Artigos
Dimensões estatal,
gerencial e individual da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer
de Mama[i]
State, managerial
and individual dimensions of the National Breast Cancer Prevention and Control
Policy: An evaluation model
Dimensiones estatal,
gerencial e individual de la Política Nacional de Prevención y Control del
Cáncer (de Mama): un modelo evaluativo
Daiane Medeiros Roque daianemroque@gmail.com
Universidade Federal
de Viçosa, Brasil
Afonso Augusto Teixeira de Freitas de Carvalho Lima afonsoli@ufv.br
Universidade Federal
de Viçosa, Brasil
Marco Aurélio Marques Ferreira Marcoufv1@gmail.com
Universidade Federal
de Viçosa, Brasil
Dimensões estatal, gerencial e individual da Política Nacional
de Prevenção e Controle do Câncer de Mama[i]
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 4, 2019
Universidade Federal de Viçosa
Recepção: 31 Janeiro 2019
Aprovação: 14 Agosto 2019
Publicado:
01
Outubro 2019
Resumo:
O objetivo deste estudo foi evidenciar
a existência de três dimensões teóricas condicionantes do desempenho na
Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC), a saber: A
dimensão estatal, em seu aparato legal e estrutural; a dimensão gerencial, por
meio da capacidade gerencial municipal; e a dimensão individual, pelo
envolvimento da sociedade com comportamentos difundidos pela política.
Adicionalmente, objetivou-se desenvolver uma proposta de modelo para avaliar a
PNPCC. Para cumprir os objetivos propostos, foram adotados procedimentos
metodológicos quantitativos como a Regressão Linear Múltipla e a Análise
Fatorial. Os resultados confirmam a influência dessas três dimensões no
resultado da política mencionada. Foi constatado também que o melhor desempenho
da a Política não está relacionado com melhores níveis de desenvolvimento
econômico e social do município, mas, possivelmente, com a capacidade de
gerenciar as políticas públicas de saúde.
Palavras-chave:
Administração
Pública, Políticas Públicas, Saúde Pública, Câncer de Mama, Modelo de avaliação
de Desempenho.
Abstract: This study aims to confirm the presence of three theoretical
dimensions influencing the performance of the National Policy on Cancer
Prevention and Control (PNPCC), as following: The state dimension, in its legal
and structural apparatus; the managerial dimension, through the municipal
managerial capacity; and the individual dimension, by the involvement and
engagement of society members with the behaviors disseminated by the policy. In
addition, I proposed to develop a model to evaluate the PNPCC. In order to
fulfill this purpose, quantitative methodological procedures such as Multiple
Linear Regression and Factor Analysis were adopted. The results confirm the influence
of these three dimensions on PNPCC’s performance. It was also possible to
highlight some findings like the best performance of the Policy is not related
to better levels of economic and social development in the municipal level, but
possibly due to the managerial capacity of public health policies.
Keywords: Public
Administration, Public Policies, Public Health, Breast Cancer, Performance
Evaluation Model.
Resumen: El objetivo de este estudio fue evidenciar la existencia de tres
dimensiones teóricas condicionantes del desempeño en la Política Nacional de
Prevención y Control del Cáncer (PNPCC), a saber: La dimensión estatal, en su
aparato legal y estructural; la dimensión gerencial, por medio de la capacidad
gerencial municipal; y la dimensión individual, por la implicación de la
sociedad con comportamientos difundidos por la política. Además, se tiene como
propuesta desarrollar un modelo para evaluar la PNPCC. Para cumplir los
objetivos propuestos, se adoptaron procedimientos metodológicos cuantitativos
como la Regresión Lineal y el Análisis Factorial. Los resultados confirman la
influencia de estas tres dimensiones en el resultado de la PNPCC. También se
encontró que el mejor desempeño de la Política no está relacionado con mejores
niveles de desarrollo económico y social del municipio, pero posiblemente por
la capacidad gerencial de las políticas públicas de salud.
Palabras clave: Administración
Pública, Políticas Públicas, Salud Pública, Cáncer de Mama, Modelo de
evaluación de rendimiento.
1. INTRODUÇÃO
O câncer de mama é uma doença grave que atinge milhares de
mulheres anualmente. Para 2018, o Instituto Nacional do Câncer José Alencar
(INCA) previu a ocorrência de quase de 60 mil novos casos (INCA,
2017). Esse é o carcinoma que mais provoca a morte de mulheres no Brasil e
no mundo (American
Cancer Society, 2014), o que gera consideráveis consequências sociais, com
impactos sobre toda a estrutura familiar, e consequências econômicas, ao afetar
os sistemas públicos de saúde e de previdência e o mercado de trabalho, em
termos mão de obra, além do orçamento familiar.
Sabe-se que a melhor forma de reduzir a mortalidade é por meio
do diagnóstico precoce. A sobrevida de pacientes com o nódulo descoberto no
estágio I, inicial, é cerca de 93%, já para o nódulo descoberto em estágio IV,
a taxa de sobrevivência cai para aproximadamente 27% (Schneider,
2008). Apesar da grande ocorrência e das consequências acarretadas, as
mulheres ainda se deparam com dificuldades para realizar o diagnóstico precoce
(Dolina,
Bellato, & Araújo, 2014), o que leva a maioria dos casos de câncer de
mama a serem diagnosticados nos estágios III e IV (Schneider,
2008).
No intuito de reduzir as consequências sociais e econômicas
proporcionadas pelo câncer, bem como ampliar o acesso pelo sistema público ao
diagnóstico precoce e tratamento, foi instituída a Política Nacional de
Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) no ano de 2013, posteriormente
atualizada pela Portaria 2 de setembro de 2017 (Portaria
nº 2/2017).
A Política fundamenta-se em quatro princípios, sendo eles: 1)
Estabelecimento de ações de prevenção do câncer; 2) detecção precoce para
aumentar a probabilidade de cura; 3) consolidação e expansão dos serviços de
assistência oncológica; e 4) promoção do desenvolvimento de recursos humanos,
de pesquisas e outras ações indispensáveis a prevenção e controle do câncer (INCA,
2002). O que se percebe é que, para que esta política tenha sucesso em sua
implementação, deve estar amparada por três dimensões: Fornecimento de recursos
e infraestrutura pelo Estado, gestão descentralizada eficiente para execução
das diretrizes estabelecidas e engajamento do público-alvo, realizando os
comportamentos recomendados pela política.
Ao Estado cabe a oferta da plena capacidade estatal para
resolver o problema do câncer (dimensão estatal), sendo ele o principal
provedor da infraestrutura necessária para possibilitar a implementação da
política, o que inclui desde a disseminação de informações sobre a doença, como
a oferta de recursos materiais e pessoais, para o acesso da população aos
serviços de diagnóstico, de consultas especializadas, e de tratamento, quando
necessário (Portaria
nº 2/2017).
