Inovação Tecnológica Empresarial e Políticas Públicas Fiscais no Brasil
Business Technological Innovation and Fiscal Public Policies in Brazil
Innovación Tecnológica Empresarial y Políticas Públicas Fiscales en Brasil
Inovação Tecnológica Empresarial e Políticas Públicas Fiscais no Brasil
Administração Pública e Gestão Social, vol. 15, núm. 4, 2023
Universidade Federal de Viçosa
Recepción: 12 Diciembre 2022
Aprobación: 29 Marzo 2023
Publicación: 04 Octubre 2023
Resumo: Objetivo da pesquisa: examinar a influência das políticas públicas fiscais, ancoradas no sistema jurídico nacional, na inovação tecnológica empresarial.
Enquadramento teórico: o modelo conceitual baseia-se na teoria neo-schumpeteriana, em particular, na abordagem evolucionista, que busca caracterizar o processo inovador a partir dos processos de busca e seleção de inovações.
Metodologia: utilizou-se como metodologia a abordagem qualitativa, sendo realizada pesquisa do tipo exploratório-descritivo e documental e aplicado entrevistas com profissionais envolvidos no ensino e pesquisa concernentes à inovação tecnológica e incentivos fiscais a ela relacionados.
Resultados: dentre os achados, verificou-se que os incentivos fiscais tiveram pouca influência na baixa taxa de inovação observada; e que a Lei do Bem tem se mostrado uma importante aliada na promoção das políticas fiscais no Brasil.
Originalidade: a originalidade da pesquisa se dá ao explorar as políticas governamentais de estímulo fiscal, propondo uma abordagem que consiste no eixo política pública, inovação tecnológica empresarial e incentivos fiscais, o que deve despertar um interesse pelo tema na comunidade científica.
Contribuições teóricas e práticas: avançou-se na literatura sobre políticas públicas ao se disponibilizar quatro constructos que possibilitam o estudo do fenômeno das políticas de incentivos fiscais à inovação tecnológica empresarial. São eles: 1) fatores da baixa taxa de inovação; 2) maneiras de melhorar a taxa de inovação por meio das políticas públicas fiscais; 3) cumprimentos dos objetivos da(s) lei(s) de incentivos fiscais de inovação tecnológica – eficácia; e 4) motivos para não adesão à(s) lei(s) de incentivos fiscais de inovação tecnológica. E como contribuições práticas aponta-se possíveis deficiências como também se sugere aperfeiçoamentos na concepção de políticas com força em tecnologia que tenham como instrumento os estímulos fiscais.
Palavras-chave: Incentivos fiscais, Inovação tecnológica, Lei do Bem, Taxa de inovação, Políticas públicas.
Abstract: Research objective: thus, this research consists of examining the influence of fiscal public policies, anchored in the national legal system, insofar as they are norms, with business innovation.
Theoretical framework: theoretical basis of the research is based on Schumpeter's conceptual model, which seeks to characterize the innovative process from the processes of search and selection of innovations.
Methodology: a qualitative approach was used as a methodology, with exploratory-descriptive and documentary research and interviews with professionals involved in teaching and research concerning technological innovation and tax incentives related to it.
Results: among the findings, it was deserved that tax incentives had a great influence on the low rate of innovation observed; and that the Lei do Bem has proved to be an important ally in promoting fiscal policies in Brazil.
Originality: originality comes from addressing government fiscal stimulus policies, proposing an approach that consists of the public policy axis – business technological innovation – tax incentives, which should arouse interest in the subject in the scientific community.
Theoretical and Practical Contributions: we sought to advance the literature on public policies by providing four constructs that make it possible to study the phenomenon of tax incentive policies for business technological innovation. They are: 1) factors of the low rate of innovation, 2) ways to improve the rate of innovation through fiscal public policies, 3) fulfillment of the objectives of the law(s) of tax incentives for technology innovation – effectiveness, and 4) reasons for not adhering to the law(s) of tax incentives for technological innovation. And as practical contributions, possible shortcomings are pointed out, as well as improvements in the conception of policies with strength in technology that have fiscal stimuli as an instrument.
Keywords: Tax incentives, Technological innovation, Lei do Bem, Innovation rate, Public policies.
Resumen: Objetivo de la investigación: fue examinar la influencia de las políticas públicas fiscales, ancladas en el ordenamiento jurídico nacional, con la innovación tecnológica empresarial. Marco teórico: el modelo conceptual se basa en la teoría neo-shumpeteriana, en particular, un enfoque evolutivo, enfoque que busca caracterizar el proceso innovador a partir de los procesos de búsqueda y selección de innovaciones.
Metodología: se utilizó como metodología un enfoque cualitativo, con investigación exploratoria-descriptiva y documental y entrevistas a profesionales involucrados en la docencia y la investigación en materia de innovación tecnológica e incentivos fiscales relacionados con la misma.
Resultados: entre los hallazgos, se amerita que los incentivos fiscales tuvieron una gran influencia en la baja tasa de innovación observada; y que la Lei do Bem ha demostrado ser un aliado importante en la promoción de políticas fiscales en Brasil.
Originalidad: la originalidad proviene de abordar las políticas gubernamentales de estímulo fiscal, proponiendo un enfoque que consta del eje política pública – innovación tecnológica empresarial – incentivos fiscales, lo que debe despertar el interés por el tema en la comunidad científica.
Contribucionesteóricas y prácticas: se buscó avanzar en la literatura sobre políticas públicas aportando cuatro constructos que permitan estudiar el fenómeno de las políticas de incentivos fiscales a la innovación tecnológica empresarial. Ellos son: 1) factores de la baja tasa de innovación, 2) formas de mejorar la tasa de innovación a través de políticas públicas fiscales, 3) cumplimiento de los objetivos de la(s) ley(s) de incentivos fiscales a la innovación tecnológica – efectividad, y 4 ) razones para no adherirse a la(s) ley(s) de incentivos fiscales a la innovación tecnológica. Y como aportes prácticos se señalan posibles falencias, así como mejoras en la concepción de políticas con fuerza en la tecnología que tengan como instrumento los estímulos fiscales.
Palabras clave: Incentivos fiscales, Innovación tecnológica, Lei do Bem, Tasa de innovación, Políticas publicas.
1 INTRODUÇÃO
Em termos de inserção do Brasil na economia globalizada, obstáculos se impõem ao desempenho brasileiro por conta dos baixos índices do Produto Interno Bruto (PIB) nacional serem bastante inferiores, mormente no que se refere aos países asiáticos como a China, por exemplo, a qual vem apresentando percentuais maiores que 10% (Hung, 2018). Uma das opções disponíveis, diante da grande competição global, seria o de fortalecer o parque empresarial brasileiro, por meio da Inovação Tecnológica (IT), no que se refere tanto à criação de produtos quanto de modelos de negócios capazes de possibilitar o acesso a novos mercados, viabilizando assim a geração de riquezas (Seruffo, 2021). Dessa forma, o caminho pelo qual o Brasil pode alcançar o pleno desenvolvimento econômico está em atingir um alto grau de avanço tecnológico. E, para tal, esse caminho passa necessariamente pela IT (Godoy, 2022).
