Loading [MathJax]/extensions/MathML/content-mathml.js

Casos para Ensino

Experimentando Nudges em São Paulo: Tudo Certo, Só Faltam os Dados!

Applying Nudges in São Paulo: All Good, Except for the Data!

Aplicando Nudges en São Paulo: ¡todo pasa bien, solo faltan los datos!

Fernando do Amaral Nogueira
Fundação Getulio Vargas – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Brasil
Fabio Storino
IC.br – Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, Brasil
Flora Finamor Pfeifer
Liti Saúde, Brasil

Experimentando Nudges em São Paulo: Tudo Certo, Só Faltam os Dados!

Administração Pública e Gestão Social, vol. 15, núm. 2, 2023

Universidade Federal de Viçosa

Recepción: 04 Abril 2022

Aprobación: 14 Septiembre 2022

Publicación: 21 Abril 2023

Resumo: Contexto: Em julho / 2019, a equipe do (011).lab, um laboratório de inovação em governo da Prefeitura de São Paulo, está perto de concluir seu primeiro grande projeto de nudge — uso de ciências comportamentais para influenciar comportamentos de seus cidadãos. Neste caso, é uma aplicação clássica, em que se fazem intervenções em cartas de cobrança de impostos para diminuir a inadimplência e aumentar o valor arrecadado.

Dilema: Após rodar o experimento, os gestores do projeto se deparam com o desafio de ter acesso aos dados, passo fundamental para as análises estatísticas necessárias para avaliar o resultado de suas intervenções. A equipe da Secretaria da Fazenda, parceira na iniciativa, tem receio em partilhar esses dados por conta da Lei de Sigilo Fiscal.

Fechamento: É preciso decidir se é possível seguir com análise mais simples, sem acesso aos dados, ou se há alternativa para conseguir o acesso e insistir na análise completa.

Palavras-chave: Ciências comportamentais, Nudge, Inovação pública, Laboratórios de inovação pública, Implementação de políticas públicas.

Abstract: Context: In July 2019, the (011).lab team, a government innovation laboratory of São Paulo, is close to completing its first major nudge project — using behavioral sciences to influence citizens’ behavior. This project it is a classic application, in which interventions are made in tax collection letters to reduce delinquency and increase the amount collected.

Dilemma: After running the experiment, the project managers face the challenge of being able to access data, a fundamental step for the statistical analyses necessary to evaluate the outcome of their interventions. The team of the Secretariat of Finance, the initiative partners, is afraid to share this data on account of the Tax Secrecy Act.

Case closure: The reader has to decide whether it is possible to follow with simpler analysis, without access to data, or if there is an alternative to gain access and insist on full analysis.

Keywords: Behavioral sciences, Nudge, Public innovation, Public innovation laboratories, Public policy implementation.

Resumen: Contexto: En julio / 2019, el equipo del (011).lab, un laboratorio de innovación gubernamental de São Paulo, está cerca de completar su primer gran proyecto de nudge (uso de las ciencias conductuales para influir en el comportamiento de los ciudadanos). Este proyecto es una aplicación clásica, en la que se realizan intervenciones en cartas de recaudación de impuestos.

Dilema: Después de ejecutar el experimento, los gerentes del proyecto se enfrentan al desafío de poder acceder a los datos, un paso fundamental para los análisis estadísticos necesarios para evaluar el resultado de sus intervenciones. El equipo de la Secretaría de Finanzas, los socios de la iniciativa, tiene miedo de compartir estos datos a causa de la Ley de Secreto Fiscal.

Cierre: Es necesario decidir si es posible seguir con un análisis más simple, sin acceso a los datos, o si hay alternativas para obtener acceso y insistir en el análisis completo.

Palabras clave: Ciencias del comportamiento, Nudge, Innovación pública, Laboratorios de innovación pública, Implementación de políticas públicas.

1 Introdução

Fabio Storino, um dos coordenadores do (011).lab, estava empolgado com o primeiro projeto de nudgeda unidade, um laboratório de inovação em governo vinculado à Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia da Prefeitura de São Paulo. Em meados de julho 2019, depois de muitos meses de estudo e preparação, a equipe estava perto de concretizar seu primeiro experimento significativo no uso de ciências comportamentais para melhoria de políticas públicas — no caso, o aumento de arrecadação de tributos. No entanto, o que parecia andar bem corria o risco de sair dos trilhos.

Havia resistências naturais por parte do parceiro do primeiro projeto, a Secretaria da Fazenda do município. Uma a uma, foram sendo contornadas, sempre sendo possível achar uma nova saída ou alternativa tecnicamente válida. Após meses de negociação e planejamento, a intervenção nas cartas de cobrança do CADIN, um cadastro de devedores, tinha sido testada — quase 16 mil cartas enviadas! E agora, bem na hora do gol, o juiz parecia estar declarando impedimento: a equipe do (011).lab não poderia ter acesso aos dados para análise dos resultados, já que estes eram sujeitos ao sigilo fiscal.

Um ano de trabalho — e talvez até o futuro da iniciativa — estavam em risco. O que fazer para salvar o projeto?

