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Estratégias de Marketing Social adotadas na Campanha Lei do Minuto Seguinte
Social Marketing Strategies adopted in the Next Minute Law Campaign
Estrategias de Marketing Social adoptadas en la Campaña Ley del Minuto Siguiente
Estratégias de Marketing Social adotadas na Campanha Lei do Minuto Seguinte
Administração Pública e Gestão Social, vol. 15, núm. 2, 2023
Universidade Federal de Viçosa
Recepción: 29 Mayo 2022
Aprobación: 09 Septiembre 2022
Publicación: 21 Abril 2023
Resumo: Objetivo da pesquisa: compreender as decisões relativas à definição do público-alvo e às estratégias adotadas para a execução da campanha.
Enquadramento teórico: busca, por meio da lente do Marketing Social e suas estratégias, descrever e analisar a campanha Lei do Minuto Seguinte, lei que garante atendimento emergencial, completo e gratuito nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência sexual.
Metodologia: de natureza qualitativa, este artigo é um estudo de caso da campanha Lei do Minuto Seguinte, lançada em 2018, a partir de uma iniciativa da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, órgão do Ministério Público Federal em colaboração com a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP).
Resultados: percebeu-se que o público primário foram as mulheres e que a campanha contou com apoio institucional e de voluntários, ocorrendo de forma não estruturada. Somado a isto, o desconhecimento das leis que garantem auxílio para as mulheres é significativo.
Originalidade: realização de um estudo de caso utilizando a lente teórica do Marketing Social a fim de avaliar o processo de lançamento de uma campanha cujo assunto é tênue e preocupante para a qualidade de vida no Brasil.
Contribuições teóricas e práticas: notou-se a necessidade de avaliar e validar os efeitos das ações da campanha desde o seu lançamento até o momento. Além disso, foi possível identificar que novas campanhas precisam educar diferentes públicos envolvidos de forma indireta, como homens e crianças, e, consequentemente, novas pesquisas precisam ser realizadas a fim de entender os impactos de cada campanha lançada cujo objetivo seja alterar o comportamento do indivíduo e da sociedade como um todo.
Palavras-chave: Lei do Minuto Seguinte, Violência contra a mulher, Marketing Social.
Abstract: Research objective: to understand the decisions regarding the definition of the target audience and the strategies adopted for the execution of the campaign.
Theoretical framework: seeks, through the lens of Social Marketing and its strategies, to describe and analyze the Lei do Minuto Seguinte campaign, a law that guarantees emergency, complete and free care in hospitals of the Unified Health System (SUS) to victims of sexual violence.
Methodology: of a qualitative nature, this article is a case study of the Lei do Minuto Seguinte campaign, launched in 2018, from an initiative of the Regional Attorney for Citizens' Rights of São Paulo, an agency of the Federal Public Ministry in collaboration with the Associação Brazilian Association of Advertising Agencies (ABAP).
Results: it was noticed that the primary audience were women and that the campaign had institutional and voluntary support, occurring in an unstructured way. Added to this, the lack of knowledge of the laws that guarantee assistance to women is significant.
Originality: carrying out a case study using the theoretical lens of Social Marketing in order to evaluate the process of launching a campaign whose subject is tenuous and worrying for the quality of life in Brazil.
Theoretical and practical contributions: the need to evaluate and validate the effects of the campaign's actions from its launch to date was noted. In addition, it was possible to identify those new campaigns need to educate different audiences involved indirectly, such as men and children, and, consequently, new research needs to be carried out in order to understand the impacts of each campaign launched whose objective is to change the behavior of the individual. and society as a whole.
Keywords: “Lei do Minuto Seguinte”, Violence against women, Social Marketing.
Palabras clave: “Lei do Minuto Seguinte”, La violencia contra las mujeres, Mercadeo social
Introdução
A quantidade de vítimas de violência sexual, no Brasil, tem crescido nos últimos anos. No ano de 2016, ocorreram 66.123 ocorrências de estupro, de acordo com os dados do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Bueno & Lima, 2020), mas apenas 22.918 foram atendidas pelo Sistema Único de Saúde - SUS, conforme o Atlas da Violência (2018). Os números referem-se a estupros de mulheres e de homens, embora as mulheres sejam as maiores vítimas. Ainda sobre o anuário, 85 a 88% dos casos de crimes de violência sexual são do sexo feminino. Desta forma, é perceptível os problemas sociais existentes no Brasil em relação ao público feminino, mesmo este sendo a maior parte da população (IBGE, 2010).
A violência sexual contra a mulher não ocorre apenas em países emergentes como o Brasil, estudos afirmam que, no Estados Unidos, um país considerado como desenvolvido, cerca de 52,2 milhões de mulheres (43,6%) sofreram alguma forma de violência sexual durante sua vida (Smith et al., 2018). Destarte, a violência sexual contra à mulher é caracterizada como um grande problema de saúde pública global (Robert, Paterson, & Francas, 1999; World Health Organization, 2018).