O que ocorreu nos últimos anos têm, no âmbito inovativo, agentes cruciais, tanto para incrementar a efetividade e a condição competitiva das empresas como para melhorar ainda mais o progresso, por meio do comportamento das redes técnicas (Santos et al., 2019). Para tanto, os incentivos fiscais, instrumentos das políticas fiscais, servem assim de aliados às empresas que desejam inovar e competir, em cenários muitas vezes adversos, em que a sobrevivência empresarial se torna crítica (Garcia, 2008).
No Brasil, se tem buscado adotar várias medidas visando incentivar e subsidiar a atividade inovadora, a exemplo da Lei nº 11.196/2005, Lei do Bem, que ampliou os benefícios existentes e instituiu outros novos para estimular a inovação (Oliveira et al., 2017). Desta forma, a problemática em torno da qual se remete ao papel da política fiscal e seu desempenho no contexto atual leva a muitas questões, dentre as quais a de se analisar a ação do governo no âmbito dessa política e de suas funções básicas (Mori, 2016).
De acordo com De Negri (2021), a quantidade de estudos que avaliam as políticas de incentivo fiscal à inovação das empresas brasileiras ainda é reduzida, o que se estende também à Lei do Bem, que possui poucos estudos disponíveis. Diante desse cenário, definiu-se como objetivo geral da pesquisa examinar a influência das políticas públicas fiscais, ancoradas no sistema jurídico nacional, na inovação tecnológica empresarial.
Para tanto, adotou-se um modelo conceitual baseado na teoria neo-schumpeteriana, em particular na abordagem evolucionista. Essa abordagem busca caracterizar o processo inovador a partir dos processos de busca e seleção de inovações, o que permite uma análise mais abrangente e aprofundada da relação entre as políticas fiscais e a inovação tecnológica empresarial. Dessa forma, a pesquisa proposta busca preencher uma lacuna importante na literatura, contribuindo para um melhor entendimento dos mecanismos que podem ser utilizados para incentivar a inovação e o desenvolvimento econômico no Brasil, por meio de políticas públicas fiscais.
A pesquisa em questão é de grande relevância, uma vez que existem poucos e inconclusivos estudos acerca da relação entre política fiscal e inovação tecnológica empresarial (De Negri, 2021). Além disso, é importante destacar que o uso dessas políticas pode possibilitar ao empresariado atuar de forma mais próxima e colaborativa com o setor público na promoção do desenvolvimento nacional (Calzolaio, 2011). Essa temática vem ganhando destaque na agenda de políticas públicas, uma vez que as políticas de inovação são consideradas peças-chave para o desenvolvimento dos países (Cavalcante, 2009).
Nesse sentido, é possível aprimorar essas políticas com o objetivo de engajar as empresas em atividades de inovação (Manual de Oslo, 2018; Salerno & Kubota, 2008). Diante disso, é evidente a importância da pesquisa proposta, que busca analisar a relação entre política fiscal e inovação tecnológica empresarial, contribuindo para um melhor entendimento dos mecanismos que podem ser utilizados para incentivar a inovação e o desenvolvimento econômico.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Inovação tecnológica empresarial e a teoria evolucionária neo-schumpeteriana
Há uma profusão de conceitos sobre inovação e, o mau uso que se faz deles pode levar a uma certa confusão quanto a seus propósitos e uso. A definição para inovação mais utilizada tem sido a trazida por Schumpeter em 1934 e ainda constitui uma referência fundamental para estudos sobre inovação contemporânea. Schumpeter focou em inovação como novas combinações de fatores de produção – notadamente produção de novos bens, introdução de novos processos, abertura de novos mercados, como também o acesso a novas fontes de matérias-primas e produtos intermediários, a reorganização de uma indústria (Schumpeter, 1997).
Todavia, no início do século 20, mesmo após vários outros autores, desde então, terem contribuído para o que seja definido como inovação, tais conceitos não foram suficientes para suprir certas lacunas sobre a variedade e a natureza da inovação e mesmo as definições de inovação mais contemporâneas, são frequentemente baseadas na abordagem de Schumpeter. Relevante destacar, inicialmente, que a inovação representa uma condição sine qua non nas economias (Heidenreich & Kraemer, 2016), e as estratégias para inovação dizem respeito à procura dos melhores e mais adequados modelos organizacionais para o progresso e colocação de novos produtos e serviços, assim como para a entrada de novos mercados (Sanches & Machado, 2014).
Mais recentemente, duas grandes abordagens de pensamento de processos de inovação se destacaram: a abordagem de gestão da inovação e a abordagem conceitual (Meissner & Kotsemir, 2016). A abordagem de gestão da inovação se concentra na evolução das estratégias de gestão da inovação das empresas sob diferentes circunstâncias políticas e socioeconômicas. Um dos mais conhecidos exemplos desta abordagem é o modelo de inovação de cinco gerações de Rothwell. Já a abordagem conceitual foca na essência conceitual de modelos, analisa os fundamentos teóricos assim como suas vantagens e desvantagens. Possivelmente, o melhor exemplo desta abordagem está em Marinova e Phillimore (2003). Análises da literatura mostram que na maioria dos casos, os autores se concentram no desenvolvimento histórico de um dos tipos específicos do modelo de inovação, isto é, sistema nacional de inovação ou do sistema regional de inovação (Meissner & Kotsemir, 2016).
O modelo conceitual escolhido para esta pesquisa baseia-se na teoria neo-schumpeteriana, em particular, na abordagem evolucionista, abordagem essa que busca caracterizar o processo inovador a partir dos processos de busca e seleção de inovações. Esse processo provém de programas de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), por empresas, centros acadêmicos como também por centros de P&D, ao lado ou separadamente, financiados por investimentos públicos ou privados. A inovação e seu continuum possuem causas endógenas à empresa e ao ambiente econômico em que está inserida, sendo por eles determinados e estimulados (Koeller & Baessa, 2005).
Koeller e Baessa (2005) destacam que, de acordo com a abordagem evolucionista, o processo de seleção de inovação é fundamental para determinar o sucesso ou fracasso do processo de busca. Nesse sentido, as inovações só serão bem-sucedidas se forem aceitas pelo mercado, que é o primeiro ambiente de seleção. A aceitação ou não das inovações pelo mercado leva em conta uma série de fatores, tais como a relação custo/benefício do financiamento, especialmente o de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), a rentabilidade esperada pelos investidores, as características do mercado consumidor, a regulamentação desse mercado, a forma como os concorrentes interagem, os processos de aprendizado das empresas, entre outros.