2 Tudo novo: secretaria, coordenações, laboratório

Os projetos de nudge eram fruto de uma trajetória de dois anos de discussão e projetos em inovação em governo da Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia (SMIT). Essa secretaria foi criada pela nova gestão municipal, que havia começado em janeiro de 2017, e combinou tanto projetos e departamentos já existentes, que vieram de diferentes secretarias, como a criação de áreas novas. Entre as áreas novas, destacam-se duas coordenações, uma voltada à prospecção de inovações e a outra à implementação de projetos inovadores. Após sete meses de formação de equipe, capacitação, planejamento e muitas discussões, as duas coordenações decidiram trabalhar de forma conjunta, criando uma unidade informal chamada de (011).lab, laboratório de inovação em governo, com uma governança compartilhada (veja o organograma da secretaria no anexo 1). As lideranças das coordenações e o gabinete da SMIT (composto pelo chefe de gabinete, secretária adjunta e secretário da pasta) entenderam que o conceito de um laboratório era mais fácil de comunicar e de operacionalizar.

A equipe do nascente laboratório era composta de 7 servidores comissionados e um número variável de estagiários (entre 4 e 8, inicialmente). Era uma equipe jovem (com média de idade entre 25 e 35 anos), muitos com formação em cursos de gestão pública e com vontade de inovar nas práticas e procedimentos da área pública. Mas poucos tinham experiência na área pública, e nenhum tinha trabalhado antes em uma unidade de inovação de governo. O gabinete da SMIT apoiou a criação do laboratório na expectativa de que a unidade começasse a gerar resultados concretos ao longo do ano de 2018, mas sabia que era uma iniciativa em formação, que estava tentando fazer algo que não era comum à gestão pública municipal.

A equipe do laboratório optou por buscar entre seus primeiros parceiros as outras coordenações daquela secretaria, desenvolvendo uma série de pequenos projetos baseados em métodos ágeis e práticas de design sprint[1]. Em meio a alguns solavancos, os resultados começaram a aparecer, dando mais confiança à equipe e alimentando a ambição de experimentar novos temas, métodos e parceiros de trabalho. Um assunto se destacava para parte dos membros do laboratório: o uso de ciências comportamentais na melhoria de políticas públicas.

3 Nudges na área pública: a contribuição das ciências comportamentais

A expressão “nudge” pode ser traduzida do inglês como um “empurrãozinho”. Descreve aquele tipo de ação que fazemos, de forma discreta, para incentivar alguém a adotar ou evitar determinado comportamento. Esse termo foi adotado como conceito que sugere aplicações práticas dos insights das ciências comportamentais (behavioral sciences) para influenciar a tomada de decisão, incentivando comportamento desejáveis e/ou minimizando os indesejáveis. Nudges são intervenções simples, baratas e escaláveis, que alteram a forma como a escolha é apresentada para direcionar a uma determinada opção, sem, contudo, tirar a liberdade individual. Um popular exemplo de nudge são adesivos de moscas em mictórios do banheiro masculino, colocados em aeroportos da Holanda, com o objetivo de reduzir a sujeira por lá. Outra versão traz um gol de futebol, desafiando a mira dos usuários. Estudos mostram até 80% de melhoria na limpeza desses ambientes.

Essa área de estudos vem ganhando projeção nas últimas décadas, principalmente a partir do trabalho de pesquisadores de economia comportamental e psicologia que buscam entender como as pessoas realmente agem — e não como gostaríamos que elas agissem. No entanto, sua aplicação em governos é mais recente. Um grande marco é a criação do BIT (Behavioral Insights Team) na Inglaterra, em 2010, que desenvolveu pequenos experimentos comportamentais para aumentar a efetividade de diversas políticas públicas inglesas. Em pouco tempo, a unidade conseguiu mostrar resultados significativos, cresceu consideravelmente e hoje trabalha não só para o governo inglês como também atua em outros países. Também inspirou a criação de diversas outras nudge units em diferentes governos e nos mais diferentes níveis e temas de políticas. A equipe de lá montou um modelo para guiar a aplicação desses insights nas políticas públicas: o acrônimo EAST (easy, attractive, social, tempestive). Para que um comportamento seja atingido, ele deve ser tornado o mais simples possível, removendo barreiras (fácil); deve conseguir chamar atenção do público pretendido (atraente); deve ser enquadrado como algo que as outras pessoas estão fazendo (social); e deve ser incentivado no momento correto, em que as pessoas estejam mais propensas a agir (tempestivo).

A equipe do (011).lab tinha familiaridade com esse tema, tendo mapeado alguns potenciais projetos em seu planejamento anual para 2018. Fabio, em especial, tinha interesse no assunto desde antes de sua experiência na prefeitura, lendo artigos e ouvindo podcastscom relatos sobre experiências de nudge. No entanto, sua atenção nesse momento era totalmente dedicada a outro projeto prioritário na secretária, o de expansão do Wi-Fi público de São Paulo. Sobrava pouco tempo e energia para estudar o assunto mais a fundo, formar e capacitar a equipe e buscar projetos. Isso começou a mudar ao final do semestre seguinte.

4 Aquecendo os motores…

O interesse em iniciar um projeto de nudge ganhou um duplo impulso em junho de 2018. O projeto que tanto ocupava o Fabio começou a entrar em seus estágios finais, liberando seu tempo. Na mesma época, a equipe do (011).lab soube de um evento, organizado pela Enap (Escola Nacional de Administração Pública), que discutiria o uso de ciências comportamentais no governo, com falas de especialistas e a presença de gestores de todo o Brasil interessados no tema. O gabinete topou financiar a viagem, após argumentação da equipe sobre o potencial dessas políticas.

