Resenha
Resenha do livro
“Inovação e Políticas Públicas: superando o mito da ideia”
Dany Flávio Tonelli danytonelli@ufla.br
Universidade Federal
de Lavras, Brasil
Resenha do livro “Inovação e Políticas Públicas: superando o
mito da ideia”
Administração
Pública e Gestão Social, vol.
11,
núm. 4, 2019
Universidade Federal de Viçosa
|
Cavalcante Pedro.
Inovação e Políticas Públicas: superando o mito da ideia. 2019. Brasil. Ipea.
436pp.. 978-85-7811-352-0 |
Não é recente o interesse pela inovação no setor público. Em
duas décadas houve expressivo aumento de iniciativas como laboratórios,
departamentos, políticas e prêmios dedicados ao tema. Tais iniciativas
demonstram na prática a relevância de fatores críticos apresentados por Bason
(2010), como, por exemplo, a conscientização da relevância da inovação
pública para a superação dos desafios impostos por um ambiente em crescente
complexidade, a capacitação da força de trabalho com métodos adequados ao
contexto governamental e a cocriação que envolve agentes públicos e cidadãos na
busca de soluções novas. Embora a inovação na prática tenha ocupado lugar
relevante na agenda governamental, uma crítica recorrente diz respeito ao fato
da produção teórica acerca da inovação no setor público não avançar no mesmo
ritmo, o que tornaria o debate acadêmico ainda muito ancorado na teoria
econômica e técnica da inovação. Se por um lado essa dificuldade limita o
repertório conceitual, por outro, o fato de trazer à tona o “como fazer” e
explorá-lo à luz das experimentações bem sucedidas é fundamental para inspirar
e formar agentes de inovação nas organizações públicas e fomentar agendas de
pesquisa vinculadas à essas realidades.
A obra organizada pelo especialista em políticas públicas e
gestão governamental e pesquisador do IPEA Pedro Cavalcante (Cavalcante,
2019), insere-se nesse contexto de uma forma bastante positiva. A coletânea
de 22 capítulos divide-se em cinco partes: (i) do design thinking à inovação;
(ii) mix de métodos em prol da inovação; (iii) cocriação e coprodução: casos de
inovação aberta; (iv) laboratórios de inovação: é testando que se inova e (v)
gamificação: aprendizado interativo nas políticas públicas. Todos os capítulos
são escritos por profissionais inseridos na carreira pública ou relacionados
com esse ambiente. Dos 22 capítulos, 20 são dedicados a estudos de casos de
experiências inovadoras. O objetivo é dar foco na implementação e nos métodos
sobre como conduzir os processos de mudanças que vão resultar em novos
serviços, processos, arranjos e políticas. De modo transversal, apesar da
heterogeneidade de contextos estudados, temas de cocriação e coprodução, de
aprendizado individual e coletivo e da experimentação perpassam todas as
discussões. Também é possível perceber a utilidade do material para projetar
agendas como a da pesquisa, em torno do avanço de uma teoria da inovação
pública e a jurídica, em se tratando do risco de ir além dos ditames da
burocracia.
Embora a coletânea se encontre no campo da descrição de casos,
ela cumpre o propósito de servir como rica fonte de debate e aprendizado que
contribui para a disseminação da cultura da inovação. Os casos munem
profissionais com métodos para tornar ideias em ações concretas no
enfrentamento dos problemas públicos. O estudioso pode recorrer ao material se
o interesse for geral ou específico. Há ampla variedade de contextos e
aplicações, da esfera municipal à federal, da região sul ao nordeste, nos
campos da educação, gestão, saúde, assistência social e mobilidade, dentre outros.