As características da teoria evolucionária neo-schumpeteriana são as seguintes: os organismos individuais correspondem às firmas; as populações correspondem aos mercados (indústrias); as mutações correspondem às inovações; e a lucratividade à aptidão (Vromen, 1995). Nesse ínterim, destaca-se que se fará uso do conceito que consta no Manual de Oslo (2018), em que, a introdução de produtos e processos de fato novos e melhorias significativas que tenham sido inseridas em produtos e processos já existentes é considerada inovação tecnológica. Em outros termos, é aquela inserida e conduzida para todo o mercado – inovação de produto – ou utilizada no processo de produção – inovação de processo.
2.2 Políticas de Incentivos Fiscais e Inovação
Ao longo dos anos, os governos adotaram uma série de estímulos fiscais, veiculados por normas (incluídos leis, regulamentos, portarias, instruções normativas), com o fito de incentivar condutas dos agentes econômicos (empresas), na área de inovação (Nelson, 2016). O Estado, a fim de tornar possível a consecução desses objetivos, por vezes, se vale de medidas de estímulo ou favorecimento a que certos comportamentos sejam adotados ou que determinadas atividades sejam exercidas. Nesse sentido, Machado (2015) assevera que a isenção ou qualquer outra vantagem fiscal, concedida por lei como forma de estimular ou não determinados comportamentos na ordem econômica são incentivos fiscais. Todavia não são quaisquer isenções ou vantagens fiscais que caracterizariam o incentivo fiscal. Ainda segundo Machado (2015), o que caracteriza de fato o incentivo fiscal é a sua finalidade.
A inovação, nesse contexto, tem íntima e estreita relação com a capacidade das pessoas exercerem qualquer atividade econômica que lhes aprouverem com o intuito de produzir desenvolvimento econômico. Dessa forma, qualquer influência, deletéria ou não, terá reflexos na capacidade de inovar das pessoas (Schumpeter, 1997). A inovação, enquanto processo de otimização de recursos e competitividade ao segmento empresarial, é passível de fomento por meio da formulação de uma política fiscal que possibilita crescimento e desenvolvimento econômico, revelando-se assim um rico campo de análise a um direito tributário inovador (Caliendo & Muniz, 2014). Assim, os instrumentos financeiros de apoio à inovação têm sido utilizados amplamente no fomento ao desenvolvimento tecnológico e ao processo inovativo.
No que se refere ao Brasil, as políticas públicas com atenção à C,T&I tiveram seu início na década de 50 (Zucoloto, 2017). A criação de institutos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na década de 50, marcaram o começo das ações estatais dirigidas ao apoio da C,T&I no Brasil (Cavalcante, 2009).
O governo federal brasileiro criou a Financiadora de Projetos (FINEP) na década de 60, sendo que, com a abertura comercial promovida na década de 90, os formuladores de políticas públicas foram levados a reconhecer a inovação como requisito fundamental para a competitividade, o que gerou a implementação de incentivos às atividades de P&D empresarial e articulações entre o meio acadêmico e o setor produtivo (Cavalcante, 2009). Em 2005, houve mudanças de qualidade com a disponibilização de instrumentos de apoio à inovação empresarial (Salermo & Kubota, 2009). Outro fato importante nesse histórico de promoção à inovação empresarial brasileira foi a criação da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com o fito de contribuir no enfrentamento dos desafios nessa área.
Mesmo com todas as iniciativas de estímulos fiscais adotados nas últimas décadas no Brasil e de se ter buscado construir um sistema de inovação dotado dos principais instrumentos utilizados pelos líderes mundiais, de acordo com dados da PINTEX (2018), a taxa de inovação nas empresas brasileiras ainda é considerada baixa, e tem decrescido nas últimas divulgações (Viegas et. al., 2018). Nesse contexto, Buainain et al. (2019) explanam que é perceptível que existe um abismo entre o discurso a favor da inovação e os indicadores que estão disponíveis. As empresas brasileiras compram mais tecnologia do que desenvolvem por meio de atividades de P&D – e ainda compram pouco e mal –, se utilizam pouco dos mecanismos de propriedade intelectual e que a política pública tem sido impotente para anular os problemas sistêmicos e promover a difusão da inovação no Brasil. Desta forma, o Brasil tem figurado na lanterna do ranking global de inovação. E frente a esse panorama, formulou-se a seguinte proposição de pesquisa:
Proposição 1 - a taxa de inovação nas empresas brasileiras ainda é baixa.
Scaff e Pereira (2021) destacam que, o baixo desempenho inovativo do Brasil se configura, dentre outras coisas, pelo atual arranjo jurídico presente na legislação de inovação, e ressaltam que se deve buscar melhoria no ecossistema empreendedor nacional a fim de que se alcance um melhor desenvolvimento nacional.
Quanto à inovação tecnológica e seus instrumentos de propulsão no Brasil, destaca-se três instrumentos importantes, quais sejam, a Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004), a Lei de Informática (Lei nº 8.248/91) e a Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005 e alt.). A Lei da Inovação, de 2 de dezembro de 2004, foi segundo o MCTI (2022), fruto da necessidade de o país apresentar dispositivos legais que contribuíssem para o desenvolvimento científico e tecnológico e para o incentivo à inovação. Esta lei, regulamentada pelo Decreto nº 5.563 de 11/10/2005, revogada pelo Decreto nº 9.283/2018 apresenta mecanismos de apoio e estímulo à constituição de ambientes especializados e cooperativos de inovação.
Já a Lei de Informática foi crucial no contexto da inovação no Brasil, também por estimular a P&D, ainda que na visão linear de geração da inovação (Brasil, 2022). Foi uma lei que adveio das Leis nº 8.248 e nº 8.387, ambas de 1991 e mudadas posteriormente por diversas leis, entre elas a Lei nº 11.077 de 2004, e, mais recentemente, o Decreto nº 7.010 de 2009. Primordialmente, a Lei de Informática foi pensada com vistas a criar estímulos fiscais para firmas de desenvolvimento ou produção de bens e serviços de informática e automação que investissem em atividades de P&D em tecnologia. Essa lei já antevia, em sua primeira proposta, isenção do IPI e depreciação acelerada de máquinas e equipamentos (Brasil, 1991).
Os incentivos fiscais de inovação tecnológica estão regulados, basicamente, pelo capítulo III da Lei n.º 11.196/2005, a chamada "Lei do Bem", que tem cumprido os seus objetivos, plasmados no seu respectivo texto normativo (De Negri, 2021; MCTI, 2022). A Lei do Bem é tida como um dos principais instrumentos de incentivo à inovação no ecossistema inovativo ou empreendedor nacional, buscando estimular e melhorar o desempenho na inovação nacional (Scaff & Pereira. 2021). Alem de ampliar os benefícios existentes, a Lei do Bem instituiu outros novos para estimular a inovação (Oliveira et al., 2017). Assim, frente a esse contexto elaborou-se a segunda proposição da pesquisa:
Proposição 2 - a Lei do Bem tem cumprido os seus objetivos como incentivadora da inovação tecnológica.
