A Discricionariedade como um Pressuposto da Implementação de Políticas Públicas: um Ensaio Teórico
Discretion as an Assumption for the Implementation of Public Policies: a Theoretical Essay
La discrecionalidad como una premisa para la implementación de políticas públicas: un ensayo teórico
A Discricionariedade como um Pressuposto da Implementação de Políticas Públicas: um Ensaio Teórico
Administração Pública e Gestão Social, vol. 16, núm. 2, 2024
Universidade Federal de Viçosa
Recepción: 28 Diciembre 2022
Aprobación: 07 Noviembre 2023
Publicación: 25 Abril 2024
Resumo: Objetivo da pesquisa: o objetivo do ensaio é desenvolver proposições teóricas sobre a implementação de políticas públicas.
Enquadramento teórico: o estudo fundamenta-se na literatura sobre os fatores influenciadores da ação dos burocratas de nível de rua na implementação de políticas públicas.
Resultados: a primeira proposição defende que a discricionariedade, mais que um fator influenciador, é um pressuposto da implementação. Outra proposição deriva da percepção de que a ação da implementação das políticas públicas influencia de formas distintas os princípios que a regem — núcleo estável — e seus fatores intercontextuais — núcleo dinâmico. A última proposição sustenta que deve existir um esforço de parte dos policymakers em reconhecer a influência e conhecer os fatores que influenciam a forma como a burocracia de nível de rua implementa determinada política pública. Como resultado, o framework normativo original da política pública possuiria maior aderência à realidade observada nos contextos em que a política pública é implementada, além de trazer para o bojo da política pública a consideração da multidimensionalidade como característica basilar da burocracia de nível de rua. Adicionalmente, apresenta-se um modelo integrativo de dimensões e categorias sobre o tema.
Originalidade: apresenta a discricionariedade como um pressuposto ao se estudar os fatores influenciadores da ação dos burocratas de nível de rua, diferenciando-a da ação discricionária. Além disso, o modelo proposto busca avançar no debate sobre a dinâmica existente entre a formulação e implementação de políticas públicas.
Contribuições teóricas e práticas: do ponto de vista teórico, o conteúdo do ensaio suscita argumentos que contribuem qualitativamente na área de pesquisa. De uma perspectiva prática, fornece um modelo que pode servir de parâmetro para novos estudos e apresenta proposições que podem ser testadas em pesquisas empíricas futuras.
Palavras-chave: Burocracia de Nível de Rua, Fatores influenciadores da ação, Framework normativo, Dimensões e categorias.
Abstract: Objective: the objective of this essay is to develop theoretical propositions about public policies implementation.
Theoretical Framework: the study is based on the literature about the factors that influence the action of the street-level bureaucrats in the implementation of public policies.
Results: The first proposition argues that discretion, more than an influencing factor, is an assumption of implementation. Another proposition derives from the perception that the action of implementing public policies influences in different ways the principles that govern it — stable core — and its intercontextual factors — dynamic core. The last proposition argues that there must be an effort of policymakers to recognize the influence and to know the factors that influence the way the street-level bureaucracy implements a given public policy. As a result, the original normative framework of public policy would have greater adherence to the reality observed in the contexts in which public policy is implemented, in addition to bringing the consideration of multidimensionality to the bases of public policy as a basic characteristic of street-level bureaucracy. Additionally, an integrative model of dimensions and categories about the subject is presented.
Originality: presents discretion as an assumption when studying the factors influencing the action of street-level bureaucrats, differentiating it from discretionary action. In addition, the proposed model seeks to advance on the debate about existing dynamics between the formulation and implementation of public policies.
Theoretical and practical contributions: from a theoretical point of view, the content of the essay raises arguments that contribute qualitatively to the research area. From a practical perspective, it provides a model that can serve as a parameter for new studies and presents propositions that can be tested in future empirical research.
Keywords: Street-level bureaucracy, Factors influencing the action, Normative framework, Dimensions and categories.
Resumen: Objectivo: el objetivo de este ensayo es desarrollar proposiciones teóricas sobre la implementación de políticas públicas.
Marco Teórico: el estudio es basado en la literatura sobre los factores que influyen en la acción de los burócratas de nivel de calle en la implementación de políticas públicas.
Resultados: la primera proposición defiende que la discrecionalidad, más que un factor influyente, es una premisa de la implementación. Otra proposición se deriva de la percepción de que la acción de implementar políticas públicas influye de diferentes maneras en los principios que la rigen — núcleo estable — y sus factores intercontextuales —núcleo dinámico. La última proposición argumenta que debe haber un esfuerzo por parte de los formuladores de políticas para reconocer la influencia y conocer los factores que influyen en la forma en que la burocracia de nivel calle implementa una determinada política pública. Como consecuencia, el marco normativo original de política pública tendría mayor apego a la realidad observada en los contextos en los que se implementa la política pública, además de llevar la consideración de la multidimensionalidad al núcleo de la política pública como característica básica de la burocracia de nivel de calle. Adicionalmente, se presenta un modelo integrador de dimensiones y categorías sobre el tema.
Originalidad: presenta la discrecionalidad como un supuesto al estudiar los factores que influyen en la acción de los burócratas de nivel de calle, diferenciándola de la acción discrecional. Además, el modelo propuesto busca avanzar en el debate sobre las dinámicas existentes entre la formulación y la implementación de políticas públicas.
Contribuciones teóricas y prácticas: desde el punto de vista teórico, el contenido del ensayo plantea argumentos que contribuyen cualitativamente em la area de investigación. Desde una perspectiva práctica, proporciona un modelo que puede servir como parámetro para nuevos estudios y presenta proposiciones que pueden probarse en futuras investigaciones empíricas.
Palabras clave: Burocracia de nivel de calle, Factores que influyen en la acción, Marco normativo, Dimensiones y categorias.
1 Introdução
O campo da implementação investiga a razão do sucesso ou insucesso das políticas públicas (Barrett, 2004; Ferreira et al., 2020; Hjern & Porter, 1981). Constata-se empiricamente que nem todas elas alcançam os objetivos inicialmente formulados e, de um ponto de vista teórico, as razões para que isso aconteça. Em vista disso, a identificação dos fatores que influenciam esse resultado é central nas análises de implementação (P. Sabatier & Mazmanian, 1980; Scharpf, 1977)
A implementação é a ação que materializa o que foi planejado na esfera política como alternativa para resolução de problemas públicos independentemente da origem dessas ações serem públicas ou privadas (Hill & Hupe, 2002; P. Sabatier & Mazmanian, 1980; Van Meter & Van Horn, 1975). Outrossim, é o produto da interação de diversos atores, não necessariamente alinhados em termos de interesses ou equiparados em termos de influência ou recursos (Lipsky, 2010; Scharpf, 1977).