Em vista disso, há algumas legislações que conferem proteção às mulheres, dentre estas, destaca-se a lei n° 12.845/2013 que garante direitos às pessoas em vítimas de violência sexual, válida desde 2013, porém não tem se mostrado eficiente. Por um lado, há o desconhecimento tanto da população afetada diretamente como pelo público que lida com o atendimento. Neste sentido, Souza (2019) afirma que há resistência dos serviços públicos de saúde no cumprimento desse dispositivo. Conforme dados do Ministério Público Federal (2018a), ao procurarem unidades públicas de saúde após sofrerem violência sexual, muitas pessoas deixam de receber o atendimento previsto na lei e são encaminhadas para casa sem serem atendidas, devido à falta de conhecimento dos profissionais sobre o que diz a lei. Segundo o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Lima et al., 2016), além de ocorrer a culpabilização das vítimas de estupro, há respostas negativas das autoridades e descrenças aos relatos de abuso, o que afeta a decisão das vítimas em denunciar os atos sofridos.
Estudos anteriores foram capazes de demonstrar que o Marketing Social tem a capacidade de conscientizar as normas sociais existente em determinados ambientes (Robert et al., 1999; Konradi & Debruin, 2003; Potter, Moynihan, & Stapleton, 2011; Stewart, Wright, Smith, Roberts, & Russell, 2021). Ademais, Robert et al. (1999) abordaram justamente sobre a violência sexual contra a mulher, assim como Potter et al. (2011) e ambos descobriram que, após a realização das campanhas – com estratégias do Marketing Social – foi possível obter um aumento não só da conscientização em si (Robert et al., 1999), mas também, das atitudes (Potter et al., 2011) para as pessoas que faziam parte do público-alvo da campanha.
Considerando que a violência contra a mulher é uma questão de saúde pública nacional e internacional, se apresenta a relevância de identificar e avaliar ações que atuam para a mitigação do problema em contextos em que há desigualdade de gênero e fazem uso de campanhas de marketing social (Flood, 2011; Stewart et al., 2021).
No Brasil, com o resultado de um inquérito civil, conduzida pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo desde 2016 a fim de investigar as deficiências do atendimento na rede pública de saúde em casos de violência sexual, a Procuradoria, em parceria com outras entidades, lançou em 2018 a campanha “Lei do minuto seguinte”. A execução da campanha contou com a colaboração de diversas entidades e ações voluntárias. Ademais, a procuradora realizou reuniões com os secretários estaduais e municipais de saúde e com os profissionais da segurança pública, a fim de dar conhecimento da lei e da campanha, e dar um prazo para disporem de estrutura adequada nos hospitais e capacitar os profissionais para atender as vítimas.
Este estudo descritivo teve como objetivo compreender as estratégias adotadas na campanha à luz do Marketing Social a partir da visão dos idealizadores. Espera-se que o trabalho possa contribuir para os avanços teóricos e gerenciais no que tange aos modelos de planejamento e execução de iniciativas protetivas à violência contra mulher no Brasil e em outros contextos.
O artigo está dividido em seis partes, a saber: a primeira foi a introdução, apresentando o contexto e o objetivo geral deste trabalho; em seguida, há o desenvolvimento do embasamento teórico a partir de duas esferas: o Marketing Social e suas características, e a violência contra mulher, destacando os problemas sociais que esta enfrenta; por conseguinte, discute-se a contextualização da campanha Lei do Minuto Seguinte e sua relação com o Marketing Social; por fim, destaca-se as principais descobertas do trabalho e suas limitações.
O Marketing Social e suas estratégias
O Marketing Social pode ser definido como um processo que aplica princípios e técnicas de marketing para criar, comunicar e fornecer valor a fim de influenciar comportamentos do público-alvo que beneficiem a sociedade (Brychkov & Domegan, 2017; Kotler & Lee, 2019; Lefebvre et al., 2020). Ou, ainda, como uma subdisciplina do marketing voltada para a aplicação do conhecimento e das técnicas de marketing às causas sociais, estando envolvidos, muitas vezes, com propósitos que visam mudanças de comportamentos individuais e coletivos.
No que se refere à tentativa de influenciar a mudança de comportamento das pessoas, pode-se mencionar a inclusão dos seguintes propósitos de uma campanha: a aceitação de um novo comportamento ou a rejeição de outro, bem como modificar um comportamento atual, ou abandonar um velho hábito (Kotler & Lee, 2019).
Além disso, segundo Wood (2016), é relevante procurar influenciar as políticas públicas e reduzir as barreiras comportamentais que impedem as mudanças e transformá-las em oportunidades coletivas, em vez de tentar melhorar as condições de saúde individuais. Assim, campanhas de marketing social podem ser mais efetivas quando se fundamentam em um direcionamento para grupos e coletivos que incluem desde os sujeitos aos quais se objetiva a mudança de comportamento, como todos os outros sujeitos que a este se vinculam, isso pode incluir familiares, amigos, colegas de trabalho, dentre outros subgrupos (Ajzen & Fishbein, 1980; Robert et al., 1999; Konradi & Debruin, 2003).