A parte da Lei do Bem que cuida dos incentivos à inovação tecnológica está nas disposições do capítulo III, arts. 17 a 26, em que os incentivos fiscais são recursos que as pessoas jurídicas podem usufruir de forma automática com a condição que realizem pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica. Trata-se de um capítulo que fora editado por determinação da LIT, no qual restou fortalecido o novo marco legal para apoio ao desenvolvimento tecnológico e inovação nas empresas brasileiras.
3 METODOLOGIA
Na presente pesquisa fez-se uso do método qualitativo (Strauss & Corbin, 1998). Quanto aos objetivos, a pesquisa possui caráter exploratório-descritivo (Silva & Menezes, 2000), pois busca caracterizar e demonstrar o aparato fiscal de estímulo à inovação e, por conseguinte, seus efeitos na inovação empresarial.
O período selecionado para o estudo foi a partir de 1990 até 2021. Trata-se do período que vai da vigência da lei mais antiga até a disponibilidade de dados mais recentes. Assim também, no caso da Lei do Bem, buscou-se identificar se a mesma tem atingido seus objetivos em incentivar a inovação tecnológica, no período de 2006 a 2021 - período em que se tem os dados dos efeitos da respectiva lei, já que a mesma fora promulgada em 2005, mas só se começou a se coletar os dados a partir da PINTEC de 2006.
Os sujeitos de pesquisa consistiram em: a) empresas brasileiras com sede no território nacional, pertencentes a diversos setores, que mantêm cadastro junto à Receita Federal do Brasil (RFB) e Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI); b) normas fiscais a que as empresas brasileiras estão sujeitas; e c) profissionais envolvidos no ensino e pesquisa concernentes à inovação tecnológica e incentivos fiscais a ela relacionados, ligados a instituições de ensino e pesquisa que lidam, direta ou indiretamente, com inovação tecnológica e seus mecanismos de estímulo.
Para coletar os dados secundários, fez-se uso da pesquisa documental (Godoy, 1995), em que foram analisados materiais escritos como sites especializados, artigos científicos, relatórios, estatísticas e elementos iconográficos, como gráficos e imagens. Esses documentos foram tornados públicos por órgãos públicos e entidades privadas de âmbito nacional, tais como: Tribunal de Contas da União (TCU); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (IPEA), dentre outros. Foram utilizados dados da Pesquisa de Inovação e Tecnologia (PINTEC) dos anos de 2014 e 2017, a fim de comparar os resultados. Foram coletados dados das empresas que implementaram algum tipo de inovação, nos setores da indústria, eletricidade e gás e serviços relacionados.
Já os dados primários foram coletados por meio de um roteiro de entrevista do tipo semi-estruturado, que possibilitou o aprofundamento de aspectos considerados relevantes para a compreensão do fenômeno estudado (Fraser & Gondim, 2004). Para a elaboração do roteiro de entrevista selecionou-se indicadores de inovação tecnológica empresarial já validados na literatura, conforme exposto na Tabela 1.
A aquiescência dos entrevistados com sua participação no estudo foi formalizada por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A quantidade de entrevistas realizadas, no total de oito, foi determinada pelo critério de exaustão/saturação dos dados, atentando para os preceitos de Bodgan e Biklen (1994). As entrevistas (Tabela 2) foram realizadas por meio de respostas enviadas por correio eletrônico e pelo aplicativo WhatsApp, em razão dos entrevistados assim o preferirem. Posteriormente, todas as entrevistas foram transcritas e submetidas a análise.
A técnica utilizada para analisar os dados foi a Análise de Conteúdo (Bardin, 2016), por meio de suas três fases: pré-análise, exploração do material, bem como tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Na pré-análise se travou um primeiro contato com os textos, buscando-se uma percepção inicial das mensagens neles presentes, bem como organizando-os e definindo aqueles que seriam analisados. Na etapa seguinte, se estabeleceu a unidade de registro e as unidades de contexto. Foram criadas e codificadas as categorias de análise, as quais optou-se pela utilização de categorias de análise a posteriori. Assim, quatro categorias de análise guiaram a organização do material coletado. São elas: 1) fatores da baixa taxa de inovação; 2) maneiras de melhorar a taxa de inovação por meio das políticas públicas fiscais; 3) cumprimentos dos objetivos da Lei do Bem – eficácia; e 4) motivos para não adesão à Lei do Bem. Na última etapa, foram criadas tabelas e em seguida, procedeu-se a interpretação dos resultados de cada categoria de análise, que foi feita com embasamento na literatura, originando a discussão dos resultados sob a luz da literatura pertinente.
4 RESULTADOS E ANÁLISES DA PESQUISA
4.1 Leis de estímulo à inovação tecnológica e taxa de inovação das empresas brasileiras
O marco regulatório sobre inovação, possui, segundo o MCTI (2021), três vertentes, a saber: 1) a criação de um clima favorável às parcerias estratégicas entre os centros de pesquisa acadêmicos, institutos tecnológicos e firmas; 2) o impulso ao engajamento de centros de ciência e tecnologia no processo de inovação; 3) e o incitamento à inovação na empresa. Nesse sentido, por meio de três capítulos, a LIT busca incitar e estimular o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica de forma a viabilizar o desenvolvimento. A LIT visa normalizar a situação de empreendimentos privados dentro de centros de pesquisa como também projetar um sistema de benefícios fiscais para seu incremento, com o recrutamento de pesquisadores e empresas sem licitação, por exemplo (MCTI, 2012).
Outra característica marcante da LIT é o estabelecimento de normas para que o pesquisador possa desenvolver pesquisas aplicadas e avanços tecnológicos. Para tanto, foram idealizados instrumentos como bolsas de incentivos à inovação, participação nas receitas ganhas pela instituição de origem com o uso da propriedade intelectual como também a licença não remunerada para a constituição de firmas com conteúdo tecnológico intenso (MCTI, 2012).
Outro mecanismo importante de estímulo à inovação tecnológica das empresas brasileiras foi a promulgação da Lei nº 8.248/91, mais conhecida como Lei de Informática. A Lei de Informática é a política de maior duração em vigor para o setor de Tecnologia da Informação (TIC). Ela prevê a oferta de benefícios fiscais (redução ou isenção do IPI) às empresas que atuarem na implementação ou no fomento de bens de serviços de informática e automação e que investirem em atividades de P&D em tecnologia da informação (Brasil, 2022). No Decreto regulamentador nº 5.906/2006 é ressaltado que a Lei de Informática traz uma gama de oportunidades para as empresas, em virtude da concessão dos benefícios fiscais se darem por produto, e não por empresa. Assim, uma mesma firma pode ter diversos procedimentos de concessão e uma firma já favorecida pode pedir incentivos a novos produtos, desde que se enquadre dentro dos quesitos listados (Brasil, 2006).
