Convergência das Normas de Contabilidade no Setor Público: uma Análise do Posicionamento Acadêmico nas Principais Bases Científicas
Convergence of Accounting Standards in the Public Sector: an Analysis of Academic Positioning in the Main Scientific Bases
Convergencia de Normas Contables en el Sector Público: un Análisis del Posicionamiento Académico en las Principales Bases Científicas
Convergência das Normas de Contabilidade no Setor Público: uma Análise do Posicionamento Acadêmico nas Principais Bases Científicas
Administração Pública e Gestão Social, vol. 16, núm. 2, 2024
Universidade Federal de Viçosa
Recepción: 19 Julio 2023
Aprobación: 07 Diciembre 2023
Publicación: 25 Abril 2024
Resumo: Objetivo da pesquisa: Identificar e organizar as diversas posições, que podem ser observadas na área acadêmica, em relação à convergência das normas contábeis aplicáveis ao setor público (IPSAS).
Enquadramento teórico: Este trabalho realiza uma revisão sistemática da literatura sobre as IPSAS, não estando relacionado a uma teoria específica.
Metodologia: Para alcançar o objetivo proposto foi realizada uma revisão sistemática, da literatura sobre convergência e IPSAS, nas bases Web of Science, Scopus e Scielo Citation Index, no período de 2005 a 2023. A seleção dos artigos utilizou o método ProKnow-C e o protocolo Prisma 2020 para organizar e apresentar os resultados.
Resultados: Os resultados foram agrupados, conforme posicionamento dos autores em relação à convergência às IPSAS, onde foram identificadas três posições predominantes. Os trabalhos com posição neutra abordaram a convergência sem realizar uma crítica ou defesa das IPSAS. Os de posição favorável enfatizaram que as normas IPSAS permitem elevar a transparência, responsabilização e reduzir os níveis de corrupção, enquanto os de posições críticas questionaram a efetiva harmonização contábil, visto que muitos países não utilizam as IPSAS de forma inalterada, discutiram a influência e interesses de organismos internacionais e afirmaram que as IPSAS ferem a soberania nacional e provocam alteração na racionalidade dos governos, segundo princípios neoliberais de mercado.
Originalidade: O trabalho sistematizou a posição adotada por trabalhos acadêmicos em relação às normas IPSAS.
Contribuições teóricas e práticas: Os achados suscitam o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa, a fim de melhor compreender algumas questões como, por exemplo, a relação entre organismos financeiros internacionais e a disseminação das normas IPSAS, o papel das grandes empresas de auditoria, das organizações contábeis e da academia, assim como, a utilidade das normas IPSAS no processo de tomada de decisão.
Palavras-chave: IPSAS, Convergência Contábil no Setor Público, Análise Sistemática, Posicionamento.
Abstract: Research objective: To identify and organize the different positions, that can be observed in the academic area, related to the convergence of accounting standards applicable to the public sector (IPSAS).
Theoretical framework: This work performs a systematic review of the literature on IPSAS, without being based in a specific theory.
Methodology: To achieve the work objective, a systematic review of the literature on convergence and IPSAS was carried out in the Web of Science, Scopus and Scielo Citation Index databases, from 2005 to 2023. The selection of articles used the ProKnow-C method and the Prisma 2020 protocol to organize and present the results.
Results: The results were grouped according to the authors' positions about the accounting convergence with IPSAS, where three predominant positions were identified. Papers with a neutral position addressed convergence without criticizing or defending IPSAS. Those with a favorable position emphasized that the IPSAS standards can increase transparency, accountability and reduced levels of corruption. Papers with a critical position questioned the accounting harmonization effectiveness, once many countries do not use the IPSAS without adaptations, discussed the influence and interests of international organizations and stated that the IPSAS can violate national sovereignty and produce changes in the governments rationality, based in the neoliberal market principles.
Originality: The work systematized the position adopted by academic authors related to the IPSAS standards.
Theoretical and practical contributions: The findings of this work lead to the development of a research agenda, to better understand some issues such as, for example, the relationship between international financial organizations and the dissemination of IPSAS standards, the role of large auditing firms, accounting organizations and academia, and the usefulness of IPSAS standards in the decision-making process.
Keywords: IPSAS, Accounting convergence in the public sector, Systematic Analysis, Positioning.
Resumen: Objetivo de la investigación: Identificar y organizar las diferentes posturas, que se pueden observar en el ámbito académico, en relación a la convergencia de las normas contables aplicables al sector público (IPSAS).
Marco teórico: Este trabajo propone una revisión sistemática de la literatura sobre IPSAS, no estando anclado en una teoría específica.
Metodología: Para lograr el objetivo propuesto, se realizó una revisión sistemática de la literatura sobre convergencia e IPSAS en las bases de datos Web of Science, Scopus y Scielo Citation Index, desde 2005 hasta 2023. La selección de artículos utilizó el método ProKnow-C y el protocolo Prisma 2020 para organizar y presentar los resultados.
Resultados: Los resultados se agruparon según la posición de los autores en relación a la convergencia con las IPSAS, donde se identificaron tres posiciones predominantes. Los documentos con una posición neutral abordaron la convergencia sin criticar ni defender las IPSAS. Los que tenían una posición favorable enfatizaron que las normas IPSAS permiten una mayor transparencia, rendición de cuentas y niveles reducidos de corrupción, mientras que los que tenían una posición crítica cuestionaron la armonización contable efectiva, ya que muchos países no usan las IPSAS de forma inalterada, discutieron la influencia e intereses de los organismos internacionales y afirmó que las NICSP lesionan la soberanía nacional y provocan cambios en la racionalidad de los gobiernos, según los principios neoliberales del mercado.
Originalidad: El trabajo sistematizó la posición adoptada por los trabajos académicos en relación a las normas IPSAS.
Aportes teóricos y prácticos: Los hallazgos de este trabajo conducen al desarrollo de una agenda de investigación, con el fin de comprender mejor algunos temas como, por ejemplo, la relación entre los organismos financieros internacionales y la difusión de las normas IPSAS, el rol de las grandes auditorías empresas, organizaciones contables y academia, así como la utilidad de las normas IPSAS en el proceso de toma de decisiones.