A gestão e a implantação das práticas da política no âmbito
local ficam sob responsabilidade dos municípios (dimensão gerencial), visto ser
o locus onde os beneficiários efetivamente acessam os serviços de saúde. Desse
modo, os municípios têm papel importante na gestão das políticas de saúde.
Assim, cabe aos municípios funções como gerir as equipes e os
estabelecimentos da Estratégia Saúde da Família (ESF), realizar pactuações
regionais para oferecer maior diversidade de serviços de saúde à sua população,
manter atualizadas os registros e as bases de dados referentes aos
procedimentos de saúde, promover a qualidade de vida e de saúde à população,
entre outras (Portaria
nº 2/2017). Especificamente para a PNPCC, uma função importante dos
municípios se refere à pactuação regional, por meio da formação e vinculação a
consórcios intermunicipais de saúde, os quais podem ajudá-los a gerir e prover
conjuntamente serviços especializados de saúde (Teixeira,
Mac Dowell, & Bugarin, 2003).
Contudo, não basta que o Estado forneça todo o suporte e
infraestrutura adequada e que haja gestão adequada da política por parte dos municípios
se a população-alvo não aderir ao comportamento incentivado. O que significa
realizar as medidas de prevenção, estar atento à saúde das mamas para
identificar qualquer sintoma sugestivo da doença, realizar a mamografia
periodicamente e o tratamento, caso identificado o câncer (Lourenço,
Mauad, & Vieira, 2013; Gonçalves,
Travassos, Almeida, Guimarães, & Gois, 2014; Ramachandran
et al., 2015). A adoção desses comportamentos, denominado Dimensão
Individual, torna a população-alvo parte crucial do funcionamento efetivo da
política.
Os autores consideram a existência e a influência destas três
dimensões no desempenho na PNPCC, a saber: 1) A dimensão estatal, em seu
aparato legal e estrutural, 2) a dimensão gerencial, por meio da capacidade
gerencial municipal para a execução de políticas públicas de saúde e pelas
condições socioeconômicas que limitam ou expandem essa capacidade, e 3) a
dimensão individual, pelo envolvimento e engajamento da sociedade com os
comportamentos difundidos pela política.
A análise de uma política pública, condicionada pela influência
das dimensões estatal, gerencial e individual, não foi identificada em outros
estudos, embora a literatura apresente trabalhos realizados à luz da abordagem
multidimensional a exemplo de Heimann
et. al. (2011), Menezes
et. al. (2011), Serapioni
et. al. (2011) e Viana
et. al. (2017).
Neste sentido, este trabalho teve como objetivo confirmar a
existência e a influência dessas três dimensões no desempenho na PNPCC, bem
como desenvolver um modelo para avaliação de desempenho da política.
A partir deste estudo pretende-se ampliar o entendimento teórico
e empírico sobre o desempenho na Política Nacional de Prevenção e Controle do
Câncer, com foco no câncer de mama. Espera-se, com o desenvolvimento do modelo
de avaliação de desempenho, identificar os principais condicionantes que afetam
a PNPCC, relacionando-os ao papel do Estado, da gestão e dos indivíduos.
ALOCAÇÃO DE RECURSOS E DESEMPENHO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
SAÚDE
A partir de 1990, com a instituição do Sistema Único de Saúde
(SUS), muda-se o modelo organizacional do sistema de saúde brasileiro, o qual
deixa de ter um caráter “estadualista”, com decisões e ações centralizadas,
propostas pelo Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), passando à
“municipalização” (Ugá
et al., 2003). Nesse novo desenho, os municípios assumem função ativa na
prestação de serviços de saúde à população, com o apoio técnico e financeiro da
União e do Estado (Ugá
et al., 2003), sendo as atribuições e competências de cada esfera de
governo definidas pela Lei nº 8.080/1990.
Com a descentralização das ações e serviços para os municípios,
os recursos financeiros passaram a ser transferidos do Ministério da Saúde para
os fundos municipais de saúde, tornando a gestão desses recursos e o
cumprimento das metas dos programas nacionais uma responsabilidade da
administração municipal, com a função de controle social pelos conselhos de
saúde (Santos,
Francisco, & Gonçalves, 2016).
A alocação dos recursos públicos para a saúde tem a finalidade
de oferecer bens e serviços necessários à população como um todo, devido à
universalidade, embora, na prática, afete as populações mais vulneráveis, em
especial, por não participarem do sistema privado (Silva
et al., 2012). Por essa razão, têm ganhado notoriedade estudos que se
propõem a avaliar a eficiência da alocação e da distribuição dos recursos
públicos. Isso faz parte de uma nova dinâmica de gestão pública comprometida
não apenas com a quantidade e qualidade dos serviços públicos, mas, sobretudo,
com o aparelhamento do estado visando possibilitar à população o acesso às
informações sobre os serviços públicos (Silva
et al., 2012).
Como destacado por
Santos, Francisco e Gonçalves (2016), existe a preocupação por parte de
pesquisadores da área de gestão pública, bem como da saúde e de chefes de
governo, de verificar a qualidade e a eficiência da prestação dos serviços de
saúde no setor público, já que essas avaliações permitem o melhor controle das
políticas públicas de saúde. Os autores afirmam que o controle é de extrema
relevância para assegurar que as atividades planejadas sejam desempenhadas e
contribuam para atingir as necessidades identificadas pelos cidadãos.
Neste sentido, e considerando a existência limitada de recursos,
de um lado, e de outro milhões de brasileiros com acesso precário aos serviços
básicos de saúde, é oportuno mensurar o desempenho da aplicação de recursos em
políticas e ações de governo (Santos,
Francisco & Gonçalves, 2016).
Bennefoy
e Armijo (2005) esclarecem que a avaliação de desempenho realizadas por
entidades públicas tem vários objetivos. Trata-se de uma mistura entre o apoio
à tomada de decisão sobre as estratégias para alcançar melhores resultados e o
gerenciamento dos processos de forma mais eficiente e eficaz. Além disso, serve
de apoio para a prestação de contas aos usuários e diferentes públicos
interessados, além de servir para fins de planejamento orçamentário.
Costa
e Castanhar (2003) ressaltam que em avaliações de desempenho faz-se
necessário definir padrões de referência para julgar a performance em análise.
Para esses autores, tais padrões de desempenho devem basear-se em indicadores,
que podem considerar uma trajetória comparativa no tempo (efeitos ou impacto)
ou desempenho relativo em uma unidade do tempo. Alinhado com esta última
perspectiva, foi desenvolvido este estudo, tomando como referência dois estados
brasileiros, investigados à luz de um modelo original com indicadores e com
capacidade de comparação e reprodução, tomando como referência o ano de 2015.