Além das ações, o entendimento da implementação passa pelo comportamento dos atores envolvidos e pela inação — quando intencional —, não sendo possível prever seus resultados antes de sua implementação, indissociável do problema e do contexto específico que a política pública busca produzir resultados. Nesse sentido, não existem garantia de que o propósito das políticas públicas se mantenham conforme as intenções dos policymakers—aqueles burocratas costumeiramente localizados no alto e médio escalação da burocracia pública — antes da ação ser iniciada, admitindo que sejam definidos ou influenciados no sentido inverso, a partir da implementação e das idiossincrasias encontradas durante esse processo (Hill & Hupe, 2002).
Esse olhar a partir da implementação rompe com a ideia clássica de que políticas públicas são ações desenvolvidas de maneira sequencial, lógica e objetiva (Hill & Hupe, 2002). A teoria da burocracia de nível de rua analisa a implementação de políticas públicas a partir dos implementadores, os chamados burocratas de nível de rua — professores, médicos, policiais, entre outros. São esses servidores que encontram os cidadãos e representam o poder público. Sendo assim, estes agentes são os responsáveis pela implementação das políticas públicas em seu nível operacional. Eles, diante de imprecisões, ambiguidades — ou subjetividades — dos critérios estabelecidos no planejamento e valendo-se da discricionariedade que sua atuação requer, vão além da implementação, tornando-se também formuladores (Arretche, 2001; Bronzo et al., 2022; Ferreira & Medeiros, 2016; Lipsky, 2010; G. S. Lotta et al., 2018; Nouman & Cohen, 2023).
Apesar da existência de muitos estudos empíricos, ainda existe a necessidade do desenvolvimento de modelos integradores que permitam avançar na evolução e consistência teórica dos estudos sobre as ações dos burocratas de nível de rua na implementação de políticas públicas (Ferreira & Medeiros, 2016). O objetivo deste ensaio teórico é desenvolver proposições teóricas sobre a implementação de políticas públicas no sentido bottom-up a partir da teoria da burocracia de nível de rua.
Para isso, a próxima seção contextualiza a implementação sob a ótica da burocracia de nível de rua, apresentando os principais aspectos teóricos e epistemológicos envolvidos. Em seguida, discute-se os fatores influenciadores da implementação de políticas públicas na perspectiva dos burocratas de nível de rua. Finalmente, nas considerações finais reafirmam-se as principais proposições desenvolvidas durante o ensaio, bem como encaminham-se sugestões para compor a agenda de pesquisas sobre o tema.
2 Implementação de Políticas Públicas na Perspectiva dos Burocratas de Nível de Rua
Até o final da década de 1960, a pressuposição dos formuladores das políticas públicas, comumente localizados nas esferas mais estratégicas e hierarquicamente superiores da administração pública, era de que elas eram claras, bem definidas e que a alocação de recursos — considerada suficiente para os fins aos quais se propunham — levaria os administradores e seus subordinados a executar o que lhes fora ordenado sem intercorrências, atendendo as expectativas e aos ditames da lei. O arcabouço legal não mencionava a figura dos implementadores (Hill & Hupe, 2002). A literatura da época acompanhava essa tendência. Apenas no final da década de 1960 e início da década de 1970, diante da constatação de que a legislação não produzia os efeitos esperados (Pressman & Wildavsky, 1973) e do desenvolvimento de estudos que analisavam programas públicos específicos nas mais diversas áreas da esfera pública, é que surge a preocupação com a implementação (P. Sabatier & Mazmanian, 1980).
A partir de então, pesquisas do campo da implementação começaram a ser desenvolvidas, primeiramente, preocupando-se com as diferenças encontradas entre os objetivos almejados e os resultados obtidos — a primeira geração. Posteriormente, surge o interesse sobre como os atores — individuais e coletivos — que fazem parte da interface de determinada política pública atuam na busca desses resultados — a segunda geração. Com o avanço das pesquisas, surgiu uma terceira geração de estudos, que buscava a convergência dessas perspectivas no sentido de reconhecer que ambas oferecem subsídios para a compreensão da implementação (Matland, 1995; McDonnell & Elmore, 1987).
Apesar dos inegáveis avanços, a terceira geração de estudos sobre implementação não conseguiu resolver as divergências debatidas pelas duas primeiras, adicionando vieses de análise importantes sem, contudo, interromper o desenvolvimento teórico e a utilização empírica das outras abordagens (Hill & Hupe, 2002). Tratou-se, portanto, de um novo paradigma nas pesquisas de implementação, não uma quebra. Nesse ponto cabe a menção que autores como Howlett (2019) e G. Lotta (2019) defendem a existência de uma quarta geração — ou onda — de pesquisas sobre implementação, com uma maior influência de outros campos da ciência e utilização de múltiplos modelos de análise.
De qualquer maneira, existem vários caminhos para se estudar a implementação de políticas públicas (Hill & Hupe, 2002). A adoção de uma dessas perspectivas teóricas é mais uma escolha do pesquisador na análise de um caso concreto e do problema que está sendo investigado do que a convicção que uma seja superior às demais.
Nesse ponto, parte-se para uma análise mais aprofundada da segunda geração. Por analisar a implementação de baixo para cima — no sentido bottom-up —, ela considera que exista uma integração entre formulação e planejamento que leva a um fluxo contínuo de adaptações e revisões dos objetivos originalmente definidos na formulação da política quando efetivadas as ações necessárias para aplicá-las aos casos concretos (Barrett, 2004).
Essa efetivação é uma condição sine qua nonnesse fluxo de retroalimentações entre o que se verificou na prática e o que foi formulado, adaptando este à realidade da implementação. Por essa razão, esses atores que implementam as políticas públicas são centrais nas análises de segunda geração, sendo chamados de burocratas de nível de rua.
Três são as condições que afetam sobremaneira a atuação desses agentes: i) recursos inadequados; ii) ameaça psicológica e, em determinados casos, física; e iii) contradições nas metas de desempenho deles esperadas. Outrossim, denota-se sua importância política e social. Politicamente, compreender o foco do serviço governamental passa pelo conhecimento das funções e características dos servidores públicos. Do ponto de vista social, a atuação desses agentes impacta sobremaneira a vida dos cidadãos, sendo atores centrais inclusive no exercício da cidadania (Lipsky, 2010).
A compreensão dos desafios advindos da atuação desses servidores que atuam na linha de frente passa por duas ideias ou conceitos centrais: i) a discricionariedade como elemento central da implementação; e ii) problemas públicos devem ser abordados no sentido bottom-up.