Um mecanismo mais recente em termos de investimentos governamentais em inovação tecnológica é a Lei n.º 11.196/2005, regulamentada pelo Decreto n.º 5.798, de 7 de junho de 2006, mais conhecida como Lei do Bem. Trata-se de um dispositivo normativo cujo objetivo está em estimular investimentos privados, por meio de benefícios fiscais, pelas empresas que realizem pesquisa tecnológica e desenvolvimento de pesquisa tecnológica. Seja na formulação de novos produtos ou no processo de fabricação, é objetivado, também, a junção de novas serventias ou características ao produto ou processo que resulte em melhorias e efetivos ganhos de qualidade ou produtividade (MCTI, 2022).
Em linhas gerais, a Lei do Bem trata de benefícios fiscais a firmas que realizam a colocação de recursos financeiros em projetos de PD&I com o escopo de uma inovação tecnológica, facultando às empresas o benefício da diminuição na alíquota de Imposto de Renda e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido a recolher sobre o Lucro Real (MCTI, 2022; Piontkewicz et al., 2017).
Pesquisas indicam que os investimentos empresariais em P&D tem se mostrado ascendentes ao longo dos anos, denotando que a Lei do Bem tem se mostrado promissora na promoção da inovação tecnológica. Nos primórdios dos anos 2000, e, portanto, antes da promulgação da lei, eles representavam em torno de 0,5% do PIB. Esse número saltou para 0,6% do PIB em 2016 (De Negri, 2021). Todavia, esse resultado pode ser atribuído ao conjunto de políticas fiscais e não somente à Lei do Bem. É preciso, portanto, saber sobre o real efeito da lei sobre a inovação tecnológica.
Observa-se, pela Tabela 3, que a taxa de inovação das empresas listadas, dos setores de eletricidade, gás, indústria e serviços, manteve-se estável no período de 2009 a 2014, mas caiu no período seguinte, de 2015 a 2017.
Ainda no período de 2015 a 2017 do universo das 116. 962 empresas brasileiras, 39.329 empresas declararam ter introduzido alguma inovação de produto e/ou processo, outras 2.489 declararam apenas projetos incompletos e/ou abandonados e outras 37.082 declararam apenas inovações organizacionais e/ou de marketing. O que perfaz um total 78.860 que, por meio de formulário de adesão à fruição dos estímulos fiscais da Lei do Bem, implantaram produto e/ou processo novo ou substancialmente melhorado, que ocasionaram projetos que foram abandonados ou ficaram incompletos, e que implantaram inovações organizacionais e/ou de marketing.
Somente a título de comparação, pelos dados obtidos junto à Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI, 2021), da qual são parceiras no Brasil a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e a Universidade de São Paulo (USP), o Brasil encontra-se na 57ª posição em 2021, com uma pontuação de 34,2, atrás de países como México, Chile, Turquia e Vietnã. Os Estados Unidos da América encontram-se em 3º lugar, com pontuação de 61,3, atrás da Suécia, que tem a pontuação de 63,1; e da Suíça, que tem como pontuação 65,5. Trata-se do Índice Global de Inovação (IGI) que mede o desempenho dos ecossistemas da inovação de 132 economias e identifica as tendências globais mais recentes em matéria de inovação.
Em relação aos resultados obtidos a partir das políticas públicas fiscais de incentivo à inovação, como a Lei do Bem, a Inovação Tecnológica e a Lei de Informática, foi possível encontrar informações esclarecedoras em relatórios disponíveis no site do IBGE. Esses relatórios mostraram que, no período de 2012-2014 para 2015-2017, houve um aumento no percentual de empresas inovadoras que utilizaram o apoio do governo, como o financiamento para compra de máquinas e equipamentos, bem como das empresas beneficiadas pelos incentivos fiscais da Lei do Bem. Os resultados dessas políticas públicas podem ser vistos de maneira mais clara na Tabela 4.
Atentando para a Tabela 4, percebe-se que houve uma acentuada queda no percentual das empresas inovadoras que utilizaram o incentivo fiscal da Lei do Bem direcionado à compra de máquinas e equipamentos (total de empresas nos setores da indústria, eletricidade e gás e serviços relacionados). Em sentido contrário, houve aumento de percentual de empresas inovadoras que se beneficiaram dos incentivos fiscais da Lei do Bem, como P&D, por exemplo. Isso mostra que o incentivo creditício (financiamento para compra de máquinas e equipamentos) se mostrou menos atraente, no contexto da taxa de inovação, do que o incentivo fiscal, ou seja, esse mesmo incentivo fiscal não contribuiu de forma significativa para a baixa taxa de inovação empresarial brasileira.
A seguir apresenta-se os dados provenientes das entrevistas.
4.2 Fatores da baixa taxa de inovação
Atentando para a Tabela 5 observa-se que os elementos de maior relevo para a baixa taxa de inovação foram a baixa cultura ao risco, como também a baixa cultura inovadora presente nas empresas brasileiras.
Constata-se, ainda, pela análise dos dados na Tabela 5 que, embora com relevância menor que a da subcategoria “baixa cultura ao risco, de inovação”, a subcategoria “falta de planejamento, de gestão e de interesse” e “pouca aproximação da academia c/ o meio empresarial” surgem como igualmente importantes no que seja característico da baixa taxa de inovação. Exemplos dessas problemáticas, simbolizadas pelas subcategorias mais frequentes, estão no relato do entrevistado B.
A baixa cultura da inovação é um fator importante. As empresas não enxergam a inovação como um facilitador. A pouca aproximação da academia com o meio empresarial ainda é um fator que dificulta esse processo e leis federais, estaduais e municipais que reflitam em incentivo para as empresas inovarem (B).
4.3 Maneiras de melhorar a taxa de inovação por meio das políticas públicas fiscais
No tocante à categoria “maneiras de melhorar a taxa de inovação por meio das políticas públicas fiscais” (Tabela 6), constata-se que, embora a subcategoria “impulsionar o empreendedorismo das startups” tenha sido citada por um maior número de entrevistados, os outros resultados foram dispersos.
O entrevistado D foi o que indicou no seu relato, uma variedade de maneiras de melhorar a taxa de inovação, senão veja-se em seu relato:
Acho interessante ter esses subsídios, mas ao mesmo tempo tem outras coisas a serem feitas, fomentar essas conexões, inclusive conexões entre empresas, ter um ecossistema de informações bem mapeado nos locais, bem fomentado enfim, ter empresas se conectando com empresas, universidades com startups, fundos de investimento e tudo mais acho que quando a gente entra nesse fluxo aí de conectar todos.
