Gestão Pública e Desempenho Socioeconômico: uma Análise Municipal
Public Management and Socioeconomic Performance: a Municipal Analysis
Gestión Pública y Desempeño Socioeconómico: un Análisis Municipal
Gestão Pública e Desempenho Socioeconômico: uma Análise Municipal
Administração Pública e Gestão Social, vol. 16, núm. 2, 2024
Universidade Federal de Viçosa
Recepción: 30 Enero 2023
Aprobación: 06 Octubre 2023
Publicación: 25 Abril 2024
Resumo: Objetivo da pesquisa: O presente estudo tem como objetivo geral analisar os efeitos da gestão pública no desempenho socioeconômico dos municípios brasileiros.
Enquadramento teórico: A partir da revisão da literatura, verificou-se que o desempenho da gestão pública municipal pode contribuir para a melhoria dos investimentos em educação, saúde e geração de emprego e renda, possibilitando melhor desempenho socioeconômico.
Metodologia: Buscou-se, portanto, desenvolver um modelo de análise que estabeleça as relações entre a gestão pública, o desempenho fiscal e socioeconômico, investigando possíveis diferenças a partir do tamanho do município. Para tanto, o estudo analisou 5.570 municípios brasileiros e as relações foram avaliadas a partir da modelagem de equações estruturais.
Resultados: Os resultados indicaram que a gestão pública exerce um efeito positivo e significativo sobre o desempenho socioeconômico, e que esta relação é mediada pelo desempenho fiscal. Ademais, também se verificou um efeito moderador do tamanho do município na relação entre a gestão pública e o desempenho fiscal. Os resultados apresentados indicam que o efeito da gestão pública sobre o desempenho fiscal é maior em municípios com menor PIB per capta e número de habitantes, o que ressalta a relevância de uma gestão pública eficaz.
Originalidade: Ainda que indiretamente, o estudo desenvolve um modelo para mensurar os construtos gestão pública, desempenho fiscal e socioeconômico, validando algumas das métricas indicadas pela literatura. Ademais, deve-se destacar que o estudo demonstra os efeitos mediadores e moderadores da gestão fiscal e do tamanho do município, respectivamente, não abordada pela literatura.
Contribuições teóricas e práticas: O estudo contribui para o a literatura aprofundando o debate teórico sobre a eficiência da gestão pública, apresentando novas relações. Ademais, também incentiva a melhoria da qualidade da gestão pública e da importância do cumprimento das regras fiscais para melhoria do bem-estar da sociedade.
Palavras-chave: Gestão pública, desempenho fiscal, desempenho socioeconômico.
Abstract: Research objective: The present study has as its general objective to analyze the effects of public management on the socioeconomic performance of Brazilian municipalities.
Theoretical framework: Based on the literature review, It was verified that the performance of municipal public management can contribute to better investments in education, health and employment and income generation, promoving better socioeconomic performance.
Methodology: The study developed na analysis model that establishes the relationships between public management, fiscal and socioeconomic performance, investigating possible differences based on the size of the municipality. For this, a total of 5,570 Brazilian municipalities and the relationships were evaluated from the structural equations modeling.
Results: The results indicated that public management has a positive and significant effect on socioeconomic performance, and that this relationship is mediated by fiscal performance. In addition, a moderating effect of the size of the municipality was also verified in the relationship between public management and fiscal performance. The results presented indicate that the effect of public management on fiscal performance is greater in municipalities with lower GDP per capita and number of inhabitants, or that the relevance of effective public management stands out.
Originality: Although indirectly, the study develops a model to measure the constructs of public management, fiscal and socioeconomic performance, validating some of the metrics indicated by the literature. In addition, it should be noted that the study demonstrates the mediating and moderating effects of fiscal management and the size of the municipality, respectively, which have not been addressed in the literature.
Theoretical and practical contributions: The study contributed to the literature deepening the theoretical debate on the efficiency of public management, presenting new relationships. In addition, it also encourages the improvement of the quality of public management and the importance of compliance with fiscal rules for the improvement of the well-being of society.
Keywords: Public management, fiscal performance, socioeconomic performance.
Resumen: Objetivo de la investigación: El objetivo general de este estudio es analizar los efectos de la gestión pública en el desempeño socioeconómico de los municipios brasileños.
Marco teórico: A partir de la revisión de la literatura, se constató que el desempeño de la gestión pública municipal puede contribuir a la mejora de las inversiones en educación, salud y generación de empleo e ingresos, posibilitando un mejor desempeño socioeconómico.
Metodología: Por lo tanto, se intentó desarrollar un modelo de análisis que establezca las relaciones entre la gestión pública, el desempeño fiscal y socioeconómico, investigando las posibles diferencias en función del tamaño del municipio. Para ello, el estudio analizó 5.570 municipios brasileños y las relaciones fueron evaluadas utilizando modelos de ecuaciones estructurales.
Resultados: Los resultados indicaron que la gestión pública tiene un efecto positivo y significativo en el desempeño socioeconómico, y que esta relación está mediada por el desempeño fiscal. Además, también hubo un efecto moderador del tamaño del municipio sobre la relación entre la gestión pública y el desempeño fiscal. Los resultados presentados indican que el efecto de la gestión pública sobre el desempeño fiscal es mayor en los municipios con menor PIB per cápita y número de habitantes, lo que subraya la importancia de una gestión pública eficaz.