2.1 A discricionariedade como elemento central da implementação
A discricionariedade é compreendida como o exercício do julgamento que os implementadores possuem no desempenho de suas profissões (Lipsky, 2010). Ela é a margem de atuação dos servidores na aplicação das leis dentro dos limites por elas estabelecidos, sendo necessária ao se vislumbrar que a legislação costumeiramente trata de regras gerais e não detalha minuciosamente a multiplicidade de situações encontradas diuturnamente na aplicação da lei aos casos concretos (Ferreira et al., 2020; Oliveira, 2012).
Dessa maneira, mecanismos que buscam controlar e guiar seu comportamento tendem a não funcionar na análise de casos concretos. Os burocratas de nível de rua, em razão da discricionariedade e dos mecanismos de resistência aos ditames advindos dos órgãos centrais, são formuladores quando se considera sua área específica de atuação (Hupe & Hill, 2007; Lipsky, 2010; Weatherley & Lipsky, 1977).
Em função disso, as políticas públicas não podem ser completamente entendidas sem considerar que a implementação acontece a partir da relação entre a burocracia de nível de rua e os cidadãos. Por não ser possível que contemple todas as especificidades que são encontradas durante a implementação, a política pública carece de interpretação ao ser aplicada aos casos concretos. Nesse processo, conflitos não se dão somente a nível de atores interessados no processo de formulação da política, mas também, e sobretudo, na relação entre os implementadores e os cidadãos. Assim, a discricionariedade é inerente à função e fonte de autoridade para esses servidores (Lipsky, 2010) e, conjuntamente às suas habilidades individuais, é necessária para a solução dos problemas que as políticas públicas tentam resolver (Elmore, 1979).
Então, mais que um elemento passível — ou desejável — de controle, a discricionariedade é instrumento importante na implementação das políticas públicas. É uma consequência natural à racionalidade limitada dos atores envolvidos com a política pública e a assimetria de informações existentes entre quem está próximo ao objeto e quem o conhece apenas de maneira teórica ou superficial. É elemento inerente às políticas públicas, da natureza do processo de implementação.
Outras pesquisas tiveram importantes contribuições no modo de conceber as políticas públicas a partir do deslocamento do foco de análise nas áreas estratégicas para as mais próximas do cidadão. Destaca-se as contribuições a seguir.
A abordagem backward mapping é uma alternativa — e complementação — à visão top-down de controle e influência dos policymakers sobre o processo de implementação — forward mapping. Ela questiona a capacidade dos formuladores em influenciar a implementação e a ideia de que o sucesso da política pública passa exclusivamente por definições precisas de objetivos e responsabilidades a partir do centro. O problema a ser corrigido ou atitude a ser influenciada pela política pública está no nível mais operacional da implementação. Portanto, a formulação deve partir dele e subir até aos níveis estratégicos (Elmore, 1979).
Além de analisar a política no sentido tradicional, é necessário fazer a análise no sentido contrário. Deve existir uma relação lógica entre o problema que se pretende enfrentar e a estratégia escolhida para fazê-lo. Sendo assim, cada viés de análise contempla apenas parte da análise ideal, que compreende ambas as dimensões. A abordagem top-down busca controle. A visão bottom-up entende que esse controle, se existir, é limitado a um conjunto de recursos que cada ator da implementação é capaz de influenciar (Elmore, 1985). Em razão de as políticas públicas serem, usualmente, vagas e ambíguas — e até inexistentes — ao nível dos objetivos que se pretendem alcançar, e reconhecendo que elas podem ser alteradas durante a implementação, a pesquisa em implementação deve se concentrar nos problemas estabelecidos por todos os atores relevantes no processo, não somente naqueles formalmente instituídos como formuladores (Hjern & Hull, 1982).
Esse reconhecimento da pluralidade de atores, e sua capacidade de encaminharem alterações no desenho da política, introduz as discussões a respeito de como acontece o relacionamento entre eles. Além disso, se os objetivos das políticas estão em função dessa rede e são estabelecidos de acordo com as interações existentes pari passu à própria implementação, a noção de êxito ou fracasso deixa de ser puramente objetiva e estática, passando a ser subjetiva — por depender da relação de poderes entre os atores e suas percepções quanto aos resultados esperados — e dinâmica.
As pesquisas do campo da implementação tendem a se centrar em aspectos do respeito às regras — law abidance. Contudo, análises a respeito do julgamento realizado pelos burocratas de nível de rua na implementação de políticas públicas passa também por razões culturais — cultural abidance. A análise em relação às normas é considerada a narrativa predominante no campo — state-agent narrative —, sendo sua alternativa — citizen-agent narrative — frequentemente negligenciada. Essa trabalha em cooperação ou tensão com aquela, mas sempre próximas. A narrativa cidadão-agente se preocupa com julgamentos de ordem moral realizados pelos burocratas de nível de rua na interação dinâmica que se desenvolve em razão do atendimento dispensando aos cidadãos (Maynard-Moody & Musheno, 2003).
Nesse aspecto, discute-se até mesmo a discricionariedade e seu status incontornável atribuído pela narrativa estado-agente, afirmando que ela jamais pode ser eliminada. Mesmo diante da existência dos controles democráticos dos esforços públicos em se alterar uma realidade através da implementação de uma política pública, a discricionariedade sempre aparece em algum ponto. A narrativa state-agent prevalece em contextos em que, do ponto de vista dos burocratas de nível de rua, lei e cultura estão alinhadas. Por outro lado, quando a percepção desses servidores é de que o que deveria ser feito não é exatamente aquilo que a lei, normas e regras preveem, a narrativa citizen-agent prevalece (Maynard-Moody & Musheno, 2003).
Isso posto, uma característica comum de diversas abordagens, narrativas e teorias que estudam a implementação no sentido bottom-up é o status central atribuído à discricionariedade. Um dos desdobramentos desse atributo é o interesse de compreender os fatores que influenciam a burocracia de nível de rua a utilizar a discricionariedade ao implementar as políticas públicas, que será tratado na seção seguinte.
2.2 A burocracia de nível de rua e os fatores influenciadores de sua ação na implementação políticas públicas
Uma das dificuldades em se estudar a implementação é que as ações dos burocratas de nível de rua nem sempre são documentadas. A natureza da relação entre o burocrata e o cidadão nem sempre se dá de maneira formal. É, por exemplo, o caso dos professores em sala de aula. Além do mais, diante de situações em que as normas não são claras ou nem mesmo as vislumbraram, ou ainda diante das próprias especificidades da função desempenhada, os burocratas de nível de rua precisam tomar decisões baseadas em sua interpretação das regras (Hill & Hupe, 2002; Lipsky, 2010), atuando nas dimensões estrutural, relacional e da ação individual (Bonelli et al., 2019). Portanto, percebendo que a implementação não é um processo linear e estático, com variáveis totalmente conhecidas e de comportamento presumível, a burocracia de nível de rua estabelece critérios de análise que permitem uma maior compreensão dos aspectos específicos que concernem à implementação.