Foi lá que Fabio começou a mergulhar de vez no tema, além de conhecer muita gente interessada no assunto. Dentre essas pessoas, conheceu a Flora Pfeifer, aluna do curso de Economia da USP e que já demonstrava muito interesse e bagagem teórica em nudges. Alguns meses depois, ela foi contratada como estagiária do laboratório para se dedicar totalmente ao tema.

Ao planejar um primeiro projeto e começar a procurar potenciais parceiros dentro da Prefeitura, a equipe percebeu que ainda tinha muito a se desenvolver em termos de capacidades internas. Foi nesse momento que se concretizou a contratação de uma consultoria externa que o (011).lab vinha negociando há tempos. A partir de outubro de 2018, foi possível assim contar com apoio dos consultores do Elo Group, uma empresa brasileira com experiência em inovação pública — incluindo projetos de nudge.

Nesse meio tempo, avançavam as primeiras conversas com a Secretaria da Fazenda para um possível projeto piloto. Essa é uma área tradicional desse tipo de intervenção, já que pequenas ações têm o potencial de trazer resultados concretos. O exemplo clássico, feito pelo já mencionado BIT, trata de mudanças em cartas de cobrança de imposto. Gerou, como resultado, uma arrecadação adicional na casa de dezenas de milhões de libras.

Foram diversas reuniões, primeiro envolvendo os gabinetes, para depois descer às equipes técnicas. Havia um misto de entusiasmo com cautela por parte da equipe da Fazenda — pareciam ver potencial, mas qualquer mudança em um sistema que cobra impostos, taxas e dívidas de milhões de cidadãos sempre causa preocupação.

Finalmente, as conversas avançaram para um potencial projeto piloto envolvendo as cobranças do CADIN (Cadastro Informativo Municipal), um cadastro de inadimplentes de São Paulo. Uma carta é enviada em lotes quinzenais para as pessoas que têm dívidas com o município. Nela existe um alerta: se o valor não for pago em 30 dias, o cidadão irá entrar para o CADIN (é uma etapa de cobrança administrativa antes de entrar para a Dívida Ativa). O projeto focaria nas cobranças de parcelas em atraso do IPTU. Era uma área mais simples de começar do que diretamente na cobrança regular de IPTU, segunda maior fonte de recursos do município e cujos milhões de boletos são enviados todos na mesma época do ano. Decidido o foco e já tendo os contatos de equipes técnicas da Fazenda, a equipe do (011).lab fez o planejamento detalhado e começou suas pesquisas.

5 Começa o projeto: as muitas cartas do CADIN

Fabio e Flora passavam boa parte do tempo inicial do projeto lendo relatórios governamentais e artigos acadêmicos sobre a aplicação destes insights comportamentais em comunicações fiscais. Inglaterra, Polônia, Guatemala, Argentina, Peru… eram vários os exemplos de sucesso pelo mundo. Essas leituras foram importantes para entender o que tinha sido efetivo, em termos de mensagens nos corpos das cartas, e qual era o modus operandi deste tipo de projeto. Em geral, eram elaboradas várias versões de comunicados, cada qual embasada em um princípio. As cartas eram então testadas por meio de um experimento aleatório: as equipes sorteavam, dentro da população, um grupo de pessoas para receber cada tipo de carta, e ainda um grupo que receberia a carta antiga. As proporções de pagamento entre os grupos eram então comparadas, e a carta com melhores resultados era implementada para toda a população.

Além das pesquisas sobre iniciativas similares, a equipe também realizou um trabalho para entender melhor o contexto. Foram feitas conversas com a equipe responsável da Secretaria da Fazenda, buscando mapear o processo e entender quais as possíveis causas da inadimplência. Complementarmente, a equipe realizou visitas à Praça de Atendimento da Fazenda, conversando com atendentes e contribuintes sobre suas possíveis dúvidas e percepções sobre a carta original.

O comunicado original tinha muita informação e letra pequena, e era escrito em uma linguagem complexa e impessoal (veja uma cópia no anexo 2). No redesenho do comunicado, a equipe do (011).lab elaborou algumas hipóteses sobre as razões por trás da inadimplência: as pessoas não entendem o que devem fazer (descrito na literatura como “chamada para ação pouco clara”), como fazer (“passo a passo confuso”), deixam para depois (“pouco senso de urgência”), não sabem o que é CADIN e não enxergam as consequências de não tomar uma providência.

A equipe do (011).lab, com apoio da consultoria técnica, fez algumas oficinas para desenhar as novas versões de comunicado. O primeiro passo foi criar uma carta base, redesenhada levando em conta algumas lições gerais das ciências comportamentais. Tudo que não era essencial foi removido da carta, facilitando a leitura (essa carta e suas outras versões estão disponíveis nos anexos 3 a 7). As principais informações foram colocadas em destaque, em um cabeçalho e em negrito. A linguagem foi simplificada, removendo todos os jargões técnicos. Além disso, a equipe buscou tornar o mais simples possível todo o entendimento do processo de pagamento, removendo possíveis fricções à ação desejada.

A partir dessa versão base, algumas mensagens específicas foram incorporadas, inspiradas nos estudos dos outros contextos. Uma versão incorporou os princípios de norma social, assim como o que foi feito na Inglaterra. Ela enquadra o contribuinte como um indivíduo que está fora do grupo que faz parte da maioria e leva à mudança de comportamento por fazê-lo se perceber como desviante. O conteúdo relaciona a chamada para ação com o comportamento da maioria: “faça parte da maioria que está em dia com São Paulo” e “a maioria dos paulistanos pagou o seu IPTU no prazo. Faça como eles e fique em dia com o município”.