Palabras clave: IPSAS, Convergencia contable en el sector público, Análisis sistemático, Posicionamiento.
Introdução
A convergência e a harmonização das normas de contabilidade pública às International Public Sector Accounting Standards (IPSAS) tem sido abordada, pela literatura contábil, como contendo múltiplas utilidades, uma vez que ela possibilita aos países que convergem ao padrão internacional melhorarem a transparência das demonstrações financeiras dos governos, por meio do fornecimento de informações de maior qualidade, e, consequentemente, mais confiáveis do que as informações orçamentárias atualmente utilizadas pelas entidades do setor público para a finalidade de planejamento e gestão e de accountability (Otrusinová & Šteker, 2013; Polzer, Grossi & Reichard, 2022). Idealizadas dentro de um paradigma de governança global, típico da governamentalidade neoliberal, as IPSAS são análogas às International Financial Reporting Standards (IFRS), que orientam a contabilidade financeira no âmbito privado, e estão alcançando força na contabilidade do setor público, nos últimos anos, graças a um conjunto de atores, inciativas e dispositivos que têm levado os governos de diversos países a implementá-las (Wang & Miraj, 2018).
Krishnan (2021) destaca que o processo de convergência a normas internacionais de contabilidade foi a tônica observada em um movimento global, nas últimas décadas, sobretudo a partir de 1990, quando se identificou um aumento da predominância da Nova Gestão Pública (NPM), como cultura de boa gestão pública e, com ela, um incremento das “boas práticas”, disseminadas pelos organismos internacionais e, consequentemente, de adoção às IPSAS. Dentro dessa ótica, as reformas contábeis estariam respaldando metodologias de institucionalização e modernização do setor público (Gómez-Villegas, Brusca & Bergmann, 2020), em um movimento reformista de dimensão mundial que, para Nistor e Deaconu (2016), está fundamentado em princípios neoliberais de mercado, pois, por meio de seus instrumentos, passa a enxergar as instituições públicas como organizações empresariais, impondo a alteração da base contábil orçamentária, conhecida como contabilidade pelo regime de caixa, para a contabilidade pelo regime de competência.
De um lado, a adoção de normas contábeis baseadas no regime de competência no setor público, que possuem por fundamento normas utilizadas por empresas, visa aproximar os procedimentos e princípios contábeis aos vigentes no ambiente corporativo, de modo que os relatórios, apresentados pelos governos, possam apresentar uma linguagem considerada mais realista a respeito da situação patrimonial ou sobre o desempenho (Otrusinová & Šteker, 2013). Essa visão é partilhada por autores que adotam posicionamento favorável às IPSAS em suas pesquisas como fizeram Araya-Leandro, Caba-Pérez e López-Hernández (2011); Araya-Leandro, Caba-Pérez e López-Hernández (2016); Rossi, Cohen, Caperchione e Brusca (2016); Wang e Miraj (2018); Baskerville e Grossi (2019); Gómez-Villegas et al. (2020) e Hamed-Sidhom, Hkiri e Boussaidi (2022) quando afirmam que as IPSAS contribuem para o processo de prestação contas, elevam a transparência e a qualidade da informação produzida e divulgada pelos governos, além de permitir a comparabilidade dos relatórios e resultados expostos.
Por outro lado, esse processo não é isento de críticas, uma vez que são apontadas incompatibilidades entre as tradições contábeis existentes nos países, destacados elevados custos relacionados a todo processo de implementação, realizadas ressalvas relacionadas à soberania dos países, além da transição, para o regime de competência, ser considerada complexa, problemática e inapropriada, tendo em vista a prevalência e representatividade do orçamento para a gestão dos governos. Tais argumentos são utilizados por autores que adotam posicionamento crítico a respeito dos processos de implementação das IPSAS em governos, como por exemplo, os trabalhos de Oulasvirta (2014); Brusca, Gómez-Villegas e Montesinos (2016); Jones e Caruana (2016); Nistor e Deaconu (2016); Oulasvirta e Bailey (2016); Ada e Christiaens (2018); Neves e Gómez-Villegas (2020); Krishnan (2021) e Polzer, Grossi e Reichard (2022).
Nesse contexto, a pergunta que orientou a realização dessa pesquisa foi: quais posições podem ser observadas na área acadêmica em relação à convergência das normas contábeis aplicáveis ao setor público? Assim, esse trabalho tem por objetivo sistematizar as diversas posições que podem ser observadas na área acadêmica, em relação à convergência das normas contábeis aplicáveis ao setor público. Ele ajuda a compreender em que medida a área acadêmica tem desenvolvido estudos críticos ao processo de convergência, ou seja, se ela tem realizado debates que deixam claros os limites deste processo. Este trabalho utiliza o termo crítica fundamentado no pensamento de Foucault (2015) que a define como o deslocamento realizado pelo sujeito em direção ao questionamento, a contraposição, de uma verdade e as consequências de poder que essa verdade, e seus discursos, representam. A partir dessa perspectiva de que a crítica comporta os contrapontos e os limites debatidos no entorno de um conteúdo, foram realizados agrupamentos do posicionamento acadêmico em relação à temática da convergência.
Para alcançar o objetivo proposto foi realizada uma revisão sistemática da literatura sobre convergência e IPSAS, de modo a identificar a discussão empreendida na literatura até o atual momento. As revisões sistemáticas se distinguem da revisão tradicional da literatura por partirem de uma questão de pesquisa objetiva e bem definida, metodologia clara, com intuito de tornar a pesquisa replicável e livre de viés (Igarashi, Igarashi & Borges, 2015; Donato & Donato, 2019). O levantamento dos artigos seguiu o método Knowledge Development Process – Constructivist (ProKnow-C) fundamentado no trabalho de Lacerda, Ensslin e Ensslin (2012). A organização dos resultados e a elaboração da revisão sistemática seguiu a diretriz Prisma 2020 descrita em Galvão, Tiguman e Sarkis-Onofre (2022).