Originalidad: Aunque indirectamente, el estudio desarrolla un modelo para medir constructos de gestión pública, desempeño fiscal y socioeconómico, validando algunas de las métricas señaladas en la literatura. Además, cabe señalar que el estudio demuestra los efectos mediadores y moderadores de la gestión fiscal y el tamaño del municipio, respectivamente, no abordados en la literatura.
Aportes teóricos y prácticos: El estudio contribuye a la literatura profundizando el debate teórico sobre la eficiencia de la gestión pública, presentando nuevas relaciones. Además, también fomenta la mejora de la calidad de la gestión pública y la importancia del cumplimiento de las normas fiscales para mejorar el bienestar de la sociedad.
Palabras clave: Gestión pública, desempeño fiscal, desempeño socioeconómico.
Introdução
Na administração pública encontram-se inúmeras ferramentas que visam organizar de maneira sistematizada as ações que vão proporcionar um maior bem-estar social para os indivíduos bem como para a sociedade em geral. De acordo com Lima e Diniz (2016), o governo deve preconizar o atendimento das necessidades sociais e econômicas da população através do fornecimento de bens e serviços públicos de maneira que satisfaça a necessidade daquela comunidade em questão. Sendo assim, a gestão pública, vista como ator principal dessa trama de políticas e ações, tem por objetivo principal preservar os interesses de seus integrantes, proporcionando uma convivência digna e igualitária, pautada na equidade e isonomia onde a seus indivíduos tenham suas necessidades assistidas de maneira qualitativa e eficiente.
Entretanto, a realidade distancia-se desses objetivos, pois muitos entes municipais apresentam dificuldades massivas em transformar a arrecadação em serviços prestados à população. Para Louzano, Abrantes, Ferreira e Zuccolotto (2019), a escassez de recursos, as exigências de atendimento às normas e controles fiscais exigem que o Estado crie condições institucionais e econômicas para investir em políticas de desenvolvimento socioeconômico, principalmente, no que tange à educação, saúde, emprego e renda.
Matias e Campello (2000) entendem que os aspectos financeiros de um ente municipal, são explicados por seus indicadores, referindo-se às necessidades de cada município.Dessa forma, é imprescindível que o município esteja constantemente com suas obrigações em dia. Em outras palavras, ter um bom desempenho fiscal significa estar com as contas em dia, cumprir metas, elaborar projetos e acima de tudo, solicitar apoio, em forma de verbas que venham aquecer a máquina municipal, espelhada na adimplência e reputação deste município comprovada por suas contas equilibradas e transparentes.
Portanto, a gestão fiscal é peça fundamental para uma boa gestão de serviços, preservando assim o direito do cidadão quanto à garantia de acesso aos serviços básicos que lhe são de direito. Dessa forma, ao prover investimentos para áreas prioritárias, a atuação da gestão pública é capaz de promover o desenvolvimento socioeconômico dos municípios (Debnath & Shankar, 2014).
Para que exista viabilidade de aplicação de recursos, pautada na transparência fiscal e legalidade de ações, destaca-se como peça chave a prática da gestão fiscal. É ela que trata as finanças públicas relacionando os aspectos existentes entre as receitas e as despesas. Para a Secretaria do Tesouro Nacional (2013), a gestão fiscal é indispensável para o equilíbrio das contas públicas, bem como sua transparência, que é aferida através da observação das normas e limites de gastos legais, da responsabilidade fiscal, bem como na prestação regular de contas e de que forma estes gastos são utilizados em prol da comunidade. Sendo assim, essa transparência é uma condição primordial para o exercício da cidadania (Vieira & Daher, 2020).
Como resultado dessas ações, obtêm-se assim o êxito, ou não da gestão no que se refere à administração e conversão de recursos em bens e serviços para comunidade. Para Oliveira e Silva (2012), o desenvolvimento econômico municipal é caracterizado pelo crescimento da renda, em paralelo à melhoria do nível de qualidade de vida da população, refletindo-se em melhores índices de saúde, educação, segurança, saneamento e meio ambiente e vulnerabilidade social.
Neste sentido, verifica-se que o desempenho da gestão pública pode contribuir para o bem-estar da comunidade a partir dos investimentos em áreas prioritárias como proposto por Debnath e Shankar (2014) e Silva e Crisóstomo (2019). Contudo, sugere-se que a gestão fiscal pode desempenhar um papel relevante nesta relação, visto que o cumprimento das normas fiscais pode facilitar a alocação de recursos nas áreas prioritárias.
A literatura tem tratado a relação entre a gestão pública e o desempenho socioeconômico (Silva & Crisóstomo, 2019; Debnath & Shankar, 2014), e a gestão fiscal e o desempenho socioeconômico (Leite & Fialho, 2015; Rosa, Martins, Lunkes & Vieira, 2021; Louzano et al., 2019) de maneira linear e isolada, sem considerar os efeitos e interações entre estes construtos. Considera-se, nesta pesquisa, que a gestão fiscal pode ter efeitos na relação entre o a gestão pública e o desempenho socioeconômico. Ademais, deve-se destacar que a literatura tende a analisar tais relações a nível nacional (Murshed, Bergougui, Badiuzzaman & Pulok, 2020; Habbe, 2021), sem considerar as realidades heterogêneas que ocorrem nos municípios de um país.
Assim, o presente estudo se propõe a analisar os efeitos da gestão pública no desempenho socioeconômico dos municípios brasileiros, buscando elaborar um modelo analítico que estabeleça as relações entre a gestão pública, fiscal e o desempenho socioeconômico. Deste modo, a presente pesquisa procura analisar as práticas de gestão públicas adotadas por municípios brasileiros, especialmente as que sofrem com a escassez de recursos públicos e com grandes disparidades socioeconômicas, buscando verificar se são capazes de se traduzir em práticas efetivas na geração do desenvolvimento.