Uma outra versão propôs uma abordagem mais alarmista e ameaçadora. Ela busca quebrar a inação (não pagar), por enquadrá-la como uma escolha deliberada e imprimir um senso de urgência. O documento traz o seguinte trecho: “até o momento, consideramos que o fato de você não estar em dia com seu IPTU foi por um descuido. No entanto, se você não pagar em até 30 dias, entenderemos que essa foi a sua escolha e você entrará no CADIN e depois na Dívida Ativa do município”.

Houve ainda um comunicado com a intenção de aumentar a percepção sobre os custos da inadimplência, destacando todas as possíveis consequências do não pagamento. Ao encerrar, o documento enquadra a opção do não pagamento como a “pior escolha” para ambos os lados com o trecho: “ninguém quer que isso aconteça: nem você, nem a prefeitura”.

Por fim, uma última carta trouxe as informações em um fluxograma, com o passo a passo para o pagamento. Os elementos visuais podem dar uma maior saliência às informações da carta, facilitando a leitura.

As cartas foram elaboradas em forma de protótipo inicial. Ao longo das semanas seguintes, diversas alterações foram feitas ao passar por revisões e interações de outras pessoas do laboratório, da equipe da Fazenda, e com base em conversas rápidas com alguns cidadãos abordados na rua, até chegarem nas versões finais, prontas para o desenvolvimento oficial na empresa de tecnologia da Prefeitura. Era preciso que a equipe da Prodam adaptasse às cartas ao sistema que emitia os comunicados e imprimia as cartas para o envio por correio.

6 É hora do teste

Para saber qual carta funcionaria melhor aqui em São Paulo, era necessário testá-las. A forma mais indicada de se fazer isso seria por meio de um experimento aleatório.

A cada quinzena há uma remessa de cerca de 60.000 comunicados CADIN sobre dívidas de IPTU enviados aos devedores. A equipe pensou em realizar o teste em uma dessas remessas. O plano era o seguinte: desses 60.000, seriam sorteados grupos de amostras para cada uma das cartas, e mais um grupo que receberia a carta original (“controle”) para servir de comparação. A equipe calculou que precisariam de cerca de 4.000 pessoas por grupo para garantir uma amostra estatisticamente significante. Sabia-se, ainda, que havia mais de um endereço cadastrado por CPF/CNPJ, então era necessário o cuidado para para evitar a contaminação entre os grupos (uma mesma pessoa receber diferentes versões do comunicado).

Para fazer essa separação entre os grupos, seria necessário pegar a base total, emitida no dia da remessa, e aplicar um código de sorteio, gerando bases menores, separadas, cada qual relacionada a um tipo de comunicado.

No entanto, Fabio e Flora foram surpreendidos com uma limitação: já que os dados eram protegidos pela Lei de Sigilo Fiscal, apenas auditores fiscais poderiam acessá-los. A capacidade técnica para esse procedimento se encontrava exclusivamente na equipe da SMIT e na sua consultoria de apoio — seria necessário pensar em alguma forma de operacionalizar essa atividade à distância. A solução encontrada foi o desenvolvimento de um código que realizaria a aleatorização automaticamente, com apenas um clique do gestor da Fazenda. Apesar de um atraso no cronograma do projeto para desenvolvê-la e fazer seus testes de integridade, a ferramenta foi elaborada com sucesso.

No entanto, este atraso no cronograma acabou levando ao adiamento do teste: a operação de guerra de envio do IPTU, em janeiro e fevereiro de cada ano, faz com que a remessa do CADIN seja paralisada e só volte ao longo de abril ou maio. Nesse meio tempo, surgiu uma vaga para um cargo de entrada na gestão pública paulistana. Flora, há poucos meses de se formar, foi contratada e passou a fazer parte da equipe efetiva do (011).lab.

Finalmente, em 26 de junho de 2019, foram enviadas as cartas-teste: um total de 15.178 comunicados CADIN do IPTU parcelado, para pessoas físicas e jurídicas. A intenção era então analisar os resultados após o prazo informado (30 dias) e mensurar as diferenças entre as taxas de regularização entre os grupos, conforme o tipo de carta recebida.

Depois de vários começos em falso, as coisas pareciam andar. O (011).lab tinha começado outros projetos de nudge em paralelo em outras secretarias, mas com poucos resultados significativos. Esse projeto com a Fazenda prometia finalmente validar a aposta do gabinete.

7 Resultados à vista… ou não?

Após as comemorações por ter conseguido pôr o projeto em prática, a expectativa das equipes envolvidas era conseguir comparar os resultados no final de julho. Em reunião para planejar esse próximo passo, surgiu imprevisto: a equipe da Fazenda não queria repassar os dados das amostras testadas em função da Lei do Sigilo Fiscal. A Fazenda se propôs a comparar diretamente os percentuais e ver qual carta era a mais eficiente, mas a equipe do (011).lab queria ter uma avaliação mais aprofundada, com análises complementares para testar a significância, fazer correções estatísticas e checagens de balanceamento. Conseguir fazer as análises a partir de uma base anonimizada era outro desafio adicional.

Fabio e Flora saíram da reunião preocupados. Antes de voltar à Secretaria de Inovação, pararam em um café para retomar o fôlego e pensar o que fazer diante desse impasse. Seria bom ter algumas ideias práticas para apresentar ao gabinete de SMIT, em reunião que aconteceria ainda naquela semana.

