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Capacidades
Analíticas no Processo de Produção de Políticas Públicas: Quais Fontes de
Evidências Usam os Burocratas do Serviço Civil da Administração Pública
Federal?
Analytical
Capacities in Public Policy Production Process: What Sources of Evidence Do the
Civil Service Bureaucrats of the Federal Public Administration Use?
Capacidades
Analíticas en el Proceso de Producción de Políticas Públicas: ¿Qué Fuentes de
Evidencias Utilizan los Burócratas del Servicio Civil de la Administración
Pública Federal?
Alex dos Santos Macedo alexmacedo.ufv@gmail.com
Universidade Federal
de Viçosa, Brasil
Rafael Viana rafael.viana@enap.gov.br
Escola Nacional de
Administração Pública, Brasil
Maricilene Isaira Baia do Nascimento maricilene_isaira@hotmail.com
Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, Brasil
Capacidades Analíticas no Processo de Produção de Políticas
Públicas: Quais Fontes de Evidências Usam os Burocratas do Serviço Civil da
Administração Pública Federal?
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 4, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Recepção: 31 Janeiro 2019
Aprovação: 14 Agosto 2019
Publicado:
01
Outubro 2019
Resumo:
O objetivo central deste estudo foi
identificar quais fontes de evidências usam os burocratas do serviço civil da
Administração Pública Federal brasileira (APF) no processo de produção da
política pública. A partir da análise estatística descritiva e multivariada,
foram exploradas informações de 2000 servidores da APF sobre o uso de
evidências, considerando a categorização desses burocratas conforme: (1)
Características demográficas, (2) tipos de função na política pública, (3)
diferentes órgãos da administração federal, (4) tipos de cargos na
administração federal e (5) áreas de política pública. Os resultados apontam
que, em média, a depender da função exercida na política pública e da natureza
da política pública, diferentes fontes de evidência são recorridas. Além disso,
os órgãos se diferenciam no grau de recorrência a essas fontes.
Palavras-chave:
Capacidade
Analítica, Fontes de Evidência, Política Pública, Serviço Civil, Administração
Federal.
Abstract: The main objective of this study was to identify which sources
of evidence the Brazilian Federal Public Administration (FPA) uses in the
production of public policies process. Based on descriptive and multivariate
statistical analysis, information obtained from 2,000 civil workers were
explored on the use of evidence, considering the categorization of these bureaucrats
according to: (1) Demographic characteristics, (2) types of roles in public
policy, (3) different organs in federal public administration, (4) types of
position and (5) public policy areas. The results indicate that, on average,
depending on the role played in public policy and on the public policy area,
different sources of evidence are used. In addition, the organs differ in the
degree of recurrence to these sources.
Keywords: Analytical Capacity,
Sources of Evidences, Public Policy, Civil Service, Public Administration.
Resumen: El objetivo central de este estudio fue identificar qué fuentes
de evidencias utilizan los burócratas del servicio civil de la Administración
Pública Federal Brasileña (APF) en el proceso de producción de políticas
públicas. A partir del análisis estadístico descriptivo y multivariado, fueran
exploradas informaciones de 2000 burócratas de la APF sobre el uso de
evidencia, considerando la categorización de estos burócratas de acuerdo con:
(1) Características demográficas, (2) tipos de función en la política pública,
(3) diferentes órganos de la administración federal, (4) tipos de cargos en la
administración federal, y (5) áreas de política pública. Los resultados indican
que, en promedio, según el papel que es desempeñado en la política pública y de
la naturaleza de la política pública, diferentes fuentes de evidencias son
utilizadas. Además, cuando los burócratas fueran analizados de acuerdo con los
órganos en los que trabajan, los resultados mostraron que el grado de recurrencia
para estas fuentes es diferente.
Palabras clave: Capacidad Analítica,
Fuentes de Evidencias, Política Pública, Servicio Civil, Administración
Federal.
1. INTRODUÇÃO
A abordagem do evidence-based policy making (EBPM) tem crescido
substancialmente no mundo, reivindicando o uso de evidências por parte dos
diferentes governos, entendidas como “resultados de pesquisas sistemáticas
voltadas ao acúmulo crescente do conhecimento” (Davies,
Nutley, & Smith, 2000, p.3) com vistas à produção de políticas
públicas. Diante da complexificação dos problemas públicos – wicked problems (Buchanan,
1992) –, acompanhada da crescente oferta de recursos informacionais
disponíveis para a definição e a solução do problema público, a EBPM tem
ganhado relevo nas últimas duas décadas entre acadêmicos, policy makers e
practitioners ao valorizar uma lógica de racionalização e eficácia das
políticas públicas baseada em evidências (Davies,
Nutley, & Smith, 2000).
Esta crescente mobilização de atores dentro e fora do processo
de tomada de decisão política com vistas ao aumento de resultados das políticas
públicas a partir da adoção de uma racionalidade avaliativa sistemática dos
problemas de interesse público é um aspecto sobre o qual convencionou-se
considerar “capacidade analítica do estado”, uma dimensão que está intimamente
relacionada à “capacidade de política do estado” (Howlett,
2009; Saguin,
Ramesh & Howlett, 2018). Pesquisas recentes, especialmente as
realizadas em países anglo-saxões, trazem a dimensão do uso de evidências como
uma referência normativa da capacidade analítica do estado na produção de
políticas públicas (Wu et al., 2015). Alguns estudos empíricos demonstram,
inclusive, que, nesses países, o uso de evidências é restrito ao grupo de
burocratas que possui alguma proximidade com a produção acadêmica.
A relação entre políticas públicas e evidências começou a ser
explorada nos últimos anos no Brasil (Souza
et al., 2013; Wichmann,
Carlan & Barreto, 2016), mas ainda pouco se sabe sobre a sua construção
e alcance na burocracia federal. Ademais, há escassa produção sobre o que
informa a atuação dos burocratas do serviço civil e, por conseguinte, as
políticas públicas brasileiras. Essa escassez foi alvo de recente pesquisa
desenvolvida pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), que publicou
um relatório intitulado “Capacidades Estatais para Produção de Políticas Públicas:
Resultados do Survey sobre o Serviço Civil no Brasil”. Nesse relatório foi
demonstrado que se pode testificar, a partir de diferentes tendências de
padrões de atividades desenvolvidas pela burocracia federal, uma organização
funcional de atuação dos burocratas (Enap,
2018).
As funções relativas a essa organização por frequência de
atividades desempenhadas dizem respeito à: i) Função relacional, a qual envolve
atividades de representação, negociação e coordenação; ii) função
analítico/accountability, que abrange atividades relacionadas à
operacionalização de base de dados e sistemas de informação conjugadas com
demandas dos órgãos de controle; iii) função gerencial, que envolve tarefas
técnicas de mobilização de recursos para lidar com contratos, convênios e
prospecção de recursos; e iv) função administrativa, que lida com tarefas
operacionais cotidianas (Enap,
2018). A partir disso, um achado importante do relatório foi o fato de
haver na burocracia federal atores que desempenham atividades especialmente
voltadas para a área analítica.
Apesar de esses achados encontrarem uma função especificamente
voltada para o desenvolvimento de atividades que são reconhecidas como
convencionalmente sistemáticas, há uma lacuna sobre as diferentes fontes de
informações às quais a burocracia estatal brasileira recorre para produzir a
política pública no desempenho de suas diferentes atividades, de suas
diferentes funções. Nesse sentido, avançando a partir do que já vem sendo
produzido, esta investigação destacou um número de características-chave do
serviço público federal da administração direta que pode estar relacionado à
recorrência de diferentes fontes de informação para uso de evidência na
política pública. Apesar de esforços recentes problematizarem aspectos do
processo da política pública relacionados às características dos servidores
públicos federais (Lotta,
Pires, & Oliveira, 2014; Cavalcante,
Camões, & Knop, 2015; Freire,
Viana, & Palotti, 2015; Cavalcante,
Lotta, & Yamada, 2018), a relação entre uso de evidências (nas suas
variadas fontes) e o perfil dos burocratas – nas suas características
profissionais, funcionais e posicionais, áreas de política pública, e locus
institucional/organizacional –, ainda carece de investigações.