Para tanto, este estudo se estrutura em mais quatro seções. Na seção seguinte, são apresentados os fundamentos, onde são discutidos os conceitos sobre gestão pública, gestão fiscal e desempenho socioeconômico e a relação entre eles. Em seguida, procura-se descrever os procedimentos metodológicos, indicando o modelo de equações estruturais utilizado na pesquisa. Na seção resultados, são apresentadas as estatísticas descritivas das variáveis e discutidos os resultados das hipóteses consideradas no estudo. E por fim, nas conclusões, busca-se desenvolver uma síntese geral do trabalho, ressaltando sua contribuição teórico-empírica.
Fundamentos teóricos
Gestão pública e desempenho socioeconômico
A gestão pública compreende todas as ações envolvidas na administração de um determinado ente, nesse caso, o ente municipal. Ela pode ser definida como o conjunto de atividades concretas e imediatas realizadas pelo Estado para atender os interesses coletivos (Moraes, 2019). Assim, a gestão pública envolve o aparelhamento do Estado, ou seja, a definição de sua estrutura organizacional para o atendimento de suas tarefas essenciais, visando a satisfação das necessidades coletivas (Meirelles, Aleixo & Burle Filho, 2015).
Assim, cada esfera governamental apresenta funções e medidas específicas para o atendimento às necessidades dos cidadãos. Porém, com o processo de descentralização da gestão pública propiciado pela Constituição de 1988 a partir da implantação do federalismo, tem-se aumentado a importância na atuação dos municípios a fim de aproximar as decisões e ações do Estado das ações sociais manifestadas pela população (Liziero & Zilli, 2021). Contudo, como destaca o autor, o crescimento do número e da importância dos municípios não foi acompanhado na mesma velocidade pela adoção de práticas adequadas de gestão administrativas. Assim, destaca-se o desafio dos municípios em lidar com o considerável aumento de recursos e de atribuições, agravado pelas desigualdades sociais e regionais (Saldanha, 2009).
A história da administração pública no Brasil, mais precisamente a nível municipal, apresenta casos de má gestão e uso indevido dos recursos públicos, agravado pela falta de responsabilidade e compromisso social de seus gestores, fato que alavancou os índices de corrupção e endividamento público municipal, em virtude da ausência de uma fiscalização mais severa e transparente da destinação dos recursos públicos, como revela Sousa et al. (2011).
Diante desses fatos, ressalta-se a importância de que a qualidade seja priorizada na gestão pública, principalmente no que diz respeito aos gastos públicos, destacando recursos públicos para a garantia dos direitos sociais preconizados pela Constituição brasileira. Percebe-se, portanto, que as ações do Estado são efetivadas por meio da administração pública voltada para a realização e garantia de direitos, prestação de serviços e alocação de recursos. Nesse processo, o principal desafio dos governos e administrações públicas é promover o desenvolvimento econômico e social sustentável em um ambiente de mudança de paradigmas com consequências de longo alcance para a sociedade, especialmente nos campos socioeconômico, ambiental, cultural e tecnológico.
Šťastná e Gregor (2011) sugerem que a eficiência na gestão pública pode estar relacionada a melhoria dos aspectos sociais, promovendo melhoria nos níveis de desenvolvimento socioeconômico e qualidade de vida. Afinal, a otimização de recursos da gestão pública pode promover a dinamização de investimentos em áreas prioritárias, como saúde, educação e infraestrutura, possibilitando a melhoria dos índices socioeconômicos, o controle da corrupção e até mesmo a promoção da felicidade da população desses países (Debnath & Shankar, 2014).
A nível municipal, Silva e Crisóstomo (2019) têm apontado que as boas práticas gerenciais dos municípios podem ser capazes de promover o bem-estar coletivo, traduzindo-se em melhores níveis de emprego e renda, saúde e educação. Ao analisar os municípios do estado do Ceará, os autores indicam que o uso eficiente dos recursos públicos contribui para o alcance dos objetivos da gestão e para o desenvolvimento socioeconômico municipal. Para tanto, os autores mensuram a eficiência da gestão pública a partir dos investimentos em educação, saúde e geração de emprego e renda e verificam seu efeito sobre o desenvolvimento socioeconômico municipal por meio do Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM).
A partir dos estudos apresentados é possível observar que a gestão pública pode contribuir para um melhor desempenho socioeconômico, o que corrobora para a formulação da seguinte hipótese de pesquisa.
H1:A gestão pública contribui positivamente para um melhor desempenho socioeconômico dos municípios.
Contudo, como destacam Silva e Crisóstomo (2019), a relação entre a gestão pública e o desempenho socioeconômico carece de maior aprofundamento, não apenas em termos do quantitativo de municípios a serem analisados, como também em análise de outras variáveis que podem explicar a relação.
Para Sousa et al., (2013) a melhoria na qualidade e acesso aos serviços básicos de saúde, educação e infraestrutura, depende da aplicação correta dos recursos públicos nessas áreas, incentivando o desenvolvimento social e econômico com vistas a preconizar a gestão pública. Dito isso, a alocação de cada recurso de maneira eficiente, possibilita uma melhor avaliação das ações dos gestores públicos, tendo como consequência o desenvolvimento municipal como um todo.Sugere-se, portanto, que a gestão fiscal pode apresentar um importante papel nesta relação.