Anexo 1: Organograma da Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia (2019)
Anexo 1: Organograma da Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia (2019)

Figura 2: Carta usada até início de 2019 para cobrança do Cadin
Anexo 2: Carta padrão (controle)
Figura 2: Carta usada até início de 2019 para cobrança do Cadin
Fonte: autores, a partir de documento elaborado pelo (011).lab.

Figura 3: Carta revisada para teste, versão “simplificada”
Anexo 3: Carta simplificada
Figura 3: Carta revisada para teste, versão “simplificada”
Fonte: autores, a partir de documento elaborado pelo (011).lab.

Figura 4: Carta revisada para teste, versão “simplificada gráfica”
Anexo 4: Carta simplificada gráfica
Figura 4: Carta revisada para teste, versão “simplificada gráfica”
Fonte: autores, a partir de documento elaborado pelo (011).lab.

Figura 5: Carta revisada para teste, versão “norma social”
Anexo 5: Carta norma social
Figura 5: Carta revisada para teste, versão “norma social”
Fonte: autores, a partir de documento elaborado pelo (011).lab.

Figura 6: Carta revisada para teste, versão “escolha deliberada”
Anexo 6: Carta escolha deliberada
Figura 6: Carta revisada para teste, versão “escolha deliberada”

Figura 7: Carta revisada para teste, versão “consequências”
Anexo 7: Carta consequências
Figura 7: Carta revisada para teste, versão “consequências”
Fonte: autores, a partir de documento elaborado pelo (011).lab.

Notas de ensino – Experimentando Nudges em São Paulo: Tudo Certo, Só Faltam os Dados!

Sinopse

Em julho de 2019, a equipe do (011).lab, um laboratório de inovação em governo da Prefeitura de São Paulo, está perto de concluir seu primeiro grande projeto de nudge — o uso de ciências comportamentais para influenciar comportamentos de seus cidadãos. Neste caso, é uma aplicação clássica, em que se fazem intervenções em cartas de cobrança de impostos para diminuir a inadimplência e aumentar o valor arrecadado. Após rodar o experimento, Fabio e Flora, gestores do projeto, se deparam com o desafio de ter acesso aos dados, passo fundamental para as análises estatísticas necessárias para avaliar o resultado de suas intervenções. A equipe da Secretaria da Fazenda, parceira na iniciativa, tem receio em partilhar esses dados por conta da Lei de Sigilo Fiscal.

Objetivos didáticos

O principal objetivo didático do caso é que seus leitores entendam os processos e os desafios da aplicação de um projeto de inovação pública, em especial iniciativas que fazem uso de insights das ciências comportamentais. Em seguida, devem ser capazes de formular alternativas de ação, buscando um equilíbrio entre as recomendações da literatura e das boas práticas de ciências comportamentais e a realidade do cotidiano da gestão pública.

O caso é indicado a aulas e disciplinas que discutem[2]:

· Inovação pública e novos métodos de gestão pública;

· Planejamento e implementação de políticas públicas;

· Uso de ciências comportamentais para orientar intervenções em comportamento humano;

· Métodos experimentais de análise de impacto.

Pode ser aplicado para alunos de graduação (mais próximos ao final do curso, pois demanda um considerável repertório de gestão pública e áreas correlatas) bem como cursos de pós-graduação.

Fontes de dados

A elaboração do caso teve como fonte principal entrevistas com os gestores envolvidos no casos, Fabio Franklin Storino (Coordenador de Projetos de Inovação Pública / (011).lab) e Flora Pfeiffer (gestora do projeto). Foram feitas duas entrevistas semiestruturadas, cada uma com cerca de 1 hora de duração. Na primeira entrevista, a preocupação principal foi de coletar as informações gerais do caso, dados sobre as organizações envolvidas, sobre o contexto em que o projeto acontece e sobre os personagens envolvidos. A partir daí, os autores organizaram a linha cronológica dos eventos e estruturaram a narrativa a ser contada. A segunda entrevista teve como foco detalhar a situação-problema priorizada, entrando nas minúcias da implementação do projeto, das dificuldades e alternativas consideradas.

Também foram recolhidos documentos relevantes para o caso, como o organograma da secretaria e as cartas utilizadas no experimento.

Questões para discussão

Sugere-se as seguintes questões de estudo aos alunos como preparação à discussão do caso:

1. O que mais chamou sua atenção sobre a forma como o projeto de nudge em São Paulo está sendo implementado?

2. Que aspectos levaram ao conflito exposto e como poderiam ter sido minimizados ao longo das etapas anteriores do projeto?

3. Quais estratégias podem ser tomadas pela equipe do projeto para contornar a questão?

Espera-se que os alunos abordem os seguintes pontos ao responder as perguntas.

1. É possível destacar diversas características de projetos de inovação (em geral) e/ou de nudge (em específico), como a inspiração em métodos ágeis / design thinking; a importância de diferentes formas de pesquisa (desk research / revisão de literatura, pesquisa de campo); contato direto com o público-alvo da política pública (no caso, os contribuintes); a construção conjunta com os servidores responsáveis pela política; os cuidados metodológicos para que o teste tenha validade estatística; a abertura da equipe para adaptar o que foi planejada à medida que o projeto vai se desenrolando; a necessidade de ter equipes multidisciplinares, com diferentes habilidade e capacidades. Também é interessante notar a demora que o projeto tem, possivelmente por ser novidade no contexto em que está aplicado e por mudar como a política vem sendo feita tradicionalmente; possíveis resistências da equipe da secretaria da Fazenda.