A partir de um objetivo exploratório, as expectativas deste
estudo foram que houvesse alguma configuração relacional quantitativa entre o
tipo de fonte de informação, além da frequência de uso, e as seguintes
variáveis: (1) Características profissionais do serviço civil da administração
pública federal; (2) tipos de função na política pública; (3) diferentes órgãos
da administração federal; (4) tipos de cargos na administração federal e (5)
áreas de política pública.
É importante destacar que neste trabalho partiu-se do
pressuposto de que há diferentes entendimentos sobre o que seja evidência, não
somente na academia, mas também na burocracia, além de não haver um consenso
sobre de onde tal evidência deveria proceder, podendo também, a depender de
muitos fatores, ser julgada importante ou não (Hall
& Jennings Jr., 2010; Montuschi,
2009). Diferentes naturezas de fontes de evidência foram consideradas,
atendendo ao ambiente contextual específico da dinâmica da política pública no
Brasil, no âmbito da burocracia, quais sejam: (1) Fontes de natureza analítica,
(2) fontes de natureza normativa, (3) fontes de natureza adviser, (4) fontes de
natureza beneficiária e (5) fontes de natureza midiática.
Diante do que foi exposto, o questionamento que norteou esta
investigação foi: Quais fontes de evidências os burocratas do serviço civil da
administração pública federal brasileira usam para a produção de políticas
públicas?
Além desta introdução, o presente artigo está organizado da
seguinte maneira: A segunda seção trata da discussão da literatura sobre o uso
de evidências no processo de políticas públicas. Na terceira seção,
metodológica, é descrita a fonte da base de dados à qual recorremos, além das
técnicas estatísticas de análise de dados aplicadas. Na quarta seção são
apresentados os resultados e as discussões sobre esses resultados, isto é, os
tipos de evidências usados pelos burocratas federais brasileiros, considerando
a organização destes conforme características demográficas, tipos de função na
política pública que exercem, diferentes órgãos da administração federal nos
quais atuam, tipos de cargos na administração federal a que pertencem e áreas
de política pública nas quais atuam. Por fim, há uma seção de considerações
finais.
2. A EVIDÊNCIA, A POLÍTICA PÚBLICA E A BUROCRACIA
A relação entre evidência, política pública e burocracia estatal
parte da problematização sobre em quê os atores baseiam-se para desenvolver as
políticas públicas – nos seus processos de formulação, implementação e
avaliação. Mais especificamente, a literatura traz para o debate o papel da
burocracia no uso de evidência, partindo do pressuposto de que a “formulação de
políticas baseadas em evidência é a melhor maneira de tomar decisões plenamente
compatíveis com um processo político democrático que se caracterize pela
transparência e responsabilização” (Dargent,
Lotta, Mejía-Guerra & Moncada, 2018, p. 1).
Esse pressuposto, aliás, reconfigurou a relação entre política
pública, burocracia e evidência.
Colebatch, Hoppe e Noordegraaf (2010) relatam que o “movimento de política”
que surgiu nos Estados Unidos fez surgir um novo enquadramento de decisions
experts ou de policy analysts – burocratas que foram treinados em cursos
superiores, reivindicados com duas formas ligadas de expertise: “Uma era focada
no problema – qual a natureza do problema que necessita ser resolvido, o que
nós sabemos sobre ela, quais são as possibilidades de respostas – e analistas
de políticas eram treinados para gerar dados sobre o problema, as respostas e o
impacto que eles poderiam trazer” (op. cit., p.13). Sendo assim, pontuam os
autores, o analista de políticas era considerado um conselheiro que clarificava
problemas, identificava as alternativas e, sistematicamente, determinava a
melhor resposta, comparando-se a um cientista de laboratório.
Veselý
(2013) chama atenção para o fato de que, diferentemente da experiência
anglo-saxônica, concepções tradicionais de “analistas de políticas” não são
adequadas, uma vez que este termo não inclui todas as possibilidades de atuação
em policy work, e pelo fato de, em alguns países, não haver esta posição de
trabalho na burocracia pública. Acrescido a isso, Saguin
et al. (2018) apontam que, mais recentemente, na área de pesquisa sobre o
trabalho de políticas, vem aumentando significativamente as investigações sobre
analistas e tecnocratas dentro da burocracia pública, concluindo que há
diferentes atores envolvidos no processo de gerenciamento, coordenação e
planejamento das políticas públicas, o que implica em uma distinção não muito
clara entre os diferentes papéis desses diferentes atores e as dimensões
envolvidas em policy work.
Uma dessas investigações diz respeito ao trabalho mais recente
de Veselý
(2017, p. 141, tradução livre), destacando que:
Por volta da virada do século XXI, muitos pesquisadores
começaram a reconhecer que as práticas atuais de analistas de políticas são
muito mais ricas e mais complexas que os textos sobre análise de política têm
sugerido. Por esta razão, pesquisadores começaram a usar os termos policy work
e policy workers. Embora tais pesquisadores não definam os termos precisamente,
está claro, a partir do contexto, que policy work são atividades relacionadas à
análise e elaboração de política pública, que requerem conhecimento específico
e habilidades não limitadas àquelas estritamente científicas ou acadêmicas.
A partir disso, Saguin
et al. (2018) defendem que, se a burocracia pública for considerada a
partir de concepções tradicionais, é uma tendência que sobrevaloriza a
capacidade que analistas de políticas públicas têm para desempenhar um trabalho
analítico substantivo de política, assim como superestima a motivação de
tomadores de decisão a usarem evidência. Por isso, trabalhos de natureza
comparada já consideram o uso de evidências uma função entre muitas outras
existentes.
No âmbito da pesquisa comparada,Veselý,
Wellstead e Evans (2014) mostraram, ao comparar as atividades de políticas
que desenvolvem a burocracia canadense e a tcheca, que há três padrões
possíveis de atividades de políticas, combinando o resultado dos dois países:
(1) Policy analysis work, (2) trabalho baseado em evidências e (3) consultas e
instruções. A partir de tais padrões, chegam à conclusão de que os canadenses são
mais voltados a desempenhar a análise e pesquisa, enquanto os tchecos possuem
maior interesse por relações internas e externas.
Ainda nesse âmbito, Wellstead,
Stedman e Lindquist (2009) descobriram, em momento anterior, que há dois
maiores papéis relacionados a políticas públicas: Policy work, que julgaram
contemplar atividades como coleta de dados, identificação de questões e
soluções e networking, que envolvem atividades de negociação e consulta. Já Howlett
(2009) julgou haver encontrado quatro tipos distintos de atividades de
políticas: Avaliação de políticas (coleta de dados e pesquisa conduzida),
implementação (entrega de políticas e programas e consulta e negociação),
strategic brokerage (preparação de relatórios e consultas com tomadores de
decisão) e avaliação (avaliação de processos e resultados de políticas).
