Editorial
Editorial
Editorial
Administração Pública e Gestão Social, vol. 15, núm. 4, 2023
Universidade Federal de Viçosa
Caros(as) Leitores(as),
Para a última edição de 2023 da APGS teremos um editorial temático, com o intuito de promover reflexões para o próximo ano, sobretudo, considerando o cenário iminente das eleições municipais. Com a Constituição Federal de 1988, a estrutura do Federalismo tornou-se mais presente no território brasileiro, e os municípios foram os entes que mais foram sujeitos a direitos e obrigações nesta Carta Magna. Diante disso, o editorial desta edição foi escrito pelo professor Luiz Antônio Abrantes, professor da Universidade Federal de Viçosa, que trouxe reflexões sobre o Federalismo e a situação do município como ente subnacional no Brasil. Essa discussão é importante para que a sociedade entenda as ações municipais e os cenários atuais de reformas no setor público.
Após a apreciação deste editorial, também faço o convite para a leitura de nossos artigos e casos de ensino.
Saudações,
Luiz Abrantes e Antônio Brunozi.
Editorial:
No Brasil, o papel e o tamanho do Estado são temas amplamente debatidos a partir de diferentes perspectivas na política e na economia. A polarização em torno do tema remete-se às implicações do processo de descentralização, a eficiência na gestão e na arrecadação dos serviços públicos, a redução dos desequilíbrios regionais e locais e a garantia do estado de bem-estar social.
É notório que a promoção do desenvolvimento socioeconômico é um desafio para gestão pública nos diferentes níveis de governos. A Constituição Federal de 1988 ampliou, para os entes federados, uma série de competências na área social, com autonomia e repartição de competência para execução, a exemplo da saúde, educação e assistência social. Entretanto, o federalismo fiscal em sua forma de repartição, pode apresentar-se como um obstáculo para as políticas sociais, considerando a disponibilidade de recursos para financiar os programas e serviços.
Dessa forma, questiona-se na estrutura federativa a autonomia política e administrativa de grande parte dos entes subnacionais em relação a autonomia financeira, considerando a baixa arrecadação própria e a dependência das transferências governamentais. Neste aspecto ressalta-se, na estrutura federativa vigente, a ampliação dos direitos sociais, via emendas constitucionais ou de legislação infraconstitucionais, com maior delegação de competências para os municípios na prestação e execução dos serviços públicos, principalmente nas questões relacionadas à saúde e educação.
De fato, para promover o desenvolvimento social e econômico, o Estado deveria atuar, via controle e eficiência dos gastos públicos e tributação, considerando a ausência de políticas fiscais justas que atendam aos critérios de eficiência, equidade e transparência, que dificulta a autonomia dos entes federados. Acresce-se a isso, a existência de grandes desigualdades socioeconômicas e infraestrutura em um país regionalmente desigual com a presença de estados de baixo e alto poder econômico, requerendo a aplicação de um modelo de equalização adequado à realidade brasileira.
Acresce-se a este desafio, a alta representatividade do número de pequenos municípios de baixa população, baixa densidade populacional e níveis de capacidade fiscal, técnica, gerencial e administrativa e de ineficiência na oferta de serviços públicos. Sob a perspectiva da economia de escala, o tamanho do município influencia no processo de gestão ou eficiência dos recursos públicos. Com a inexistência de ganho de escala em função do número de usuários e do risco de ociosidade estrutural, esses municípios deixam de cumprir seu papel no oferecimento dos serviços públicos, que são vetores desenvolvimentistas.
Diante de tamanha diversidade, a promoção do desenvolvimento socioeconômico é um desafio para a gestão pública nos diferentes níveis de governos, principalmente para os municípios, que no desenho do federalismo fiscal, receberam competência sobre os tributos de base urbana, de menor expressão econômica e de maior dificuldade de arrecadação em razão de fatores políticos, tecnológicos e até mesmo de gestão. Um grande desafio é imposto, a estes entes, na promoção e implementação de políticas públicas locais em uma federação com grande desigualdade inter e intra regional e social e com poucos mecanismos de cooperação intergovernamentais e competências constitucionais exclusivas, acrescido ao fato de a competência legislativa estar concentrada na esfera federal, além da falta de protagonismo e iniciativas dos Estados.
Além disso, as transferências intergovernamentais apresentam alto grau de vinculação aos gastos sociais, implicando em um menor grau de discricionariedade do gestor público na aplicação das receitas, além da pouca efetividade em sua forma de distribuição. São grandes os entraves e desafios da ordem federativa, onde o grande o dilema do federalismo fiscal, concentra-se na redefinição do sistema de partilha dos fundos constitucionais e adoção de medidas efetivas para amenizar o problema regional com novas políticas de desenvolvimento e de transferências tributárias.
Ante esses problemas, torna-se necessário uma nova avaliação do arranjo federativo restabelecendo maior integração política e tributário-fiscal com a alteração do sistema de partilha para fazer frente ao caráter distributivo e promoção de equalização fiscal para amenizar os desequilíbrios federativos. A exemplo, cita-se a capacidade fiscal, as transferências vinculadas à capacidade econômica do ente e a longa permanência da estrutura básica das transferências intergovernamentais a exemplo do Fundo de Participação dos Municípios - FPM e do Fundo de Participação dos Estados - FPE.
O antagonismo dos critérios de distribuição dos Fundos, tendo a base populacional presente no critério do FPM, beneficia de forma diferenciada as faixas da população e, ao elevar a transferência per capta dos municípios de menor porte, distorce a capacidade redistributiva do fundo, penalizando os maiores. Da mesma forma que, ao se levar em consideração o inverso da renda per capta como critério para distribuição do FPE, os estados com maior capacidade econômica repassam recursos relacionados ao seu potencial arrecadatório, provocando embate entre os estados perdedores e ganhadores. Os coeficientes utilizados para a redistribuição do Fundo foram contestados pelo Supremo Tribunal Federal sob o argumento da pouca clareza da promoção do equilíbrio socioeconômico entre os entes federados.
Ressalta-se que o uso intensivo de mecanismos de repasses interjurisdicional para assegurar a equidade como estratégias de combate à pobreza e às desigualdades regionais, podem gerar ou agravar demandas regionais já existentes e criar externalidades que afetam o comportamento dos gastos, da arrecadação e do desenvolvimento econômico dos governos receptores. Acresce-se a falta de autonomia financeira de recursos tributários e a dependência econômica dos entes subnacionais em relação às transferências intergovernamentais, além do aumento da demanda na provisão de bens e serviços públicos. Tais fatos causaram um descompasso entre o federalismo político e o federalismo fiscal, dificultando a formulação e a gestão das políticas públicas.
Assim, o principal desafio político nos programas de descentralização é projetar e desenvolver um sistema apropriado de transferências, que possa garantir serviços públicos locais satisfatórios para entes com capacidades distintas, enquanto, ao mesmo tempo, manteria a estabilidade macroeconômica. Dessa forma, é preciso gerir as relações fiscais intergovernamentais, tendo em conta, por um lado, a crescente necessidade de bens e serviços públicos locais e, por outro, a importância de se preservar a disciplina fiscal em nível nacional e subnacional.
Diante disso, a reforma administrativa e tributária tornou-se matéria essencial diante do acúmulo de distorções no arranjo federativo, no sistema tributário e de partilha com revisão dos critérios de distribuição dos fundos constitucionais. É mister que se promova o equilíbrio entre o sistema tributário e os problemas federativos, embora o que se traduz na solução para estes problemas advindos da reforma administrativa, tributária apresentaram pouco avanço nos dias atuais.
Autor: Professor Luiz Antônio Abrantes, UFV