Na literatura de saúde pública e coletiva, nosso objeto de
investigação, existem diferentes modelos e abordagens para a avaliação do
desempenho relativo das unidades federativas. Dentre os principais trabalhos
destacam-se os estudos de Serapioni
et al. (2011), Menezes
et al. (2011), Heimann
et al. (2011),
Molina et al. (2016) e d'Ávila et al. (2017), cujo aspecto investigativo
mais interessante foi a opção pelo uso de um modelo multidimensional de
análise. Esses modelos são, no geral, estruturas complementares ou
independentes, a exemplo das dimensões “Profissional-Gerente-Usuário”,
“Federal-Estadual-Municipal” ou “Estrutura-Processo-Resultado”. Há também uma
série de outras dimensões, a exemplo das condições percepto-sensoriais, dos
aspectos ético-político, dos elementos sócio-históricos, dos aspectos
psicoemocionais, dos condicionantes político-institucionais, das habilidades
funcionais, das capacidades institucionais e da estrutura de atendimento.
Todavia, a abordagem apresentada neste estudo é inovadora no
sentido de caracterizar estruturas de responsabilidade no desempenho do
programa, que, de modo sintético, abordam a maioria dos elementos citados, mas
sob uma nova perspectiva, ou seja, a de determinação dos condicionantes do
desempenho relativo. Entende-se por desempenho relativo, conforme
Ferreira (2005), a comparação entre os pares, em um mesmo momento do tempo,
considerando condições homogêneas dessas unidades.
Para tanto, uma série de variáveis subsidiadas pela literatura
foram utilizadas para mensurar os constructos em análise. A Figura
1 apresenta essas variáveis que descrevem as dimensões estatal, individual
e gerencial.
Dimensão |
Variável |
Código |
Fonte |
Exp. teórica |
Fonte teórica |
Dimensão Estatal |
Número de médicos
para cada mil habitantes |
méd/hab |
DataSus/autor |
+ |
George
(2000); Yu & Wu (2005); Warren
et al. (2006); Lamyian et al. (2007); Hanson
et al. (2009); Yankaskas
et al. (2010); Schoenberg
et al. (2013); Ramachandran
et al. (2015); Azami-Aghdash
et al. (2015);
Xavier et al. (2016). |
Número de médicos
especializados em atenção primária para cada mil habitantes. |
méd/AP |
DataSus |
+ |
||
Número de
estabelecimentos de Estratégia de Saúde da Família (ESF) para cada mil
habitantes. |
Est_ESF |
DataSus |
+ |
||
Número de ACS para
cada mil habitantes. |
ACS |
DataSus |
+ |
||
Existência de
mamógrafos no município |
mamogf |
DataSus |
+ |
||
Taxa da população
com plano de saúde privado |
Plan_pri |
ANS |
- |
||
Taxa de cobertura da
atenção primária |
Cob_AP |
DataSus |
+ |
||
Dimensão Individual |
Porcentagem de
beneficiários do PBF no município |
N. PBF |
IBGE |
-/+ |
Sadler
et al. (2001), Marinho
et al. (2008), Oliveira
et al. (2011), Lourenço,
Mauad & Vieira (2013), Gonçalves
et al. (2014), Lopes et al. (2015), Azevedo
e Silva et al. (2017). |
Número médio de
filhos |
Fecund |
PNUD |
- |
||
Percentual de
população pobre |
pop_pob |
PNUD |
- |
||
Renda familiar per
capita |
rend_ pcpt |
PNUD |
-/+ |
||
Dimensão Gerencial |
Percentual de
população urbana |
pop_urb |
IBGE |
+ |
Lamyian et al.
(2007), Lourenço,
Mauad & Vieira (2013),
Azami-Aghdash et al. (2015), Ramachandran
et al. (2015). Portaria
nº 703, de 21 de outubro de 2011; American
Cancer Society, (2014); Portaria
2 de setembro de 2017; INCA (2018). |
Gasto médio com
saúde por habitante |
gast_saud |
SIOPS |
+ |
||
Existência de
Conselho Municipal de Saúde cadastrado |
CMS |
DataSus |
-/+ |
||
Município vinculado
a consórcio intermunicipal de saúde (CIS) |
CIS |
SES/MG e SES/RN |
+ |
||
Percentual de
domicílios com rede de abastecimento de agua |
Cob_água |
DataSus |
+ |
||
Percentual de
domicílios com energia elétrica |
Cob_energ. |
DataSus |
+ |
Elaborado pelos autores, 2019.
As expectativas teóricas foram baseadas nos autores apresentados
na Figura
1. Quando a expectativa teórica é positiva, espera-se que a variável e a
taxa de mamografia tenham uma relação direta, ou seja, o aumento de uma leva ao
aumento da outra e vice-versa. Já para a expectativa teórica negativa,
espera-se uma relação inversa, aumentando a variável em questão, a taxa de
mamografia reduz e vice-versa. Há algumas variáveis que apresentam expectativas
dúbias, uma vez que há na literatura elementos que reforçam associações
positivas e negativas.
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para medir o desempenho relativo na PNPCC, considerou-se como
proxy da variável dependente a taxa de realização de mamografia do município no
ano de 2015, último ano com dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde.
Esta variável foi escolhida em função da realização de
mamografia ser, até o momento, o melhor procedimento para a detecção precoce do
câncer, que permite reduzir de 20 a 40% a mortalidade pela neoplasia (Azevedo
e Silva et al., 2014; Warren
et al., 2006).
Além disso, o aumento da taxa de mamografia é um resultado de
curto prazo que pode ser observado a partir da implementação da Política. O
resultado de longo prazo almejado é a redução da mortalidade, mas como a
Política foi implementada em 2013, ainda não é possível mensurar o impacto dela
sobre a mortalidade, visto que os números mais recentes sobre a mortalidade por
câncer de mama são de 2014.
Para a investigação foram escolhidos como população amostral
dois estados brasileiros, Minas Gerais (MG) e Rio Grande do Norte (RN), no
intuito de isolar efeitos de políticas estaduais específicas. A escolha se
baseou principalmente na taxa de mamografia, visando populações que se
destacaram pela alta e pela baixa cobertura desse exame, com o estado de Minas
Gerais representando alta cobertura de mamografia e o Rio Grande do Norte
baixa, com valores bem acima e abaixo da média nacional (BRASIL,
2018).
Todas as variáveis coletadas são referentes ao ano de 2015, a
fim de manter padronizada a base de dados em relação à taxa de mamografia e
assim realizar um estudo do tipo cross section, em que todas as informações
estão situadas no mesmo ponto do tempo, à exceção da taxa de fecundidade, cujo
registro mais atual é de 2010. As variáveis coletadas foram todas padronizadas
em taxas, visando permitir a comparabilidade. O tamanho da amostra para o
estado de MG foi de 802 municípios, de um universo de 853. Já no RN, a amostra
final foi composta por 146 municípios, de um total de 167.