Na primeira parte dedicada ao design thinking, a técnica é
apresentada como centrada no ser humano e fundamentada no pensamento analítico
e cocriativo, necessariamente envolvendo a construção coletiva de soluções para
os problemas públicos. A esse respeito, a iniciativa se junta à percepção de
estudiosos do tema sobre a necessidade de permitir ao setor público ir além das
tradicionais respostas burocráticas e condicionadas ao cumprimento de regras
predeterminadas. Em vez da realização de diagnósticos do passado para projetar
o leque de alternativas futuras, o design thinking permitiria a imersão
empática no problema público. Em vez de um olhar “de fora” e hierarquizado, o
design thinking tornaria possível a percepção do problema a partir da perspectiva
de quem o experimenta. A partir dessa discussão inicial e da definição de
etapas para a aplicação da técnica, vários estudos de caso detalham o passo a
passo de aplicar métodos cocriativos. A Escola das Mães da prefeitura de Santos
(Macena;
Alvarenga; Guimarães; Pessoa, 2019), por exemplo, é um conceito construído
coletivamente que apresentou resultados muito positivos, inclusive na redução
da taxa de mortalidade de recém-nascidos do município. Além deste, a seção
apresenta outros casos. Por exemplo, o Hubgov (Cap. 3), uma iniciativa de
coprodução aplicada por uma agência de consultoria privada em Santa Catarina; o
caso da alteração do fluxo de processos em ambiente altamente burocrático na
Casa Civil (Cap. 4) e a aplicação de design thinking na remodelagem do
atendimento ao cidadão da ANVISA (Cap. 5). Todas experiências bem sucedidas e
minuciosamente detalhadas, servindo de exemplos de como aplicar esses métodos
em outros contextos.
A parte 2 “Mix de Métodos em Prol da Inovação” apresenta vários
casos de melhorias de serviços públicos e geração de valor na perspectiva do
cidadão-usuário baseando-se abordagens metodológicas diversas. Um exemplo
bastante ilustrativo é o design etnográfico, praticado pelo laboratório de
inovação da ENAP – Gnova – e aplicado em diferentes estágios do ciclo de
diversas políticas políticas públicas (Cap. 7). Ele permite a inserção da
percepção do usuário na equação da busca de soluções inovadoras. O texto
apresenta diversas experiências de aplicação detalhada do método de inspiração
etnográfica, as quais não apenas motivam interessados, mas oferecem
instrumental para adaptar tais iniciativas em contextos específicos. Ainda
nessa parte se encontram casos aplicados em contextos variados, que vão desde
órgãos da administração federal a prefeituras como a de Juazeiro do Norte – CE.
Neste (Cap. 9), a solução inovadora foi utilizar ao sistema de acreditação da
Organização Nacional de Acreditação (ONA) como meio para melhorar a qualidade
dos serviços prestados no Centro de Especialidades Odontológicas da cidade,
melhorando seus processos internos, a eficiência de recursos e alcançando
padrões de qualidade internacionais.
Na seção “Cocriação e Coprodução: casos de inovação aberta”, o
destaque está para as plataformas digitais e para a criação e compartilhamento
de informações que podem servir tanto para melhorar a interação sociopolítica
entre a sociedade e o legislativo – caso do laboratório Hacker da Câmara dos
Deputados (Cap. 13) – como para fomentar a criação e a contratação de startups
pela prefeitura de São Paulo para oferecimento de serviços gratuitos baseados
nos dados de mobilidade – caso Mobilab (Cap. 16). Uma reflexão interessante
nesses e nos demais casos discutidos relaciona-se à perda de sentido dos
discursos que impõem fronteiras rígidas entre público e privado. As iniciativas
colaborativas entre cidadãos, governos e empresas e a construção de arranjos
cocriativos são fundamentais para a promoção de diversas políticas públicas. A
inovação nesses arranjos colaborativos perpassa tanto pela busca de novos
modelos organizacionais como em novos ordenamentos jurídicos.
A seção 4 dedica-se aos laboratórios governamentais de inovação.
