
regulações, para projetar, monitorar e aplicar acordos de terceirização. Para
os autores, o acompanhamento adequado dos contratos torna-se um elemento
fundamental para garantir a legitimidade da decisão de terceirizar.
4 METODOLOGIA
Para atingir os objetivos propostos foi realizada uma pesquisa
exploratória de abordagem qualitativa. Nessa pesquisa, foi empreendido um
estudo de caso em uma instituição pública federal que atua em Minas Gerais.
Esta instituição foi definida pela facilidade de acesso dos autores e contato
com os responsáveis, além de a mesma apresentar um elevado número de
funcionários terceirizados, estando entre as intuições públicas de mesma
natureza que mais compromete seu orçamento com a terceirização, conforme dados
extraídos do Portal da Transparência do Governo Federal
(http://www.portaltransparencia.gov.br, recuperado em 20 de setembro de 2016).
Em relação à coleta de dados, destaca-se que foram utilizados
dados primários e secundários. Os dados primários foram coletados por meio de
entrevistas individuais semiestruturadas no segundo semestre de 2016. O roteiro
da entrevista foi elaborado combinando perguntas abertas e fechadas, de modo a
contemplar as principais características mencionadas na literatura de cada
princípio que rege a administração pública brasileira e a permitir aos
entrevistados que discorram sobre o tema proposto.
Os participantes da pesquisa foram selecionados após a
realização de um levantamento da quantidade de funcionários que prestam serviço
para a instituição pública federal há pelos menos três anos e que tinham sido
contratados por duas ou mais empresas. Assim, buscou-se conseguir perfis de
entrevistados que possuíssem vivência tanto em relação às empresas
terceirizadas quanto em relação à organização pública, sendo selecionados para
a entrevista prestadores de serviços nas área administrativa, de manutenção, de
conservação, de limpeza e de vigilância. Foram entrevistados 14 funcionários
terceirizados de empresas prestadoras de serviços para a administração pública,
bem como com 2 gestores públicos desses serviços, ou seja, os fiscais dos
contratos. Para garantir o sigilo e viabilizar a apresentação dos resultados,
os sujeitos da pesquisa foram identificados como Entrevistado Terceirizado (ET,
identificados de 1 a 14) ou Entrevistado Fiscal (EF, identificados de 1 a 2).
A coleta de dados secundários ocorreu pela obtenção de
documentos institucionais da organização pública, entre os quais a relação dos
funcionários terceirizados. Os editais e contratos celebrados entre a
instituição pública federal e empresas terceirizadas que prestaram ou ainda
prestam serviços para a referida instituição nos últimos seis anos (2010-2016)
constituíram objeto de análise e foram obtidos pelo Portal de Compras do
Governo Federal disponível no endereço eletrônico <http://www.comprasgovernamentais.gov.br>,
recuperado em 25 setembro, 2016. Assim, foram analisados 41 contratos
vinculados a 14 editais que tinham como finalidade a contratação de serviços
diversos (auxiliar administrativo, secretário atendente, motorista, porteiro,
copeira, encarregado de limpeza) e serviços especializados (vigilância
desarmada).
Os dados foram analisados por meio da técnica de análise de
conteúdo (Bardin,
2011), utilizando os princípios constitucionais como categorias prévias
(legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Destaca-se
que a aplicabilidade dos princípios não limita-se à análise realizada neste
estudo, mas os aspectos discutidos foram escolhidos de acordo com os objetivos
do estudo.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cada princípio foi analisado separadamente, contudo, a análise
de um não necessariamente exclui aspectos que também podem estar atrelados aos
demais.
Ao iniciar a análise dos editais e contratos da instituição
pública federal, objeto deste estudo, verifica-se a diversidade dos serviços
contratados, sendo que uma única empresa presta serviços variados. Estes
serviços vão desde os relacionados às funções administrativas até aos serviços
de limpeza e serviços gerais.