De acordo com Lefebre et al. (2020), o Marketing Social faz uso de estratégias de marketing para influenciar a mudança de comportamento voluntária. Quando se planeja uma campanha, é necessário saber quem serão os indivíduos ou grupos consumidores dos produtos da mesma, designados por adotantes escolhidos como alvo ou público-alvo. Para obter o conhecimento de cada grupo de adotantes, existem fatores a pesquisar, como as suas características comportamentais, o perfil psicológico e características sociodemográficas (Levit & Cismaru, 2020).
O processo de Marketing Social se inicia no momento em que pessoas ou organizações apontam um problema social que pode ser superado por uma ação específica. Em seguida, o grupo se organiza no intuito de desenvolver um projeto para a resolução do problema (Levit & Cismaru, 2020; Wymer, 2010). Um problema social é um fenômeno em que comportamentos individuais ou coletivos afetam, consideravelmente, o bem-estar social e isso começa a ser evidenciado em pesquisas, relatórios populacionais e seus indicadores.
Em resumo, o propósito do Marketing Social consiste em desenvolver estratégias para promover mudanças de comportamento, evidenciando os benefícios dessa mudança e reduzindo a percepção dos custos (Kotler & Lee, 2009). Quando se planeja uma campanha, é necessário saber quem serão os indivíduos ou grupos consumidores dos produtos, designados como público-alvo. Em seguida, as estratégias de produto, preço, praça e promoção são adotadas para influenciar o público-alvo na aceitação do comportamento desejado.
O público-alvo pode ser segmentado de acordo com seus interesses, características comportamentais, perfil psicológico e características sociodemográficas (Potter et al., 2011; Levit & Cismaru, 2020). A segmentação é um processo de distinguir pessoas e agrupá-las conforme suas semelhanças. Ela consiste em identificar um grupo de indivíduos que precisam do produto, seja porque não o querem, não o conhecem, não sabem utilizá-lo ou simplesmente por rejeitarem a ideia de seu uso (Minciotti, 1983). Vale ressaltar que, com o uso da estratégia de praça, é possível definir onde e quando o público-alvo será incentivado a adquirir o comportamento desejado e poderá usufruir dos serviços associados à campanha social (Kotler & Lee, 2019).
No que tange ao produto, este também pode ser apresentado de forma intangível e, no Marketing Social, a proposta de adoção de um novo comportamento sob a persuasão existente uma vez que há a pretensão que o público-alvo, ao notar a campanha, consiga perceber a possibilidade e as vantagens em alterar seus comportamentos, fazendo jus ao Marketing Social e melhorando a sociedade na qual o sujeito está inserido (Robert et al., 1999; Fontes, 2011). Ademais, a persuasão mencionada está intimamente ligada à estratégia de promoção, haja vista que, no Marketing Social, as táticas implementadas estão direcionadas fortemente para o público-alvo (Gordon, 2012).
A estratégia de praça, ou canais de distribuição, consiste em definir onde e quando o público-alvo será incentivado a adquirir o comportamento desejado e poderá adquirir os produtos tangíveis e receber os serviços associados à campanha (Kotler & Lee, 2019; Lefebvre, 2013; Lefebvre et al., 2020).
Em relação à estratégia de preço, são considerados todos os fatores envolvidos e percebidos pelo indivíduo na sua propensa abdicação para adotar o produto (um novo comportamento). Ele está associado à sociabilidade, ao tempo, à economia, ao esforço, ao sacrifício e à mudança no estilo de vida do público-alvo (Alcalay & Bell, 2000). Os custos destes fatores podem ser categorizados em custos monetários e não monetários. Portanto, os profissionais devem ajudar a adotante a reduzir a percepção tanto dos custos monetários, quanto dos não monetários. Por isso, existe a dificuldade de mensurar o preço do produto, já que há pouco controle em relação às variáveis dos custos reais ao público-alvo. Se a percepção dos indivíduos em relação aos benefícios da adoção da causa social é superior aos custos envolvidos, o processo de troca se dá de forma mais facilitada (Bloom & Novelli, 1981).
A estratégia de promoção, por sua vez, inclui todas as ações que objetivam a aproximação do público-alvo ao produto (comportamento desejado). A criação da comunicação é um processo que começa com a determinação das mensagens principais, seguida pela escolha dos mensageiros e dos elementos criativos, e se conclui com a escolha dos canais de mídia (Lefebvre et al., 2020; Kotler & Lee, 2019). A comunicação efetiva é aquela que se origina com a definição dos objetivos da campanha, delimitação do público-alvo, e definição da mensagem e meios adequados ao público, não se esquecendo dos critérios de avaliação e de controle durante toda a sua execução. O esforço de comunicação deve ser constantemente avaliado, para que se possa saber se os objetivos da comunicação estão sendo alcançados.
Em resumo, o Marketing Social pode ser definido como um processo que aplica princípios e técnicas de marketing para influenciar mudanças comportamentais que visem contornar problemas sociais e os quais afetam o bem-estar individual e coletivo.