A institucionalização de espaços destinados a discutir ações criativas e
potencialmente geradoras de valor público é mais do que um modismo. Os
laboratórios se tornaram uma tendência bastante consistente em todos os níveis
governamentais. Além do crescimento em número, o estudo de contextualizado de Cavalcante,
Goellner e Magalhães (2019) também demonstra que esses espaços estão se
institucionalizando, sendo a dimensão de gestão de pessoas considerada fator
determinante e a disponibilidade de recursos principal indutor organizacional.
São apresentados três experiências, o laboratório criado em 2012 pela ANAC –
Inovanac (Cap. 18), o laboratório de inovação do governo do Espírito Santo
(Cap. 19) e o Lab Inovases do Distrito Federal (Cap. 20). Todas refletem a
relevância que a inovação vem adquirindo na agenda de políticas públicas e
mostram que esses espaços são essenciais para a disseminação da cultura da
inovação no setor público. O problema é que embora os resultados desses
investimentos sejam positivos no longo prazo, o alcance desses resultados
depende da sua continuidade. Nem sempre essa é uma característica marcante no
setor público.
Finalmente, a última parte dedica-se a experiências de
gamificação como aprendizado interativo nas políticas públicas. A gamificação
surgiu como estratégia para motivar pessoas em torno da solução de problemas de
modo atrativo em áreas como produtividade, finanças, saúde, educação,
sustentabilidade, entre outros (Silva;
Medeiros, 2019). Os dois casos apresentados nos capítulos finais são
vastamente ilustrados e explicados, constituindo ricas fontes de informação e
inspiração para entusiastas e simpatizantes das metodologias ativas de solução
de problemas.
A constatação amplamente evidenciada pela diversidade de
experiências apresentadas em diversos níveis de governo de várias regiões do
Brasil é que a inovação pública passa por um processo de sedimentação que
produz extensas mudanças. Do servidor burocrático clássico e do gerente
tecnicamente preparado vê-se surgir um novo perfil profissional que reúne
atributos de liderança e empreendedorismo com a sensibilidade aguçada para
perceber e tentar superar os problemas críticos. Além disso, vê-se que a
preocupação com a inovação está cada vez mais presente no cotidiano das
organizações públicas. Em parte isso decorre das demandas dos ambientes
econômico, tecnológico e sociopolítico, mas também das ações organizacionais
deliberadas que colocam a busca por mudança e modernização nos mais elevados
objetivos estratégicos. O problema é que os novos ordenamentos jurídicos quase
sempre são consequência dos processos de mudança, o que expõe agentes públicos
ao risco de atuar em campo desconhecido pelas regras da burocracia.
Referências
Bason, C. (2010).
Leading Public Innovation: co-creation for a better society. Chicago: Policy
Press, 278 p.
Cavalcante, P
(Org.). (2019). Inovação e Políticas Públicas: superando o mito da ideia.
Brasília: IPEA, 427 p.
Cavalcante, P.;
Goellner, I. D. A.; Magalhães, A. G. (2019). Perfis e características das
equipes e dos laboratórios de inovação no Brasil. In: Cavalcante, P. (Ed.).
Inovação e Políticas Públicas: superando o mito da ideia, cap. 17, p. 315 –
340.
Macena, A.;
Alvarenga, C.; Guimarães, G.; Pessoa, L. Escola das mães: como o design
thinking contribuiu para diminuir as taxas de mortalidade infantil no município
de Santos. In: Cavalcante, P. (Ed.). (2019). Inovação e políticas públicas:
superando o mito da ideia. Brasília: IPEA, cap. 2, p. 29-52.
Silva, G. H. T.;
Medeiros, C. (2019). Jogo da regulação: gamificação e design thinking para
gerar empatia e experiências de aprendizado no ambiente regulatório. In:
Cavalcante, P. (Ed.). Inovação e Políticas Públicas: superando o mito da ideia.
Brasília: IPEA, cap. 21, p. 391 – 408.
HMTL gerado a partir
de XML JATS4R por