Gestão fiscal
A gestão fiscal engloba o conjunto de atividades da administração pública voltadas à organização dos recursos públicos, envolvendo os processos de planejamento, elaboração e aprovação do orçamento, bem como a execução e avaliação orçamentária para o andamento das políticas públicas. Assim, a gestão fiscal também tem o papel de assegurar a transparência da gestão e promover o controle social. Desta forma, avanços no sistema tributário e de seus instrumentos podem se configurar como instrumentos para que obtenção de êxito no campo econômico e de desenvolvimento social (Massardi & Abrantes, 2015). A sanção da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 04 de maio de 2000, por exemplo, se tornou um dos principais instrumentos para conter déficits públicos e o endividamento crescente dos entes federativos (Barros, 2019).
A LRF serve não apenas como uma barreira de contenção, muito menos se limita a essa função, na verdade a Lei contempla o orçamento como um todo, direcionando e definindo as diretrizes para a sua elaboração, execução e controle, promovendo ainda a transparência nas contas públicas através dos relatórios orçamentários que lhe são de competência e demonstrativos fiscais, tornando-a assim um dos instrumentos de controle fiscal mais abrangente já instituído no país possibilitando assim que a gestão pública seja realizada dentro dos orçamentos previstos e com os recursos devidamente aplicados (Giuberti, 2005).
Para os autores Fioravante, Pinheiro e Vieira (2006), a LRF implantou no Brasil um processo mais rigoroso de planejamento e execução orçamentária, organizando e sistematizando a gestão pública e seus recursos, visando oferecer maior transparência por parte dos gestores. Assim, verifica-se que a gestão fiscal tem um importante papel em limitar a margem de gastos e endividamento dos entes, equilibrando assim, as receitas e despesas viabilizando o desenvolvimento e a governabilidade com reflexo direto nos indicadores sociais.
O desempenho fiscal de um município é determinado pela relação entre receita e despesa, que este realiza durante uma gestão, contudo também aborda um conjunto de decisões e alternativas que envolvem aspectos organizacionais, legais, socioeconômicos e ambientais (Matias & Campello, 2000). Como forma de mensurar a gestão fiscal, utilizam-se os indicadores de desempenho fiscal, que são instrumentos elaborados a partir dos demonstrativos contábeis públicos indicando como os gestores administram os recursos disponíveis e lidam com o endividamento, arrecadação, nível de investimentos, despesas essenciais, dependência do governo e demais assuntos do desempenho fiscal municipal (Parisi, Silva, Farias, & Salgado, 2020). A avaliação periódica dos indicadores financeiros busca demonstrar o avanço da atuação governamental no momento, com seus respectivos efeitos positivos ou negativos decorrentes dessa administração.
Como indica Murshed et al. (2020), além de assegurar a execução orçamentária de acordo com as metas estabelecidas e com os princípios de transparência, a gestão fiscal pode a garantir os recursos necessários para a implementação de políticas públicas que proporcionem o atendimento às demandas sociais, especialmente dos mais pobres, e promover o bem-estar da população.
Pesquisas desenvolvidas por autores Leite e Fialho (2015), Rosa, Martins, Lunkes e Vieira (2021) e Louzano et al. (2019) têm apresentado evidências de que a eficiência da gestão fiscal pode estar associada à melhoria das condições sociais de uma comunidade. Leite e Fialho (2015), por exemplo, observaram que a autonomia municipal pode contribuir para a melhoria dos níveis educacionais e de saúde dos municípios. Rosa et al. (2021), por sua vez, verificaram que a gestão das contas públicas pode facilitar a realização de investimentos em áreas prioritárias para a população, contribuindo para o atendimento das demandas sociais.
Do mesmo modo, Louzano et al. (2019) observaram uma associação positiva entre as práticas de gestão fiscal e os indicadores socioeconômicos. Apesar de não identificarem uma relação de causalidade, os autores observaram que o desempenho fiscal pode melhorar o uso do recurso público para atendimento dos anseios sociais. Afinal, a gestão fiscal pode proporcionar maior autonomia fiscal, garantindo recursos para promoção do bem-estar (Habbe, 2021).
Ademais, como destaca Campelo (2003), a eficiência fiscal dos municípios está relacionada à sua capacidade de transformar seus recursos em desenvolvimento socioeconômico e qualidade de vida para sua população. Para que exista essa governabilidade, um padrão de gestão fiscal mais elevado tende a ser associado a melhores instrumentos de controle social sobre a gestão pública favorecendo o desenvolvimento socioeconômico, evitando prejuízos a médio e longo prazo como resultado de um controle social eficaz (Silva & Crisóstomo, 2019). Assim, a gestão pública é sugerida como fomentadora de uma gestão fiscal mais eficiente, visando a participação de colaboradores na construção de uma máquina pública transparente e equilibrada financeiramente.
A partir das proposições apresentadas, é possível observar que a relação entre a gestão pública e o desempenho socioeconômico pode não ser direta como proposto por Silva e Crisóstomo (2019), e sim, mediada pela gestão fiscal. Afinal, como discutido, as decisões tomadas pela administração pública podem afetar o desempenho fiscal, que por sua vez, também podem contribuir para o desempenho socioeconômico. Desta forma, propõe-se a seguinte hipótese:
H2:A relação entre a gestão pública e o desempenho socioeconômico é mediada pelo desempenho fiscal.
Por outro lado, para Louzano et al. (2019) esta relação não é tão clara. Para os autores, nem sempre a gestão fiscal eficiente sinaliza o uso adequado de recursos públicos para a promoção do desenvolvimento econômico. Como propõem Louzano et al. (2019, p. 622), “a adequação do orçamento municipal às normas de finanças públicas voltadas à responsabilidade na gestão fiscal pode implicar a redução da oferta de bens e serviços em alguns municípios, com interferência nos resultados das políticas voltadas a questões sociais e desenvolvimento”.