A violência contra a mulher: do Abuso Sexual ao Feminicídio
A violência contra a mulher é um dos fenômenos contemporâneos que se tornou um problema social e afeta tanto as próprias mulheres quanto o seu entorno. Conforme Carvalho e Almeida (2003), a violência é sustentada por uma estrutura social marcada por desigualdades e injustiças e vivenciada em diversos lugares e em diferentes grupos da sociedade. O termo violência refere-se aos conflitos de autoridade, à luta pelo poder e à vontade de domínio, de posse e de aniquilamento do outro (Minayo, 2005). Dias e Gambini (1999) afirmam que o Brasil sempre teve uma história de violência articulada à sua forma de colonização e de desenvolvimento, contrariando o mito de que é um país pacífico.
A reflexão a respeito da violência e da violência contra a mulher, especificamente, é bastante recente. Vale ressaltar que, somente em agosto de 2009, a lei n° 12.015 alterou artigos do Código Penal de 1940 (1998) os quais vigoravam à época, em relação aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. À época, a própria legislação era reflexo da interferência do estado nos costumes e reforçava os supostos papéis masculino relacionando-o à agressividade e, ao feminino, relacionando-o à passividade. Mais que isso, a posição da mulher era de objeto a qual pertencia a um terceiro, seja ele pai ou marido (Nadai, 2017). Caracterizava-se como estupro, o constrangimento de uma mulher à conjunção carnal, enquanto todas as demais situações de violência sexual pairavam no âmbito do Atentado Violento ao Pudor, “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Outro aspecto do código é que há a heterosexualidade pressumida.
Nadai (2017) ressalta que a alteração do código por meio da lei n° 12.015, trouxe diferente interpretação a partir de nova redação na qual o sujeito que cometeu o ato passou a não ser generificado. O tipo de agressão pretendida (se conjução carnal, sexo oral ou outro), também passou a não ter distinção. Estes aspectos, pensando-se numa cadeia de concepções, são reforçados por meio das práticas e execução da lei.
De acordo com Narvaz e Koller (2004), a violência contra a mulher originou-se por meio das relações de poder entre as mesmas e os homens, especificamente na gênese da organização patriarcal, que determinava com rigidez os papéis a serem desempenhados por ambos. Assim, compreendem um amplo leque de agressões de caráter físico, psicológico, sexual e patrimonial, que podem culminar com a morte por homicídio, fato que tem sido denominado de feminicídio (Meneghel & Portella, 2017).
Em 2017, houve um crescimento dos feminicídios no Brasil, com cerca de 13 assassinatos por dia, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007, de acordo com o Atlas da Violência (2019). O feminicídio compreende um vasto conjunto de situações, como mortes provocadas por mutilação ou espancamento. Outra situação que pode levar ao feminicídio é a agressão sexual, denominado feminicídio sexual, que “ocorre nos casos em que a vítima não possui ligação qualquer com o agressor, mas sua morte foi precedida de violência sexual, no caso de estupro seguido de morte” (Oliveira, Costa, & Sousa, 2015, p. 22).
Segundo afirma Pinto et al. (2017), sob pressão de movimentos feministas e da sociedade em geral, têm sido implementadas políticas públicas e ações de prevenção e assistência à mulher vítima de violência sexual, especialmente no tangente à criação e aprimoramento de normas e de serviços de atendimento às vítimas. Neste contexto, considerando a violência sexual contra a mulher e sabendo que ela é a principal vítima desse tipo de crime, cabe ressaltar que, no ano de 2013, foi criada uma lei que garante atendimento integral, emergencial e gratuito à essas vítimas: a lei n° 12.845/2013.
A lei em questão dispõe que as vítimas devem ter acesso a um atendimento completo, que inclui o amparo médico, psicológico e social, a coleta de material para a realização do exame de Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), a administração de medicamentos contra gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, a facilitação do registro da ocorrência e o fornecimento de orientações sobre seus direitos legais e os serviços sanitários disponíveis (Sobreira, 2018). As medidas e procedimentos adotados logo após a violência sofrida visam prevenir gastos maiores para o estado, dado que o tratamento medicamentoso é mais barato do que tratar eventuais consequências, como doenças ou a necessidade de realização de um aborto (TV Câmara São Paulo, 2018).
Apesar de válida, essa lei não é amplamente conhecida pela população do País. Além disso, saber da sua existência não garante o atendimento. O atendimento oferecido pelas unidades de saúde e de segurança pública é criticado pelas vítimas, que apontam dificuldades, diante do despreparo por parte de quem atende (Coelho, 2018). Diante da problemática, foi criada uma campanha para divulgar essa lei.
Contudo, apesar de todo esse aparato legal, as políticas de disseminação da lei e atendimento às vítimas de violência sexual ainda se encontram em processo de desenvolvimento em diversos estados brasileiros, necessitando da sensibilização dos gestores e de investimentos em recursos humanos e em capacitação das equipes para trabalhar com a temática. Por fim, entende-se que há violências, num sentido amplo. Como também, a própria concepção de gênero e identidade de gênero são passíveis de serem interpretadas e refletidas aqui como resultado de dado momento cultural, histórico e social. No entanto, por questões metodológicas, o recorte teórico e analítico do artigo se dará a partir da perspectiva mercadológica.