Os resultados deste trabalho permitem realizar uma reflexão sobre os diversos posicionamentos preponderantes na área acadêmica em relação ao processo de convergência, principalmente os posicionamentos ditos críticos, trazendo ainda uma investigação sobre os tipos de críticas desenvolvidas, possibilitando entender a profundidade destas críticas e se há oportunidade para aplicação de teorias críticas. O trabalho se justifica porque ele abre o debate para a construção de um contraponto ao predomínio da utilização de abordagens positivistas na contabilidade destacado por Iudícibus, Ribeiro Filho, Lopes e Pederneiras (2011), principalmente no caso específico, que é o processo de convergência mundial das normas de contabilidade.
Os principais resultados encontrados apontam que o debate sobre o tema da convergência pode ser apresentado conforme as posições neutra, favorável e crítica. Trabalhos com uma abordagem neutra apresentaram pontos positivos e negativos, destacados pela literatura, em relação à convergência, sem adotar uma postura de defesa ou de crítica ao processo. Estudos que são favoráveis a convergência discorrem sobre como a adoção das IPSAS pode ser positiva e benéfica para os governos. Pesquisas que adotam uma posição mais crítica destacam as fragilidades desse processo, envolvendo questões sobre soberania nacional, os interesses de organismos internacionais, a efetiva harmonização existente em contraponto a retórica da convergência.
Metodologia
Tendo por objetivo sistematizar as diversas posições, que podem ser observadas na área acadêmica, em relação à convergência a normas contábeis aplicáveis ao setor público, foi realizada uma revisão sistemática dos artigos científicos publicados nas bases Web of Science, Scopus e Scielo Citation Index, que abordam as IPSAS e a Convergência. A revisão sistemática produz um apanhado de resultados de estudos originais, em uma certa temática, considerados como sendo de notável contribuição para o saber acadêmico (Donato & Donato, 2019), sendo apontada por Igarashi et al. (2015) como capaz de agregar aprendizado metodológico em estudos organizacionais, tendo em vista os claros métodos e protocolos utilizados e a possibilidade de replicação. A imparcialidade dos estudos de revisão sistemática objetiva reduzir o viés da pesquisa, quando realiza uma revisão da literatura existente, proporcionando um estudo abrangente, que se distingue da revisão tradicional, por aliar uma questão de pesquisa bem definida a uma metodologia de pesquisa abrangente, explícita, clara e reproduzível (Donato & Donato, 2019).
Para o levantamento dos estudos que fundamentaram a construção deste trabalho, utilizou-se o ProKnow-C, que parte da dúvida científica e do interesse em certa temática, considerando as necessárias delimitações do contexto acadêmico e buscando um processo de construção de conhecimento. O método ProKnow-C[i] é um protocolo que propõe o cumprimento de etapas para seleção dos artigos, quais sejam: definição dos termos chave de pesquisa; definição do banco de dados a ser utilizado; operacionalização da busca, conforme definido nas etapas anteriores; e, por fim, avaliação da compatibilidade dos resultados retomados pela busca com o objetivo da pesquisa. Esta última etapa, consiste em um novo ordenamento de etapas, para seleção e exclusão dos trabalhos, partindo da exportação dos resultados obtidos na pesquisa, para um banco de dados. Primeiramente, devem ser excluídos os artigos repetidos e depois é feita a análise do alinhamento dos títulos à questão pesquisada e leitura dos resumos. Após percorrer todas estas etapas, o banco de dados de artigos alinhados ao problema e objetivo de pesquisa estará delimitado e somente os artigos que chegaram a este último filtro serão lidos na íntegra (Lacerda et al., 2012).
Na definição dos termos a serem pesquisados, primeira etapa da pesquisa, optou-se pela utilização de seus equivalentes em língua inglesa, de modo a proporcionar maior abrangência possível. Assim, os termos chave utilizados foram “IPSAS” no título, resumo ou palavras chave dos artigos, combinado com o operador “and” para o termo “convergence” em quaisquer partes do texto. O operador “and” justifica-se pelo objetivo de analisar trabalhos que versam sobre o processo de convergência às normas IPSAS, pois a abordagem dos temas em separado não atenderia ao interesse de sistematizar as diversas posições que podem ser observadas na área acadêmica, em relação à convergência das normas contábeis aplicáveis ao setor público. Os termos chave foram pesquisados nas bases de dados definidas para levantamento dos trabalhos seguindo as etapas propostas pelo ProKnow-C (Lacerda et al., 2012).
A utilização das bases Web of Science,justifica-se pelo fato de que o Web of Science (WoS) é a base de dados de citação global independente mais confiável do mundo e, portanto, o banco de dados mais renomado para identificar fontes de qualidade. Juntamente com o Web of Science esta pesquisa utiliza a base Scopus por ser uma das maiores bases de dados referenciais do mundo, possuindo uma cobertura multidisciplinar e uma diversidade de ferramentas para realizar a filtragem e a exportação dos resultados (Paul, Khatri & Duggal, 2023). Com o intuito de ampliar a amostra e abrangência da pesquisa também foi utilizada a base de dados Scielo Citation Index.A pesquisa foi realizada do período de 2005 a 2023, e as consultas a essas bases foram realizadas em abril de 2023, para tratamento dos dados encontrados foi utilizado o Microsoft Excel 2016.
A quarta etapa consistiu na análise dos artigos retornados pela busca nas bases de dados. Ao todo, foram obtidos 80 trabalhos, dos quais 14 estavam duplicados e 2 referiam-se a livros, restando, portanto, 64 para avaliação de títulos e resumo. Após a leitura dos títulos e resumos, 41 trabalhos foram descartados, por não tratarem do processo de convergência e dedicarem foco a outras questões relacionadas às IPSAS, como por exemplo, a aplicabilidade de IPSAS
específicas em variados contextos. Assim, um total de 23 artigos foram lidos na íntegra e, nesta etapa, outros dois artigos foram excluídos por não estarem relacionados aos objetivos do estudo. A Tabela 01 apresenta os artigos que foram lidos e os organiza por ordem de publicação, a fim de evidenciar a produção acadêmica da temática no decurso do tempo.