2. A análise dos fatos apresentados no caso aponta para algumas hipóteses. As principais incluem a pouca experiência prática em gestão pública de parte dos integrantes do laboratório; a novidade no tipo de projeto de ciências comportamentais (é o primeiro desse tipo do (011).lab); a complexidade do tipo de projeto, que pode não ter sido bem explicada pela equipe do laboratório e/ou bem compreendida pela secretaria da Fazenda. É possível pensar se a posição não expressa uma resistência latente dos servidores públicos ao projeto, quem sabe preocupados que seu sucesso jogue luz sobre os problemas da secretaria; ou ainda, que o potencial sucesso aumente a reputação do laboratório enquanto diminui a da secretaria (“ah, são eles os inovadores, não os burocratas antiquados...”). Dar mais atenção à comunicação e ao relacionamento com os parceiros parece ser chave para evitar problemas desse tipo no futuro.

3. Há algumas opções. A primeira, de deixar que as análises sejam feitas diretamente por um servidor da Fazenda, não parece ideal, dado que não segue os protocolos devidos de um RCT (importante para dar confiança às análises e credibilidade ao resultado). Também é possível tentar uma articulação de cunho mais político, envolvendo o gabinete da SMIT ou quem sabe até o Prefeito. É possível que dê resultado, mas também pode gerar inimizade e ainda mais resistência por parte da burocracia da Fazenda. Outra opção é seguir argumentando no nível técnico, ressaltando a importância de terem acesso aos dados para fazer a análise mais completa possível. Finalmente, é possível tentar buscar alternativas para proteger os dados (por exemplo, com técnicas de criptografia e hasheamento) e assim tranquilizar a preocupação dos servidores quanto à Lei. Não há uma única forma correta de responder a essa questão. O mais importante é observar se o aluno argumenta de forma consistente com os dados do caso e entrelaça questões políticas, técnicas, jurídicas e de negociação / comunicação em sua proposta de ação.

Principais conceitos e teorias mobilizados pelo caso

Implementação de políticas públicas. A implementação faz parte do conhecido ciclo das políticas públicas, que compreende em termos gerais as fases de formação de agenda, formulação de alternativas, tomada de decisão, implementação, monitoramento e avaliação (Howlett & Ramesh, 1995). É na fase da implementação que as políticas públicas são de fato executadas, tornando-se tangíveis e sendo colocadas em prática no mundo real. Tem havido maior interesse por esse fenômeno nos últimos anos, com cada vez mais pesquisas evidenciando que não é apenas uma etapa que se segue “naturalmente” após o planejamento (ou seja, não basta apenas fazer o que foi planejado); que as fronteiras entre formulação e implementação são mais fluídas do que o ciclo faz parecer; e que os burocratas que de fato lidam com o dia a dia da política pública — tanto os de médio escalão quanto os chamados burocratas de rua — têm muito mais poder de influenciar a forma como a ação acontece do que se pensava inicialmente (Sabatier, 1998; Marques, 2003; Lotta et al., 2018).

O caso aqui discutido evidencia claramente esses pontos levantados acima. Ele ilustra também como, em processos inovadores, em que se implementa pela primeira vez dado tipo de ação pública, a implementação ganha ainda mais relevância frente ao planejamento. Não é que não seja importante planejar, mas no contato com a realidade — por exemplo, com as equipes parceiras da Fazenda — se revelam desafios e potencialidades antes não observadas, que influenciam a forma como a política é implementada. Isso pode ser explicado tanto pela pouca experiência da equipe do laboratório, que está se formando à medida que desenvolve novos projetos, como pelo contexto da Prefeitura de São Paulo, um ambiente novo para esse tipo de política e que pode demandar adaptações dado suas características institucionais e culturais.

Laboratórios de Inovação Pública. As demandas por uma administração pública mais transparente, eficaz e próxima ao cidadão tem levado à busca de novos modelos de gestão, baseados em inovação aberta, co-criação de políticas, abertura de dados e métodos inspirados em práticas de design thinking. Nesse cenário, tem se tornado mais comum a implementação de laboratórios de inovação (iLabs): espaços para geração de ideias e soluções para os problemas públicos a partir de uma abordagem colaborativa, envolvendo o setor privado e a sociedade civil (Acevedo & Dacen, 2016; Schuurman & Tõnurist, 2017). Há um aumento do número de experiências nacionais (Cavalcante, 2019) e internacionais (Acevedo & Dacen, 2016).

O caso dialoga diretamente com diversos pontos levantados pela literatura, seja no potencial dos iLabs em criar e facilitar processos de inovação, seja no enfrentamento às barreiras à inovação na área pública, entre as quais temos pressões para entrega de resultados e sobrecarga nas atividades administrativas, planejamento e orçamento de curto prazo, cultura de aversão ao risco (Mulgan & Albury, 2003). Finalmente, um ponto que pode ser discutido é sobre o desafio de escalar os projetos inovadores, como apontado por Mulgan (2014). É possível discutir o tipo de capacidade institucional que o laboratório terá de desenvolver se quer passar de projetos pilotos para uma política de nudge em larga escala na Prefeitura.