Procedimentos metodológicos
Esse estudo se classifica como uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa. Segundo Barros e Lehfeld (2000), quando se trabalha com as pesquisas descritivas, o que se pretende buscar é com que regularidade aquele evento ocorre, qual sua natureza, suas características, causas, relações e conexões com outros fenômenos.
A estratégia de pesquisa adotada foi o estudo de caso, tendo em vista que esta técnica não visa obter um controle sobre os eventos comportamentais e focaliza em um acontecimento contemporâneo (Stake, 1995). Neste sentido, justifica-se o uso do estudo de caso devido à necessidade de compreender um fenômeno singular e contextualizado na realidade brasileira: uma campanha que combate à violência contra a mulher. Além disso, é perceptível, também, que a “Lei do minuto seguinte”, cujo lançamento foi no ano de 2018, é contemporânea, uma vez que os problemas sociais existentes que a ação busca combater ainda é predominante no território nacional (Cardoso, de Carvalho, Batatinha, Cardoso, & Franca, 2020).
A coleta de dados constituiu de dados secundários e primários. A análise documental foi utilizada com a finalidade de compreender os indicadores relativos à violência contra a mulher no Brasil. Nesta etapa foram considerados relatórios técnicos e científicos de amplo acesso, a saber: Anuário Brasileiro de Segurança Pública dos anos de 2016 a 2020, e Atlas da Violência dos anos de 2018 a 2020. Além dos relatórios, peças e material promocional da campanha também foram utilizados.
Em seguida foram realizadas duas entrevistas semiestruturadas com os seguintes sujeitos: o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do Estado de São Paulo, autor da campanha, e a publicitária, a qual foi responsável pelo desenvolvimento do material publicitário da campanha, vice-presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP) à época. As entrevistas foram realizadas em fevereiro e março do ano de 2020. A escolha pela campanha Lei do Minuto Seguinte se deu pois não foram identificadas outras campanhas relativas à lei que tivessem tido uma abrangência nacional.
A campanha “Lei do Minuto Seguinte” é resultado das investigações que a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do estado de São Paulo fez, a partir de um inquérito civil que foi instaurado no ano de 2016, a fim de investigar as deficiências do atendimento na rede pública de saúde em casos de violência sexual contra a mulher.
As ações de lançamento foram focadas na divulgação da Lei nº 12.845/2013, sendo composta por vídeos, peças gráficas e ações de comunicação digital, utilizando-se os principais veículos de comunicação do Brasil, como rádio e televisão. Ademais, o Facebook disponibilizou a seus usuários um tema para foto de perfil dos usuários relacionado à campanha. Dessa forma, embora tenha sido iniciada em São Paulo, já que a iniciativa de criar a campanha foi do MPF de São Paulo, alcançou-se veiculação nacional.
A campanha foi realizada a partir de ações voluntárias, envolvendo agências, fotógrafos, cinegrafistas, personagens, mídia e influenciadores. Incluindo-se um acordo com a Rede Globo, de doação de imagem, o qual contou com a participação de artistas para a atuação como vítimas de estupro em peças de ficção. Outros materiais para mídia foram utilizados em mobiliário urbano, tais como paradas de ônibus, instalados em pontos de maior incidência de casos de violência sexual, não só transmitiram as informações sobre a lei, mas também iluminaram os locais, contribuindo para a prevenção de ataques no período noturno.
No dia internacional da Não-Violência contra a mulher, 25 de novembro de 2018, foi lançada a “estátua dos mil rostos”, uma escultura itinerante de corpo feminino cujo rosto trouxe uma tela eletrônica com imagens de mulheres se alternando a cada minuto. A escultura ficou exposta na estação Vila Madalena, no estado de São Paulo. Por fim, todas as informações e orientações às vítimas podem ser acessadas no site da campanha, onde há um canal de denúncias, com um formulário para que as vítimas que não conseguiram obter o atendimento previsto na lei façam a denúncia. As denúncias cadastradas no site vão diretamente ao MPF e são encaminhadas às secretarias responsáveis de cada região.
Destarte, a interpretação dos dados aconteceu de forma qualitativa, no qual se utilizou a análise temática com a finalidade de identificar e compreender as principais etapas da campanha, público-alvo e estratégias adotadas. Além disso, com as anotações realizadas pelos autores como observadores completos, isto é, observam o contexto sem participar dele (Creswell, 2010), as transcrições das entrevistas realizadas e os documentos (textos, fotografias e vídeos) coletados, foi possível realizar a triangulação dos dados proposto por Stake (1995), auxiliando, portanto, a confiabilidade e validade de todo o contexto não só da campanha, mas na sociedade a qual ela foi aplicada.