O protocolo Prisma 2020 utilizado neste trabalho para avaliação e apresentação dos resultados apresenta um conjunto de etapas que, ao todo, somam 27 itens verificáveis, capazes de proporcionar a identificação, seleção, avaliação e apresentação dos resultados, em revisões sistemáticas. A avaliação dos artigos envolve procedimentos relacionados à compreensão das metodologias utilizadas nos estudos avaliados. A apresentação dos resultados agrupa os estudos de acordo com suas similaridades, evidências apresentadas e eventuais vieses observados. Também é promovida discussão que aborda as implicações que os resultados proporcionam para a prática e oportunidade de pesquisas futuras, conforme orienta Galvão et al. (2022).
Nessa perspectiva, a leitura dos trabalhos selecionados permitiu identificar as posições neutra, favorável e crítica em relação a convergência às normas internacionais de contabilidade aplicáveis ao setor público que, deste modo, foram agrupados sob este entendimento. Pesquisas classificadas como neutras em relação à convergência foram aquelas que descreveram sobre os aspectos favoráveis e desfavoráveis da convergência e seus pressupostos, sem adotar, em relação a eles, uma postura de defesa ou de ataque, não apontado uma posição de apoio ou oposição, mas sim apenas dedicadas a descrever a ocorrência de tais processos nos contextos pesquisados. Os trabalhos considerados como favoráveis limitaram-se a enaltecer os benefícios da convergência e como esse movimento pode favorecer as instituições públicas e os governos que optam por utilizar as normas IPSAS para produção de informações contábeis. Por fim, os trabalhos críticos foram aqueles que propuseram um detabe em torno das dificuldades, inconsistências, incompatibilidades, prejuízos e desafios que a convergência às normas IPSAS produzem, ou podem produzir, para os governos. Em resumo, estes estudos dedicaram-se a questionar o processo de convergência e apresentar limites ao mesmo. A seção seguinte apresenta os resultados desse trabalho, exibindo de forma organizada as metodologias utilizadas, os argumentos, as evidências relatadas e as principais conclusões dos artigos selecionados.
Discussão e Apresentação dos Resultados
Nesta sessão, apresenta-se os principais achados dessa revisão sistemática, demonstrando um panorama da discussão sobre a convergência das normas contábeis aplicáveis ao setor público pelas pesquisas acadêmicas em contabilidade. Inicialmente, os trabalhos selecionados serão apresentados em função das principais teorias, metodologias e locais onde os estudos foram realizados e, adicionalmente, tais informações são apresentadas, de maneira sintética, na Tabela 02.
Em seguida, são trazidos os argumentos que fundamentaram os trabalhos e principais evidências demonstradas, organizados conforme o posicionamento adotado no artigo. Assim, podem ser observados três posicionamentos: neutro, favorável e crítico. Os trabalhos neutros não criticam as IPSAS ou o processo de convergência e realizam a argumentação apresentando os pontos, positivos e negativos, já destacados pela literatura até o momento, sem adotar explicitamente uma posição favorável ou desfavorável. Outros apresentam-se favoráveis, ao destacarem os benefícios e a utilidade das IPSAS e, também, por assumirem a convergência como um processo positivo. Alguns trabalhos, por sua vez, destacam os limites do processo de convergência, por meio de uma posição mais crítica. A Tabela 03 apresenta, de modo resumido, os trabalhos e respectivos posicionamentos. Por fim, são apresentadas as principais conclusões explicitadas pelos trabalhos selecionados.
Teorias, Metodologia e Local das Pesquisas: Um Panorama
Dentre os trabalhos selecionados, 52% não declararam ou não ancoraram a pesquisa em uma teoria específica. Esse achado está em consonância com a visão de Jones (1995), que destaca a existência de notável corrente de pesquisa, no âmbito da contabilidade, voltada a demonstrar o modo como a ciência contábil atua para atender as necessidades de empresas ou sociedades, sem a preocupação de questionar ou debater as causas da existência dos fenômenos. Para a autora, estas pesquisas abordam os fenômenos sob a perspectiva das funções a que se dedicam ou para qual finalidade se voltam. A autora acrescenta, ainda, que muitas pesquisas contábeis não deixam claro o fundamento teórico utilizado, pois assumem que a temática é amplamente aceita e faz parte do senso comum. Como pode ser observado na Tabela 02, dez artigos fundamentaram suas pesquisas em alguma teoria existente, sendo a teoria institucional e suas correntes (neo-institucional, difusão, organizacional, fraude e agência) aquela que prevalesce dentre os artigos selecionados. Algumas pesquisas fundamentaram seus argumentos com base nos pressupostos da nova gestão pública.
Oulasvirta (2014) utilizou a nova gestão pública para analisar as causas que provocaram a recusa da adoção às normas IPSAS pela Finlândia. Para a autora, os conceitos e práticas debatidos no âmbito da Nova Gestão Pública (NGP) tiveram como consequência a utilização, cada vez mais frequente da contabilidade baseada no princípio da competência em governos, sendo observada uma preocupação, destes, em apresentar sua posição financeira. A autora demonstrou que o IFAC divulgou, a partir dos anos 2000, as IPSAS baseadas em competência aplicáveis a todas as entidades do setor público, sob o argumento de que, essas normas, proporcionariam o fortalecimento e ganho de qualidade aos padrões contábeis utilizados em entidades governamentais e, desse modo, melhor atenderiam ao interesse público.
A teoria mais utilizada foi a institucional, observada nos trabalhos de Brusca et al. (2016); Ada e Christiaens (2018); Baskerville e Grossi (2019); Gómez-Villegas et al. (2020); Krishnan (2021); Moura, Nascimento e Viotto (2021); Polzer, Adhikari, Nguyen e Gårseth-Nesbakk (2021); Hamed-Sidhom et al. (2022) e Polzer et al. (2022). Brusca et al. (2016) utilizaram a lente da teoria institucional, para averiguar o contexto da adoção e harmonização às normas IPSAS, na América Latina, assim como observaram as circunstâncias da utilização precoce, pela Colômbia e Peru, e quais progressos derivaram desse processo. Por sua vez, Ada e Christiaens (2018) buscaram as causas que provocam falhas na adoção e na implantação da contabilidade por competência no setor público da Turquia.