Nudge: uso de ciências comportamentais em políticas públicas. Em 2008, Richard Thaler e Cass Sunstein publicaram o livro “Nudge”. Neste, sugerem que um desenho cuidadoso na forma como as escolhas são apresentadas às pessoas pode direcionar a decisão para uma determinada opção. Partindo de pesquisas empíricas da economia comportamental, psicologia e áreas correlatas, os autores definem nudges como intervenções simples, baratas e transparentes, que alteram a arquitetura de escolha em prol de uma opção, sem, contudo, alterar os incentivos de forma que não seja mais razoável manter-se com a mesma escolha (como proibir uma opção ou alterar os incentivos econômicos — Thaler & Sunstein, 2008). Na última década, unidades de ciências comportamentais aplicadas a políticas públicas — popularmente apelidadas de nudge units — surgiram e se multiplicaram pelo mundo.

Um dos principais métodos usados na aplicação de nudges é o experimento aleatório controlado (do inglês Randomized Controlled Trial, RCT). Ele tem sido amplamente utilizado para avaliar o impacto de intervenções das ciências comportamentais. O método, tradicional das áreas farmacêuticas, foi trazido às ciências sociais recentemente, em especial devido ao trabalho de Duflo, Kremer e Banerjee, laureados com o “Nobel” da economia em 2019 (Svensson, Fredriksson, & Persson, 2019).

As intervenções comportamentais ganharam destaque na área de arrecadação fiscal. Em 1995, foi realizado o primeiro projeto do gênero, com o Departamento de Receita de Minnesota, nos Estados Unidos. Novas cartas foram desenhadas, com um princípio de normal social (a maioria dos cidadãos está com os impostos em dia), e o impacto foi mensurado por meio de um experimento de campo, com resultados positivos e significantes (Coleman, 1996). Aplicação similar foi feita no Reino Unido, na qual a nova carta trazia a informação de que “9 entre 10 cidadãos pagaram seus impostos em dia”, o que trouxe um aumento de 5,1% na taxa de pagamento se comparado ao grupo de controle (Hallsworth et al., 2017). Desde então, aplicações similares foram feitas ao redor do mundo, com variadas taxa de sucesso a depender do princípio testado e do contexto local.

O caso do nudge em SP ilustra essa aplicação, com a escolha aleatória entre quem receberá o tratamento (as novas cartas) e quem permanecerá como está (a carta tradicional). Depois de um tempo, comparam-se os indicadores de resultado entre os dois grupos, e a diferença nas médias é o impacto causado por aquele fator (controlando os resultados para outras potenciais variáveis relevantes, é claro).

Este método é considerado o padrão-ouro da avaliação de impacto, ou seja, o que mais precisamente consegue afirmar relação causal entre a intervenção e o resultado observado. Com a divisão aleatória entre tratamento e controle, garante-se que os grupos sejam os mais parecidos possíveis, seja de características observáveis ou não-previstas, mas que podem ter algum impacto no experimento. Além disso, como a análise é feita em um mesmo momento do tempo, evita-se que algum outro fator, como uma mudança no ciclo econômico, impacte o resultado. A relevância de seguir tais métodos para legitimar o experimento e os resultados obtidos explica a relutância de Fabio e Flora em deixar que a própria equipe da Fazenda fizesse comparações diretas dos resultados.

Sugestão de leituras complementares ao caso

Caso julgue adequado, o/a professora/a pode pedir que a turma leia também os seguintes textos de forma complementar ao caso (antes ou depois da aula):

Cavalcante, P.; Mendonça, L.; Brandalise, I. (2019). Políticas públicas e design thinking: interações para enfrentar desafios contemporâneos. In: CAVALCANTE, P (org.). Inovação e políticas: superando o mito da ideia. Brasília: Ipea.

Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9383/1/Pol%c3%adticas%20p%c3%bablicas%20e%20design.pdf

Este artigo traz uma boa contextualização geral sobre o desafio de inovar no contexto da administração pública brasileira.

Campos Filho, A.; Sigora, J.; Bonduki, M. (2020). Ciências comportamentais e políticas públicas. In:Ciências comportamentais e políticas públicas: o uso do SIMPLES MENTE em projetos de inovação. Brasília: Enap. p. 20 a 37.

Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/5219/1/gnova_simplesmente_digital_simples.pdf

Este artigo traz uma boa revisão da literatura sobre uso de ciências comportamentais na gestão pública.

Plano de ensino (para uma aula de 80 a 100 minutos)

Sugere-se a distribuição do caso com 1 a 2 semanas de antecedência para leitura pelos alunos. O envio das “Questões para discussão” também é recomendado, facilitando a análise preliminar dos alunos sobre o caso.

O plano abaixo pressupõe que a classe já terá lido o caso e estará apta a fazer a discussão, facilitada pelo professor.

Quadro 1: Plano de ensino sugerido
Quadro 1: Plano de ensino sugerido
Fonte: autores.

O que aconteceu no caso real

Fabio e Flora perceberam, em primeiro lugar, que houvera uma falha na comunicação sobre a metodologia e as etapas do projeto. A equipe da Fazenda tinha entendido sobre o porquê do experimento, mas não o tipo de análise estatística que seria necessária para validar os resultados. Como primeiro aprendizado de projeto de inovação pública, alguns conceitos são complexos e precisam ser explicados no detalhe, de forma didática e adequado à linguagem do parceiro. Além disso, ferramentas que explicitem as tarefas de cada parte e as etapas do projeto podem ajudar na pactuação logo no início do projeto.