Uma de suas características é a existência da ação discricionária, em maior ou menor nível, mas sempre presente, na aplicação das regras por parte dos burocratas de nível de rua. Nessa perspectiva, é comum que os trabalhos da área estudem o comportamento desses agentes públicos (Hill & Hupe, 2002; Lipsky, 2010) pois o exercício do julgamento, necessário para sua atuação, afeta o grau de sucesso da política (Najberg & Barbosa, 2006). Então, a discricionariedade é um pressuposto da implementação. O que se trata de um produto entre as relações de interdependência dos fatores que influenciam a implementação é o julgamento do burocrata de nível de rua — que resulta na ação discricionária através do julgamento e da consideração dos diferentes contextos que afetam a implementação das políticas públicas, conforme ponderações de Arretche (2001), Saetren (2005) e G. S. Lotta et al. (2018).
Sobre isso, importa caracterizar a discricionariedade na implementação de políticas públicas como pressuposto — abordado, por exemplo, como aspecto inevitável (Maynard-Moody & Musheno, 2003) ou incontornável (P. A. Sabatier, 1986) —, diferenciando-a da ação discricionária, aquela que decorre de sua existência e já abordada por autores consagrados da área (Lipsky, 2010; G. S. Lotta & Pires, 2020; Maynard-Moody et al., 1990).
Essa questão se justifica em razão de, na literatura da burocracia de nível de rua, a discricionariedade vir sendo abordada como um fator influenciador da ação (Ferreira et al., 2020; Ferreira & Medeiros, 2016; Henderson et al., 2018; Tummers & Bekkers, 2014), uma fonte de poder decisório que influencia a vida do cidadão (Bovens & Zouridis, 2002; Carroll et al., 2019; Lipsky, 2010; G. S. Lotta & Pires, 2020; Moyson et al., 2018; Nunes & Lotta, 2019), uma ferramenta de enfrentamento às regras, contextos e disponibilidade de recursos disponíveis na implementação (Balica et al., 2018; Brodkin, 2011; Lipsky, 2010; G. S. Lotta & Pires, 2020) ou uma característica do processo de implementação — se possui altos ou baixos níveis de possibilidade de ação discricionária — (Collins & Augsberger, 2021; Raaphorst & Loyens, 2020; Thunman et al., 2020), para citar algumas pesquisas e tratamentos a ela dispensada, não como um elemento sem o qual a própria discussão sobre implementação seria estéril.
Isso posto, considera-se a discussão sobre esse posicionamento epistemológico da discricionariedade na burocracia de nível de rua importante para o avanço da teoria, que é robusta e madura, na perspectiva aqui defendida, em relação à ação discricionária, não à discricionariedade como pré-requisito na implementação de políticas públicas.
Ao considerar esses diversos contextos e suas interfaces — inter-contextual factors —conjuntamente aos princípios que regem uma política específica, — policy framework —, aqui entendidos como as normas legais, infralegais, guias e congêneres relacionados, forma-se o framework normativo da implementação dessa política pública (Ferreira et al., 2020). Somando-se isso à pluralidade teórica desenvolvida a respeito de implementação de políticas públicas, resulta-se em um campo de estudo complexo e fragmentado. Isso dificulta a compreensão satisfatória da implementação a partir da visão dos burocratas de nível de rua, sobretudo quando apenas um determinado conjunto de fatores está sob análise, outra tendência dos estudos da área (Ferreira & Medeiros, 2016).
Feitas essas considerações e partindo do pressuposto que accountability, normas, percepção, valores e características individuais, relacionamento entre os implementadores e o cidadão usuário da política pública e o sistema de gestão são fatores influenciadores do comportamento do servidor de linha de frente (Ferreira & Medeiros, 2016), adentra-se, sem pretensões taxativas, na literatura sobre esses temas.
2.2.1 Accountability
A accountability está relacionada aos sistemas de gestão da política, com as interações entre os burocratas de nível de rua e os usuários, bem como com o exercício da discricionariedade (Ferreira & Medeiros, 2016). Importa destacar que uma maior autonomia se relaciona a um melhor desempenho mesmo em contextos de menor disponibilidade de recursos. Contudo, sem a existência de mecanismos de responsabilização, os implementadores tendem a não seguir os objetivos organizacionais, priorizando seus próprios interesses (Buta et al., 2022). Portanto, trata-se de um fator influenciador da ação diretamente ligado ao desempenho da política pública.
O tempo é um fator influenciador do burocrata de nível de rua quanto a esse dever de prestar contas, afetando seu exercício, seus diversos relacionamentos, níveis de confiança e no foco em cumprir os requisitos estabelecidos, não necessariamente na prestação de um bom serviço (Hupe & Hill, 2007; Murphy & Skillen, 2015).
Considerando que a accountability faz parte do planejamento em razão de sua forma, geralmente, ser prevista no policy framework, ao pautarem sua atuação eminentemente sob a pressão de um sistema de prestação de contas — por vezes exógeno à organização onde atuam —, os implementadores de políticas públicas podem deixar de lado a própria razão delas existirem: a solução de um problema de ordem pública.
Fatores exógenos à implementação, como o fato de os burocratas de nível de rua serem sindicalizados, também são objetos de estudo. A sindicalização não afeta significativamente a experiência no trabalho dos burocratas de nível de rua. Existe, todavia, uma correlação fraca entre o aumento da sindicalização e diminuição da percepção do dever de prestar contas, mas sem repercussões no desempenho dos profissionais estudados (Z. Oberfield, 2021).
A accountability pode se manifestar ainda de maneira informal. Ela relaciona-se a aspectos da personalidade dos burocratas de nível de rua — definidas em tipos de identidade — e da utilização da ação discricionária para, em determinadas situações, aplicar as regras de forma a satisfazer anseios igualitários. Como consequência, questiona-se a manifestação do princípio da impessoalidade diante da sugestão que a burocracia de nível de rua é influenciada por questões sociais e políticas (Pivoras & Kaselis, 2019).
Essa tendência de pender as regras através de decisões individuais é um fator particularmente importante quando os implementadores possuem em suas funções precípuas o atendimento de necessidades pró-sociais. Nesses casos, as regras estabelecidas parecem ser ainda mais incapazes de prever seu comportamento, sendo o clima organizacional, personalidade e experiência do servidor mais capazes de fazê-lo (Borry & Henderson, 2020).