Para conhecer melhor o padrão, a qualidade e as principais
características dos dados foi realizada uma análise exploratória dos dados
(AED). Após esse primeiro procedimento, realizou-se a Regressão Linear
Múltipla, a fim de identificar os condicionantes do desempenho da política, no
caso, a razão de mamografias. Realizou-se a regressão pelo procedimento
stepwise, sendo aceitas e interpretadas as variáveis com nível de significância
de até 10%. Para a contornar o problema de hetorecedasticidade identificado, o
modelo foi operacionalizado com erros-padrão robustos, conforme apontado por Wooldridge
(2015).
A regressão permitiu confirmar a existência das dimensões
teóricas estatais, gerenciais e individuais, influenciando na PNPCC, embora com
especificidades para as duas regiões em análise, capturadas por diferentes
variáveis representativas dos constructos em análise.
Para o desenvolvimento do denominado Modelo de Avaliação de
Desempenho de Política Pública em Saúde (MDPPS), duas etapas foram
consideradas. Na primeira foi construído um índice para identificar o potencial
do município para executar a PNPCC. Tal índice foi denominado Índice do
Potencial de Execução da política (IPEP). O IPEP indica os municípios com maior
e menor potencial para executar a PNPCC e representa um indicador geral de
condição. Esse índice foi construído a partir das variáveis validadas pela
regressão. A segunda etapa consistiu na construção do indicador final de
desempenho dos municípios, o qual foi denominado de Indicador de Desempenho
Relativo para a PNPCC (IDRP), o qual permitiu ranquear os municípios dos
estados de MG e RN com melhor e pior desempenho, sendo este o resultado final
do modelo de análise proposto.
Para a construção do Índice Potencial para a Execução da PNPCC
(IPEP) foi utilizado o método da Análise Fatorial (AF), que, segundo Figueiredo
e Silva (2010), é utilizado quando se deseja reduzir uma grande quantidade
de variáveis observadas a um número reduzido de fatores. De acordo com Hair
et al. (2009), os fatores representam construtos que sintetizam ou explicam
o conjunto de variáveis observadas.
Para executar a análise fatorial, as variáveis utilizadas foram
contínuas e dummies. O método dos componentes principais foi utilizado para a
extração dos fatores por não exigir informações ou suposições sobre a
distribuição normal multivariada dos dados, e a rotação foi obtida pelo
procedimento Varimax. Além disso, foi utilizado o scree plot para determinar a
quantidade de fatores que deveriam ser retidos. Os fatores gerados foram
denominados de acordo com as variáveis que o compuseram.
Após a identificação dos fatores pela AF, foi realizada a
construção do índice IPEP. Para tanto, seguiu-se as orientações de Ferreira
(2015). Primeiramente, foram determinados os escores fatoriais, que,
segundo Lemos
(2001), são necessários para colocar os valores dos scores no primeiro
quadrante, por meio da seguinte equação (1):
Aqui, Fmin e Fmax são os valores máximo e mínimo observados para
os escores fatoriais associados aos municípios analisados. Já para a construção
do índice utilizou-se a equação (2)
Aqui, IPEP é o índice do i-ésimo município, j é a raiz
característica, p é o número de fatores extraídos na análise, Fji* é o j-ésimo
escore fatorial do i-ésimo município e Σλj é o somatório das raízes
características referentes aos p fatores extraídos. A participação relativa do
fator j na explicação da variância total capitada
pelos p fatores extraídos é indicada por λj/Σλj (Cunha
et al., 2008).
A construção do Indicador de Desempenho Relativo para a PNPCC
(IDRP) resultou da razão entre a taxa de mamografia do município e o IPEP do
município. A taxa de mamografia representa um resultado direto observado pela
PNPCC, por isso, foi utilizada no cálculo do indicador de desempenho.
A taxa de mamografia também foi trazida para o primeiro
quadrante por meio da equação (1), a fim de padronizá-la no intervalo de 0 a 1,
em ordem crescente de desempenho. A padronização evita que taxas extremamente
altas elevem a magnitude do indicador de desempenho e permite melhor
comparabilidade (Lemos,
2001).
RESULTADOS E DISCUSSÕES Validação das dimensões teóricas da
PNPCC
A análise exploratória inicial confirmou grande diversidade
entre os municípios, assim como diferença entre os Estados investigados, como
esperado. A taxa de mamografia, variável de desempenho, foi, em média, 28% no
RN e 60% em MG. Outros elementos reforçam os aspectos de disparidade entre os
estados, em desfavor do Rio Grande do Norte, o que sustentou regressões
individuais, devido à quebra da homogeneidade entre as unidades, na análise do
desempenho relativo.
Em Minas Gerais há, relativamente, maior quantidade de
mamógrafos, maior número de pessoas com acesso a plano de saúde privado, maior
quantidade de médicos vinculados à atenção primária e mais médicos
radiologistas, quando comparado ao RN.
De acordo Guerra
et al. (2015), mulheres com plano de saúde privado têm mais acesso à
mamografia. O maior número de pessoas com plano de saúde privado em MG pode ser
justificado pelas melhores condições econômicas do estado, a confirmar pelas
variáveis da dimensão individual, como número de beneficiários do Programa
Bolsa Família “N.PBF”, porcentagem de população podre (pop_pob), PIB per capita
(PIB_pcpt) e renda per capita (rend_pcpt), que estão indicando melhores
condições de renda para MG.
Quanto às variáveis relacionadas ao saneamento básico, os dois
estados possuem em média 68% de domicílios com abastecimento de água
proveniente de rede pública, no entanto, no RN, apenas 12% dos domicílios têm
esgoto canalizado, enquanto em MG 57% dos domicílios possuem esse serviço. De
acordo com Roque,
Almeida e Souza (2017), inadequações no saneamento básico estão
relacionadas a condições socioeconômicas regionais e podem causar diversas
“Doenças Relacionadas à Água ou de Transmissão Hídrica”, o que afeta
significativamente a qualidade de vida da população.
A partir da análise exploratória dos dados, procedeu-se à
regressão linear múltipla para confirmar a existência das dimensões teóricas
condicionantes da taxa de mamografia e, consequentemente, da PNPCC. A
confirmação das dimensões foi viabilizada pela validação estatística de pelo
menos uma variável em comum em cada uma das dimensões, conforme demonstrado nas
tabelas
1, 2
e
3.