Baskerville e Grossi (2019) utilizaram a vertente neo-institucional, para examinar os padrões estabelecidos por meio das normas contábeis e os processos que envolvem a adaptação a tais modelos. Para os autores, os organismos internacionais, como o FMI, Banco Mundial e OCDE realizam pressão para que as normas sejam utilizadas, direcionando a compreensão da utilidade global delas. No entanto, eles não pontuam as questões que envolvem o processo adaptativo local a essas normas. Os autores destacam, baseados nos ensinamentos do institucionalismo sociológico, que os órgãos reguladores adquirem poder por meio da legitimidade e que as estratégias adotadas para permitirem a aquisição de legitimidade dependerão do modo como os atores institucionais se posicionam diante das pressões exercidas pelos impulsionadores das mudanças. As normas internacionais são apresentadas como meio para legitimação daqueles que as adotam, perante um contexto global. Discutem, ainda, que as mudanças contábeis provocadas pela adoção de normas não são eventos isolados mas enraizados em discursos globais de uma época e, por sua vez, sofrem influência direta do modo como os atores entendem as mudanças propostas, sua utilidade e viabilidade.
Gómez-Villegas et al. (2020) utilizaram a teoria institucional quando investigaram quais forças provocaram a decisão pela adoção, inalterada ou adaptação das IPSAS, em países da América Latina. Krishnan (2021) dedicou-se a compreender os bastidores, as causas e os contextos que permearam e influenciaram a implementação das IPSAS, na Índia. Para isso, examinou as origens das pressões que induzem às reformas que apregoam a utilização do regime de competência pela contabilidade dos governos. Além disso, buscou compreender como os responsáveis pelo processo de tomada de decisão equilibram e procedem com as tensões desse contexto, tanto em relações internas quanto em relações externas, na Índia. Moura et al. (2021) buscaram capturar a percepção dos municípios brasileiros a respeito do processo de adoção de normas IPSAS, iniciado em 2008.
Polzer et al. (2021) utilizaram a teoria institucional, por meio da corrente teórica da difusão, para elaborar um quadro analítico sobre a produção acadêmica, na temática da adoção das IPSAS, em economias emergentes e países de baixa renda. Hamed-Sidhom et al. (2022) combinaram as vertentes da fraude e da agência, quando se aprofundaram sobre o efeito causado pela adoção das Normas Internacionais de Contabilidade do Setor Público (IPSAS) no nível percebido de corrupção em países favorecidos pela assistência oficial ao desenvolvimento. Por fim, Polzer et al. (2022) utilizaram a perspectiva organizacional para compreender os motivos declarados por alguns países europeus (Áustria, Estônia, Islândia, França, Polônia, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido) para não utilizar as normas, de forma inalterada, em seu processo de convergência às IPSAS e propuseram uma classificação dessas razões.
Argumentos Utilizados pelas Pesquisas
Serão apresentados, a partir deste ponto, na Tabela 03, as principais posições adotadas nos trabalhos selecionados por esta pesquisa, apresentando, incialmente, os que adotaram uma posição favorável ou neutra à adoção das normas IPSAS e, em seguida, os posicionamentos críticos.
As posições favoráveis apresentam o processo de adoção das normas IPSAS como sendo capaz de assegurar consistência e comparabilidade às demonstrações contábeis elaboradas pelo setor público e, portanto, qualificado a elevar a qualidade percebida das informações divulgadas, por entidades públicas (Wang & Miraj, 2018; Graciano & Morales, 2018; Moura et al., 2021). Além de tais características, o acatamento das IPSAS levaria a maior e melhor transparência, responsabilização e eficiência (Azevedo, Aquino, Neves & Silva, 2020; Polzer, Adhikari, Nguyen, & Gårseth-Nesbakk, 2021). A consequência da adoção das normas IPSAS é apontada pela elevação da confiabilidade, nos relatórios financeiros e pela segurança do público e investidores internacionais, provocando a redução do grau de corrupção inferida (Rossi et al., 2016; Hamed-Sidhom et al., 2022).
Nessa linha argumentativa, organizações internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), são apontadas como grandes incentivadores, por impulsionarem a propagação das normas IPSAS, especialmente em países em desenvolvimento (Araya-Leandro et al., 2011; Wang & Miraj, 2018; Polzer et al., 2021). Esses países são vistos como carentes de uma estrutura contábil adequada para o setor público e a consequência dessa ausência é configurada na ocorrência de desperdício orçamentário e corrupção (Gómez-Villegas et al., 2020; Hamed-Sidhom, et al., 2022). As normas IPSAS disseminam princípios, assumidos como imbuídos de robustas ferramentas de governança, capazes de oferecer maior estabilidade e confiança aos investidores, a respeito da qualidade dos dados divulgados pelas demonstrações financeiras e, desse modo, são vistas como meios para alavancar o crescimento das nações, fundado em solidez financeira (Rossi et al., 2016; Wang & Miraj, 2018, Soguel & Luta 2020).
Apesar de todos os benefícios debatidos, a literatura também evidencia críticas ao processo de convergência e harmonização contábil, desencadeado pela adoção das normas IPSAS. Estudos apresentam desafios e questionamentos, em especial aqueles relacionados aos custos de implementação das normas e à utilização de uma norma externa que não foi construída com a participação dos países que a utilizam, o que é visto como uma maneira de fragilizar a soberania nacional (Nistor & Deaconu, 2016; Neves & Gómez-Villegas, 2020; Polzer et al., 2022). Adicionalmente, são discutidos os interesses divergentes existentes entre os organismos que editam as normas e os países que são incentivados a utilizá-las (Oulasvirta & Bailey, 2016), bem como o fato de as normas IPSAS caracterizarem o método anglo-saxão de contabilidade, baseado em competência, enquanto a predominância e relevância, nos contextos nacionais, é atribuído ao orçamento (Oulasvirta, 2014; Oulasvirta & Bailey, 2016; Neves & Gómez-Villegas, 2020).