A influência da solidariedade — ou falta dela — na tomada de ação discricionária e a estrutura social do locusde implementação — o tipo de welfare state que está presente no contexto — também se relacionam com o dever de prestar contas, sobretudo o informal. Desses fatores, surgem duas tipologias de burocratas de nível de rua: a pessoa de estado — statesperson — e o profissional. O servidor considerado pessoa de estado possui características pró-cidadão, ao passo que o profissional segue seus valores particulares sem ultrapassar os limites impostos pela legislação e regras. Essas classificações emergem como uma forma de responder à pressão do ambiente onde estão inseridos (Møller & Stensöta, 2019).
2.2.2 Normas e regulação
O conjunto de normas e suas instituições reguladoras fazem parte do policy framework. Portanto, sua influência na implementação é evidente. Contudo, como discutido, existem limitações práticas na abrangência desse poder e a resultante necessidade do exercício da discricionariedade para se implementar políticas públicas.
Prestadores de serviços públicos, inclusive quando esses serviços são prestados pela iniciativa privada, priorizam de maneira sistemática a resolução de problemas no fornecimento dos serviços, usualmente sem controle dos órgãos de supervisão. Isso afeta a regulação do setor. A atuação dos órgãos de controle é limitada pela falta ou assimetria de informação e em razão deles próprios não as buscarem com frequência (Steenhuisen & van Eeten, 2013).
O cumprimento das regras e conduta ética dos servidores é ainda dependente da cultura, seja ela organizacional ou social. Decisões individuais que buscam resolver situações fora dos padrões estabelecidos, mesmo diante de justificativas de cunho cultural, são destrutivas para o alcance de objetivos de longo prazo. Por outro lado, regramentos que não consideram a cultura da implementação também tendem a falhar (Cohen, 2018).
Existem ainda repercussões das decisões judiciais — derivações da existência de normas — na atuação dos burocratas de nível de rua. Em situações em que esses servidores não possuem conhecimento jurídico especializado, o mecanismo desenvolvido pelos implementadores é o da construção de uma interpretação conjunta da lei em cada unidade organizacional — que não necessariamente está de acordo com a lei e com as prescrições dos tribunais. Essa instância local de interpretação legislativa resulta no aumento das incertezas dos cidadãos que buscam aquele serviço, pois recusas de solicitações são realizadas com base nessas interpretações. Dessa forma, as decisões judiciais são capazes de influenciar as rotinas administrativas dos implementadores (Mascia, 2020).
2.2.3 Percepção, valores e características individuais
Como a discricionariedade pressupõe o exercício da interpretação de normas dentro de um contexto, aspectos psicológicos e características individuais da burocracia de nível de rua influenciam sua tomada de decisão.
Em aplicação empírica, verificou-se que os aspectos de maior relevância para se compreender as atitudes dos servidores de linha de frente são os cognitivos, afetivos — positivos e negativos — e comportamentais (Keulemans & Van de Walle, 2018). Esses resultados vão ao encontro, inclusive, de observações de como traços da personalidade (Pivoras & Kaselis, 2019), características individuais e culturais (Nouman & Cohen, 2023) influenciam o burocrata na interpretação das regras.
Outro fator que não pode ser descartado é o autointeresse. Porém, ao se condicionar a ação da burocracia de nível de rua inevitavelmente aos preceitos clássicos do modelo principal-agente, perde-se aderência empírica com implementações realizadas sob condições altruístas por agentes públicos vocacionados e comprometidos com determinados problemas, especialmente sociais (Ferreira & Medeiros, 2016). Se, de um lado, espera-se que existam decisões tomadas para atendimento de interesses particulares, por outro, existe o desprendimento.
Incorporando à análise aspectos interpessoais e sociais e suas ascendências sobre a individualidade, demonstra-se, no estudo das dinâmicas sociais em que a implementação acontece, que até o tipo de contato — direto ou indireto — com o cidadão (Jewell & Glaser, 2006; Keiser, 2010) e o julgamento dos pares (Raaphorst & Loyens, 2020) são capazes de influenciar a decisão individual.
De maneira complementar, variáveis como trajetória profissional e perfil relacional — inclusive em relação à utilização de redes sociais — também possuem a capacidade de influenciar a ação discricionária dos implementadores. A maneira como esses agentes se aproximam dos cidadãos por meio da utilização de sua linguagem, terminologias, atitudes e especificidades, revela as dificuldades enfrentadas na implementação e, ainda, as características possuídas por aqueles que conseguem estabelecer um relacionamento prático com os diversos atores que compõem o policy process (G. Lotta, 2018). Indo além, ao se abordar temas como preconceito, questões de gênero e minorias, denota-se que esses fatores também influenciam os servidores de linha de frente na implementação de políticas públicas.
Aparência, comportamento, moradia e grupo social são variáveis consideradas pelos burocratas de nível de rua para medir a confiabilidade. Cidadãos com menores níveis de educação e condições econômicas, ao prestarem informações de baixa qualidade, são considerados menos confiáveis do que quando cidadãos com mais alto status social apresentam o mesmo tipo de informação. Portanto, a postura dos profissionais varia conforme a classe social do cidadão atendido (Raaphorst & Groeneveld, 2018).
Outro caso estudado demonstra que a forma como os latinos norte-americanos recebem os serviços educacionais não é influenciada apenas pela organização, mas também pelo contexto político e seu poder de moldar a representatividade dos professores. Mesmo em ambientes onde os latinos possuem maior acesso a posições dentro da burocracia escolar, aspectos políticos e partidários atuam no sentido de limitar seu avanço acadêmico. Essa limitação se dá pelos membros de conselhos, atores que são capazes de guiar as políticas educacionais locais (Molina, 2020).
No Paquistão, as Khawaja Sira, um gênero marginalizado pela sociedade, não conseguem usufruir, de maneira plena, de serviços públicos em razão ao tipo de tratamento a elas dispensado. Marcas em seus corpos e zombarias fazem parte de seu cotidiano ao se relacionarem com os servidores de linha de frente. A atitude da burocracia tende a utilizar a coerção para marginalizar as minorias. Ressalta-se que a lei não prescreve o tratamento dado às Khawaja Sira. Sendo assim, a discricionariedade é exercida para oprimir esse grupo em atenção aos anseios das classes dominantes (Nisar, 2020). Esses achados alinham-se com a discussão sobre a influência recíproca entre a discricionariedade, e suas bases constitutivas, e questões de gênero (Durose & Lowndes, 2023).
2.2.4 Interações implementador-usuário
Importa destacar que as interações entre a burocracia de nível de rua e os usuários do serviço público — os cidadãos — acontecem dentro de um contexto. Essa indissociabilidade entre implementação e contexto já foi abordada anteriormente.