Na tabela
1 está demostrada o efeito dimensão estatal sobre a taxa de mamografia, a
partir da seguinte equação:
RzMamoY= β0 + β1medhab + β2nmedap + β3nestesf + β4equipesesf + β5acs
+ β6dmmedrad + β7dmmamogf + β8txplanpri + β9acsext + β10cobap + u
Rio Grande do Norte |
Minas Gerais |
||||
Variáveis Independentes
|
Coef. |
Coef. Beta |
Variáveis Independentes
|
Coef. |
Coef. Beta |
méd/AP |
0,251** |
0,2088162 |
méd/hab |
0,00937** |
0,0844946 |
(0,109) |
(0,00391) |
||||
ACS |
-0,0379 |
-0,0760937 |
est.ESF |
0,125 |
0,064215 |
(0,0257) |
(0,0805) |
||||
mamogf |
-0,134** |
-0,1541268 |
mamogf |
-0,135*** |
-0,1324228 |
(0,0589) |
(0,0303) |
||||
ACS/Ext.T |
-0,00410** |
-0,161448 |
plan.pri |
-0,00215* |
-0,0622196 |
(0,00176) |
(0,00121) |
||||
Constante |
0,322*** |
pop_urb |
-0,00179** |
0,0911343 |
|
(0,0842) |
(0,000893) |
||||
Constante |
1,291*** |
||||
(0,344) |
|||||
N, observações |
146 |
N. observações |
802 |
||
R2 Prob > F |
0,082 0,0171 |
R2 Prob > F |
0,074 0,000 |
Elaborado pelos autores, 2019. * Erro padrão robusto entre parênteses
*** p<0,01, ** p<0,05, * p<0,1
Como se pode verificar pela Tabela
1, a disponibilidade de mamógrafo no município (mamog), comum aos dois
estados, revela uma realidade antagônica. Quanto menor a presença do
equipamento, menor a realização de mamografias pelas mulheres, o que expõe
debilidades do programa, ao passo que esboça a influência de outros fatores.
Vários desses fatores, como condições singulares a um estado, especificamente.
No estado do RN, no que se refere à capacidade estatal da PNPCC,
quanto menor a área que um Agente Comunitário de Saúde é responsável por cobrir
(acs_ext.t) e quanto maior o número de médicos da atenção primária (méd/AP),
melhor o resultado. De modo geral, as variáveis confirmam que a maior atuação
dos profissionais da saúde ligados à atenção primária proporciona melhor
resultado na Política. Marinho
et al. (2008) apontam que um dos maiores problemas relacionado à baixa
realização de mamografias pelas usuárias do SUS se deve à falta de solicitação
médica. Segundo os autores, 81,8% das participantes alegaram não receber pedido
médico para realizar o exame. Esse fato demostra que não somente o número de
médicos importa, mas também a qualidade do atendimento e a atuação dos
profissionais de saúde.
Também para o estado de MG, a dimensão estatal foi confirmada
como influenciadora na PNPCC, sendo possível concluir que o maior número de
médicos por habitantes (Méd/hab) e a ausência de mamógrafo no município afetam
positivamente a taxa de mamografia. A relação da ausência do mamógrafo no
município e maior taxa de mamografia pode ser explicada pela realização dos
consórcios intermunicipais de saúde, fato que ressalta a importância desta ação
pública. Já o percentual de cobertura de planos de saúde privados (plan_pri) e
o percentual de população urbana (pop_urb) afetam negativamente a mamografia.
Esses resultados encontrados tanto no RN quanto em MG apontam para a relação
entre o fornecimento de recursos humanos e estruturais pelo estado e o
resultado positivo na Política, como também apontado por Sousa
(2017).
A tabela
2 demonstra o efeito dos componentes da dimensão individual sobre a taxa de
mamografia, a partir da seguinte equação:
RzMamoY= β0+ β1educaç + β2ideb + β3pbf + β4fecund + β5pop_pob + β6rend_pcpt
+ u
Conforme resultados expostos na Tabela
2, mais de uma condição está associada à dimensão individual, confirmando a
influência de condições próprias aos indivíduos sobre a PNPCC.
Rio Grande do Norte |
Minas Gerais |
||||
Variáveis Independentes
|
Coef. |
Coef. Beta |
Variáveis Independentes
|
Coef. |
Coef. Beta |
PBF |
-0,0178** |
-0,289453 |
rend_pcpt |
-0,000410*** |
-0,1914563 |
(0,00691) |
(8,08e-05) |
||||
Pop_pob |
0,00661** |
0,2582565 |
fecund |
-0,0699 |
-0,0661384 |
(0,00300) |
(0,0432) |
||||
rend_pcpt |
-2,58e-06** |
-0,0905821 |
Constante |
0,940*** |
|
(1,18e-06) |
(0,111) |
||||
Constant |
0,349*** |
||||
(0,0715) |
|||||
N. de observações |
146 |
N. de observações |
802 |
||
R2 Prob > F |
0,073 0,0315 |
R2 Prob > F |
0,033 0,000 |
Elaborado pelos autores, 2019. Erro padrão robusto entre parênteses
*** p<0,01, ** p<0,05, * p<0,1
A variável “renda per capita” (rend_pcpt), comum aos dois
estados, revela a relação inversa entre condição econômica média e taxa de
mamografia no local. Tal variável reforça a influência de condições
socioeconômicas enquanto condicionantes do desempenho relativo dos municípios.
Tal influência é reforçada pela variável “pop_pob”, que caracteriza o
percentual de população pobre.
Para o estado do RN, a dimensão individual foi confirmada pela
influência das baixas condições de renda na taxa de mamografia. As variáveis
“pop_pob” e “rend_pcpt” indicam que quanto maior a vulnerabilidade
socioeconômica da população, maior a taxa de mamografia. Na mesma direção, no
que concerne a dimensão individual, foi observado no estado de MG a influência
socioeconômica em igual condição. Nesse estado, quanto menor a renda per capita
e menor o número de filhos, maior a taxa de mamografia. Esses resultados
reforçam as descobertas de Dias-da-Costa et al. (2007) que identificaram que
mulheres com menores níveis de renda e com menor número de filhos realizam mais
o exame das mamas.
As variáveis ‘pop_pob’ e ‘rend_pcpt’, utilizadas para
representar se as condições de renda da população afetam a realização da
mamografia, foram validadas contrariando a expectativa teórica (Marinho
et al., 2008; Yankaskas
et al., 2010; Oliveira
et al., 2011; Schoenberg
et al., 2013). Esses trabalhos são anteriores à política em análise, que
tem a propriedade de reverter essas expectativas. Portanto, a descoberta é
resultado positivo dentro da estratégia do programa e sobretudo da ESF, que tem
adotado medidas de equidade na atenção básica, tornando essas populações mais
desprovidas o alvo das campanhas, em especial da Política Nacional de Prevenção
e Controle do Câncer (PNPCC), que teve início em 2013.