Esses padrões de atividades de políticas são tratados na
literatura como dimensões de capacidade de política. O uso de evidência na
política pública enquadra-se no que os autores estão chamando recentemente de capacidade
analítica ou capacidade analítica de política (Howlett,
2009), definida como a “habilidade de adquirir e utilizar conhecimento de
política [...] que compreende habilidades básicas em identificar e coletar
dados apropriados, aplicando métodos estatísticos, em comunicar questões sobre
políticas que são relevantes para audiências específicas, e em integrar
evidência à aprendizagem pública” (Saguin
et al., 2018, p. 5, tradução livre). Para essa discussão, Wellstead,
Stedman e Howlett (2011) defenderam que a combinação de fatores, tais como
nível educacional, treinamento profissional, crenças e motivações pessoais,
torna formativa a capacidade analítica na política pública.
É importante acrescentar que, além do desafio de conceituar quem
sistematiza e usa a evidência científica na política pública, há de julgar
sobre o que é ou de onde vem a evidência, a informação que subsidia a produção
da política pública. Como exemplo, Hall
e Jennings Jr. (2010) desenvolveram uma investigação em agências
governamentais estadunidenses com o objetivo de identificar, em geral, em que
medida o uso de informação científica é enfatizado em meio às buscas de
informação por essas agências, a fim de subsidiar decisões políticas e
práticas, além do objetivo de identificar se o uso dessas informações variava
entre agências que tinham direcionamentos específicos de políticas. Os autores
relatam que a partir do que compreendiam sobre o que era a evidência científica
– “compreendida dos achados empíricos de estudos documentados devidamente, que
seguem o método científico e que testa a validade de hipóteses e teorias
específicas” (p. 138, tradução livre) –, concluíram que sobre o termo:
[...] o entendimento é mais fluido na prática da agência e nós
reconhecemos que o que é considerado [evidência] depende da prática aceita, do
contexto do problema e dos padrões de evidência que são sujeitos a mudar
através do tempo. Como resultado, muitas agências têm práticas que têm sido
rotuladas como baseadas em evidências, mas que não atendem a certos padrões; a
qualidade da evidência é esperada a variar substancialmente de agência a
agência (p. 138, tradução livre).
Ainda nesse estudo, além de sondarem sobre o que os atores das
agências governamentais estadunidenses consideravam como evidência, Hall
e Jennings Jr. (2010) levantaram a percepção dos mesmos sobre o quão
importante eles consideravam as fontes de evidência formal, tais como estudos
científicos e pesquisa de avaliação, como fontes de influência nas decisões das
agências governamentais nas quais atuavam quando comparadas a outras fontes de
informação. Evidência científica, bem como os resultados de avaliações formais
de programas, concluíram os autores, é mais uma fonte informação (entre muitas)
usada por agências públicas para o subsídio de decisões. No âmbito das agências
sob investigação descobriram haver a crença de que há outras fontes aceitas,
para além da evidência científica, que compete com o que se pode chamar de
“entendimentos outros aceitos nas agências governamentais”, com diretivas
políticas, com melhores práticas de avaliação de outras agências ou
jurisdições, com avaliação interna, com demandas de cidadãos, com conselhos
consultivos, com relatórios de think tanks, além de uma variedade de avaliações
informais. Adicionalmente, os autores destacam que há também um amplo e diverso
entendimento entre os administradores governamentais sobre o que constitui
evidência na decisão de política.
Por fim, Hall e Jennings propuseram a interpretação de que a
diferença de uso de fontes de informação no âmbito das agências governamentais
pesquisadas poderia estar relacionada ao fato de que há fontes que são mais
confortáveis de usar do que outras, que são facilmente disponíveis e úteis,
sugerindo que a pesquisa formal pode ser complementada com estudos menos
formais. A partir dessa interpretação, é importante destacar que os diferentes
entendimentos sobre o que seja evidência, ou seja, a quais fontes de informação
recorrer, podem ser justificados pelo fato de haver uma variedade de estilos
analíticos de política ou prática de trabalho de política e que em diferentes
governos, em diferentes níveis, bem como em diferentes agências governamentais,
há diferentes estilos de identificar problemas públicos e de desenvolver
estratégias de implementação para lidar com eles. Além disso, essas diferenças
são notáveis quando se compara países desenvolvidos e em desenvolvimento, que é
outro fator relevante (Saguin
et al., 2018).
Neste debate, há ainda a necessidade de informar apropriadamente
como a ampla prática baseada em evidência acontece na agência governamental,
uma vez que, conforme problematiza Montuschi
(2009), a evidência pode ser incerta, pode estar sujeita a diferentes
interpretações, pode ser mal entendida, ou pode ser desafiada por valores
concorrentes. Além disso, o autor argumenta que há contextos em que outras
formas de evidência devem ser mais efetivas em alcançar certas conclusões,
diferentemente do que pregam as defesas probabilísticas. Ao focar na qualidade
da evidência, parece que duas questões cruciais relacionadas são
negligenciadas: A relevância da evidência e sua efetividade.
Teorias probabilísticas de evidência esforçam-se para inserir
graus de certeza em um pedaço de evidência. No entanto, isso é somente metade
da história. Ao elaborar políticas, já sabemos que a evidência para uma
conclusão política deveria tornar a tal conclusão provável; o que precisamos descobrir,
por exemplo, são quais tipos de fatos tornam essa conclusão provável e sob que
circunstâncias, ou o que os tornam relevantes para a conclusão à qual estão
destinados a dar suporte. Além disso, nós também queremos estar aptos a ter
novas evidências, que, embora não conclusivas ou altamente certas a um tempo
particular, podem de fato atestar em favor de uma certa conclusão (Montuschi,
2009, p. 4, tradução livre).
Tendo esta discussão como base, Hall
e Jennings Jr. (2010) descobriram que as fontes de informação consultadas
variam de agência para agência, mais especificamente com o tipo de agência.
Além disso, variam também no número de fontes de informação nas quais colocam
ênfase na busca por evidências: Algumas se concentram em uma ou duas mais
estritamente, enquanto que outras buscam em uma rede mais ampla de fontes
disponíveis.
Apesar de haver algum desenvolvimento de estudos sobre o uso de
evidências nas políticas públicas na experiência internacional, no Brasil há
uma escassez de tais estudos. Como na literatura internacional, as pesquisas
aqui realizadas em torno desse assunto, quando existentes, concentram-se nas
temáticas de saúde e de educação, embora ainda não tenham o mesmo peso como no
debate internacional. Dias,
Barreto e Souza (2014), por exemplo, apontam que, apesar de as evidências
serem consideradas importantes para a formulação de políticas de saúde, a
utilização sistemática do resultado de pesquisas científicas ainda é
incipiente, especialmente pela falta de capacidade de diálogo entre a gestão e
a universidade, ocasionada, segundo os autores, pelas diferenças das
atividades, dos interesses e da inserção dos profissionais nos processos de
formulação, de implementação e de avaliação de políticas públicas.
No que diz respeito especificamente ao processo de formulação de
políticas públicas no âmbito do governo federal, algumas iniciativas criadas ao
longo dos últimos anos valorizam esta preocupação, como, por exemplo, a
Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) do Ministério da
Cidadania[i],
a qual, criada em 2004, subsidia reflexões e avaliações referentes a políticas
e programas sociais. Em relação às publicações sobre essa temática na
literatura nacional, estudos que abordam a utilização de evidências são
escassos e os que existem não discutem diretamente como os agentes da burocracia
mobilizam evidências a fim de construírem alternativas e soluções aos problemas
públicos.