Em países como o Brasil, vastos em termos geográficos e culturais, a implementação de políticas públicas é particularmente complexa ao se verificar a diversidade de necessidades e anseios dos cidadãos. Isso acarreta diferentes formas de se implementar uma mesma política pública quando considerados os seus diversos contextos de aplicação (Ferreira et al., 2020).
Abordando a relação implementador-usuário de forma direta, verifica-se que o tratamento dispensado pelo burocrata de nível de rua tem menor influência no quesito obediência do que a intenção do próprio cidadão de estar em conformidade. Ao se analisar os feedbacks e comentários feitos online por usuários atendidos presencialmente por servidores de linha de frente, observa-se que o estilo de enforcement — a atitude dispensada ao cidadão no momento do atendimento ao se fazer cumprir uma norma — possui a capacidade de gerar mais comentários positivos, quando o cidadão se sente bem atendido, do que negativos, quando o cidadão se sente desrespeitado (de Boer, 2020).
2.2.5 Sistemas de gestão da política
O sistema de gestão da política pública é o fator influenciador mais alinhado aos preceitos clássicos da implementação. É nele que os servidores de linha de frente se encontram com os burocratas de médio e alto escalão através do emaranhado de normas legais, infralegais, cadeia de comando, sistema de prestação de contas, objetivos, metas e demais obrigações que vêm à esteira do exercício da função pública de implementar.
Diversas são as variáveis — ou, no contexto desse trabalho, subcategorias — identificadas na literatura que influenciam o comportamento da burocracia de nível de rua, tais como: carga de trabalho (Jewell & Glaser, 2006), papel e função desempenhados (Jensen, 2018; Jewell & Glaser, 2006), colaboração entre equipes de implementadores, normas profissionais, estrutura e recursos adequados — essa, inclusive, já apontada por Lipsky (2010) em seu trabalho clássico como característica do trabalho realizado pela burocracia de nível de rua (Ferreira et al., 2020) —, organização, ambiguidades, conflitos, diferentes níveis de comprometimento, aspectos de satisfação no serviço (Z. W. Oberfield, 2012) e liderança dos gestores (Alcadipani et al., 2020; Jewell & Glaser, 2006; Keiser, 2010).
Mesmo em casos mais específicos, como na implementação de políticas de humanização, verificam-se características em comum com políticas de outras áreas. Lima e D’Ascenzi (2017) observam, por exemplo, que elas são interpretadas de maneiras distintas entre diferentes equipes de implementadores. A principal razão apontada para a divergência quanto à interpretação de conceitos contidos na política é a falta de capacitação dos servidores. Essa situação transforma a interpretação da política pública de acordo com a localidade em que ela é aplicada, deixando o planejamento formal apenas um elemento orientador do processo de implementação.
A falta de treinamento e capacitação pode também ser considerada uma falta de recurso. Ferreira et al. (2020) afirmam que essa disponibilidade de insumos para a implementação das atividades influencia e limita fortemente as próprias opções do burocrata de nível de rua diante de fatos encontrados diuturnamente. Igualmente, G. S. Lotta (2014) aponta que fatores relacionais, institucionais, normativos — inclusive normas informais — e estruturais influenciam a forma como os implementadores se relacionam com os cidadãos, pares e superiores e, por consequência, a própria política pública.
Situações de calamidade pública constituem outra fonte de ascendência sobre a conduta do servidor de linha de frente e evidenciam essa costumaz falta de recursos. A política, a cultura ocupacional e a disponibilidade de material afetam a capacidade dos servidores responderem às demandas urgentes e imprevisíveis geradas em cenário de tragédia, como o da pandemia da COVID-19. Além disso, nessas situações que demandam a utilização de protocolos restritos, afeta-se a discricionariedade, que fica em segundo plano. Embora sempre presente na atuação dos implementadores, em razão inclusive dos recursos públicos estarem concentrados fortemente no combate à pandemia — serviços de saúde —, decisões discricionárias podem levar a um desperdício de recursos que não são suficientes nem em caso de uma utilização eficiente (Alcadipani et al., 2020).
Ainda no âmbito da pandemia da COVID-19, evidencia-se que essas crises alteram as práticas e formas de implementação das políticas públicas (Brodkin, 2021). Sua influência passa pelos níveis de discricionariedade (Collins & Augsberger, 2021; Davidovitz et al., 2021; Gofen & Lotta, 2021; Malandrino & Sager, 2021) e accountabilityaplicáveis (Collins & Augsberger, 2021), por aspectos relacionados ao profissionalismo de determinadas categorias atuantes na crise (Collins & Augsberger, 2021), nas restrições de recursos disponíveis para solução dos problemas emergenciais (Collins & Augsberger, 2021; Gofen & Lotta, 2021), pelo desenvolvimentos de soluções através da resistência, inovação e improvisação (Cox et al., 2021), pelo aumento da ambiguidade normativa (Davidovitz et al., 2021; Gofen & Lotta, 2021), riscos presentes (Davidovitz et al., 2021) e da demanda de trabalho (Gofen et al., 2021; Gofen & Lotta, 2021) exigida dos implementadores, bem como pelo aumento da motivação da burocracia de nível de rua mobilizar-se politicamente e socialmente (Gofen et al., 2021).
O último tópico destacado é o da utilização da Tecnologia de Informação (TI), outro fator influenciador da burocracia quando considerados aqueles tipos de serviços responsáveis por muitas decisões — decision-making factories—, como o judiciário. Essa influência é capaz de transformar a street-level bureaucracy em formas mais intensivas em tecnologia: screen-level e system-level bureaucracy. Os designers, analistas e desenvolvedores dos softwares passam a ter poderes discricionários à medida que a TI assume o papel dos servidores de linha de frente e, diante disso, devem ser supervisionados inclusive quanto à transparência em relação aos algoritmos e processos computacionais envolvidos nas tomadas de decisão (Bovens & Zouridis, 2002).
A TI também influência a prestação de serviços públicos quando o encontro com o cidadão acontece à distância, como em estudo de caso de um call center da agência sueca de seguro social. Os resultados sugerem que organizações altamente regradas não superam a questão da imprevisibilidade intrínseca das relações sociais, pelo contrário: tornam o atendimento dos cidadãos mais complexo. Portanto, a utilização da TI para fins de padronização não leva a atendimentos mais simples, pois não se trata de uma despersonalização de atendimento e a possibilidade de ação discricionária se mantém presente para resolverem questões específicas dentro dos limites dos regramentos (Thunman et al., 2020). Embora existam evidências de que processos de automação sejam capazes de diminuir a percepção de discricionariedade por parte dos burocratas de nível de rua (de Boer & Raaphorst, 2023), a utilização de soluções tecnológicas nos processos de implementação de políticas públicas demonstra-se capaz de aumentar a segurança dos implementadores em suas ações, permitindo, adicionalmente, uma maior possibilidade de monitoramento sobre elas (Aviram et al., 2023).