Foram observadas ressalvas quanto à disseminação de técnicas e instrumentos consagrados no âmbito privado para o setor governamental, pois essas provocam alteração da racionalidade do setor público (Brusca et al., 2016). Essas mudanças foram interpretadas como introdutoras de princípios neoliberais na administração pública, tendo em vista a interpretação de entidades governamentais sob uma perspectiva empresarial (Brusca et al., 2016; Nistor & Deaconu, 2016). Assim, a utilização do regime de competência pelo setor governamental faz com que ele atribua atenção à economia pública (produção de superávits), quando na verdade é esperado que o foco dos governos esteja no serviço colocado à disposição da sociedade, ou seja, as externalidades e resultados observados pelas políticas públicas empreendidas deixam de ocupar o lugar de centralidade, tendo em vista o fato de, muitas vezes, esses efeitos serem observados não de forma imediata, mas no decurso do tempo (Jones & Caruana, 2016; Nistor & Deaconu, 2016).
Também, são realizadas críticas à utilização de normas elaboradas por um organismo privado, que não foi legitimado por meios democráticos, pois no contexto dos governos, as reformas empreendidas, no âmbito da contabilidade, não podem ser vistas como neutras, pois fazem parte de seu processo constitutivo, com variáveis políticas e ideológicas (Oulasvirta & Bailey, 2016; Neves & Gómez-Villegas, 2020; Krishnan, 2021). As crises financeiras, em âmbito internacional, são apontadas como momentos, nos quais forças coercitivas são utilizadas em favor da padronização e os gestores políticos não podem ignorá-las, tendo em vista a resposta política e as mudanças que são esperadas desses atores, nessas circunstâncias (Oulasvirta & Bailey, 2016; Jones & Caruana, 2016; Krishnan, 2021).
Principais Evidências Apresentadas pelos Estudos
Mesmo nos trabalhos que adotaram uma posição favorável ou neutra em relação à convergência, foram apresentados desafios e dificuldades desse processo, como a mudança, de uma rotina antiga para uma nova e a demanda de recursos financeiros e humanos para conduzir o processo. Uma ruptura colossal e instantânea torna-se fantasiosa, inclusive, quando envolve questões contábeis. Adoção de normas IPSAS pressupõe a utilização de novos modelos e novas mensurações e, de maneira prática, isso representa a alteração dos modos de mensuração de ativos e passivos, a utilização de conjunto de dados não utilizados para valores de entradas e saídas de contas, além da contabilização de eventos inovadores para o setor público como, por exemplo, reconhecimento e mensuração de benefícios a empregados, ativos intangíveis, ativos de infraestrutura, tudo isso sem desconsiderar a dificuldade da mudança paradigmática da utilização do regime de competência. No Brasil, foi observada prevalência, nos governos locais, da utilização de softwares contábeis de empresas privadas, na introdução e condução da utilização das IPSAS, ou ainda, situações de terceirização da função contábil. Estes fatores expõem a influência de interesses diversos no processo de cumprimento das normas IPSAS, tendo em vista que, tais empresas, movidas por seus interesses comerciais, podem gerar influência e direcionamento, tanto na velocidade quanto na organização da implementação das normas (Azevedo et al., 2020).
As estratégias utilizadas nos países para efetivação das IPSAS têm sido variadas, mas houve similaridade quanto ao protagonismo assumido pelos órgãos reguladores de contabilidade. Organismos financeiros internacionais tornaram-se grandes propulsores da utilização das normas IPSAS ao redor do mundo ao condicionarem a aprovação de recursos destinados a programas internos a utilização das IPSAS. Segundo o discurso adotado por tais organismos, os relatórios dos governos produzidos sob um mesmo padrão favorecem a comparabilidade e levam a transparência (Araya-Leandro et al., 2011).
Foi evidenciado que o processo de implementação das normas IPSAS em economias emergentes e países de baixa renda é permeado por disputas por poder e recursos entre indivíduos ou grupos sociais e pela demanda por investimento em treinamento e formação dos servidores públicos para que estejam aptos a atuar de acordo com a realidade trazida pelas normas e que essa disputa representa um desafio a instituição das IPSAS. Foi afirmado que os níveis de persuasão e o modo como as decisões são tomadas no entorno da temática de implementação das IPSAS ainda é pouco investigado pela literatura, sendo desejável que uma agenda de pesquisa voltada a compreender os papéis e interesses das partes envolvidas, como por exemplo associações ou conselhos de contadores, tendo em vista a mudança afetar a atuação e o dia-a-dia destes profissionais (Polzer et al., 2021).
Em trabalhos que buscaram apresentar uma posição mais crítica à adoção das IPSAS, houve destaque para necessidade de maior desenvolvimento e amadurecimento sobre a utilização dessas normas, pois, apesar da divulgação de um grande número de relatórios, dados sobre infraestrutura, depreciação, ativos e passivos contingentes, ela ainda permanece obscura. Além disso, mesmo depois de uma década do início da utilização do regime de competência pelo setor público turco, o estágio da harmonização às regras internacionais foi considerado inicial naquele país (Ada & Christiaens, 2018).
Nessa corrente crítica, foi apresentado o modo de utilização das IPSAS, que pode ser integral, quando elas são utilizadas sem alteração de conteúdo, ou de forma indireta, quando são extraídos princípios e conceitos das IPSAS para aplicação no contexto local. Regulamentos e manuais são utilizados para orientação da adoção das normas, além da expedição de resoluções, decretos ou consultas técnicas (Neves & Gómez-Villegas, 2020). Esse processo de adaptação das normas ao contexto nacional foi nomeado como glocalização por Baskerville e Grossi (2019) e visto como positivo, sendo defendido como um meio de melhor integração das IPSAS e do processo de convergência nos governos. Em contraponto a esse argumento, Polzer et al., (2022) questionou a comparabilidade dos relatórios produzidos a partir desse processo de glocalização, pois os instrumentos normativos emitidos localmente a partir das IPSAS, partem de simplificação ou até mesmo da omissão de normas e, desse modo, a defendida uniformização reside muito mais no campo discursivo do que na prática. Ainda sobre esse ponto, com ênfase aos limites dos argumentos, foi observada prevalência na utilização indireta das IPSAS sob a justificativa de que alguns temas regulados por tais normas não possuíam relevância para o contexto interno dos países, portanto a adoção inalterada foi interpretada como inadequada e a inclusão de certas avaliações, desnecessária (Polzer et al., 2022).