Segundo os autores, os resultados podem variar segundo o porte e perfil demográfico do município, que podem produzir diferentes efeitos na eficiência do uso dos recursos públicos. Gomes, Alfinito e Albuquerque (2013), por exemplo, evidenciaram que quanto menor o município, maior é a dificuldade de melhorar seu desempenho fiscal em virtude da incapacidade de aumentar a arrecadação de impostos e também reduzir os gastos, exigindo assim que este dependa de fontes externa de recursos e reduzindo sua independência e sustentabilidade socioeconômica. Por outro lado, os municípios maiores têm maior flexibilidade em gerenciar suas despesas, pois podem aumentar suas arrecadações de maneira mais fácil do que os menores.Assim, considera-se que o tamanho do município pode afetar a direção ou a intensidade da relação entre a gestão fiscal e o desempenho socioeconômico, exercendo assim um efeito moderador, conforme apresentado na hipótese abaixo.
H.: A relação entre a gestão pública e desempenho fiscal é moderada pelo tamanho do município.
Procedimentos metodológicos
O presente estudo configura-se quanto aos seus objetivos, como pesquisa descritiva, pois busca identificar as características socioeconômicas e fiscais de determinados municípios, além de buscar verificar relações entre os construtos. No que se refere à abordagem do problema, enquadra-se como pesquisa quantitativa, em virtude de que enfatiza a objetividade na coleta e análise dos dados e os analisa através de procedimentos estatísticos (Gerhardt & Silveira, 2009).
A população do estudo é composta pela totalidade de municípios brasileiros de 5.570, segundo o IBGE (2022). Para compor a amostra, foram selecionados os municípios que tiveram seus dados divulgados na base do Índice de Governança Municipal (IGM-CFA) disponibilizado pelo Conselho Federal de Administração no ano de 2021. Destaca-se que não foram identificadas observações com valores discrepantes (outliers) pela estatística Z-padronizado e pelo teste de Mahalanobis, assim, a amostra é composta por 5.570 observações, que refletem os resultados fiscais, econômicos e sociais dos municípios no ano de 2021.
Deve-se destacar que as variáveis que compõem o IGM-CFA são semelhantes às observadas no Índice FIRJAN de Desempenho Municipal (IFDM) e no Índice FIRJAN de Gestão Fiscal (IFGF), utilizados nos estudos de Silva e Crisóstomo (2019) e Louzano et al. (2019). Assim, a opção pela escolha da base de dados do IGM-CFA ocorreu por conta da sua cobertura, uma vez que são disponibilizadas informações de todos os municípios brasileiros e pela tempestividade da divulgação das informações.
O Quadro 1 apresenta as variáveis que constituem cada construto.
Por sua vez, a variável tamanho foi mensurada a partir de duas proxies: o Produto Interno Bruto (PIB) per capta e o tamanho da população. Para a análise das variáveis, considerou-se o valor z-padronizado das variáveis com o objetivo de controlar as diferentes grandezas. Deve-se destacar que as variáveis com polaridade menor-melhor tiveram seus resultados invertidos a fim de não gerar distorções na formação do construto.
A análise das relações entre os construtos foi realizada por meio de modelagem de equações estruturais (SEM) com uso do método dos mínimos quadrados parciais (PLS) por meio do software R. Como indicado por Hair et al. (2018), o PLS permite estimar modelos complexos sem impor suposições de distribuição sobre os dados, como a normalidade, além de não apresentar restrições em amostras pequenas e permitir a utilização de construtos formativos, como os considerados nesta pesquisa.
Por meio da modelagem PLS, foi possível verificar as relações entre estabelecidas entre os construtos, conforme estabelecidas nas hipóteses da pesquisa. Na Figura 1, é possível observar o modelo de equações estruturais do estudo, onde as setas indicam a direção do efeito, os círculos indicam as variáveis latentes (construtos) e os retângulos representam as variáveis observadas.
A modelagem foi realizada em duas etapas. Na primeira, realizou-se a avaliação dos modelos de medição formativo a fim de avaliar a qualidade do modelo. Para tanto, buscou-se realizar a avaliação dos pesos (weights) dos indicadores, observando o nível de colinearidade do construto, a significância e contribuição relativa e absoluta dos indicadores. A colinearidade foi avaliada por meio do fator de inflação de variância (variance inflation factor, VIF), considerando aceitável VIF < 3, o que indica a ausência de colinearidade entre os indicadores. A significância e contribuição dos indicadores foi analisada por meio da técnica de bootstrapping, obtendo-se a extração de 5.000 subamostras dos dados originais e realização de sua estimação.
Assim, os indicadores com pesos significativos foram mantidos no modelo, já aqueles com pesos não significativos e contribuição absoluta (carga) inferior a 0,5 foram retirados do modelo, uma vez que não se identificou sua contribuição estatística para a formação do construto, segundo apontado por Hair, Howard e Nitzl (2020).
Na segunda etapa, foi realizada a avaliação do modelo estrutural, verificando se as relações estruturais são significativas e importantes. Para tanto, observou-se o coeficiente de determinação (R.) dos construtos, considerando R. de 0,75, 0,50, e 0,25 como substancial, moderado e fraco respectivamente (Hair, Sarstedt, Hopkins, & Kuppelwieser, 2014). Do mesmo modo, analisou-se o tamanho do efeito do construto exógeno sobre o endógeno (F.), considerando valores de 0,35, 0,15 e 0,02 como efeitos grandes, médios e pequenos respectivamente, conforme Cohen (1988).