Resultados e discussões
A campanha teve dois públicos: as mulheres e os profissionais que lidam com o atendimento às vítimas (profissionais de saúde e de segurança pública). O público-alvo primário, as mulheres, foi definido pelo procurador com base em pesquisas anuais, como o Anuário de Segurança Pública e o Atlas da Violência (2019), o qual afirma, na sua décima quarta edição, que as mulheres são as que mais sofrem com a violência sexual. O público secundário definido foram os profissionais de saúde e de segurança pública. Além disso, o procurador entrevistado afirma que parte da subnotificação foi identificada como oriunda do atendimento inadequado às vítimas, tanto por parte dos profissionais de saúde quanto de segurança pública que desconhecem a lei e potenciais procedimentos a serem adotados (Machado, Almeida, Dias, Bernardes, & Castanheira, 2020).
De acordo com Lefebvre et al. (2020), os propósitos de uma campanha podem ser comportamentais (quais mudanças comportamentais são desejadas), de conhecimento (quais informações deseja-se que a audiência tenha conhecimento) e de crenças (o que se deseja que a audiência sinta ou acredite). Infere-se que os objetivos para ambos os públicos foram de conhecimento e de comportamento em prol de tornar a lei conhecida e os procedimentos que vítimas e profissionais de saúde e segurança pública precisam saber. A síntese da discussão pode ser consultada na Tabela 1.
Conforme relata o procurador, quando analisava os dados à época de instauração do processo, notou que as mulheres eram as mais afetadas:
O número de boletim de ocorrência era mais que o dobro que o número de atendimento no Sistema Único de Saúde. Então eu falei: aqui realmente tem algum problema, né? Porque o normal é que as pessoas procurem a saúde, se você acontece um acidente com você, você vai primeiro resolver o seu problema de saúde, pra depois você ir na polícia (Machado et al., 2020).
E quando à definição dos demais públicos, profissionais de saúde e de segurança, respectivamente, indicou:
Acho que os profissionais de saúde eles são inseguros, eles têm medo de fazer e depois, no futuro, poder dar problema pra eles. Então essas situação também é uma outra situação que precisa ser enfrentada. Trazer mais segurança pros profissionais da saúde pra fazer esse procedimento, porque se não você acaba obrigando a vítima a se deslocar, quando ela tem condições de se deslocar, né? (...) Quanto aos profissionais de segurança pública, (...) há uma insensibilidade com o assunto, entendeu? Parece que as pessoas só vão realmente ter mais sensibilidade quando a tragédia bater nas portas dela”. (...) Então assim, eu acho que isso acontece por alguns motivos: Primeiro, porque ainda há um desconhecimento da lei e segundo porque a sociedade ainda não debate esse tema de forma mais intensa (Machado et al., 2020).
Ademais, o procurador relatou ter enviado comunicação oficial a todos os procuradores da cidadania de cada estado do país. O teor do documento solicitava a instauração de processos em seus respectivos estados, alertando para os dados dos anuários e a necessidade de tratar o problema como sendo uma questão de saúde pública.
No entanto, os profissionais de saúde e de segurança pública, não foram evidenciados, de forma direta, nos vídeos e materiais promocionais da campanha nacional aos quais os pesquisadores deste estudo tiveram acesso no sítio da campanha Lei do Minuto Seguinte (ver Figura 1).
Definido o público-alvo, esta seção discute, ainda, as estratégias de produto, preço, praça e promoção adotadas para influenciar o público-alvo na aceitação do comportamento desejado. Assim sendo, há três níveis de produto, podendo ser: o núcleo (benefício por performar um comportamento), o produto real (produtos e serviços ofertados), e produto ampliado (elementos adicionais que auxiliam na performance do comportamento) (Kotler & Lee, 2019; Lefebvre et al., 2020).
No entanto, para a realização da campanha, a definição da estratégia de produto não foi evidenciada pelos entrevistados. A priori, a partir da análise dos dados e das ações da campanha, infere-se que o produto núcleo é a garantia de atendimento médico e psicológico. O produto real são os serviços que são prestados nas unidades de saúde e hospital às vítimas. E o produto ampliado são possíveis atendimentos adicionais e acompanhamento das vítimas - não identificado nos achados.
A estratégia do produto foi tangibilizar informações, cartazes e vídeos com mensagens curtas, que retratam a gravidade do problema e a emergência em buscar o atendimento. Informou-se a lei, os direitos previstos nela e os canais de comunicação no qual a vítima deve acessar, caso não consiga o atendimento previsto na lei.
Para que haja a adesão do público-alvo na obtenção do produto social, é necessário que estes tenham fácil acesso à informação que lhes indica onde e como podem fazê-lo. A estratégia de praça ou distribuição é a forma que o público-alvo principal irá executar o comportamento desejado (Lee & Kotler, 2019; Lefebvre et al., 2020). Logo, quanto às decisões de praça, foi criado um site que contém informações e orientações às vítimas. Nele, há um canal de denúncias, com um formulário para que as vítimas que não conseguiram obter o atendimento previsto na lei façam a denúncia. As denúncias cadastradas no site vão diretamente ao MPF e são encaminhadas às secretarias responsáveis de cada região. A partir dessas denúncias pode-se atuar pontualmente nos hospitais que não estiverem funcionando adequadamente, para fazer com que o serviço atenda a lei. Além do canal, as unidades de saúde e hospitais também são locais onde as vítimas podem aceder ao atendimento médico e psicológico.