3 Integração das dimensões e categorias com apresentação de um modelo teórico
As pesquisas apresentadas confirmam o caráter multidimensional da burocracia de nível de rua (Hill & Hupe, 2022). Adicionalmente, revelam a heterogeneidade e atualidade da discussão sobre a implementação a partir dos implementadores, inclusive quando utilizada conjuntamente a outras abordagens. O agrupamento de diferentes subcategorias, que podem tornar-se ainda mais numerosas ao se ampliar as bases e critérios de buscas ou necessidade do pesquisador, procura aproximar as contribuições de pesquisas desenvolvidas em contextos próprios e, geralmente, com resultados não extrapoláveis. Por se tratar de um aspecto incontornável do campo da implementação — a dependência do contexto —, faz-se mister que esses fatores sejam testados na implementação das mais diversas políticas públicas e seus cenários.
Além disso, investigar as causas da ação dos implementadores permite o rompimento da tendência de se analisar a implementação somente a partir do resultado, trazendo o ponto focal das pesquisas em implementação para a compreensão de como os implementadores e suas ações discricionárias a influenciam, inclusive determinando suas bases comparativas — a distância entre o previsto e o realizado — ao alterarem os próprios objetivos da política pública.
O modelo apresentado na figura 1 traz uma representação que, neste trabalho, entende-se ser a dinâmica mais aproximada existente entre a formulação e implementação de políticas públicas. Idealmente, a implementação é melhor compreendida através de estudos longitudinais (Tummers, 2011; Van Meter & Van Horn, 1975). Contudo e especialmente quando a pesquisa não busca inferências causais (Henderson et al., 2018; Moyson et al., 2018), estudos transversais também se adequam ao tema. Isso posto, desde que se considere as particularidades do contexto estudado e os objetivos da pesquisa, o modelo pode ser utilizado tanto em estudos longitudinais quanto transversais.
Como já discutido nas seções anteriores, o pressuposto aplicável é a presença da discricionariedade. Sobre isso, convém novamente destacar que a discricionariedade como um pressuposto não deve ser confundida com a ação discricionária em um dado contexto. A ação é influenciada e é capaz de influenciar — no longo prazo — os princípios e os fatores intercontextuais presentes na política pública, sendo limitada por essas relações. Já o pressuposto da discricionariedade se trata de uma resposta às limitações dos atores relacionados à política pública e que funciona como um instrumento que converge as intenções de resolução de problemas públicos e as ações exercidas sobre os problemas públicos realmente encontrados nos contextos de implementação.
A partir dos conceitos discutidos nesse ensaio e do modelo proposto na figura 1, é possível discutir aspectos inerentes à implementação de políticas públicas. Uma questão que se faz presente é o possível descompasso existente entre os princípios que regem as políticas públicas e seus fatores intercontextuais. Isso poderia colaborar na explicação do porquê as políticas por vezes não obtêm os resultados esperados. Poderia, ao menos, prover respaldo teórico das razões que as levam a serem implementadas de formas diferentes da sua concepção original.
Mesmo observando a política pública de forma integral, sem encadeamentos unidirecionais e lineares, deve ser realizado um esforço teórico de reconhecimento de cada dimensão capaz de influenciá-la. Dessa forma, se propõe que os princípios que regem uma política pública sejam considerados o núcleo estável de seu framework normativo, enquanto os fatores intercontextuais formam um núcleo dinâmico.
Com o decorrer da implementação, consubstanciada nas ações dos burocratas de nível de rua, sugere-se que essas ações possuem menor capacidade de alterar o núcleo estável do que o núcleo dinâmico. Logo, quanto maior o horizonte temporal de implementação de uma política pública, maior se tornaria o distanciamento entre o framework normativo original — aquele formado a partir da primeira versão de seus núcleos formadores — e o framework normativo atual — que variou a partir da ação de implementá-la.
Isso se demonstra coerente com evidências de que, em momentos de crise e com a necessidade de se acelerar os ciclos de formulação e implementação — horizontes temporais curtos —, a informação fluir de maneira intensa entre formuladores e implementadores da política pública aumenta a capacidade de resposta governamental aos problemas emergenciais (Gofen & Lotta, 2021). Logo, quando existem circunstâncias urgentes e que demandam rápidas respostas por parte do poder público, tende-se a flexibilizar regras (Collins & Augsberger, 2021) e aumentar-se a discricionariedade dos implementadores (Collins & Augsberger, 2021; Davidovitz et al., 2021; Gofen & Lotta, 2021; Malandrino & Sager, 2021), pois a situação acarreta um aumento da ambiguidade das normas aplicáveis (Davidovitz et al., 2021; Gofen & Lotta, 2021) e diminuição do recursos disponíveis (Collins & Augsberger, 2021; Gofen & Lotta, 2021).
Assim, espera-se que o núcleo dinâmico seja alterado após a implementação, independentemente do espaço temporal considerado. Diante disso, sugere-se que se encontra no nível de flexibilidade do núcleo estável a chave para resultados mais condizentes com os objetivos — naturalmente dinâmicos — da política pública.
Outra possibilidade teórica é considerar que o núcleo estável da política pública, mais que uma forma de controle ou fonte de parâmetros para avaliação de resultados, se trata da base para uma inevitável evolução do núcleo dinâmico. O desenvolvimento deste, fundamentado, mas não limitado aos seus princípios basilares, seria a principal fonte no estabelecimento do framework normativo da política pública e, consequentemente, a grande força motriz que leva à implementação dessa política pública.
Essa percepção, embora sutilmente distinta da anterior, leva a encaminhamentos diferentes. Enquanto no primeiro caso a flexibilidade do núcleo estável do framework normativo ainda seria uma preocupação dos policymakers, no segundo não. Seria reconhecer a natureza evolutiva da implementação da política pública, fundamentada em bases necessárias apenas para sua criação, mas livre para estabelecer, de forma variável e dentro de seus inúmeros e distintos fatores intercontextuais, seus próprios objetivos a partir de sua implementação por parte da burocracia de nível de rua.