Identificado o modelo de análise, buscou-se verificar os efeitos diretos dos construtos sem as relações de mediação, observando as relações diretas da variável independente (VI) sobre a variável dependente (VD), e os efeitos indiretos da VI sobre a VD com o efeito da mediação (MED), obtendo-se também os efeitos totais. Do mesmo modo, procedeu-se a análise das relações de moderação propostas no estudo. A análise das relações de mediação e moderação ocorreram conforme os procedimentos propostos por Judd e Kenny (1981) e Baron e Kenny (1986), e a significância dos efeitos foi observada por meio da realização do bootstrapping.
Resultados
Estatísticas descritivas
Na Tabela 1, são apresentadas as estatísticas descritivas referentes ao tamanho e às variáveis relacionadas ao construto Gestão pública. Observa-se que a média populacional do Brasil por município é cerca de 38.020 habitantes. Já o PIB per capta médio é de R$ 23.513,54. Tais variáveis apresentam alta assimetria e desvio-padrão, o que indica a heterogeneidade dos municípios brasileiros.
Com relação às variáveis relacionadas ao construto Gestão Pública, destaca-se o gasto com comissionados, que obteve uma média de 0,13, indicando que a proporção de comissionados para servidores efetivos é de 13% em média. Também é possível observar que a proporção de servidores ao total da população, em média, é de 0,36, ou seja, 36%. O IGM, por sua vez, obteve média de 87,13, indicando, de maneira geral, uma boa transparência das informações. Sobre a regularidade CAUC, que diz respeito ao número de pendências do CAUC em relação ao total de itens, obteve-se a média de 0,04, indicando certa transparência das informações apresentadas pelos municípios.
Na Tabela 2, estão dispostas as estatísticas descritivas relacionadas às variáveis do construto Desempenho fiscal. É possível observar os gastos per capta com saúde, educação e legislativo e a presença de uma grande divergência entre os resultados obtidos entre municípios brasileiros. Os dados também revelam o desempenho médio fiscal dos municípios. É possível verificar que a autonomia fiscal média dos municípios totaliza 39%, os gastos com pessoal e os investimentos referem-se a 43% e 47% da receita, respectivamente. Também se observa a dificuldade dos municípios em cumprir suas obrigações, uma vez que a liquidez média totaliza 0,53. De maneira geral, os resultados indicam que, em média, os municípios brasileiros enfrentam dificuldades em obter resultados fiscais e financeiros consistentes.
Na Tabela 3, são apresentadas as variáveis que constituem o construto que diz respeito ao Desempenho socioeconômico. A partir dela, é possível realizar um mapeamento dos aspectos educacionais, ambientais, sanitários e de vulnerabilidade social que transparecem nos municípios brasileiros. No aspecto educacional, é possível observar dificuldades nos índices de cobertura da creche (31,32%), nos resultados do IDEB 5º e 9º ano (5,58; 4,38). Do mesmo modo, também se verifica a baixa cobertura no acesso e tratamento de esgoto (57,34%; 42,43%).
Resultado da modelagem de equações estruturais
A modelagem de equação estrutural foi realizada, primeiramente, conforme o modelo apresentado na Figura 1. Todavia, foram realizadas algumas alterações no modelo original, mediante a análise dos modelos de medição e do modelo estrutural, ancoradas na fundamentação teórica.
Na etapa da avaliação do modelo de medição, verificou-se que algumas variáveis apresentaram pesos não significativos por meio da técnica de bootstrapping. Ademais, suas cargas fatoriais também foram inferiores a 0,5, sugerindo a exclusão dessas variáveis do modelo de análise, conforme proposto por Hair, Howard e Nitzl (2020). Assim, as variáveis Lei geral MPE, Servidores per capta, Captação de recursos e Planejamento da despesa foram retiradas do construto Gestão pública, já as variáveis Taxa de mortes do trânsito e Cobertura da atenção básica foram excluídas do construto Desempenho socioeconômico, e, por fim, as variáveis Situação previdenciária, Gastos per capta em educação e Gastos per capta do legislativo foram retiradas do construto Desempenho fiscal por não mostrarem aderência ao modelo.
Realizadas as adequações, os construtos atenderam aos pressupostos. Conforme indicado na Tabela 4, as variáveis analisadas não apresentaram problemas de multicolinearidade uma vez que os resultados dos seus fatores de inflação de variância foram inferior a 3. Ademais, seus pesos apresentaram significância estatística conforme bootstrapping realizado com 5.000 subamostras.
*p-valor<0,05
Na Tabela 4, é possível verificar a composição dos construtos analisados neste estudo, observando seu peso na formação do construto. Assim, a proporção de efetivos em relação ao número de comissionados, o percentual de disponibilidade de informações no IGM, a regularidade quanto aos requisitos fiscais e nível de cumprimento em relação às leis de transparência indicam o nível de gestão pública do município. Verifica-se que uma melhoria nestes indicadores indica uma melhora na gestão pública municipal.
Por sua vez, as variáveis relacionadas a aspectos educacionais (retenção escolar, o resultado do IDEB do 5º e 9º ano, cobertura da creche, e a taxa de relação idade-série), à aspectos sanitários e ambientais (acesso à água e coleta e tratamento de esgoto), à saúde, (cobertura vacinal e perpetuidade infantil), segurança e vulnerabilidade social (taxa de homicídios e taxa de inscritos no CadÚnico) compõem o desempenho socioeconômico dos municípios. Por fim, a capacidade de investimento, a capacidade de pagamento e de autonomia do município, os investimentos em saúde, e a redução dos gastos de pessoal compõem o desempenho fiscal do município.