O relatório recente da Escola Nacional de Administração Pública
(Enap,
2018) sobre capacidades estatais para produção de políticas públicas
demonstrou que, apesar da existência de 307 carreiras federais no Poder
Executivo Federal, estas se organizam, no que diz respeito a sua atuação, a
partir de quatro diferentes funções, quais sejam: i) Relacional, a qual envolve
atividades de representação, negociação e coordenação; ii)
analítico/accountability, que abrange atividades relacionadas à
operacionalização de base de dados e sistemas de informação conjugados com
demandas dos órgãos de controle; iii) gerenciamento de recursos, que envolve
tarefas técnicas de mobilização de recursos para lidar com contratos, convênios
e prospecção de recursos; e iv) administrativo, que lida com tarefas
operacionais cotidianas. A partir disso, buscou-se identificar nessa
investigação quais as fontes de evidências usadas pelos servidores que atuam
nessas quatro funções de políticas públicas.
Assim, entende-se que o presente estudo, ao mostrar e
diferenciar quais as fontes de evidências utilizadas pela burocracia do Serviço
Civil do Poder Executivo Federal, contribui para um campo de análise ainda
pouco explorado nacionalmente. Os dados na sequência deste artigo mostrarão em
que medida a Burocracia do Serviço Civil do Poder Executivo Federal, em sua
diversidade, usa diferentes fontes de informação de maneira também heterogênea.
3. METODOLOGIA
A pesquisa possui natureza exploratória e descritiva, no sentido
de identificar quais fontes de evidências são usadas pelos burocratas do
serviço civil da administração federal brasileira, a partir da categorização de
tais sujeitos conforme (1) características demográficas, (2) tipos de função na
política pública, (3) diferentes órgãos da administração federal, (4) tipos de
cargos na administração federal e (5) áreas de política pública.
Os dados são referentes ao survey realizado pela Enap junto ao
serviço civil da administração pública federal direta, que subsidiaram a
pesquisa sobre capacidades estatais para a produção de políticas públicas. A
base de dados tratada somou 2000 respostas válidas de servidores de diferentes
órgãos que atuam em diferentes políticas públicas (Enap,
2018)[ii].
Sobre a nossa variável de interesse, fontes de evidências, a
pergunta escolhida do survey questiona sobre quais recursos informacionais os
servidores usavam para atuar na política pública. A pergunta contemplava 10
tipos de fontes de informação, que podem ser organizadas em cinco
naturezasdiferentes, que são:
Cada assertiva tinha como estrutura de resposta cinco escalas de
tempo, em ordem crescente: Nunca, algumas vezes no ano, algumas vezes no mês,
toda semana e todos os dias.
Para a categoria “características demográficas”, recorreu-se aos
atributos “escolaridade” e “tempo na política pública”. Na categorização
conforme os “tipos de função”, recorreu-se ao agrupamento de atividades por
funções de política pública as quais foram geradas pela Análise Fatorial
Exploratória desenvolvida na pesquisa realizada pela
Enap (2018), que são: (1) Relacional; (2) Analítico/Accountability; (3)
Gerencial; (4) Administrativo.
Para a categorização dos dados conforme “tipos de cargo”,
recorreu-se às configurações do serviço público em nível de Direção de
Assessoramento Superior (DAS-1 ao DAS-6), além dos níveis de Funções
Comissionadas do Poder Executivo (FCPE-1 a FCPE-4). Para essa categoria, não
foram considerados os não ocupantes nesses níveis.
Para a categorização conforme “áreas de política pública”,
considerou-se a organização por áreas do Plano Plurianual (2016-2019), que são:
Política Social, Políticas de Infraestrutura, Políticas de Desenvolvimento
Produtivo e Ambiental, Política Econômica e Gestão Pública e Soberania e
Território.
A análise exploratória foi construída a partir de ferramentas
estatísticas descritivas e multivariadas. Em relação às ferramentas de
estatística descritiva, recorreu-se às medidas de tendência central, como média
e desvio padrão, que tratam da dispersão dos dados relativos às fontes de
evidências utilizadas pelos burocratas do serviço civil na política pública.
Além disso, foram utilizadas medidas de associação, valendo-se da correlação
para observar a intensidade e a direção entre as fontes de evidências utilizadas
e aos atributos da variável “características demográficas”, assim como da
variável “tipo de cargo ocupado”.
Especificamente, os valores dos quatro fatores desenvolvidos
pela análise fatorial no trabalho da Enap
(2018) foram agrupados em classes, conforme seu histograma. Como os
intervalos interquartílicos são considerados valores robustos, no sentido de
que não são muito afetados por valores discrepantes (ou atípicos) para
representar a distribuição dos dados em suas classes (Morettin
& Bussad, 2010), foram usados para construção de níveis intrafunção, no
intuito de perceber as distribuições do uso de fontes de evidências,
considerando como uma subunidade de análise as distribuições intrafuncionais.
Por fim, recorreu-se à Análise de Correspondência Simples (ACS)
para verificar a frequência com que os diferentes burocratas, de acordo com os
órgãos do poder executivo nos quais atuavam, usam as diferentes fontes de
evidências. A ACS possibilita “avaliar a significância da associação entre
variáveis categóricas e entre suas categorias, gerar coordenadas das categorias
e construir, a partir dessas coordenadas, mapas percentuais” (Fávero
& Belfiore, 2015, p. 259).
Para avaliar a significância estatística entre as variáveis
categóricas analisadas nesse estudo, tomou-se como referência a estatística qui
quadrado (X²) para avaliar a aleatoriedade da distribuição das frequências das
categorias de uma variável segundo as categorias da outra. O pressuposto foi
atendido para todas as análises conforme pressupostos de Yelland
(2010), sendo significativo estaticamente ao nível de 1%. As análises foram
efetuadas por meio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão
21.
4. RESULTADOS DA PESQUISA
As discussões dos resultados foram organizadas por categoria
analítica. Primeiramente, analisou-se o uso de evidências tomando como
categoria as características demográficas dos servidores. Em seguida, foram
analisadas conforme o tipo de cargo ocupado pelos respondentes, conforme
funções de políticas públicas que tipicamente praticam, conforme áreas de
políticas públicas nas quais se encontravam e conforme os órgãos da
administração nos quais atuavam.
4.1 O
Uso de Evidências Conforme Características Profissionais e Conforme os Tipos de
Cargos que Ocupam os Respondentes da Pesquisa
As respostas válidas dos 2000 respondentes após o tratamento da
base de dados do survey sobre aspectos que versaram sobre a capacidade do
estado para a produção de políticas públicas em 2017, desconsiderando os dados
ausentes para a questão de interesse analisada neste estudo, afirmaram que, em
média, fontes de natureza normativa, fontes de natureza analítica e fontes de
natureza midiática (com destaque à mídia tradicional), são as mais consultadas,
respectivamente. A Tabela 1 apresenta essas e outras informações sobre as
fontes de evidências utilizadas no trabalho de política pública.
Sendo assim, há, por outro lado, menor recorrência, em média, de
informações geradas por opiniões de especialistas e organismos internacionais,
recomendações e/ou resoluções de conferências e conselhos de políticas
públicas, informações geradas por grupos de interesses, bem como experiências
ou opiniões de beneficiários das políticas públicas.
Este é um resultado que pode estar relacionado a inúmeros
fatores. Algumas evidências apresentadas em outras partes do survey analisadas
pela Enap
(2018) apontaram que a burocracia brasileira permanece ainda muito
autocentrada. Há desafios no que diz respeito às dimensões de capacidade
relacional do serviço civil: Os servidores apontaram maior interação com seus
próprios pares no governo federal, em detrimento dos atores e/ou organizações
que poderiam gerar informações úteis para a atuação dos servidores no processo
de produção de política pública. Além disso, a recorrência mais frequente, em
média, às fontes de natureza normativa pode apontar para os efeitos da
institucionalização dos órgãos de controle junto às inspeções das ações governamentais,
bem como da crescente judicialização das políticas públicas no Brasil (Oliveira
et al., 2015).