As estratégias de comunicação incluem decisões a respeito da mensagem (o que se deseja que o público-alvo conheça e acredite); dos possíveis mensageiros (aqueles que entregarão a mensagem ou irão apoiá-la); da estratégia criativa (o que e como será dito), e; canais de comunicação (onde e quando as mensagens serão expostas) (Kotler & Lee, 2019; Lefebvre et al., 2020). Estão refletidas em vídeos e anúncios publicitários destinados a dar conhecimento da lei à sociedade. Assentou-se em um lado esperançoso e positivo para comunicar a lei e orientar a vítima a buscar atendimento médico. Vídeos, peças gráficas e ações de comunicação digital foram distribuídos através de vários canais e alcançou-se veiculação no Brasil. Ademais, foram realizadas palestras para o público-alvo secundário para dar conhecimento desta lei. Essa estratégia busca incentivar o público-alvo a aceitar, adotar e manter o comportamento desejado (Peattie & Peattie, 2009).
No que tange à estratégia de preço, se refere aos custos que o público-alvo associa com a adoção de um novo comportamento. E, em geral, são pensadas em termos incentivos aos comportamentos desejados e/ou desincentivos ao comportamento rival. Exemplos de incentivos incluem cupons de descontos, reconhecimento público. Enquanto desincentivos podem ser multas e negativas públicas a um comportamento (Kotler & Lee, 2019; Lefebvre et al., 2020).
Na campanha, os custos da mudança de comportamento são custos em termos de tempo e esforço, como superação de barreiras psicológicas, pois é difícil para a vítima, diante do trauma, buscar atendimento, como também para os profissionais se sensibilizarem e oferecê-lo. Também há custos financeiros com a campanha, pois para divulgar o material da campanha e trabalhar na gestão dos indicadores é necessário dispor de recursos, mas estes não foram repassados ao público-alvo. A Tabela 2 resume as principais estratégias adotadas.
Diante o exposto, nota-se a busca pela tentativa de conscientizar as mulheres a denunciarem os casos de estupro, caso isto ocorra. Sob tal ótica, a Figura 2 é capaz de mostrar a resposta desta campanha por meio do número de casos disponibilizados pelo Anuário de Segurança Pública de 2018 a 2021.
De acordo com a Figura 2, é possível visualizar alguns resultados após o lançamento da campanha, em 2018. A primeira sugere que as divulgações conseguiram propagar a principal mensagem da campanha: violência sexual contra a mulher, e isto acabou refletindo no aumento da notificação de casos em 2018 e 2019. Este efeito pode ter ocorrido pela sensibilização das pessoas para a campanha que pode ter levado a uma maior busca para o registro, o que corrobora com os achados de Potter et al. (2011), ao identificarem que as campanhas com conteúdo familiar do público-alvo são significativamente mais propensas a sensibilizá-lo.
Entretanto, quando indagado a respeito do suposto efeito da campanha e dos dados do anuário, o procurador reforçou a necessidade de mais estudos a respeito da (sub)notificação:
A questão da subnotificação, né? Se é que existe, né? Primeiro identificar se realmente há um problema de subnotificação. Ou, vamos colocar de outro forma, né? Essa disparidade entre os números da segurança pública e da saúde, de atendimentos, né? Pra gente tentar resolver isso. E o outro é realmente intensificar a campanha, assim… De uma outra forma, pra ver se a gente consegue mais feedback de vítimas, pra conseguir identificar onde tão os problemas e começar a conversar com gestores, né? (...)
Talvez esteja aumentando porque as pessoas estão procurando mais, entendeu? Mas é tudo no achismo, entendeu? Eu até conversei com o professor Daniel Cerqueira, que é do Ipea, falei pra ele: “a gente tem que fazer mais pesquisas, né? Pra gente entender porque que as vítimas não procuram, porque que esse número é abaixo, né?” Porque eles mesmos fizeram uma estimativas que só 10% das vítimas procuram o estado, né? E por isso você teria… Você usando esses números que são publicados, você teria em torno de 500 mil vítimas por ano. Aí que daria uma vítima por minuto, por isso que a divulgação fala: uma vítima por minuto no Brasil, né? (Machado et al., 2020, grifo nosso).
O segundo corolário já aborda o contexto da pandemia, uma vez que houve uma diminuição de, aproximadamente, 13% em relação às denúncias dos casos de estupro (ver Figura 1). Não obstante, tal diminuição não pode ser inferida como uma redução de casos de violência sexual contra a mulher, como afirma Bueno e Lima (2021, p. 94):
Neste contexto, ainda é cedo para avaliar se estamos diante da redução dos níveis de violência doméstica e sexual ou se a queda seria apenas dos registros em um período em que a pandemia começava a se espalhar, as medidas de isolamento social foram mais respeitadas pela população e muitos serviços públicos estavam ainda se adequando para garantir o atendimento não-presencial.