Uma vez analisado o modelo de medição, procedeu-se à análise do modelo estrutural. Assim, avaliou-se os efeitos diretos entre os construtos, conforme apresentados na Tabela 3. Através dos valores estimados por meio do bootstrapping, verificou-se que a Gestão Pública apresenta um efeito significativo de 0,161 sobre o Desempenho socioeconômico. Tal resultado permite confirmar a hipótese 1 deste estudo, indicando que uma gestão pública mais eficiente contribui para a obtenção de melhores níveis de emprego e renda, saúde e educação, promovendo a qualidade de vida do município. O resultado corrobora aos estudos de Silva e Crisóstomo (2019), Šťastná e Gregor (2011) e Debnath e Shankar (2014).
**p-value<0,05
Dada a indisponibilidade de dados, Silva e Crisóstomo (2019) restringiram a análise da relação entre gestão pública e o desempenho socioeconômico nos municípios cearenses. Mas ao abarcar a totalidade dos municípios brasileiros, o presente estudo demonstra que esta relação não está limitada à determinada amostra regional. Assim, os resultados apresentados indicam que uma boa gestão dos recursos públicos, pautada no planejamento, eficiência e transparência, pode contribuir para o atendimento das necessidades sociais e econômicas dos cidadãos brasileiros.
Os resultados sugerem que a eficiência na administração pública municipal pode proporcionar melhores índices de educação, saúde e geração de emprego e renda. Tal fator ressalta a responsabilidade dos municípios na alocação dos recursos públicos e na prestação de bens e serviços à comunidade, reforçando o debate sobre o federalismo fiscal. Assim, os resultados não apenas reforçam a importância da qualificação da gestão municipal e da adoção de práticas adequadas de gestão pública, como também sugerem que este pode ser um caminho para a superação das disparidades socioeconômicas e inter-regionais, ressaltadas por Saldanha (2009).
Contudo, ao observar os resultados da Tabela 5, é possível verificar que o F. apresentou resultado de 0,037, indicando que o efeito da gestão pública sobre o desempenho socioeconômico apresenta um tamanho pequeno. Ao que o resultado indica, a eficiência da gestão pública, diretamente, contribui pouco para a obtenção de bons resultados socioeconômicos, sugerindo que outros fatores podem permear esta relação.
Assim, os resultados da Tabela 5 revelam que a Gestão pública apresenta um efeito significativo de 0,323 sobre o Desempenho Fiscal. Apesar do resultado do F² de 0,116 revelar que se trata de um efeito de tamanho pequeno, a significância do coeficiente indica que uma melhor gestão pública contribui para um melhor desempenho fiscal. Do mesmo modo, também é possível observar que o coeficiente do efeito do desempenho fiscal sobre o desempenho socioeconômico é de 0,555, confirmando a hipótese de que o atendimento aos requisitos fiscais possibilita ao município obter melhores índices socioeconômicos. Ademais, o resultado do F² de 0,445 indica que se trata de um efeito de tamanho moderado.
Tais resultados vão ao encontro das discussões já apresentadas na literatura. Tal como Leite e Fialho (2015), Rosa et al. (2021) e Louzano et al. (2019), é possível observar que a austeridade fiscal facilita a realização dos gastos e investimentos públicos, possibilitando a alocação dos recursos em áreas de interesse social. Assim, os resultados apresentados sugerem que ainda que a LRF imponha responsabilizações e restrições sobre os gastos públicos, ela tende a promover o equilíbrio das contas públicas, favorecendo a distribuição dos recursos nas áreas prioritárias e proporcionando melhores índices de desenvolvimento e bem-estar.
Contudo, diferentemente dos estudos anteriores, os resultados desta pesquisa indicam que o desempenho fiscal não só contribui para o desempenho socioeconômico, como também sugerem que pode haver uma relação indireta entre a gestão pública e o desempenho socioeconômico, mediada pelo desempenho fiscal, conforme proposto na hipótese 2 desta pesquisa.
Assim, busca-se apresentar na Tabela 6 os efeitos indiretos e total do modelo estrutural, onde é possível observar a existência de um efeito indireto e significativo entre a gestão pública e o desempenho socioeconômico, mediado pelo desempenho fiscal de 0,179, acarretando em um efeito total de 0,34. Neste sentido, os resultados indicam que o desempenho fiscal age como uma variável mediadora complementar ampliando o efeito da gestão pública sobre os resultados socioeconômicos. Assim, os resultados sugerem que o impacto das ações de uma boa gestão pública sobre o desempenho fiscal do município é mais eficiente quando os municípios apresentam uma maior austeridade fiscal, o que confirma a segunda hipótese deste estudo.
Deste modo, o presente estudo amplia as discussões apresentadas na literatura. Diferente de Silva e Crisóstomo (2019) e Šťastná e Gregor (2011), verifica-se que a relação entre a gestão pública e o desempenho socioeconômico ocorre de forma indireta, mediada pelo desempenho fiscal do município. Em termos práticos, os resultados indicam que a adoção de uma gestão pública pautada na eficiência, transparência e planejamento no uso dos recursos contribuem para uma execução orçamentária responsável que possibilitam não apenas o cumprimento das metas fiscais, como também a melhoria na capacidade de distribuição eficiente dos recursos de modo a atender as demandas sociais.