Fontes de Evidências
|
Medidas de Tendência
Central |
Medidas de
Associação |
N Válido[iii] |
|||
Média |
Desvio Padrão |
Escolaridade |
Tempo na P. P |
Nível de DAS |
||
Dados estatísticos
ou surveys |
2,32 |
1,209 |
0,252** |
-0,068** |
0,049 |
1664 |
Dados de
monitoramento e avaliação dos resultados das políticas públicas |
2,38 |
1,199 |
0,136** |
-0,089** |
0,057 |
1685 |
Pareceres legais e
decisões judiciais |
2,65 |
1,303 |
0,050* |
-0,070** |
0,045 |
1730 |
Recomendações e
determinações dos órgãos de controle |
2,65 |
1,248 |
-0,029 |
-0,036 |
0,012 |
1730 |
Recomendações de
conferências e conselhos de políticas públicas |
2,10 |
1,108 |
0,123** |
-0,059* |
0,036 |
1631 |
Opinião de
especialistas e organismos internacionais |
2,04 |
1,114 |
0,297** |
-0,046 |
0,019 |
1629 |
Experiências ou
opiniões de beneficiários da política pública |
2,18 |
1,142 |
0,148** |
-0,083** |
0,036 |
1635 |
Informações geradas
por grupos de interesse |
2,12 |
1,108 |
0,205** |
-0,076** |
0,057 |
1633 |
Mídia social ou
redes sociais |
2,39 |
1,410 |
0,057* |
0,025 |
-0,002 |
1661 |
Mídia tradicional |
2,63 |
1,426 |
0,141** |
-0,011 |
0,046 |
1674 |
** A correlação é
significativa no nível de 1%; * A correlação é significativa no nível de 5%. |
Procurou-se entender, ademais, se o uso das diferentes fontes de
evidências estava associado às características profissionais do servidor, a
saber: Nível de instrução do servidor e tempo de trabalho na política pública.
De acordo com o coeficiente de correlação Rô Spearman ( ), somente as
recomendações e determinações produzidas por órgãos de controle não mostrou
associação estatisticamente significativa ( -0,029, p = 0,235) com o nível de
instrução do servidor, indicando associação oposta. Todas as demais fontes de
evidências associaram-se estatisticamente pelo menos ao nível de 5% e no mesmo
sentido. Portanto, o aumento do nível de instrução do servidor pode estar
relacionado à intensidade de uso das diferentes fontes de evidências. Da mesma
forma, quanto menor o grau de escolaridade, menor a perspectiva de o servidor
recorrer a fontes de informações que podem gerar evidências na produção de
política pública. Esse resultado pode apontar o que já é defendido pela
literatura: A formação da capacidade analítica pode ser uma combinação do nível
educacional, treinamento profissional, crenças e motivações (Wellstead
et al., 2011).
Além da instrução, verificou-se se o tempo do servidor na
política pública em relação à frequência de utilização das diferentes fontes de
evidências. Com exceção da mídia social, que não apresentou nível de
significância, todas as demais fontes caminham em sentidos opostos ao tempo do
servidor na política pública. Ou seja, aumentando o tempo na política pública,
há a indicação de menor recorrência do servidor no uso das fontes de
evidências, assim como o inverso também é válido. No entanto, nem todas as
opções mostraram significância estatística. Talvez essa questão esteja
relacionada ao nível de especialização do servidor naquela função, que passa a
recorrer de forma menos intensa às fontes de evidências, ocasionando
desaprendizagem individual e organizacional com o afastamento de fontes de
informação que poderiam gerar aprendizados e subsidiar o processo de trabalho.
Quando a análise é realizada centrando interpretações nos tipos
de cargos, apesar de, em média, servidores que atuam em cargos mais elevados de
direção recorrerem a diferentes fontes de evidência (Tabela
2), as correlações (Tabela
1) não apresentaram nenhum indicativo de associação estatística de forma
significativa, que não permite fazer interpretações associativas
estatisticamente sobre o aumento do nível do cargo ocupado e maior frequência
na utilização de informações como evidências na produção de política pública e
vice-versa[iv].
Fontes de Evidências
|
DAS-1 |
DAS-3 |
DAS-4 |
DAS-5 |
DAS-6 |
FCPE-1 |
FCPE-2 |
FCPE-3 |
FCPE-4 |
Dados estatísticos
ou surveys |
2,18 |
2,53 |
2,65 |
2,87 |
3,33 |
2,42 |
2,68 |
2,40 |
2,78 |
Dados de
monitoramento e avaliação da política pública |
2,40 |
2,48 |
2,80 |
2,93 |
2,88 |
2,61 |
2,77 |
2,59 |
3,00 |
Pareceres legais e
decisões judiciais |
2,58 |
2,73 |
2,96 |
3,10 |
3,25 |
3,00 |
2,92 |
3,02 |
3,09 |
Recomendações e
determinações dos órgãos de controle |
2,67 |
2,76 |
2,75 |
2,93 |
3,00 |
2,35 |
2,86 |
2,89 |
2,78 |
Recomendações de
conferências e conselhos de política pública |
1,98 |
2,19 |
2,45 |
2,48 |
2,25 |
1,96 |
2,21 |
2,28 |
2,41 |
Opinião de
especialistas e organismos internacionais |
1,74 |
2,03 |
2,48 |
2,48 |
3,11 |
1,77 |
2,21 |
2,02 |
2,35 |
Experiências ou
opiniões de beneficiários da política pública |
1,84 |
2,19 |
2,59 |
3,00 |
2,63 |
2,00 |
2,32 |
2,25 |
2,52 |
Informações geradas
por grupos de interesse |
1,71 |
2,09 |
2,58 |
2,74 |
3,00 |
2,13 |
2,03 |
2,12 |
2,52 |
Mídia social ou
redes sociais |
2,34 |
2,54 |
2,98 |
2,96 |
3,89 |
2,26 |
2,38 |
2,14 |
2,74 |
Mídia tradicional |
2,44 |
2,76 |
3,27 |
3,61 |
4,44 |
2,73 |
2,83 |
2,59 |
3,30 |
Legenda: As maiores médias estão em escala de cor cinza em tons mais
escuros e as menores, em tons mais claros.
Mesmo que não haja uma associação significativamente estatística
entre o uso frequente de fontes de evidência e nível de cargo ocupado, as médias
desagregadas por cargo apontam para algumas heterogeneidades. Dirigentes de
alto escalão no nível DAS-6, diferentemente do que em média apresentaram os dados
gerais (Tabela 1), recorrem com maior frequência às fontes de natureza midiática,
principalmente à mídia tradicional, o que pode estar relacionado às atividades
mais voltadas à política que exercem. Em média, a burocracia de médio escalão,
mais especificamente DAS-4 e DAS-5, além da mídia, recorrem mais frequentemente
aos pareceres legais e decisões judiciais e às experiências ou opiniões de
beneficiários da política pública. No entanto, ainda permanece o padrão geral
de frequência do uso de fontes de evidência, qual seja: Normativo, analítico e
midiático.
4.2.