Ou seja, a campanha foi capaz de encorajar as pessoas a realizarem as denúncias, mas não é possível afirmar que, com essas denúncias, o número de casos diminuiu a partir de 2020, uma vez que a violência doméstica contra a mulher, na verdade, aumentou (Roesch, Amin, Gupta, & García-Moreno. 2020). Diante do exposto, fica perceptível que apenas a ação da campanha não conscientiza toda a população, como afirma a vice-presidente da ABAP na época:
É uma questão de fundo no país, não é só uma campanha que vai resolver, a campanha serviu muito pra informar a população da existência da lei e serviu pra que os hospitais se preparassem para cumprir a lei. Agora, acabar com o estupro é uma outra questão moral, ética, educacional do país e aí precisa um conjunto de outras atitudes envolvendo os ministérios e tal pra que realmente se consiga reverter isso no país (Vice-Presidente, 2021).
Em resumo, a campanha da lei do minuto seguinte fez uso das estratégias de marketing social em essência e escopo. No entanto, as ações que seguiram desde a sua concepção, passando pelo seu lançamento e execução não se deu de forma estruturada sendo necessário mais estudos a fim de compreender seus efeitos no público-alvo.
Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi compreender as estratégias de marketing adotadas na campanha Lei do Minuto Seguinte a partir de seus idealizadores. A pesquisa atingiu seus objetivos considerando que foi possível identificar os públicos para os quais a campanha foi direcionada e as estratégias de marketing adotadas.
Como reflexões a partir dos resultados, nota-se a preocupação pontual do Poder Público no que tange à Segurança Pública e de Saúde da população feminina que sofre violência sexual. Paradoxalmente, percebe-se que muitas das ações foram pouco estruturadas e tampouco recebeu amplo apoio da cadeia de gestores (de estados e municípios).
Em termos de implicações gerenciais a partir do resultado, sugere-se a implantação de programa federal, estadual e municipal visando uma maior sensibilização e qualificação dos profissionais de saúde e de segurança que têm contato com as vítimas a fim de terem maior conhecimento sobre a lei e apropriação dos procedimentos necessários ao atendimento.
Vale salientar, também, que a cultura de violência contra à mulher e do estupro ainda é enraizado no país e mudanças na mitigação destas questões requerem investimentos em educação, tempo e continuidade para colher os resultados de ações de longo prazo. Apresenta-se, então, uma discussão mais ampla no que tange à necessidade de incorporar conhecimentos de cidadania nas unidades curriculares da educação básica e superior, incluindo-se aí: as escolas públicas e privadas, formações em segurança pública e das áreas de saúde. Destarte, os investimentos em campanhas sensibilizadoras já são consequências de outros problemas sociais que o país enfrenta, sendo necessário conduzir políticas públicas que formem melhores profissionais e cidadão, aptos a viver em sociedade, respeitando, neste contexto, as mulheres.
Uma vez que a campanha ganhou projeção nacional, sugere-se também a realização de estudos regionais a fim de verificar se, e, de que forma estados e municípios vêm acolhendo a aplicação da Lei nº 12.845/2013 e gerindo os dados relativos à violência contra mulher. Especialmente pela razão de que não foram identificados materiais promocionais direcionados aos profissionais da área de saúde e de segurança pública. Este aspecto aponta para uma das principais fragilidades da campanha e que, possivelmente, em caso de não sensibilização destes públicos pelos estados e municípios, a existência da lei e o conhecimento por parte das mulheres não tornam a campanha eficaz em termos de desenvolvimento de política pública.
A principal limitação da pesquisa reside no fato do estudo ter tido como recortes os idealizadores da Campanha somente, não abordando de que forma estados e municípios aderiram às orientações da procuradoria.
Como tema para futuras pesquisas, sugere-se estudos que possam auferir de que forma estados e municípios executaram as orientações da procuradoria em medidas de sensibilização aos profissionais da área de saúde e de segurança. Adicionalmente, um estudo mais aprofundado com os públicos definidos inicialmente mulheres, profissionais da área de saúde e de segurança, pode ser relevante a fim de avaliar o resultado da campanha e validar se as estratégias adotadas mostraram-se eficazes para os diferentes públicos almejados. Estes resultados poderão direcionar novas ações em torno de futuras campanhas.
Outra sugestão para estudos futuros é aferir qual é a estimativa do gasto público quando não há o atendimento adequado às vítimas de violência sexual, incorrendo em gastos ao estado, tais como: tratamento continuado de doenças sexualmente transmissíveis, a realização de abortos, manutenção de gastos básicos dos filhos originados de casos de estupro no qual a vítima não realizou aborto e não tem condições de arcar com gastos, dentre outros. Certamente, ter estes dados poderá embasar futuras verbas para o combate às vítimas de violência sexual e direcionar políticas públicas.
Por fim, espera-se que os resultados deste estudo possam ser úteis a gestores públicos e privados e pesquisadores que atuem no âmbito da pesquisa, planejamento e/ou execução de ações de redução de violência contra à mulher ancoradas no marketing social.
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