Resultado parecido foi encontrado no estudo de Oliveira
et al. (2011), o qual apontou um aumento crescente, entre 2003 e 2008, de
mamografia entre as mulheres de baixa renda.
Quanto à dimensão gerencial, o efeito sobre a taxa de mamografia
está apresentado na tabela 3, a partir da seguinte equação:
RzMamoY= β0 + β1pib_pcpt + β2dd_m + β3pop_urb + β4telsaud + β5gast_saud
+ β6ifdm + β7cms + β8pms + β9cis + β10academ.saud + β11vacina + β12vigil_sanit
+ β13cob_agua + β14cob_lixo + β15cob_esgot + β16cob_energ + u
A influência da dimensão gerencial sobre a PNPCC pôde ser
confirmada para os dois estados. No entanto, o poder de influência dessa
dimensão fica mais evidente para o estado de MG, onde se verifica a validação
de mais condicionantes, de acordo com o apresentado na Tabela 3. A cobertura de
serviços básicos como “abastecimento de água” e “fornecimento de energia” foi
destaque. Tais proxies de serviços públicos demonstram que onde há maior
cobertura e, portanto, provimento estatal, também há melhor desempenho do
programa, via aumento na taxa de mamografia.
Em MG, o que se percebe é que quanto maior o gasto com saúde e
quanto maior o percentual de domicílios que dispõem de energia elétrica, maior
a taxa de mamografia nos municípios. Ou seja, o investimento em saúde e em
qualidade de vida para população afeta positivamente o resultado do Programa.
Também é possível constatar que estar vinculado à um consórcio intermunicipal
de saúde afeta positivamente a taxa de mamografia. Já o cadastro de um Conselho
Municipal de Saúde no município afeta negativamente a taxa de mamografia.
Estudos têm apontado para conselho pro forma e de aspecto normativo tão
somente, limitando o papel deliberativo e de controle social, em tese, capaz de
influenciar os resultados das políticas. Há também limitações de assimetria de
informação, poder e composição, afetando a capacidade institucional dessas
entidades (Tatagiba,
2002; Teixeira,
2000; Faria,
2005).
Rio Grande do Norte |
Minas Gerais |
||||
Variáveis Independentes
|
Coef. |
Coef. Beta |
Variáveis Independentes
|
Coef. |
Coef. Beta |
Cob_água |
0,154* |
0,1822642 |
Gast_saúd |
9,85e-05** |
0,0704121 |
(0,0786) |
(4,49e-05) |
||||
Constante |
0,179*** |
CMS |
-0,0676** |
-0,088889 |
|
(0,0510) |
(0,0264) |
||||
CIS |
0,111* |
0,0580408 |
|||
(0,0620) |
|||||
Cob_energ |
0,363*** |
0,1940066 |
|||
(0,0763) |
|||||
Constante |
0,346*** |
||||
(0,0914) |
|||||
N. de observações |
146 |
N. de observações |
802 |
||
R2 Prob > F |
0,033 0,0522 |
R2 Prob > F |
0,066 0,000 |
Elaborado pelos autores, 2019. * Erro padrão robusto entre parênteses
*** p<0,01, ** p<0,05, * p<0,1
Estes achados permitem inferir que a gestão da PNPCC está
relacionada a outras dimensões de gestão pública e que, consequentemente, o
gerenciamento das ações direcionadas à saúde não ocorrem de forma isolada para
uma política pública específica.
Modelo de Avaliação de Desempenho de Política Pública em Saúde
A elaboração do Modelo de Avaliação de Desempenho de Política
Pública em Saúde (MDPPS), o qual tem o propósito de apresentar o desempenho dos
municípios na PNPCC, se deu em duas etapas, conforme descrito na seção de
metodologia. Sendo assim, será apresentado e discutido, inicialmente, o
resultado do Índice Potencial para a Execução da PNPCC (IPEP), primeira etapa
do Modelo; em seguida, apresenta-se o Indicador de Desempenho Relativo para a
PNPCC (IDRP), resultado final do MDPPS.
Para construir o IPEP foi necessário reduzir as inúmeras
variáveis confirmadas como influentes na taxa de mamografia a partir de uma
regressão linear múltipla em agrupamentos menores com poder de representar e
sintetizar as condições observadas. Para tanto, foi realizada a Análise Fatorial
(AF).
As análises fatoriais apresentaram valores para o teste de
Kaiser-Meyer-Olklin (KMO) acima de limite inferior desejado, logo, a AF foi
considerada adequada. O KMO para o RN foi de 0,6184 e para MG foi de 0,731. Hair
et al. (2009) sugerem 0,50 como limite aceitável.
A partir da AF, construiu-se o Índice Potencial para a Execução
da PNPCC (IPEP), que tem como finalidade desvendar aqueles municípios que,
pelos fatores de renda, de demografia, de infraestrutura urbana e de recursos
financeiros e humanos da saúde poderiam ter maior potencial para executar a
PNPCC. O IPEP apresenta variação de 0 a 1. Foi atribuído o valor 0 para aqueles
municípios que apresentaram menor potencial para a execução da Política e 1
para aqueles que apresentaram o potencial mais alto.
Na Tabela
4 são apresentado os 10 municípios com melhor e com pior IPEP dos estados
de MG e RN, bem como os 10 municípios com melhor e com pior Índice de
Mamografia (IM). O IM varia de 0 a 100, 0 para o município que apresentou menor
razão de mamografia e 100 para o que apresentou maior razão de mamografia.