O Uso de Diferentes Fontes de Evidência Conforme Funções de Políticas Públicas
nas Quais Atuam os Respondentes da Pesquisa
Entendendo que atividades analíticas baseadas em evidências
realizadas a partir de diferentes fontes de informação são parte de uma
infinidade de atividades que existem na produção de política pública, é
oportuno identificar em que medida os burocratas do serviço civil usam tais
fontes de informação, do ponto de vista da natureza da função que exercem na
política pública que, conforme já explicado, considerou o agrupamento de
atividades que executam mais frequentemente. A distribuição dos respondentes
nos quatro tipos de função de política pública indica pouca discrepância em sua
dispersão, quando cada um analisado de forma agregada. A “função analítica”
apresenta mediana superior em relação aos demais. A “função relacional” ficou
no intervalo entre -2,46, mínimo, e 2,83, máximo. A “analítica” foi de -2,86 a
2,71, a “gerencial”, de -2,15 a 3,05, e “administrativo”, de -3,46 a 2,68. O
Fator Gerencial apresentou alguns scores acima do Limite inferior, o que pode
indicar que alguns respondentes se distanciam moderadamente dos intervalos
interquartis. Ou seja, podem se situar em scores mais altos das funções
identificadas. Essa questão pode estar relacionada ao grau de instrução,
atividades desenvolvidas e/ou cargo ocupado dentro da política pública.
Apesar de haver pouca dispersão na distribuição dos que exercem
tais funções quando analisadas de forma agregada, os dados apresentados na Tabela
3, filtrando a relação dessa distribuição com a frequência de uso das
diferentes fontes de evidências, não apontam à mesma homogeneidade.
Representados por uma escala em tons de cinza, no fator “relacional”, quadrante
(Q4), as maiores médias de utilização foram para as fontes de informação
oriundas das mídias tradicional e social, seguidas por dados estatísticos ou
surveys, dados de monitoramento e avaliação de políticas públicas e das
informações geradas por grupos de interesse.
No fator “analítico”, no quadrante mais alto, situam-se os
usuários mais recorrentes, em média, do uso das fontes de evidências de
natureza normativa. Será que os servidores classificados nesse quadrante são
aqueles responsáveis por atender as demandas de controle e, por consequência,
recorrem mais a essas fontes de evidências? Da mesma forma, os que exercem
atividades que formam o fator “gerencial” também recorrem a fontes de evidências
de natureza normativa, além de fontes de natureza analítica, especialmente a
dados de monitoramento e avaliação de políticas públicas, padrão que se repete
na função “administrativo” para os quadrantes mais elevados.
As fontes de evidências menos utilizadas, quando observados
todos os quadrantes (médias em tonalidades mais claras na cor cinza), são
aquelas vindas das conferências e conselhos de políticas públicas, das opiniões
de especialistas e organismos internacionais, dos beneficiários das políticas
públicas, bem como daquelas geradas por grupos de interesse. Especificamente,
essas fontes de evidências são aquelas menos utilizadas por aqueles servidores
nos quadrantes mais baixos das funções de políticas públicas. Talvez essas
questões estejam relacionadas à posição na qual o servidor se encontra na
estrutura hierárquica, ou pode também ter conexão com o tipo de trabalho
realizado.
Fontes de Evidências
|
Relacional |
Analítico |
Gerencial |
Administrativo |
||||||||||||
Q1 |
Q2 |
Q3 |
Q4 |
Q1 |
Q2 |
Q3 |
Q4 |
Q1 |
Q2 |
Q3 |
Q4 |
Q1 |
Q2 |
Q3 |
Q4 |
|
Dados estatísticos
ou surveys |
1,64 |
2,13 |
2,49 |
2,93 |
1,86 |
2,36 |
2,43 |
2,57 |
2,53 |
2,03 |
2,15 |
2,49 |
2,24 |
2,40 |
2,34 |
2,24 |
Dados de
monitoramento e avaliação da política pública |
1,84 |
2,21 |
2,51 |
2,89 |
1,77 |
2,28 |
2,59 |
2,82 |
2,37 |
2,02 |
2,26 |
2,79 |
2,28 |
2,42 |
2,41 |
2,36 |
Pareceres legais e
decisões judiciais |
2,31 |
2,56 |
2,65 |
2,82 |
1,90 |
2,40 |
2,75 |
3,28 |
2,72 |
2,39 |
2,40 |
2,83 |
2,49 |
2,40 |
2,68 |
2,79 |
Recomendações e
determinações dos órgãos de controle |
2,45 |
2,69 |
2,58 |
2,61 |
1,89 |
2,45 |
2,70 |
3,29 |
2,58 |
2,39 |
2,42 |
2,95 |
2,40 |
2,47 |
2,56 |
2,91 |
Recomendações de
conferências e conselhos de políticas públicas |
1,62 |
1,91 |
2,12 |
2,64 |
1,74 |
2,06 |
2,19 |
2,34 |
2,09 |
1,83 |
1,98 |
2,42 |
1,93 |
2,12 |
2,12 |
2,17 |
Opinião de
especialistas e organismos internacionais |
1,35 |
1,81 |
2,18 |
2,75 |
1,90 |
2,12 |
2,06 |
2,06 |
2,05 |
1,81 |
2,01 |
2,24 |
1,89 |
2,11 |
2,13 |
2,00 |
Experiências ou
opiniões de beneficiários da política pública |
1,54 |
1,99 |
2,26 |
2,88 |
1,88 |
2,13 |
2,30 |
2,39 |
2,21 |
1,84 |
2,08 |
2,54 |
1,95 |
2,22 |
2,27 |
2,26 |
Informações geradas
por grupos de interesse |
1,46 |
1,87 |
2,20 |
2,89 |
1,92 |
2,18 |
2,13 |
2,21 |
2,15 |
1,83 |
2,10 |
2,34 |
1,91 |
2,18 |
2,26 |
2,10 |
Mídia social ou
redes sociais |
1,79 |
2,15 |
2,48 |
2,96 |
2,15 |
2,46 |
2,40 |
2,40 |
2,39 |
2,07 |
2,34 |
2,57 |
2,12 |
2,32 |
2,45 |
2,49 |
Mídia tradicional |
1,92 |
2,38 |
2,77 |
3,33 |
2,42 |
2,70 |
2,61 |
2,71 |
2,75 |
2,34 |
2,56 |
2,76 |
2,42 |
2,71 |
2,67 |
2,62 |
Legenda: As maiores médias estão em escala de cor cinza em tons mais
escuros e as menores, em tons mais claros.
4.3.
O Uso de Diferentes Fontes de Evidências Conforme as Áreas de Política Pública
nas Quais Atuam os Respondentes da Pesquisa
Sem perceber nenhuma novidade na distribuição das médias quando
analisadas por áreas de política pública, algumas considerações podem ser
realizadas. Os servidores das áreas de política social, de infraestrutura e
política econômica e gestão pública mais frequentemente usam como fonte de
evidência as informações de natureza normativa e menos recomendações de
conferências e conselhos de políticas públicas, de opinião de especialistas e
organismos internacionais, de experiência ou opinião de beneficiários e de
grupos de interesse.
Fontes de Evidência |
Política Social |
Políticas de
Infraestrutura |
Desenvolvimento
Produtivo e Ambiental |
Política Econômica e
Gestão Pública |
Soberania e
Território |
Dados estatísticos
ou surveys |
2,43 |
2,30 |
2,45 |
2,57 |
2,35 |
Dados de
monitoramento e avaliação da política pública |
2,53 |
2,59 |
2,35 |
2,51 |
2,20 |
Pareceres legais e
decisões judiciais |
2,75 |
2,80 |
2,37 |
3,15 |
2,63 |
Recomendações e
determinações dos órgãos de controle |
2,72 |
2,84 |
2,44 |
3,15 |
2,52 |
Recomendações de
conferências e conselhos de política pública |
2,22 |
2,33 |
2,08 |
2,24 |
2,01 |
Opinião de
especialistas e organismos internacionais |
2,06 |
2,09 |
2,22 |
2,01 |
2,42 |
Experiências ou
opiniões de beneficiários da política pública |
2,26 |
2,21 |
2,29 |
2,27 |
2,22 |
Informações geradas
por grupos de interesse |
2,08 |
2,25 |
2,43 |
2,13 |
2,33 |
Mídia social ou
redes sociais |
2,47 |
2,44 |
2,42 |
2,38 |
2,52 |
Mídia tradicional |
2,58 |
2,89 |
2,71 |
2,68 |
2,92 |
N |
554 |
153 |
401 |
145 |
149 |
Legenda: As maiores médias estão em escala de cor cinza em tons mais
escuros e as menores, em tons mais claros.