Além disso, a equipe do (011).lab, em formação, ainda não tinha completo domínio do tema para saber quais dados precisariam ou como detalhar as análises que fariam. Para suprir esta lacuna de capacidade técnica, procuraram a academia. Em conversa com pesquisadores que tinham mais experiência em nudges, foram-lhes sugeridos duas estratégias para trabalhar com os dados protegidos sob sigilo fiscal: fazer uma sala de sigilo ou conseguir acesso à base anonimizada. Por sala de sigilo, entende-se uma máquina na própria Secretaria da Fazenda sem acesso à internet e às entradas USBs desabilitadas. A estratégia da base anonimizada dependeria da Secretaria da Fazenda preparar a base dos dados, retirando dados sensíveis e transformando-os em códigos anônimos.

Foram sugeridas estas duas estratégias para a equipe da Fazenda. Esta decisão passou por diversas instância dentro da Secretaria, uma vez que se tratava de um tema delicado e envolvia os dados de outro departamento. Foi necessário ainda entrar com um pedido formal via Sei (o sistema eletrônico de processos da Prefeitura) e articular também via gabinete. Depois de alguns meses, tiveram acesso à base de dados anonimizada — a análise seria limitada, pois não se tinha acesso a dados relevantes como valor devido, mas seria um começo. Neste meio tempo, Fabio e Flora contrataram uma consultora especializada em métodos experimentais de análise de impacto para ajudar com a análise. Depois de suas conversas com a academia, ficou claro que aquela competência técnica estava, por hora, além da capacidade interna da equipe.

Com os primeiros resultados da análise, verificou-se que duas cartas tiveram impacto positivo e significante estatisticamente: a carta de consequências (anexo 7 do caso) e a de escolha deliberada (anexo 6 do caso) O aumento mensurado foi de 4 (8,4%) e 3,05 (6,2%) pontos percentuais na taxa de regularização, respectivamente, em comparação com a carta antiga. Foi possível calcular uma primeira estimativa do potencial de aumento de arrecadação no ano, caso a melhor carta fosse implementada: chegava na ordem de dezenas de milhões de reais.

A fim de conseguir que a melhor carta fosse de fato implementada como carta oficial e de conseguir demais dados para refinar a análise, o (011).lab agendou uma reunião de apresentação dos resultados envolvendo os Subsecretários dos dois departamentos envolvidos, além da equipe técnica envolvida. Preparam os materiais, apresentando os resultados de forma objetiva e mostrando o rigor da análise. Esta reunião foi crucial para ganhar o apoio interno do outro departamento no projeto. Como resultado, decidiu-se pela implementação da melhor carta e conseguiram aprofundar as análises por meio de uma sala de sigilo.

O sucesso deste projeto abriu ainda as portas para novos projetos de inovação na Secretaria da Fazenda, de ciências comportamentais e de outras iniciativas do laboratório. Para mais informações, recomendamos a leitura do seguinte documento:

Prefeitura de São Paulo. (011).lab. (2019). Como aumentar o pagamento de impostos em atraso?: dívidas do imposto predial e territorial urbano (IPTU) parcelado. São Paulo. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/5220.

Referências

Acevedo, S., & Dacen, N. (2016). Innovation for better management. the contribution of public innovation labs (IDB Technical Note; 1101). USA: IADB.

Cavalcante, P. (Org.). (2019). Inovação e Políticas Públicas. superando o mito da ideia. ENAP: Brasília.

Coleman, S. (1996). The Minnesota income tax compliance experiment. State tax results, MPRA Paper, University Library of Munich, Germany. Disponível em: https://EconPapers.repec.org/RePEc:pra:mprapa:4827.

Howlett, M., & Ramesh, M. (1995). Studying Public Policy. Policy Cicles and Policy Subsystems. Ontario, CA: Oxford University Press

Hallsworth, M., List, J. A., Metcalfe, R. D., & Vlaev, I. (2017). The behavioralist as tax collector: Using natural field experiments to enhance tax compliance. Journal of Public Economics, 148(1), 14–31.

Lotta, G., & Nunes, A. C., Cavalcanti, S., Ferreira, D. D., & Bonat, J. (2018). Por uma agenda brasileira de estudos sobre implementação de políticas públicas. Revista do Serviço Público, 69(4), 779-810

Marques, E. (2003). Redes sociais, instituições e atores políticos no governo da cidade de São Paulo. São Paulo: Annablume

Mulgan, G., & Albury, D. (2003). Innovation in the public sector. Londres: Cabinet Office Strategy Unit.

Mulgan, G. (2014). The radical’s dilemma. an overview of the practice and prospects of Social and Public Labs (Version 1). UK: NESTA.

Sabatier, P. (1998). The advocacy coalition framework: revisions and relevance for Europe. Journal of European public policy, 5(1), 98-130

Schuurman, D., & Tõnurist, P. (2017). Innovation in the Public Sector: Exploring the Characteristics and Potential of Living Labs and Innovation Labs. Technology Innovation Management Review, 7(1), 7-14.

Svensson, J., Fredriksson, P., & Persson, T. (2019). The Prize in Economic Sciences 2019: Popular Science Background. The Royal Swedish Academy of Sciences, 2019. Recuperado de https://www.nobelprize.org/uploads/2019/10/popular-economicsciencesprize2019-2.pdf, em 25 de maio de 2020.

Thaler, R., & Sunstein, C. (2008). Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness. London: Penguin House.

HTML generado a partir de XML-JATS4R por