Aqui, retoma-se a ideia de se considerar a discricionariedade como pré-requisito da implementação de políticas públicas e demonstra-se uma consequência, ainda teórica, desse posicionamento ao sugerir que, de fato, o parâmetro de comparação do sucesso da implementação pode não ser aquele contido nos princípios na política pública, mas aqueles advindos do ato de implementá-la. Essa linha de pensamento, já tangenciada na literatura no apontamento de que a burocracia de nível de rua também é formuladora da política pública ao efetivá-la e adaptá-la aos diferentes contextos (Arretche, 2001; Bronzo et al., 2022; Ferreira & Medeiros, 2016; Lipsky, 2010; G. S. Lotta et al., 2018; Nouman & Cohen, 2023), não vem sendo explorada suficientemente. O papel da burocracia de nível de rua na tomada de decisão realizada durante o processo de formulação da política pública é pouco estudado (Davidovitz et al., 2021). Seguir essa perspectiva possibilita perceber que os objetivos podem ser desenvolvidos durante ou até mesmo após a implementação, transformando aqueles estabelecidos inicialmente pelos policymakers em linhas gerais a serem seguidas para solução de um problema. Essa discussão pode repercutir para além do campo da implementação, permitindo desdobramentos teóricos, inclusive, no campo de avaliação de políticas públicas.
Finalmente, embora impossíveis de serem totalmente previstos, sustenta-se que deve existir um esforço por parte dos policymakersem reconhecer a influência e conhecer os fatores que influenciam a forma como a burocracia de nível de rua implementa determinada política pública. Esse é um aspecto intrínseco do processo de elaboração e implementação das políticas públicas que não vem recebendo a devida atenção na literatura relacionada à burocracia de nível de rua. O conhecimento desses fatores, se analisados caso a caso e a priori, considerando ainda as peculiaridades contextuais envolvidas, possibilitam uma maior compreensão a respeito do núcleo dinâmico resultante da ação de implementar. Isso daria a eles alternativas e subsídios para harmonizar o núcleo estável — ou, alternativamente, para entendê-lo como uma base, um ponto de partida — ao que de fato está sendo buscado na implementação, dirimindo dinamicamente as incongruências do framework normativo original em relação à realidade dos contextos em que a política pública é implementada e à multidimensionalidade da burocracia de nível de rua. Dizendo de outra forma, se, nesse primeiro momento, se compreender que não é provável ou mesmo possível que o conjunto de normas legais, infralegais, guias e congêneres possa contemplar a multiplicidade de fatores e contextos que serão encontrados na implementação, abre-se espaço para que se discuta o que, realmente, a política pública busca e precisa influenciar, preocupando-se menos com a forma e mais com o resultado — analisado concomitantemente ou posteriormente à implementação e com base em objetivos dinâmicos.
4 Considerações finais
O objetivo desse ensaio foi desenvolver proposições sobre a implementação a partir da burocracia de nível de rua. Adicionalmente, apresentou-se um modelo teórico sobre a implementação de políticas públicas, considerando seu caráter multidimensional, com a identificação de fatores que influenciam a ação do implementador de políticas públicas no exercício de suas funções.
A primeira proposição desenvolvida é a sustentação de que a discricionariedade, mais que um fator influenciador na forma como a burocracia de nível de rua implementa as políticas públicas, é um pressuposto da implementação. O julgamento realizado pelo implementador na ação discricionária é um produto das relações de interdependência dos fatores influenciadores da ação de implementar e não pode ser confundido com a própria discricionariedade, sempre presente.
A segunda proposição apresentada advém de como as ações dos implementadores das políticas públicas resultam em diferentes ritmos de adaptação nos princípios que regem a política pública — núcleo estável — e em seus fatores intercontextuais — núcleo dinâmico. Quanto mais uma política pública é implementada, mais distante seus objetivos originais parecem se tornar em relação aos objetivos que estão efetivamente sendo perseguidos pelos implementadores e até mesmo aos seus objetivos potenciais.
Apresenta-se, a partir disso, dois encaminhamentos: i) a dinamicidade do núcleo estável é central para que as políticas públicas obtenham resultados mais alinhados com os problemas que objetivamente estão sendo resolvidos em sua implementação a partir das ações dos burocratas de nível de rua; e ii) o núcleo estável da política pública, mais que uma forma de controle ou fonte de parâmetros para avaliação de resultados, se trata da base para a evolução do núcleo dinâmico. Enquanto o primeiro encaminhamento mantém o foco dos policymakers no núcleo estável, o segundo reconhece a natureza evolutiva da implementação da política pública, fundamentada em bases necessárias apenas para sua criação, mas livre para estabelecer, de forma variável e dentro de seus inúmeros e distintos fatores intercontextuais, seus próprios objetivos a partir de sua implementação por parte da burocracia de nível de rua.
A última proposição debatida é a necessidade de os policymakers reconhecerem a influência e conhecerem os fatores que influenciam a forma como a burocracia de nível de rua implementa determinada política pública. Isso daria a eles condições, alternativas e subsídios para harmonizar o núcleo estável — ou percebê-lo como a base — ao que de fato está sendo buscado na implementação. Como resultado, o framework normativo original da política pública possuiria mais aderência em relação à realidade dos contextos em que a política pública é implementada e a multidimensionalidade da burocracia de nível de rua.
São limitações do ensaio teórico a quantidade de estudos aqui considerados na discussão sobre os fatores influenciadores da ação dos burocratas de nível de rua na implementação de políticas públicas, além da necessidade de testar as proposições desenvolvidas por meio de pesquisas empíricas para dar suporte e novas evidências para o debate.
Pesquisas futuras podem avançar na busca de outras contribuições sobre o modo de agir da burocracia de nível de rua, algo que parece fundamental para a análise da implementação na linha de frente das políticas públicas. Outra possibilidade de pesquisa futura é trazer os conceitos de organizações de nível de rua (Brodkin, 2011) ao modelo apresentado, pois ele abarca as ações dos indivíduos que atuam em nível de rua, não suas organizações. Defende-se também uma agenda de estudos sobre como as crises, como da pandemia da COVID-19, afetam a implementação de políticas públicas, um assunto ainda pouco explorado na literatura e que possui potencial de levar a importantes desdobramentos teóricos e práticos (Brodkin, 2021; Gofen & Lotta, 2021), sobretudo diante da previsão de que, após a pandemia, se reverteriam muitas das mudanças nela observadas. Isso, somado à falta de recursos financeiros causada pelos dispêndios emergenciais de recursos públicos, levaria a burocracia de nível de rua a operar em condições ainda mais restritas e desafiadoras (Cox et al., 2021).
Finalmente, observa-se a necessidade de se desenvolver pesquisas sobre o tema em âmbito nacional, especialmente na análise de casos empíricos, e avançar em pesquisas comparativas (Bonelli et al., 2019; Gofen & Lotta, 2021) em nível internacional. Políticas da área da saúde e da assistência social são exemplos de áreas estudadas nacionalmente, mas não são suficientes para a compreensão do modelo de implementação de um país tão diverso e desigual quanto o Brasil.
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