Vale ressaltar que o entrevistado D, por meio de seu perfil em uma rede social, gerencia uma Startup, o que evidencia o seu conhecimento sobre as necessidades e desafios de uma empresa inovadora.
4.4 Cumprimento dos objetivos da Lei do Bem – eficácia
Na Tabela 7 buscou-se evidenciar se a Lei do Bem tem cumprido seus objetivos.
A análise dos resultados das entrevistas revelou que a Lei do Bem se mostra muito eficaz, com o relato de quatro entrevistados C, D, E e H. O entrevistado H assim a descreve: “A Lei do Bem é muito bem formulada, até onde sei tem sido muito eficaz; com alto potencial de em breve cumprir todos os seus objetivos se for mais disseminada entre os grupos de interesse”.
4.5 Motivos p/ não adesão à Lei do Bem
A categoria exposta na Tabela 8 complementa a categoria anterior, na medida em que, a partir das respostas, os entrevistados se sentiram estimulados a discorrer sobre as dificuldades que os empresários possuem em aderir à Lei do Bem.
Nesse sentido, houve entrevistados, conforme pode-se ver na Tabela 8, que elencou mais de um motivo para não adesão à Lei do Bem. As subcategorias mais frequentes foram “desconhecimento” e “pouca divulgação, falta de transparência”, com cinco respondentes cada. A segunda mais frequente foi “dúvidas sobre a vantagem em aderir, operação confusa”, com quatro respondentes. O relato do entrevistado C indica a presença de dois motivos para a não adesão: “Acredito que o principal motivo é o desconhecimento, seguido da pouca divulgação e a percepção de que o esforço de adequação pode não reverter em resultado”.
No mesmo sentido, embora lacônico, o entrevistado G relata problemas com o desconhecimento devido à pouca divulgação da lei - “Talvez a pouca publicidade sobre a lei”. E aponta também a fraca cultura à inovação.
5 DISCUSSÃO
No que se refere à LIT, ela é positiva na parte conceitual, por reconhecer na empresa um papel de polo inovativo. Todavia, a LIT não levou em consideração que toda a estruturação de competências tecnológicas e organizacionais necessita de uma gama de acesso às fontes de informação básicas, o que leva as empresas a necessitarem criar setores específicos de P&D. Quanto à Lei de Informática, esta prevê, em seu bojo, uma grande gama de atividades consideradas como P&D mas também uma variabilidade de instrumentos de avaliação considerados como prováveis meios de aferi-las. Ainda assim, a lei não deixa claro se serão utilizados todos os indicadores ou se apenas alguns deles, e quais seriam.
Em termos da taxa de inovação empresarial brasileira, a pergunta que se faz é a de por qual motivo, apesar dos enormes gastos do país, em termos de renúncias fiscais, o patamar das taxas de inovação encontra-se ainda muito baixo, se comparado com os países desenvolvidos? Várias razões podem ser levantadas, ao considerar-se aspectos peculiares do país como um todo. Um deles é devido à ausência de uma cultura inovadora no país. Existem autores, como Santos (2020), que apontam o desinteresse das empresas, mesmo diante dos vários incentivos fiscais criados. De Negri (2021) aponta que é sabido que os investimentos corporativos em P&D também dependem de uma série de outros fatores macroeconômicos e estruturais da economia brasileira; e que o fraco desempenho dos investimentos em P&D, observado na última PINTEC, pode ser atribuído a esses outros fatores.
Uma outra maneira de colocar o problema seria se basear numa possível fraca interação entre universidades, centros de pesquisa e empresas. Mas, talvez essa baixa interação não seja a causa, mas a consequência do problema. Isso porque quando há um dinamismo inovativo na economia, ou seja, quando se têm empresas desenvolvendo inovações, a interação citada anteriormente seria consequência do próprio processo inovativo. Torres e Botelho (2018) explanam que, a forma como se desenvolveram as relações entre universidades, centros de pesquisa e empresas no Brasil, contribuiu, dentre outros, para a caracterização do sistema de inovação brasileiro como imaturo ou incompleto, de modo que a fragilidade dos laços de interação entre o setor de produção e o de ciência configura-se como uma das lacunas que precisam ser superadas pelo Brasil para a consolidação do seu sistema de inovação.
Nesse contexto, vale ainda destacar que, o padrão de especialização científico brasileiro é muito diferente do padrão que, internacionalmente, corresponde ao padrão necessário para a geração de inovações tecnológicas. Todavia, por si só, essa especialização científica não implicaria uma restrição deveras importante, haja vista muitos setores de atividade estarem relacionados e dependerem de uma produção científica forte nas áreas nas quais o Brasil tem primazia. Há, sim, que ter que se falar em recursos humanos pouco qualificados, uma estrutura de ensino superior muito centralizada nas ciências humanas e sociais, e no que se refere a setores extra mundo acadêmico, ao modelo setorial centralizado em setores com baixa tecnologia, baixo modelo de produção das empresas (setores intensivos em conhecimento) e a alta internacionalização da estrutura produtiva brasileira, a qual transfere o núcleo de geração de conhecimento para fora do país.
A Lei do Bem, por sua vez, criou um ambiente propício à inovação tecnológica, visto que permite o financiamento de projetos com maior risco tecnológico. Bloom et al. (2019) explanam que existem muitos estudos de alta qualidade na literatura que tratam de incentivos fiscais e que demonstram que os incentivos fiscais têm um impacto positivo na capacidade inovadora. Santos et al., (2020), por exemplo, concluíram que a Lei do Bem aumenta as chances da inovação corporativa, e Zucoloto et al. (2017) apontou impactos positivos na produtividade das empresas beneficiárias.
Há que se considerar, todavia, a necessidade de aperfeiçoamentos na lei, mormente à possibilidade de estocagem, por alguns anos, dos incentivos em P&D com o objetivo de utilização dos incentivos por empresas que tiveram prejuízos fiscais nos anos que inovaram. Outra deficiência da lei estaria no fato da não possibilidade de adoção dos incentivos às pequenas empresas, já que somente as empresas que adotam o Lucro Real como forma de tributação estão hábeis em aderir. A participação de outras empresas poderia ser alavancada tendo em vista a falta de informação sobre esse mecanismo de estímulo.
No que se refere aos fatores da baixa taxa de inovação foram apontados pela maioria, a fraca cultura ao risco e/ou cultura inovativa e a fraca interação entre os centros de pesquisa e ensino com o meio empresarial. O que vai de encontro ao dito por De Negri (2021), pois essa fraca interação entre a academia e o meio empresarial não seria a causa, mas a consequência da baixa taxa de inovação empresarial. Todavia, esses resultados encontram respaldo em Oliveira e Basso (2014) que também apontaram aqueles dois fatores como responsáveis pela baixa taxa de inovação empresarial brasileira.