Minas Gerais |
||||
Classificação a |
Município MG |
IPEP |
Município MG |
IM |
1 |
Belo Horizonte |
1.000 |
Cajuri |
100.00 |
2 |
Nova Lima |
0.957 |
Araponga |
95.48 |
3 |
Sarzedo |
0.878 |
Sen. Cortês |
95.48 |
4 |
Itabira |
0.829 |
Berizal |
91.46 |
5 |
Araporã |
0.818 |
Bom Jesus da Penha |
90.95 |
6 |
Ouro Branco |
0.804 |
Fortaleza de Minas |
87.94 |
7 |
Formiga |
0.800 |
Montezuma |
87.44 |
8 |
Barroso |
0.797 |
Ponto Chique |
86.43 |
9 |
Itabirito |
0.793 |
Congonhas do Norte |
80.90 |
10 |
Pains |
0.781 |
Ninheira |
80.40 |
10 |
São José do Jacuri |
0.115 |
Guimarânia |
1.01 |
9 |
Diogo de Vasconcelos
|
0.101 |
Setubinha |
1.01 |
8 |
Caraí |
0.097 |
Biquinhas |
0.50 |
7 |
Itaipé |
0.090 |
Itutinga |
0.50 |
6 |
Santa Cruz de
Salinas |
0.080 |
Matipó |
0.50 |
5 |
Jaíba |
0.079 |
Morada Nova de Minas
|
0.50 |
4 |
Frei Lagonegro |
0.064 |
Nova Porteirinha |
0.50 |
3 |
Itacambira |
0.047 |
Três Corações |
0.50 |
2 |
Ladainha |
0.021 |
Abaeté |
0.00 |
1 |
Novo Oriente de
Minas |
0.000 |
Dionísio |
0.00 |
Rio Grande do Norte |
||||
Classificação a |
Município RN |
IPEP |
Município RN |
IM |
1 |
Natal |
1.000 |
Sen Georgino Avelino
|
100.00 |
2 |
Pau dos Ferros |
0.745 |
São Miguel do Gostoso
|
80.00 |
3 |
Mossoró |
0.660 |
Lagoa de Velhos |
77.14 |
4 |
Guamaré |
0.546 |
Serra Caiada |
76.43 |
5 |
Parnamirim |
0.457 |
Tibau do Sul |
72.14 |
6 |
Tibau |
0.368 |
Lagoa de Pedras |
66.43 |
7 |
Alexandria |
0.344 |
Lucrécia |
63.57 |
8 |
Santo Antônio |
0.341 |
Barcelona |
55.00 |
9 |
Viçosa |
0.341 |
Sen. Elói de Souza |
55.00 |
10 |
Macau |
0.337 |
Baía Formosa |
54.29 |
10 |
Serrinha dos Pintos |
0.0567 |
Rafael Godeiro |
2.14 |
9 |
Sen. Elói de Souza |
0.0532 |
Sítio Novo |
2.14 |
8 |
Ielmo Marinho |
0.0531 |
São Bento do Trairí |
1.43 |
7 |
Lagoa Nova |
0.0479 |
São José do Campestre
|
1.43 |
6 |
Bento Fernandes |
0.0385 |
Baraúna |
0.71 |
5 |
Afonso Bezerra |
0.0380 |
Caraúbas |
0.71 |
4 |
Pureza |
0.0357 |
Grossos |
0.71 |
3 |
Japi |
0.0315 |
Martins |
0.71 |
2 |
Lagoa Salgada |
0.0202 |
Santa Cruz |
0.71 |
1 |
Augusto Severo |
0.0000 |
Japi |
0.00 |
Elaborado pelos autores, 2019. a Classificação do município em relação ao índice. Na parte
superior da tabela, estão os municípios com melhores índices e na parte
inferior, os municípios com piores índices.
Observa-se pelos dados da Tabela
4 que os municípios que apresentaram melhor potencial para executar a
política pelas condições estabelecidas na localidade, ou seja, maior IPEP, não
são, via de regra, aqueles que exibem melhores índices de mamografia no estado.
Os dados revelam ainda que os municípios com melhores condições
são as capitais, seguidas daqueles mais próximos da região metropolitana,
caracterizados por serem mais desenvolvidos economicamente e com maior produto
interno bruto (PIB). Lembrando que Belo Horizonte e Natal são as cidades com
maiores PIBs dos respectivos estados (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2016). Já os municípios com
piores condições são aqueles menores, mais pobres e localizados no interior do
estado. Este achado reflete as desigualdades regionais que ocorrem comumente em
todo território nacional.
O cenário de desigualdade regional apresentado para o IPEP não
se repete para o IM, visto que os municípios que apresentaram melhores índices
de mamografia, tanto no estado de MG, quanto no RN, são municípios pequenos,
localizados no interior do estado, com baixo PIB per capita. A cidade de Cajuri
(MG) tinha, em 2015, 4.121 habitantes e PIB per capita de R$ 12.775,41. Dados
semelhantes apresentava Senador Georgino Avelino, com 4.319 habitantes e PIB
per capita de R$ 8.189,64. Estes dados demonstram que o resultado dessa
política é influenciado por elementos para além das condições das condições
econômicas e sociais, bem como das demais condições que formaram o índice IPEP,
possivelmente pela capacidade gerencial do município em administrar demais
políticas públicas de saúde, que se inter-relacionam com a PNPCC.
O Indicar de Desempenho Relativo para a PNPCC dos municípios foi
construído a partir do IM e do IPEP. Os resultados obtidos para os 10 melhores
e piores municípios estão demonstrados na Tabela
5.
Minas Gerais |
Rio Grande do Norte |
||||
Classificação a |
Município |
IDRP |
Classificaçãoa |
Município |
IDRP |
1 |
Araponga |
100.00 |
1 |
Sen. Georgino
Avelino |
100.00 |
2 |
Frei Lagonegro |
92.60 |
2 |
São Miguel do Gostoso
|
87.63 |
3 |
Catuji |
81.75 |
3 |
Lagoa de Pedras |
87.45 |
4 |
Riachinho |
77.46 |
4 |
Sen. Elói de Souza |
81.00 |
5 |
Cajuri |
76.62 |
5 |
Lagoa Salgada |
75.43 |
6 |
Ninheira |
76.11 |
6 |
Lagoa de Velhos |
69.61 |
7 |
Montezuma |
74.48 |
7 |
Januário Cicco |
66.97 |
8 |
Berizal |
72.95 |
8 |
Lucrécia |
61.79 |
9 |
Sen. Modestino
Gonçalves |
71.31 |
9 |
Montanhas |
59.02 |
10 |
Miravânia |
70.13 |
9 |
Baía Formosa |
54.00 |
10 |
Ijaci |
0.99 |
10 |
Santo Antônio |
1.97 |
9 |
Guimarânia |
0.57 |
9 |
São Bento do Trairí |
1.87 |
8 |
Biquinhas |
0.37 |
8 |
São José do Campestre
|
1.56 |
7 |
Nova Porteirinha |
0.37 |
7 |
Tibau |
1.49 |
6 |
Itutinga |
0.31 |
6 |
Martins |
0.83 |
5 |
Morada Nova de Minas
|
0.29 |
5 |
Baraúna |
0.60 |
4 |
Três Corações |
0.29 |
4 |
Grossos |
0.57 |
3 |
Matipó |
0.29 |
3 |
Caraúbas |
0.54 |
2 |
Abaeté |
0.00 |
2 |
Santa Cruz |
0.50 |
1 |
Dionísio |
0.00 |
1 |
Japi |
0.00 |
Elaborado pelos autores, 2019. Classificação do município em relação ao índice.
Na parte superior da tabela, estão os municípios com melhores índices e na
parte inferior, os municípios com piores índices.