Embora a Instrução
Normativa n. 2 (2008) não permita terceirizar atividades inerentes às
categorias abarcadas pelo plano de cargos do órgão, com exceção para o caso de
o cargo estar em extinção, a instituição pública justifica a necessidade da
realização da contratação de serviços diversos no Termo de Referência dos
editais de licitação alegando que não existem, no quadro da instituição, cargos
suficientes destinados à realização das atividades, objeto da contratação
(ECPE, 2010-2014a), o que já evidencia que a instituição pública terceiriza
atividades que deveriam ser exercidas por servidores concursados.
Constatou-se que há terceirizados que exercem suas atividades
nas áreas administrativas do órgão público que realizam atividades semelhantes
às efetuadas por servidores efetivos:
[...] faço, eu acho, a mesma coisa… de alguns, sim! Acho que
muitas coisas... muita coisa que eu faço... eu vejo que o servidor também faz
(ET1).
É... auxiliar administrativo realiza funções que o servidor
faz... pode ser que o servidor tenha mais atribuições, mas tem atividades que
eles realizam a mesma coisa [...] (EF1).
Cavalcante
(2015) afirma que “[...] à luz da legislação atual, é ilícita a
terceirização, quando haja, nos quadros de pessoal do órgão ou entidade, cargo
ou emprego que possa desempenhar a atribuição objeto da contratação”.
Infere-se, portanto, que a instituição pública vem adotando a terceirização
para conseguir mão de obra para realização de suas atividades. Di
Pietro (2009) já alegara que os contratos vêm sendo celebrados sob a forma
de prestação de serviços, de modo a assegurar uma aparente legalidade, mas que
na verdade limita-se a fornecer mão de obra, mascarando a relação de emprego.
Conforme destacado por Pazzaglini
(2008) e
Meirelles (2009), na administração pública não há liberdade para o
exercício de vontades pessoais, visto que é permitido fazer apenas o que a lei
autoriza. Entretanto, práticas de ingerência no caso analisado são evidenciadas
no processo de terceirização, na medida em que, de acordo com a Instrução
Normativa n. 2 (2008), não é permitido aos agentes públicos direcionar a
contratação de pessoas para trabalhar nas empresas contratadas. Porém, o que
foi observado é que ocorre o direcionamento das contratações, bem como
promoções de cargos por definição de servidor. Conforme a ET10, “quem me
indicou foi a servidora [...]”. Assim, percebe-se indícios de interferência dos
servidores da instituição pública quando estes indicam pessoas para trabalharem
nas empresas terceirizadas.
Mello
(2010) destaca que o princípio da legalidade contrapõe-se às tendências
personalistas. Dessa forma, agentes públicos não podem direcionar pessoas para
trabalhar nas empresas terceirizadas, assim como as solicitações de serviços,
reclamações ou cobranças relacionadas aos funcionários terceirizados devem ser
direcionadas ao preposto para não caracterizar atos de ingerência (Instrução
Normativa n. 2, 2008). Contudo, as decisões e responsabilidades que
caberiam às empresas terceirizadas e executadas pelos prepostos, são, por
vezes, realizadas informalmente por agentes públicos, o que leva a mascarar o
vínculo de emprego e sugere que a figura dos prepostos seja necessária apenas
para viabilizar a terceirização. Nesse sentido, Di
Pietro (2009) relata que, no que se refere à administração pública,
mascarar a relação de emprego não protege o interesse público e o benefício
coletivo, pois pode permitir distorções para contemplar interesses individuais.
A vedação à criação de vínculo entre os funcionários
terceirizados e a instituição pública é descrita nos editais e nos contratos,
na medida em que é destacado que os empregados da empresa terceirizada “não
manterão nenhum vínculo empregatício com a contratante” (ECPE, 2010-2014a,
2010-2014b). Freitas
e Maldonado (2013) destacam que a inexistência de vínculo entre os
funcionários das empresas terceirizadas e a instituição contratante é algo
apenas formal. Conforme constatado nas entrevistas com os terceirizados, todos
passaram por duas ou mais empresas num período de apenas seis anos. A ET12
chegou a passar por quatro empresas nesse período, o que demonstra que apenas
as empresas passam pela instituição pública, mas as pessoas continuam. Além
disso, pôde ser constatado que existem funcionários que prestam serviço para a
instituição pública estudada há cerca de 25 anos.