No que se refere às maneiras de melhorar a taxa de inovação por meio das políticas públicas fiscais, viu-se que os resultados foram dispersos, e somente uma subcategoria alcançou o estado de mais frequente, qual seja, impulsionar o empreendedorismo das startups. Nesse ínterim, a priorização dada às empresas de médio e pequeno porte, como também às que estão iniciando suas atividades voltadas à inovação tecnológica, como é o caso das startups, encontrou ressonância nos estudos de Oliveira e Basso (2014, p.14), quando afirmam que “há a necessidade de uma reformulação no marco regulatório/marco legal da inovação do país que beneficia apenas as empresas de grande porte e deixam de lado as micro, pequenas e médias empresas do país”.
Em relação a categoria “cumprimento dos objetivos da Lei do Bem - eficácia”, viu-se que a Lei do Bem se mostrou eficaz para a maioria dos respondentes. Nesse sentido, os resultados corroboraram os estudos de Zanghelini e Andrade (2015) quando afirmam que o aumento contínuo do número de empresas beneficiadas pelo Lei do Bem consolida esta lei como um aparato institucional que contribuiu para a eficiência e competitividade das empresas brasileiras.
No que se refere à categoria “motivos p/ não adesão à Lei do Bem”, as subcategorias mais frequente foram “desconhecimento” e “pouca divulgação, falta de interesse”. Em Castro et al. (2012) vê-se que “uma das razões para a pouca adesão empresarial é, possivelmente a falta de informação do empresariado a respeito da legislação”. Esse resultado, porém, não confirmou o estudo realizado em Oliveira et al. (2017), onde as principais causas da não utilização dos incentivos fiscais descritos na Lei do Bem foram problemas de ordem fiscal e apuração de prejuízo fiscal no término do exercício.
Portanto, a Proposição1 fora validada, ou seja, a taxa de inovação das empresas brasileiras ainda é baixa, tendo decrescido no período de 2012 a 2017. Embora a taxa tenha se mostrado baixa em relação a países desenvolvidos, inclusive alguns subdesenvolvidos economicamente, pode-se observar que os incentivos fiscais por si só tiveram pouca influência no cômputo dessa taxa. A Proposição 2 também foi validade, já que a Lei do Bem se tem se mostrado ser eficaz como também tem conseguido atingir seus objetivos de fomentar, por meio de seus incentivos fiscais elencados em seu texto, a inovação empresarial brasileira.
6 CONCLUSÃO
Viu-se que o arcabouço criado pelo país desde a década de 90, para o estímulo à inovação empresarial é bastante completo do ponto de vista do leque de opções existentes, tais como subvenções, créditos subsidiados, incentivos fiscais e tantos outros. O que se nota é que o volume de recursos, o grau de abrangência e profundidade das políticas fiscais ainda são muito inferiores aos dos países desenvolvidos, haja vista dados das taxas de inovação dos países desenvolvidos em conjunto com o percentual de empresas inovadoras que utilizam programas do governo.
Com base nos achados, pode-se trazer algumas sugestões para o aperfeiçoamento da espécie política pública fiscal. Seria de bom alvitre, por exemplo, difundir de maneira mais efetiva a oportunidade de acesso aos incentivos fiscais de modo a torná-lo não só mais visível como também mais transparente. Nesse último quesito notou-se uma deficiência de informações no sítio do MCTI, haja vista informações importantes como, a título de exemplo, o relatório dos incentivos fiscais estarem disponíveis somente até 2015.
Outro ponto que se considera importante é aperfeiçoar os critérios de avaliação das políticas públicas fiscais. Ainda sobre o MCTI, este toma como base somente gastos com P&D como principal foco de avaliação, conforme fora percebido durante a pesquisa, em consulta ao sítio do referido ministério. A Lei do Bem poderia conter em seu bojo uma ampliação do leque de empresas aptas a se candidatarem aos incentivos fiscais, tendo em vista somente as empresas tributadas no Lucro Real estarem aptas a se candidatarem aos seus benefícios. Não se percebeu, nas consultas aos sítios oficiais, uma integração acentuada entre os diversos ministérios e órgãos públicos acerca das informações de acesso como também de avaliação das políticas fiscais. No sítio da RFB a informação é escassa e não intercambiável com os demais órgãos/entidades governamentais.
Concluiu-se, no sentido de estimular a inovação tecnológica, que se está no caminho certo, em relação ao setor público, em disponibilizar meios para se conseguir tal objetivo. A consciência despertada para esse tema, é, a despeito do seu caráter de bem intangível, um ativo muito valioso. Todavia, há que se perceber que, não cabe tão somente ao poder público incentivar a inovação tecnológica, mas, a participação efetiva e conjunta de centros de pesquisa acadêmicos e o meio empresarial.
Como contribuição acadêmica, buscou-se avançar na literatura sobre políticas públicas ao se disponibilizar quatro constructos que possibilitam o estudo do fenômeno das políticas de incentivos fiscais à inovação tecnológica empresarial. São eles: 1) fatores da baixa taxa de inovação; 2) maneiras de melhorar a taxa de inovação por meio das políticas públicas fiscais; 3) cumprimentos dos objetivos da(s) lei(s) de incentivos fiscais de inovação tecnológica – eficácia; e 4) motivos para não adesão à(s) lei(s) de incentivos fiscais de inovação tecnológica. E como contribuição prática aponta-se possíveis deficiências como também se sugere aperfeiçoamentos na concepção de políticas com força em tecnologia que tenham como instrumento os estímulos fiscais.
As limitações encontradas foram devido à dificuldade de acesso a dados mais recentes, acesso esse prejudicado pela ocorrência da pandemia de COVID-19, o que prejudicou, sobremaneira, a coleta e divulgação de dados por parte dos institutos de pesquisa e do próprio arcabouço ministerial do governo federal. Como sugestões, deve haver uma preocupação maior referente à atualização nos bancos de dados dos institutos de pesquisa e órgãos ministeriais, uma reformulação em aspectos da Lei do Bem, como o acesso a mais empresas até então excluídas de seu âmbito.
REFERÊNCIAS
Bardin, L. (2016). Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70.
Bodgan, R., & Biklen, S. (1994). Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora.
Bloom, Nicholas et al. (2019). A Toolkit of Policies to Promote Innovation. Journal of Economic Perspectives, 33(3), 163–84.
Brasil. (1991). Lei 8.248/91, de 23 de outubro de 1991. Dispõe sobre a competividade do setor de informática e automação e dá outras providências.
Brasil. (2005). Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005. Dispõe sobre incentivos fiscais para a inovação tecnológica.
Buainain, A. M. et al. (2019). Propriedade intelectual e desenvolvimento no Brasil. Rio de Janeiro: Ideia D, ABPI.