Em contraponto às posições favoráveis a adoção das normas IPSAS e do processo de convergência, estudos apontaram para a atuação e influência de organismos internacionais. O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico realizaram recomendações a partir de 2004 para que instituições públicas utilizassem as normas IPSAS com intuito de se tornarem mais transparentes, elevarem os níveis de responsabilização por meio da divulgação de relatórios contábeis interpretados como de elevada confiabilidade. Em seus programas de assistência, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional recomendam fortemente a utilização das IPSAS atuando como legitimadores internacionais desse movimento (Brusca et al., 2016).
A dependência econômica de muitos países e a busca por legitimação perante estes organismos foram causas motivadoras para decisão de adoção das normas IPSAS. No Brasil, por exemplo, o Banco Mundial fez uma recomendação expressa indicando a criação de um organismo responsável pela tradução das normas internacionais de contabilidade no ano de 2005. Desta sugestão nasceu o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, constituído de membros com orientação do mercado de capitais que se voltou para tradução das normas aplicáveis a entidades privadas (IFRS). O argumento exaustivamente repetido pelos organismos multilaterais passou a envolver a defesa de que relatórios produzidos segundo as IPSAS seriam capazes de garantir a qualidade e a estabilidade econômica para os mercados internacionais (Neves & Gómez-Villegas, 2020).
Na Romênia, semelhante situação foi descrita. A necessidade de financiamento externo e as exigências realizadas pelos organismos financiadores, como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, influenciaram a decisão pela adoção das IPSAS. O argumento utilizado por tais organismos envolve questões de confiabilidade e de custos adicionais, caso seus próprios analistas tenham que realizar a conversão das informações produzidas por cada país para interpretação dos interesses dos financiadores, por isso a harmonização internacional é apregoada. Deste modo, países que não utilizam as normas IPSAS para produção de relatórios financeiros abrem espaço para questionamentos sobre a utilidade e relevância de suas informações. Nesse prisma, foi esclarecido que a utilização de normas contábeis padronizadas sofre influências políticas e econômicas. A necessidade pela captação de recursos para levar adiante reformas do setor público foi evidenciada como moeda de troca para disseminação da utilização das normas (Nistor & Deaconu, 2016).
A utilização das premissas e bases de divulgação difundidas pelas IPSAS foram consideradas adequadas para entidades governamentais dedicadas a operações comerciais, porém a utilização dessas por conselhos ou para organismos que ofertam serviços essencialmente públicos foi considerada problemática. Outra razão apresentada para utilização das normas, apesar de todas as dificuldades discutidas, foi a influência exercida por empresas de auditoria e também pela pressão exercida pelas organizações da profissão contábil sobre os governos. Foi discutido que tais organizações não necessitam somente de recursos para existir, mas almejam conquistar aceitação e confiança por parte da sociedade. Em Malta, foi evidenciado que a reputação internacional e credibilidade foram fatores determinantes para escolha das IPSAS, uma vez que buscavam ser classificados como participantes do conjunto de países de economia avançada pelo Fundo Monetário Internacional (Jones & Caruana, 2016). A participação das grandes empresas de auditoria do cenário mundial, as chamadas Big Four, foi ponderada como pujante pois a semelhança entre informações produzidas e divulgadas favoreceria seus negócios de consultoria (Oulasvirta, & Bailey, 2016; Krishnan, 2021).
Na contramão do movimento observado na maioria dos países, a Finlândia, após uma série de debates, decidiu pela não adoção das normas internacionais de contabilidade aplicáveis ao setor público. No caso finlandês, não foi observada pressão pela adoção das normas IPSAS no governo em detrimento das existentes e já consolidadas pelos organismos contábeis nacionais e pelos contadores. Porém, na discussão realizada nesse país, foi percebido que as IPSAS apresentavam caminhos favoráveis ao desenvolvimento da contabilidade por competência, no âmbito governamental. Como consequência, passaram a elaborar demonstrações de receitas auferidas e despesas realizada, assim como o balanço patrimonial. Todavia, mesmo com sua elaboração e divulgação, esses relatórios, na prática, foram considerados irrelevantes para o processo de tomada de decisão. Esse processo de produção de relatórios desimportantes demonstrou o impacto que as reformas da administração, difundidas globalmente e ancoradas pelo discurso de eficiência, exercem na legitimação da conduta governamental (Oulasvirta, 2014).
Resultados Alcançadas pelos Estudos
As principais conclusões apontaram para a existência de mecanismos de pressão, influência de organizações globais, conveniência sobre utilização e estágio do processo de adoção das IPSAS. Ada & Christiaens (2018) aplicaram a teoria institucional, associada ao conceito de desacoplamento, para fundamentar a afirmação de que a adoção às normas internacionais de contabilidade, no setor público turco, sofreu grande coerção de organizações internacionais. Pressões internas e externas também foram evidenciadas por Krishnan (2021) como causadoras do movimento de reforma contábil na Índia. Fatores como escândalos políticos e a cobrança por maior responsabilização do governo indiano, assim como a necessidade do governo de adquirir credibilidade e legitimidade perante a sociedade, foram expostas como pressões de demanda. Nesse cenário, o governo indiano recorreu a instrumentos e instituições validados internacionalmente e identificados como confiáveis.
Neves & Gómez-Villegas (2020) observaram que o mero ingresso das normas IPSAS, na América Latina, provocou melhor classificação perante agências de crédito e tal fato contribuiu para o convencimento dos responsáveis pelas finanças dos países, sobre os benefícios disseminados pela utilização dessas normas. Gómez-Villegas et al., (2020) concluíram que os países da América Latina ainda não finalizaram as reformas que objetivam a utilização do regime de competência nos governos. As IPSAS visam legitimar um novo modelo de finanças públicas que, por sua vez, provocou avanços na produção de profissionais especializados nessa temática.