Assim, a não geração de vínculo entre os funcionários
terceirizados e a instituição pública, que é explícita nos editais e nos
contratos, na prática, se mostra uma premissa falsa, pois fica evidente que o
que se terceiriza são as pessoas e não os postos de serviços, os quais são
objeto apenas durante o processo de licitação. Isso reflete no vínculo
subjetivo existente, que se torna objetivo através da continuidade das mesmas
pessoas a cada troca de empresa, uma vez que pode ser observado nas entrevistas
que a instituição pública realiza pedidos informais às empresas que ganham as
licitações para manter os mesmos funcionários, conforme a EF1. Situações como
essa, de certa forma, caracterizam a existência de direcionamento de pessoas
para trabalharem nas empresas contratadas, o que não é permitido à
Administração ou aos servidores, conforme Instrução
Normativa n. 2 (2008), à qual os editais e contratos analisados
vinculam-se.
Práticas de direcionamento indireto por meio de empresas
terceirizadas representam não observância de princípio de legalidade pela
instituição pública pesquisada. Isso indica que a empresa terceirizada está
transferindo, de forma voluntária ou não, a responsabilidade de suas obrigações
para terceiros, o que lhe é vedado por força legal e contratual (ECPE,
2010-2014a, 2010-2014b), sem o consentimento da contratante. No entanto, com a
transferência de responsabilidade para a própria instituição pública, a
autorização já está implícita, mesmo sendo ilegal.
Embora Lourenço
(2015) destaque a falta de segurança dos funcionários terceirizados, que
desencadeia uma falta de perspectiva funcional de estabilidade dos mesmos, o
caso analisado demonstra que a instituição pública, ao interferir para
mantê-los nos postos de trabalho, lhes oferece a proteção da estabilidade
mascarada que, ao ter essa atitude, acaba evidenciado e fortalecendo o vínculo
entre esta e os funcionários terceirizados. Além disso, há caracterização de
ações em desacordo com leis, normas e regulamentos no processo de terceirização
no caso estudado.
Uma administração pública flexível não exclui a necessidade da
seleção por mérito, ao contrário, a profissionalização é imprescindível para
buscar a legitimação organizacional (Pimenta,
1998). Nesse sentido, o princípio da impessoalidade na execução do serviço
terceirizado foi analisado principalmente no que se refere à seleção e formação
do quadro de funcionários.
Conforme Paulo
e Alexandrino (2015), a impessoalidade deriva da igualdade no tratamento
como meio de evitar discriminações ou benefícios. Silva
e Souza (2004) destacam que existem riscos de utilizar a terceirização no
setor público para fins de apadrinhamento. No caso analisado, constata-se que o
apadrinhamento é algo necessário para quem pleiteia uma vaga como funcionário
terceirizado na instituição pública. Verifica-se que o princípio da
impessoalidade não é observado pelas empresas terceirizadas, na medida em que
não apenas as indicações ocorrem, mas a prática de beneficiar quem é parente
pode ser constatada quando perguntado aos entrevistados se existem funcionários
terceirizados com parentesco na empresa para a qual prestam serviço, quase a
totalidade afirmou que sim. Os próprios fiscais de contrato também relataram
que existem indicações e relações de parentesco:
[...] é muito complicado... tipo... tem quase que a família
inteira trabalhando pela terceirizada, entendeu... olha, entrou fulano que
indicou o irmão, que indicou a irmã, que indicou a cunhada que indicou o marido
[...] (EF1).
Para Barbosa
(2014), as expressões “Qi” (“quem indica”), “apadrinhados”, dentre outras,
ilustram lógicas de acesso ao emprego contrárias ao mérito. Costa
(2007) também demonstra em seu estudo que a contratação entre os
terceirizados e a empresa de terceirização se dá normalmente por indicação de
algum conhecido, amigo ou parente, o que corrobora com os achados deste estudo.
Nesse sentido, os relatos dos entrevistados evidenciam que as indicações são um
meio de ingresso bastante praticado pelas empresas terceirizadas, as quais
prestam serviço para a instituição pública pesquisada.