No âmbito da política social e da política de infraestrutura,
mais especificamente problematizando esta última área de política,
Gomide e Pereira (2018) levantaram debate que pretendeu examinar os
condicionantes institucionais (políticos e administrativos) do investimento em
infraestrutura no Brasil. Nesse debate, ao apresentarem discussões na
literatura sobre processos decisórios no setor, especificamente no que alcança
questões de planejamento e seleção de projetos, apontaram que etapas críticas
nesse contexto seriam ações relacionadas à (i) elaboração de estudos formais de
viabilidade que irão embasar a decisão final sobre o início das obras, (ii) a
comparação de possíveis projetos antes da escolha de um empreendimento
específico, (iii) o mapeamento de riscos ambientais e sociais, (iv) o
reconhecimento de stakeholders: “Essas ações são extremamente importantes para
evitar a ocorrência de eventos inesperados na fase de implementação e para
garantir que o escolhido seja a melhor opção para atender aos objetivos
governamentais” (op. cit., p. 20).
Além disso, ajudando a entender no processo de
institucionalização da participação no processo de políticas públicas, mesmo
havendo uma disseminação de integração socioestatal pela administração pública,
há uma mobilização das instituições participativas que ocorre de maneira
heterogênea. Gomide
e Pereira (2018) destacam que enquanto o setor de promoção e proteção
social recorre predominantemente como fonte de informação aos conselhos de
política pública, a área de infraestrutura recorre a audiências públicas para
levantar informações junto à sociedade civil. Além disso, as fontes de natureza
adviser têm suas diferenças de importância: Conselhos gestores são permanentes
em todo o processo de política pública enquanto que as audiências são
temporariamente pontuais, de natureza meramente informativa e de ratificação
das decisões do governo.
No entanto, os dados da Tabela 4 mostram que, comparado às
outras fontes, as que são de natureza adviser e beneficiária são as menos
recorridas. Concorda-se com Gomide
e Pereira (2018) no sentido de que uma das explicações da crescente
judicialização dessas políticas está na pouca transparência e baixa abertura
participativa em seus processos de decisão, além da ausência de canais de
participação entre a burocracia e os afetados pelas políticas que implementam,
implicando que múltiplas racionalidades deveriam ser consideradas no processo, não
apenas a técnica, condição, aliás, que pode fazer parte da explicação para as
outras áreas de políticas.
4.4.
O Uso de Diferentes Fontes de Evidência Conforme os Órgãos da Administração
Federal nos Quais Atuam os Respondentes da Pesquisa
Por fim, neste nível de análise, é importante destacar algumas
especificidades que os dados muito agregados não permitem observar. Os agrupamentos
dos diferentes órgãos, por meio da técnica de análise de correspondência, em
torno das frequências de uso das diferentes fontes de evidência, mostram as
suas próprias heterogeneidades.
Fonte:
Dados da Pesquisa, 2019.
A Figura 2, assim como as Figuras 3 e 4, organiza os órgãos nos
quais atuam os respondentes da pesquisa por proximidade de frequência de uso
das fontes de natureza analítica e normativa. O tracejo em verde agrupa os
órgãos que recorrem “algumas vezes no mês”, “toda semana” e “todos os dias”,
enquanto que o tracejo em vermelho agrupa os órgãos que se aproximam das
frequências “nunca” e “algumas vezes no ano”. É evidente que, dentro da mesma
natureza de fonte de evidência, há diferentes configurações de agrupamentos.
Na natureza analítica, entre os que mais frequentemente recorrem
aos dados estatísticos e surveys, estão os servidores do Ministério do Turismo,
do Ministério da Educação, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério
da Defesa e do Ministério do Desenvolvimento Social. Entre os que usam mais
recorrentemente dados de monitoramento e avaliação estão agrupados os
servidores do Ministério da Integração e do Ministério da Transparência (toda
semana/algumas vezes no mês), e o Ministério das Cidades, Ministério da
Educação e Ministério do Desenvolvimento Social (toda semana).
Conforme era esperado, a maioria dos órgãos recorre
frequentemente às fontes de natureza normativa. Recorrência às demandas de
órgãos de controle são maiores quando comparadas às recorrências de pareceres
legais e decisões judiciais. Nesse caso, os destaques estão para os que quase
nunca recorrem a pareceres legais e decisões judiciais, quais sejam o
Ministério da Defesa e o Ministério da Saúde, entre outros, e a recomendações
de órgãos de controle, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da
Indústria, Ministério da Ciência e Secretaria de Governo da Presidência pouco
recorrem a essas fontes de evidência. A surpresa nesse resultado está no fato
de a política de saúde ser uma área reconhecidamente judicializada no Brasil.
Então, por que servidores do Ministério da Saúde tendem a nunca recorrer a
pareceres legais e decisões judiciais? Possivelmente há duas respostas, que
precisam ser testadas por outras pesquisas, para tal resultado: Judicialização
da política de saúde pode não estar relacionada, necessariamente, ao uso
frequente de decisões judiciais (ao menos em nível federal); outra possível resposta
que pode estar relacionada a esse resultado não esperado diz respeito à
possibilidade de os respondentes da pasta ao survey não desempenharem
atividades que estejam relacionadas ao uso desse tipo de fonte de informação.
Um estudo de caso mais aprofundado poderia verificar a validade das respostas
propostas.
Na Figura
2, que demonstra a frequência de uso de fontes, em geral, que são menos
recorridas (adviser e beneficiária), há servidores dos órgãos da administração
federal que frequentemente usam como fonte de evidência na política pública
recomendações e/ou resoluções de conferências e conselhos, que são: Ministério
de Minas e Energia, Ministério da Justiça, Ministério dos Transportes,
Ministério do Desenvolvimento Social, Ministério da Educação e Ministério dos
Direitos Humanos.
Em relação à recorrência às opiniões de especialistas e
organismos internacionais, conforme natureza da atuação do próprio órgão, o
Ministério das Relações Exteriores é o que se aproxima do uso diário. Além
dele, outros órgãos que pela natureza de suas atividades ou necessidade de
maior articulação têm um desenvolvimento relacional mais internacionalizado,
que são: Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Indústria e Comércio
Exterior, Casa Civil da Presidência da República e Ministério do Meio Ambiente.
Este resultado pode apontar para a baixa internacionalização do Poder
Executivo.
Fonte:
Dados da Pesquisa, 2019.
Ainda na Figura
3, a recorrência às experiências ou opiniões de beneficiários dividiu o
quantitativo de órgãos da administração federal direta pesquisado. A maioria
dos servidores das pastas finalísticas frequentemente usa essa fonte de
evidência. É importante que se problematize o que os servidores de cada órgão
consideram como sendo o beneficiário. Provavelmente, os respondentes do
Gabinete de Segurança Institucional têm um beneficiário diferente do
beneficiário que consideram ser os respondentes do Ministério da Indústria e
Comércio Exterior, que também se diferenciam do beneficiário que consideram os
servidores do Ministério do Meio Ambiente. Essa diferenciação aponta para a
probabilidade de haver diferentes dificuldades a recorrer, com muita frequência,
a esse tipo de fonte de informação como evidência.