Na América Central, Araya-Leandro et al. (2016) concluíram que o nível de convergência às IPSAS ainda carece de expressivo progresso, apesar do avanço na apresentação de relatórios financeiros anuais. No Brasil, Azevedo et al. (2020) afirmaram existir baixa adoção das IPSAS e apontaram influência de um fornecedor de software na condução dessa agenda nos governos locais. Nistor & Deaconu (2016) perceberam que a transmutação para o regime de competência não é absoluta na Romênia cujo regime de contabilidade é heterogêneo, com a utilização conjunta da contabilidade de caixa e da contabilidade por competência. Rossi et al. (2016) acrescentaram que a utilização do regime de competência, em alguns níveis de governo, não pode ser interpretada como sinônimo de harmonização vertical. Os autores complementam que a decisão pela utilização do regime de competência, pela contabilidade governamental, não representa, indispensavelmente, a escolha pelas IPSAS, tendo em vista alguns países europeus terem adotado uma abordagem diferente para implementação do regime de competência.
Jones & Caruana (2016) alegaram que o propósito para adoção das IPSAS reside na simplificação da relação com o Eurostat[ii], em oposição à afirmação disseminada de que os relatórios financeiros elaborados conforme as IPSAS destinam-se a melhorar os instrumentos de gestão pública e tomada de decisão. Afirmam ainda que o desejo fundamental reside na credibilidade perante a União Europeia e não na obrigação de prestar contas e servir aos cidadãos. Brusca et al. (2016) perceberam que a não utilização das normas elaboradas com base nas IPSAS, no processo de tomada de decisão dos governos, denota que a serventia da IPSAS não é prática.
Polzer et al. (2022) evidenciaram controvérsias existentes entre as normas IPSAS e os padrões nacionais de contabilidade de alguns países europeus. As tradições contábeis foram entendidas como influentes na decisão pela adoção ou não das IPSAS. Estes resultados estão alinhados aos observados por Oulasvirta (2014), quando evidenciou a recusa, pela Finlândia, em adotar as normas IPSAS, fundamentada nas práticas contábeis bem desenvolvidas e enraizada no país. Polzer et al. (2022) argumentaram que a utilização, pelos governos, de normas contábeis elaboradas e incentivadas por organismos internacionais privados provoca receios quanto a perda de soberania entre os adotantes. Por fim, Oulasvirta (2014) concluiu que a existência de um conjunto normativo alternativo, em desafio às IPSAS, poderia ser vantajoso, porém, reconheceu a dificuldade de algum organismo internacional em assumir afrontamento às normas elaboradas pelo IFAC.
Conclusões
Este trabalho se dedicou a sistematizar as diversas posições que podem ser observadas na área acadêmica em relação à convergência a normas contábeis aplicáveis ao setor público. Evidenciou-se o crescente interesse acadêmico pela temática em estudos publicados de 2011 a 2022. Em sua maioria, os trabalhos selecionados adotaram métodos qualitativos de análise, para compreensão da convergência às normas IPSAS, nos mais variados países e contextos. A teoria mais utilizada foi a institucional, porém, uma variedade de trabalhos não declarou a utilização de nenhuma corrente teórica.
Apesar da afirmação de que as normas IPSAS permitem elevar a qualidade percebida nas informações contábeis produzidas pelo setor público, aumentar a transparência, a responsabilização e a eficiência, e adicionalmente, reduzir os níveis de corrupção percebida (Brusca et al., 2016; Rossi, Cohen et al., 2016; Wang & Miraj, 2018; Graciano & Morales, 2018, Azevedo et al., 2020; Krishnan, 2021; Moura et al. 2021; Polzer et al., 2021; Hamed-Sidhom et al., 2022), esse argumento não é isento de críticas na área acadêmica. Alguns dos trabalhos selecionados evidenciaram o influente papel que organismos internacionais, como Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, exercem na decisão pela adoção das normas IPSAS pelos governos. A necessidade de financiamento internacional para concretização de reformas em alguns países, aliada a condição imposta pelos detentores de capital, quanto a utilização dos padrões internacionalmente validados, foram demonstrados como determinantes para disseminação das IPSAS globalmente (Araya-Leandro et al., 2011; Brusca et al., 2016; Nistor & Deaconu, 2016; Neves & Gómez-Villegas, 2020).
Interesses privados que não, objetivamente, coadunam com as vantagens declaradas, a partir da defesa e impulso pela utilização das IPSAS, foram pontuados como responsáveis por fragilizar a soberania dos países e seus regulamentadores internos (Jones & Caruana, 2016; Polzer et al., 2022). A utilização de normas emitidas por uma organização privada (Oulasvirta, 2014), sem um processo democrático de construção (Brusca et al., 2016), representa a inserção de interesses duvidosos capazes de alterar a racionalidade existente (Brusca et al., 2016; Gómez-Villegas et al., 2020), disseminando princípios neoliberais no interior dos governos (Brusca et al., 2016; Nistor & Deaconu, 2016). Nesse sentido, algumas entidades empreenderam notável esforço, como, por exemplo, as empresas de auditoria (Oulasvirta & Bailey, 2016; Krishnan, 2021), os fornecedores de software (Azevedo et al., 2020) e as organizações contábeis (Jones & Caruana, 2016). Mesmo com todo esforço e pressão internacional ao redor das IPSAS, de um modo geral, a convergência foi apresentada como em estágio inicial ou pouco desenvolvida (Araya-Leandro et al., 2016), e a utilidade dos relatórios contábeis, produzidos de acordo as IPSAS, na tomada de decisão foi questionada, sendo compreendida com retórica (Brusca et al., 2016).
Apesar da abrangência de seus resultados este trabalho possui limitações, tendo em vista não contemplar trabalhos não indexados nas bases de dados utilizadas, limitando o escopo analítico do trabalho e privilegiando trabalhos internacionais. Apesar desta limitação os achados deste trabalho de revisão sistemática suscitam o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa, a fim de melhor compreender algumas questões. Em primeiro lugar, a relação entre organismos financeiros internacionais e a disseminação das normas IPSAS, ainda, carece de esclarecimentos, tendo em vista o fato de tais organismos terem sido apontados como grandes influenciadores do processo. Além disso, o papel das grandes empresas de auditoria, das organizações contábeis e da academia não foi suficientemente elucidado. Por fim, a utilidade das normas IPSAS, no processo de tomada de decisão, precisa ser melhor explicado, pois a existência de críticas às múltiplas vantagens reverberadas pela adoção das normas IPSAS denota que as conclusões sobre este assunto ainda merecem ser investigadas.
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Notas