Na análise dos editais e contratos (ECPE, 2010-2014a,
2010-2014b) não foi constatada vedação em relação ao direcionamento de
funcionários terceirizados por prepostos e por funcionários terceirizados.
Porém, a
Instrução Normativa n. 2 (2008) determina que é o gestor do contrato que
exerce a função de fiscalização e acompanhamento da execução dos serviços
contratados e que deve informar à instituição pública sobre eventuais vícios na
prestação dos serviços pela contratada, bem como propor solução para
regularização. Dessa forma, pode-se inferir que os vícios decorridos das
indicações, apadrinhamento e do nepotismo velado poderiam ser corrigidos se
solicitados pelos fiscais de contratos, tendo em vista o interesse público envolvido.
Evidenciou-se que duas entrevistadas terceirizadas possuem
parentes na instituição pesquisada, embora não fosse possível comprovar a
influência das pessoas com as quais possuem parentescos na seleção. Entretanto,
caso da ET10, constatou-se que ela foi indicada por uma servidora da
instituição pública que exerce um cargo na alta administração do órgão. Dessa
forma, as indicações por parte de servidores públicos acontecem mesmo sendo
vedado pela Instrução
Normativa n. 2 (2008), à qual os editais e contratos analisados estão
vinculados . Os “aquários” vão sendo construídos, conforme denominado pelo EF2,
ora constituídos pelos prepostos e funcionários terceirizados, ora por agentes
públicos. De acordo com EF2:
[...] infelizmente tem interferência, tem ingerência, tem
relações de amizade... existe o aquário... cada um vai escolher seu peixe,
né... causa muito transtorno, é muito complicado [...] (EF2).
O Decreto
n. 7.203 (2010) dispõe sobre a vedação do nepotismo no âmbito da
administração pública federal e veda ao familiar de agente público que presta
serviços no órgão ou entidade em que este exerça cargo em comissão ou função de
confiança. Mesmo sendo uma medida de combate ao nepotismo nos processos de
terceirização no setor público, o decreto contém limitações na medida em que
caracteriza como nepotismo apenas o caso de o funcionário terceirizado ser
familiar de agente público que exerça cargo em comissão ou função de confiança.
Embora a caracterização de nepotismo seja mais abrangente tendo em vista que
Pazzaglini (2008) o entende como a concessão por agentes públicos de
favores, ajudas e privilégios de cunho público a seus parentes, amigos e
correligionários. Nesse sentido, é possível inferir que quando agentes públicos
interferem direcionando funcionários para atuarem nas empresas terceirizadas,
estão contribuindo com a prática de nepotismo no setor público.
Embora os entrevistados que possuem parentesco com servidores
tenham ressaltado que nenhuma das pessoas com as quais possui parentesco
exercem função, ou seja, cargo de direção, chefia ou assessoramento, infere-se
que ao realizar tal consideração, acreditam que não estão em situação de
nepotismo. Entretanto, é possível dizer que causa estranheza agentes públicos
indicarem ou direcionarem pessoas para trabalharem nas empresas terceirizadas,
o que é vedado, conforme Instrução
Normativa n. 2 (2008), assim como levanta questionamentos sobre
funcionários terceirizados que possuem parentesco com servidores onde atuam,
principalmente quando constatado que a forma dominante de ingresso nas empresas
terceirizadas ocorre por meio de indicações, bem como tendo em vista a
inexistência de processos isonômicos de seleção, o que acarreta a valorização
das relações pessoais em detrimento do mérito. Assim, desprovidos de processos
isonômicos (Mello,
2010; Paulo
& Alexandrino, 2015), é possível afirmar que as situações evidenciam o
desrespeito ao princípio da impessoalidade.