Por fim, o estudo buscou ainda verificar se o tamanho dos municípios pode afetar a relação entre a gestão pública e o desempenho fiscal, agindo como variável moderadora. Assim, o tamanho foi calculado a partir de duas proxies: PIB per capta e o tamanho da população. A Tabela 7 apresenta os resultados do modelo com a inserção das variáveis moderadoras.
Variável moderadora População: R² (Desempenho Fiscal): 0,115; R² (Desempenho Socioeconômico): 0,393
**p-value<0,05
Conforme a Tabela 7, a inserção da variável moderadora resultou no aumento do coeficiente de determinação dos construtos do modelo, o que revela que o tamanho aumenta o poder de explicação das variáveis dependentes do modelo. Verifica-se também que tanto o PIB per capta como o tamanho da população exercem um efeito significativo e positivo sobre o desempenho fiscal de 0,419 e 0,246 respectivamente. Tais resultados indicam que os municípios maiores parecem ter maior facilidade em exercer uma gestão fiscal mais eficiente. Como sugerem Gomes et al. (2013), tais municípios apresentam maior flexibilidade para aumentar sua arrecadação, reduzir gastos e depender menos de fontes de recursos externas.
Contudo, os resultados indicam que o tamanho do município exerce também uma moderação na relação entre a gestão pública e o desempenho fiscal. Como é possível verificar na Tabela 5, os coeficientes das interações da variável gestão pública com o PIB per capta e a População sobre o desempenho fiscal foram significativas, respectivamente -0,258 e -0,128. Assim, os resultados apontam que o efeito da gestão pública sobre o desempenho fiscal é diferente a depender do porte dos municípios.
De acordo com os resultados, a gestão pública exerce um maior efeito sobre o desempenho fiscal nos municípios de menor tamanho, o que revela a dependência das decisões da administração pública para cumprimento das metas fiscais. Já nos municípios maiores, que apresentam uma maior riqueza e população, o efeito da gestão pública é menor, o que sugere certa estabilidade e facilidade para cumprimento das metas fiscais.
O Quadro 2 apresenta o resumo do resultado das hipóteses analisadas neste estudo. Como é possível observar, as três hipóteses apresentadas foram confirmadas.
Conclusões
O objetivo principal da pesquisa foi analisar os efeitos da gestão pública no desempenho socioeconômico dos municípios brasileiros, observando as relações existentes a partir da mediação da gestão fiscal. Chega-se à conclusão de que a eficiência da gestão pública interfere diretamente no desenvolvimento dos municípios brasileiros, sugerindo que a administração e conversão de recursos em bens e serviços deve seguir uma trajetória fiscal, transparente e eficaz para o êxito de cada gestão.
De maneira geral, os resultados indicam que a gestão pública contribui positivamente para o melhor desempenho socioeconômico dos municípios. Apesar da literatura já apresentar indicativos de que a eficiência da gestão pública poderia proporcionar a melhoria das condições sociais da comunidade (Silva & Crisóstomo, 2019; Šťastná & Gregor, 2011), o presente estudo demonstra que esta relação direta entre a gestão pública e o desempenho social é fraca, mas se fortalece quando o município se compromete com as metas fiscais. Desta forma, diferentemente dos estudos anteriores, a presente pesquisa inclui o desempenho fiscal como variável mediadora da relação, auxiliando no aprofundamento teórico apresentado pela literatura.
Assim, a presente pesquisa indica que as boas práticas de gestão, pautadas na eficiência, transparência e planejamento dos recursos, possibilitam que os municípios obtenham melhores resultados fiscais. Por sua vez, índices melhores de autonomia, liquidez e investimentos possibilitam o atendimento das demandas sociais, reverberando-se em melhores índices de empregabilidade, saúde, educação e etc, como indicado por autores como Leite e Fialho (2015), Rosa et al. (2021) e Louzano et al. (2019).
Neste sentido, verifica-se que o desempenho fiscal apresenta um papel de mediação na relação entre a gestão pública e o desempenho socioeconômico. Diferente dos estudos anteriores que apresentam uma relação direta entre os três construtos, os resultados sugerem a existência de uma relação indireta, onde o desempenho fiscal fortalece a magnitude da relação entre a gestão pública e o desempenho socioeconômico do município.
Ademais, também se verifica que o tamanho de cada município em termos de produção de renda e níveis populacionais pode moderar a relação entre a gestão pública e fiscal. Assim, o tamanho pode facilitar a administração dos recursos ali arrecadados e atingir as metas fiscais. De acordo com os resultados, confirma-se a hipótese de que uma gestão pública transparente, alicerçada na gestão fiscal favorece o desenvolvimento do município desde que haja responsabilidade nos atos governamentais e retidão na aplicação dos recursos arrecadados. Tais resultados reacendem o debate sobre o papel dos municípios no atendimento às demandas sociais e sobre o federalismo fiscal do país.
Desta forma, a pesquisa busca despertar novos estudos na área de gestão pública, evidenciando a relação existente entre uma boa gestão e a qualidade de vida dos munícipes. Incentiva-se, portanto, a transparência quanto ao uso de verbas e recursos que devem ser convertidos para o bem comum da sociedade.
Por outro lado, destaca-se que os resultados obtidos se referem ao período de 2021 e não contempla dados longitudinais que permitam avaliar as relações ao longo do tempo. Assim, sugere-se a realização de um estudo que contemple outros períodos de análise e que possibilite a inclusão de demais variáveis que possam afetar as relações identificadas.
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