Quanto à recorrência de fontes de evidências que vêm de
informações de natureza midiática (Figura
4), mesmo que as análises anteriores tenham mostrado uma recorrência
frequente pelos servidores civis, em geral, essa recorrência é pontual.
Ministério da Educação, Ministério das Relações Exteriores, Ministério do
Turismo, Ministério da Saúde, Ministério da Defesa e Ministério da Cultura mais
frequentemente recorrem à mídia social ou redes sociais. Quanto à recorrência à
mídia tradicional, uma parcela significativa quase não usa a mídia tradicional
como fonte de informação. Há um destaque para o Ministério das Relações
Exteriores e Ministério de Minas e Energia, que se aproximaram da recorrência
diária a essa fonte.
Fonte:
Dados da Pesquisa, 2019.
Neste rol de análises por órgão, um que chama atenção pela sua
baixa recorrência a quase todas as fontes de evidências aqui investigadas é o
Ministério da Saúde, que, do ponto de vista histórico, é um dos órgãos que se
responsabiliza por uma das políticas sociais mais institucionalizadas desde a
redemocratização, do ponto de vista dos arranjos, da capilarização de sua
estrutura administrativa e diversificação de pontos decisórios com a sociedade
civil, academia e grupos interessados (Machado
& Baptista, 2012; Viana
& Silva, 2012).
Estudos recentes, ao discutirem sobre a consolidação da Rede
para Políticas Informadas por Evidências no Brasil, uma iniciativa da
Organização Mundial da Saúde, com o objetivo de incentivar o uso de evidências
científicas na formulação e implementação de políticas, programas e serviços de
saúde, na promoção de intercâmbios entre gestores, pesquisadores e sociedade
civil, apontam que, apesar das atividades e institucionalização da rede, o uso
sistemático de evidências no Ministério da Saúde segue distante (Souza
et al., 2013; Wichmann,
Carlan, & Barreto, 2016).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta investigação objetivou identificar quais fontes de
evidências os burocratas do serviço civil da administração pública federal
direta brasileira recorrem para a produção de políticas públicas. A partir do
diálogo com um crescente número de estudos que tendem a enfatizar a importância
do desenho de políticas públicas baseado em evidências, o texto buscou mostrar
a heterogeneidade desta utilização no interior da burocracia federal no
contexto brasileiro.
Conforme levantado, na literatura internacional há um número
crescente de estudos que têm debatido a importância do uso de evidências no
processo de políticas públicas (Colebatch
et al., 2010; Saguin
et al., 2018). Em geral, essas pesquisas têm chamado atenção para a figura
do policy analysts, os quais, em alguns países, assumem o papel de consultores,
responsáveis pela clarificação dos problemas e pelo levantamento das possíveis
alternativas para a resolução destes.
No Brasil, no âmbito do Poder Executivo Federal, não há
carreiras que tenham essa característica como a principal atuação, dada a
diversidade de atuação destas (Enap,
2018). Além disso, no que diz respeito à literatura nacional, ainda são
poucos os estudos no Brasil que focam diretamente como os agentes estatais usam
evidências no processo de produção das políticas públicas. Esses trabalhos,
quando existentes, refletem sobre áreas específicas, notadamente as de Saúde e
de Educação. Por essa razão, afirmou-se que os achados deste artigo contribuem
para a consolidação de um campo de reflexão ainda em construção no país.
Os resultados do estudo mostraram, de modo geral, uma baixa
frequência de uso das fontes de evidências pelos burocratas do serviço civil da
administração pública federal direta na produção de políticas públicas. Quando
utilizadas, as mais frequentes são aquelas de fontes de natureza normativa,
analítica e midiática. Por sua vez, as advisers, juntamente com as fontes de
natureza beneficiária, foram as menos utilizadas pelo serviço civil.
Observou-se que a utilização das informações está associada
estatisticamente com grau de instrução do servidor e com o tempo de atuação na
política pública. Essa associação indicou, entretanto, que um maior tempo de
atuação no serviço público está associado a um menor uso de fontes de
evidências na política pública, situação que merece mais aprofundamento
analítico para averiguar se, de fato, guardaria relação com a especialização do
servidor ou a um autocentrismo da burocracia, a qual se vale de suas próprias
fontes de evidências sem abertura para outras fontes externas, como organismos
internacionais, academia, beneficiários das políticas públicas, entre outros.
Considerando todas as unidades analíticas que aqui foram
trabalhadas para identificar as fontes de variação do uso de diferentes fontes
de evidências na política pública, em geral os resultados apontam para o que Hall
e Jennings Jr. (2010) já destacaram: Fontes de evidências científicas e
resultados de avaliações formais de políticas são fontes que subsidiam a tomada
de decisão. No Brasil, além disso, o tipo e o nível de recorrência às fontes
também vêm de outras que não são convencionalmente reconhecidas como as que são
produzidas no âmbito acadêmico. Conforme foi achado, a heterogeneidade do uso
de diferentes fontes de informação para atuar na política pública pode estar
relacionada ao nível de instrução dos burocratas, da posição que esses atores
tomam na hierarquia burocrática, da área de política pública na qual se
encontram, do tipo de função que exercem e do órgão no qual estão inseridos,
que também pode estar relacionado a uma percepção do que eles entendem por ser
evidência e de onde ela deveria partir (Montuschi,
2009; Saguin
et al., 2018; Veselý,
2017; Wellstead
et al., 2009).
Pode-se considerar a partir da natureza das dificuldades do
próprio instrumento survey, que possui limitações relacionadas à compreensão
dos enunciados das questões, do tipo de escala adotado, do fornecimento ou não
das respostas, das percepções dos respondentes, entre outras, as próprias
limitações deste estudo. Além disso, esta investigação é restrita ao serviço
civil federal da administração direta, o que não permite a sua generalização
para todo o universo do serviço civil dos demais poderes e níveis de governo da
federação.
No entanto, é importante ressaltar que o estudo, de natureza
exploratória, levanta questões relevantes sobre quais tipos de evidências a
burocracia federal usa no processo de produção de políticas públicas,
mostrando-se inovador, uma vez que não há publicações no Brasil que abordem
essas diferenças, principalmente a partir de diversos cruzamentos – áreas de
políticas públicas, órgãos, cargos em comissão ocupados (Enap,
2018).
Por fim, ao trazer esses dados, compreende-se que os achados
contribuem para a abertura a uma agenda de pesquisa ao começar a preencher uma
lacuna na literatura nacional, sobretudo a que se refere ao papel desempenhado
pela burocracia federal e os tipos de informações usadas no processo de
produção de políticas públicas.
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Notas
[i] A SAGI, criada em 2004
durante a gestão petista dentro do antigo Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS), permanece ativa dentro do novo Ministério (Ministério da Cidadania), a
partir da nova estrutura ministerial do novo governo. Para saber mais, ver o
decreto N. 9674, de 02 de janeiro de 2019, que aprova a nova estrutura
regimental do então criado Ministério da Cidadania.
[ii] É importante informar
que esta pesquisa esteve na limitação de apresentar os resultados conforme a
organização do Poder Executivo à época da aplicação do surveys e da análise
produzida para o relatório desenvolvido pela Escola Nacional de Administração
Pública (Enap, 2018).
[iii] Observação: “n” válido
é o número de respostas completas, desconsiderando os dados ausentes de um
total de 2000 respondentes da pesquisa objeto deste estudo.
[iv] É importante destacar
que, para todas as associações realizadas, a intensidade do valor das correlações
foi baixo, inferior a 0,30, que pode ser considerado fraco (Figueiredo Filho &
Silva Júnior, 2010).
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