Nohara
(2014) destaca que os resquícios do paternalismo nos ambientes públicos
dificultam a efetivação tanto da impessoalidade como da moralidade no contexto
brasileiro. As indicações por parte de prepostos, conforme aferido nas
entrevistas, uma vez que muitos empregam a família inteira nas empresas
terceirizadas, demonstra inobservância do princípio da moralidade. Mesmo não
sendo ilícito do ponto de vista da legalidade, evidencia ser imoral, pois
segundo Di
Pietro (2010a), mesmo em consonância com a lei, haverá ofensa ao princípio
da moralidade quando o comportamento do administrado que se relaciona com a
administração pública juridicamente afrontar as regras da boa administração,
não apenas na constatação da atuação desses agentes na utilização de seus
cargos para benefício de seus familiares e amigos, como também na utilização de
seus cargos de maneira incompatível com relação ao trato daquilo que é público.
Para Nohara
(2014), o princípio da moralidade tem como finalidade coibir tanto o
nepotismo direto como também o indireto, manifestado em indicações cruzadas,
triangulares ou de reciprocidades. Dessa maneira, mesmo que os casos
encontrados neste estudo não caracterizem claro nepotismo e mesmo que as
contratações venham sendo realizadas dentro de uma suposta legalidade, sob a
ótica da moralidade não se confirma, pois nem tudo que é legal é
necessariamente moral (Nohara,
2014).
Foi perguntado aos fiscais de contrato se existe algum tipo de
controle quanto à indicação, tanto por agentes públicos quanto por funcionários
terceirizados, de pessoas para trabalharem nas empresas terceirizadas, as
respostas indicam desconhecimento da própria legislação. De acordo com a EF1, a
legislação proíbe parentesco entre funcionário terceirizado e servidor público,
mas afirmou que ela poderia indicar algum familiar, mas destacou que “hoje não
indico”, em virtude de não ser ético, mas suas palavras remetem à ideia de que
já tenha realizado indicações, além de ser possível constatar desconhecimento
da mesma em relação à
Instrução Normativa n. 2 (2008) que veda o direcionamento de funcionários
terceirizados por parte de servidores federais. Ao contrário da EF1, o EF2
demonstra conhecimento em relação à vedação de indicações, de funcionários
terceirizados por agentes públicos, mas mesmo que seja proibido, o mesmo afirma
que as indicações ocorrem no formato de sugestões. Entretanto, o EF2, ao
destacar que não há problema na realização de indicações por parte dos
terceirizados, desconsidera os aspectos éticos que podem vir a ser afrontados
com as indicações, ou seja, assim como há afrontamento ao princípio da
moralidade quando agentes públicos direcionam e fazem “sugestões” de
funcionários para trabalhar em empresas terceirizadas, também é imoral as
indicações realizadas por prepostos e funcionários terceirizados em relação a
familiares e amigos, visto que cria e reforça os vícios na administração
pública.
O princípio da moralidade é um instrumento necessário para a
defesa do ideário republicano, o qual é avesso à ideia de confusão entre
patrimônio público e a coisa privada (Nohara,
2014). As práticas advindas com o processo de terceirização, ao serem
utilizadas para favorecimento próprio ou de terceiros, sugerem uso indevido
desse mecanismo para alcance de interesse privados.
A publicidade é analisada, principalmente, sob a ótica da
importância da divulgação das vagas de emprego como mecanismo de tornar
transparente a forma de acesso nas empresas terceirizadas que prestam serviços
no setor público, como também meio de controle de práticas que privilegiam o
interesse privado em detrimento do interesse público. Para Mello
(2010), o princípio da publicidade busca manter a plena transparência do
comportamento administrativo como meio de não haver ocultamento dos assuntos de
interesse coletivo. Nesse sentido, entende-se que a divulgação das vagas de
emprego constitui um assunto de interesse coletivo, na medida em que o trabalho
é um direito social previsto na
Constituição Federal brasileira (1988).
É possível observar, tanto nas entrevistas com os fiscais quanto
com os funcionários terceirizados, que não existe divulgação em meio formal das
vagas de emprego, assim como na análise dos editais e contratos não se verifica
a exigência de divulgação, embora o fato de prestarem um serviço público, seja
fator considerável para que as empresas terceirizadas estejam sujeitas à
transparência. Constatou-se que a forma de divulgação das vagas de emprego
ocorre informalmente, por me