Os municípios com melhor desempenho para a Política Nacional de
Prevenção e Controle do Câncer, com o foco no câncer de mama, foram os
municípios de Araponga (MG) e Senador Georgino Avelino (RN). Ambos municípios
possuem menos de 10 mil habitantes, com PIB e renda per capita inferiores à
média dos respectivos estados. Além disso, ambos municípios apresentam baixo
potencial para execução da política, de acordo com o IPEP, mas ainda assim,
conseguiram superar suas condições limitadoras e exibir altas taxas de
mamografia.
Esses municípios não possuem mamógrafos e nem médicos
radiologistas pelo SUS, o que faz com que a população tenha que se deslocar até
o município sede da microrregião de saúde para realizar o exame de mamografia.
No caso de Araponga, a população se desloca até Viçosa, e a de Senador Georgino
Avelino, até Natal, uma distância aproximada de 50km para ambas cidades. Essas
são variáveis que foram consideradas importantes e acreditava-se que a
existência dessas condições no município poderia impulsionar altas taxas de
mamografia, como sugerido por Xavier et al. (2016).
Mas o resultado indica que, mesmo elas não estando presentes, é
possível ter bom Índice de Mamografia (IM), o que aponta para a importância dos
pactos regionais de saúde, por meio dos consórcios intermunicipais de saúde.
Conforme demonstrado anteriormente, a vinculação a um consórcio intermunicipal
de saúde afeta positivamente a taxa de mamografia, logo, o resultado aqui
encontrado reforça o pressuposto que o gerenciamento das ações direcionadas à
saúde não ocorrem de forma isolada, sendo a PNPCC influenciada pela capacidade
gerencial do município.
Constatou-se também nessas localidades baixas taxas de cobertura
de plano privado de saúde. Em Araponga, apenas 1,5% da população tem plano
privado e em Senador, 1,1% da população é coberta por plano privado de saúde. O
baixo acesso da população a um plano privado de saúde demanda maior atuação do
SUS nessas localidades.
Alguns elementos adicionais podem ter contribuído positivamente
para o resultado encontrado. Em ambos municípios os Agentes Comunitários de
Saúde (ACS) têm uma área reduzida a cobrir, 2,6km2 em Senador Georgino Avelino,
quando a média do estado é de 14km2, e em Araponga essa distância é de 15km2,
sendo a média do estado de 28 km2. Esses números provavelmente contribuem para
que o agente atenda melhor as famílias, permitindo visitas mais frequentes e
maior conhecimento das necessidades de saúde dessas pessoas, como encontrado no
estudo de Sousa
(2017). Mulheres que recebem visitas domiciliares do ACS realizam mais os
exames de rastreamento para o câncer de mama.
Ambos os municípios apresentaram bons condicionantes de
educação: Enquanto em Senador Georgino Avelino a população apresenta, em média,
mais anos de escolaridade que a média do estado, em Araponga a meta
estabelecida para a nota do IDEB foi ultrapassada. Esses fatos apontam para a
influência da educação formal, aspecto ligado à dimensão individual da
Política, enquanto importante condicionante. A educação formal pode ajudar a
superar algumas barreiras à mamografia identificadas na literatura, como falta
de conhecimento sobre a doença e formas de cuidados, e não achar necessário
realizar o exame de mamografia quando não há nenhum sintoma aparente (George,
2000; Warren et al., 2006; Hanson et al., 2009; Lourenço,
Mauad, & Vieira, 2013).
3. CONCLUSÕES
Este estudo permitiu identificar que a PNPCC tem três diferentes
dimensões condicionantes, sendo elas: A capacidade estatal, a capacidade
gerencial e o envolvimento do indivíduo. A inclusão da dimensão gerencial na
análise da política, fato que não foi observado em outros estudos, permitiu
demostrar que o gerenciamento das ações direcionadas à saúde não ocorre de
forma isolada para uma política pública específica. A execução da PNPCC é
afetada pela capacidade gerencial municipal como um todo. Isso porque
verificou-se a influência de condições relacionadas a outras ações e políticas,
afetando a taxa de mamografia no município, como a cobertura de abastecimento
de água pela rede pública, a cobertura de energia elétrica, os gastos com
saúde, em geral, e a participação em consórcios intermunicipais de saúde.
Os resultados evidenciaram também o papel dos agentes de saúde,
bem como de suas condições de atendimento para o sucesso do programa. Foi
constatado, pelos casos examinados em profundidade, que o acompanhamento mais
próximo das famílias, por meio de visitas domiciliares mais frequentes, pode
influenciar na realização dos exames de rastreamento para o câncer de mama.
Constatou-se também que quanto menor a renda da população, maior
a taxa de realização de mamografia, reforçando a importância da equidade, em
especial nos aspectos alvo da política e da ESF, que tem especial atenção às
populações mais vulneráveis. Esse resultado é reforçado pelo melhor desempenho
em localidades com menor cobertura privada de plano de saúde.
Os resultados chamam a atenção para a quebra de paradigma de
sucesso das regiões metropolitanas, presentes em vários programas e campanhas.
Entre os municípios que apresentaram melhores índices de mamografia, bem como
aqueles com os melhores indicadores de desempenho na PNPCC, estão os mais
interiorizados, pequenos e com baixo desenvolvimento econômico. Esses
municípios apresentaram baixo potencial para execução da política, mas mesmo
assim, conseguiram superar suas condições limitadoras. Uma das possíveis
explicações está no sucesso dos consórcios intermunicipais, especialmente pelo
destaque de municípios nas metas do programa, a partir de exames realizados em
mamógrafos presentes em outros municípios. Os pactos municipais permitiram
ampliar a qualidade dos serviços de saúde ofertados pelos pequenos municípios,
os quais possuem condições estruturais, sociais e econômicas restritas.
O estudo contribui para o estoque de conhecimentos em gestão de
políticas públicas, oferecendo uma visão mais ampla e heterodoxa para o sucesso
de uma política pública em grande dimensão territorial, marcada por um universo
de municípios tão heterogêneos. Uma visão ingênua levaria um analista a se
pautar tão somente nos resultados advindos da variável de resultado, o índice
de mamografia, sem considerar os demais fatores. Um gestor público, por sua
vez, poderia concentrar-se tão somente nos resultados necessários para a
execução ou operacionalização no nível local. Análises como essas, via de
regra, limitam o escopo de possibilidades para melhoria da política. Isso
porque existem municípios com baixa capacidade que atingiram altos níveis
relativos de desempenho, assim como municípios com alta capacidade que atingiram
níveis baixos de desempenho relativo.
Desta forma, torna-se oportuno em pesquisas futuras o
aprofundamento na realidade local a partir dos quesitos capacidade municipal e
gerencial para a implementação da política, o que exige, para além da análise
quantitativa, uma análise qualitativa in loco.
4. REFERÊNCIAS
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Society (2014). O Atlas do Câncer. Atlanta: American Cancer Society.
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Notas
I O presente trabalho foi
realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001
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