Caliendo, P., & Muniz, V. (2014). Política fiscal e desenvolvimento tecnológico empresarial: uma análise crítica sobre inovação e tributação. Revista de Direito Brasileira, v8(4).
Calzolaio, A. E. (2011). Política fiscal de incentivo à inovação no Brasil: análise do desempenho inovativo das empresas que usufruíram benefícios da lei nº 11.196/05 (Lei do Bem). Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Porto Alegre, Brasil.
Castro, D. V. et al. (2012). Políticas de incentivo à inovação: hipóteses para não adesão empresarial à Lei do Bem. Anais do SEGET. IX SEGET.
Cavalcante, L. R. (2009). Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil: uma análise com base nos indicadores agregados. IPEA, texto para discussão nº 1458.
De Negri, F. (2012). Elementos para a análise da baixa inovatividade brasileira e o papel das políticas públicas. Revista Usp, 93(1), 81-100.
De Negri, F. (2021). What do we know about the effectiveness of fiscal incentives for research and development in Brazil’s ‘Law of Good. International policy centre for inclusive growth. Research brief. Brasília, 2021.
Garcia, B.V. (2008). Direito e tecnologia: regime jurídico da ciência, tecnologia e inovação. São Paulo: LTr.
Godoy, A. S. (1995). Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas, 35(3), 20-29.
Godoy, L. R. (2022). Direito e Desenvolvimento: a inovação tecnológica e o desafio furtadiano. São Paulo: Editora Dialética.
Heidenreich, S., & Kraemer, T. (2016). Innovations—Doomed to Fail? Investigating Strategies to Overcome Passive Innovation Resistance. Journal of Product Innovation Management, 33(3), 277–297.
Hung, Ho-fung. (2018). A ascensão da China, a Ásia e o Sul Global. Revista de economia contemporânea, 22(1), 1-26.
Koeller, P., & Baessa, A. R. (2005). Inovação Tecnológica na indústria brasileira. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – IPEA.
Machado, H. B. (2015). O Regime Jurídico dos Incentivos Fiscais. In: Machado, H. B. (Coord.). Regime Jurídico dos Incentivos Fiscais. São Paulo: Malheiros.
Manual de Oslo. Guidelines for Collecting, Reporting and Using Data on Innovation. 4th Edition. OCDE, 2018. Recuperado de https://www.oecd.org/science/oslo- manual-2018-9789264304604-en.htm, em 26 nov. 2022.
Marinova, D., & Phillimore, J. (2003). Innovation models. In: L. V. Shavinina (Ed.), The International Handbook on Innovation, 44–53. Oxford: Elsevier.
MCTI. Ministério Da Ciência, Tecnologia e Inovação. (2016). Lei da Inovação.
Meissner, D., & Kotsemir, M. (2021). Conceptualizando o processo de inovação em direção ao 'paradigma de inovação ativa' - tendências e perspectivas. J Innov Entrep, 2016.
Mori, R. (2016). Política fiscal e desempenho macroeconômico. In Vasconcelos, R. F. (coord.) Política Fiscal. 2 ed. São Paulo: Saraiva.
Nelson. R. A. R. R. (2016). Dos Incentivos Fiscais: uma análise de sua dimensão normativa no sistema jurídico brasileiro. RFPTD, 4(4), 1-34.
OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. (2005). Oslo Manual: guidelines for collecting and interpreting innovation data, 3. Ed.
Oliveira, J. A. S., & Basso, L. F. C. (2014). Inovação e Políticas Públicas no Brasil. Anais do III SINGEP e II S2IS. São Paulo/SP, Brasil.
Oliveira, O. V. et al. (2017). Razão da não utilização de incentivos fiscais à inovação tecnológica da Lei do Bem por empresas brasileiras. Revista Contemporânea de Contabilidade, 14(31), 67-88.
OMPI - Organização Mundial de Propriedade Intelectual. (2021). Índice Global de Inovação. Resumo Executivo. 14. Ed.
Pacheco, C. A., & Almeida, J. G. (2013). A política de inovação. Instituto de Economia Unicamp, texto para discussão, (219).
RFB. Receita Federal do Brasil. (2022). Recursos Aplicados – Governo Federal.
Salerno, M. S., & Kubota, L. C. (2008). Estado e inovação. In: J. A. De Negri; L. C. Kubota (Eds). Políticas de incentivo à inovação tecnológica no Brasil. Brasília: IPEA, 13-64, 2008.
Sanches, P. L. B., & Machado, A. G. C. (2014). Estratégias de inovação sob a perspectiva da Resourced-Based View: análise e evidências em empresas de base tecnológica. Gest. Prod., 21(1),125-141.
Santos, P. et al. (2019). Financiamento da inovação no Brasil: uma abordagem sobre a influência dos incentivos fiscais na atividade inovativa industrial. Economia e Desenvolvimento, 31(e8), 01-16.
Santos, F. C. M. et al. (2020). Barreiras à Interação Universidade-Empresa: um estudo da UFPE no setor farmacêutico de Pernambuco. Revista Geintec, 10(4), 5727-5740.
Scaff, L. C. M., & Pereira, L. F. F. (2021). Institucionalismo & inovação: a lei do bem como instituição extrativista no ecossistema inovativo nacional. REI [s. l.], 7(2), 629–648.
Schumpeter, J. A. (1997). Teoria do desenvolvimento econômico uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo: Nova Cultural Ltda. 1997.
Seruffo, H. H. R. (2021). O papel da transferência das tecnologias geradas nas instituições de pesquisa brasileiras, considerando o novo contexto e o cenário econômico Mundial. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT – IFPA, Pará, Brasil.
Silva, E. L., & Menezes, E. M. (2000). Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
Strauss, A., & Corbin, J. (1998). Basics of Qualitative Research: Techniques and Procedures for Developing Grounded Theory. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, Inc.
Torres, P. H., & Botelho, M. D. R. A. (2022). Financiamento à inovação e interação entre atividades científicas e tecnológicas: uma análise do Pappe. Revista Brasileira de Inovação, 17, 89-118.
Viegas, T. O. C. et al. (2018). Surveys de inovação do brasil: uma análise comparativa com surveys internacionais. Anais do III ENEI, 2018, Indústria e Desenvolvimento Econômico: desafios e perspectivas. Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.
Vromen, J. (1995). Economic evolution. An Inquiry into the Foundations of the New Institutional Economics. London: Routledge.
Zanghelini, F., & De Andrade, C. A. S. (2015). Effectiveness evaluation of public policy incentive R&D in technological innovation in Brazil: a focus on law of the well. Rev Ciênc Farm Básica Apl., 36(3), 349-358.
Zucoloto, G. et al. (2017). Lei Do Bem e Produtividade Das Firmas Industriais Brasileiras. Políticas de Apoio à Inovação Tecnológica No Brasil: Avanços Recentes, Limitações e Propostas de Ações. Brasília: Institute for Applied Economic Research.